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Dinâmicas regionais, identidade e cultura

LOCAIS NA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL.

Francisca Mesquita Souza da Silva4 Elder Andrade de Paula 5 RESUMO

Neste pretende-se analisar o discurso inserido nas políticas de manejo florestal madeireiro no Projeto Agroextrativista Chico Mendes, localizado no Município de Xapuri, no Estado do Acre. Observou-se que esse discurso, adotado pela Experiência MAP (Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia) ao invés de valorizar os conhecimentos das populações locais da Amazônia tende a demonstrar, na prática, sua desvalorização. A Experiência MAP envolve inúmeras organizações nacionais e estrangeiras ligadas a questão socioambiental e juntas produzem e disseminam o discurso da valorização do conhecimento científico no desenvolvimento da Amazônia através da defesa de um “desenvolvimento sustentável” pautado em critérios “essencialmente científicos” de domínio da natureza para fins de “exploração racional” de seus recursos, o que culmina com a desvalorização dos conhecimentos das populações locais. Foram realizadas pesquisa bibliográfica e entrevistas.

Palavras-chave: Discurso Científico, Manejo Madeireiro, Amazônia, desvalorização, PAE Chico Mendes.

Introdução

Este trabalho resgata a problemática tratada na dissertação de mestrado intitulada “O apagar das porongas: manejo florestal madeireiro e desvalorização dos saberes locais na Amazônia Sul Ocidental” desenvolvida no Programa de Pós- Graduação e Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Acre PPGMDR/UFAC no ano de 2009 por Francisca Mesquita Souza sob orientação do Professor Dr. Elder Andrade de Paula.

4Professora de Sociologia do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Tocantins. Possui Graduação

em Ciências Sociais com habilitação em Sociologia (2006), Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre (2009). E-mail: francisca.souza@ifto.edu.br

5Professor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento

Regional da Universidade Federal do Acre. Poussui Graduação em Licenciatura em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1983), Mestrado (1991) e Doutorado (2003) em Ciências Sociais pelo CPDA/ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Pós Doutorado em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM (2011). E- mail: elderpaula@uol.com.br

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O objetivo principal do estudo é investigar o discurso praticado pelos defensores das políticas de manejo florestal madeireiro no Projeto de Assentamento Chico Mendes6 (PAE Chico Mendes), localizado no município acreano de Xapuri, a aproximadamente 200 Km de Rio Branco. A área tem seu acesso pela BR 317 na altura do Km 143, lado esquerdo, sentido Rio Branco – Brasiléia, através do ramal 26 Cachoeira, distante cerca de 18 km da margem da BR 317 até a sede da Associação de Moradores e Produtores do PAE Chico Mendes, na colocação Fazendinha.

Figura 1: Localização do PAE Chico Mendes

Fonte: Centro dos Trabalhadores da Amazônia. Disponível em http://cta- acre.org/home/index.php/comunidades/107-pae-chico-mendes

O PAE Chico Mendes foi legalizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária através da Portaria n. 158 de 08 de março de 1989 como Projeto de Assentamento Extrativista Chico Mendes. No entanto, o mesmo órgão resolve criar, através da Portaria n. 286 de 23 de outubro de 1996, em substituição à modalidade de Projeto de Assentamento Extrativista à modalidade de Projeto de Assentamento Agroextrativista, o que viabilizava o manejo comunitário madeireiro. Sua posse foi concedida inicialmente a 68 famílias, sendo hoje um total de 87 famílias. O PAE tem sua área total de 24.898,2021 hectares e destina-se a exploração de áreas com riqueza extrativistas, economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis pelas famílias que ocupam a área.

O PAE Chico Mendes foi berço da resistência do sindicalismo rural no estado do Acre e um dos primeiros lugares a se utilizar “métodos científicos” de uso racional dos recursos madeireiros como “forma de valorização das tradições das populações locais”, configurando-se como um campo de investigação sobre a atuação do discurso

6 O nome PAE Chico Mendes é em homenagem ao Líder seringueiro Chico Mendes, que liderava os

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inserido nas políticas de manejo florestal madeireiro na Amazônia Sul Ocidental do século XXI.

Metodologia

Para a análise dessa problemática na Amazônia, foram relizados levantamentos bibliográficos sobre a integração da Amazônia ao processo de "modernização" através dodiscurso científico, bem como pesquisas com a população local visando verificar na prática o uso desse discurso.

Observou-se que discursos presentes nas práticas sustentáveis, ao invés de valorizar os saberes locais das populações tradicionais da Amazônica demonstram, na prática, sua desvalorização. Este, baseado do conceito de “desenvolvimento sustentável”, onde está pautado por critérios “essencialmente científicos” de dominação da natureza para fins de “exploração racional” dos recursos existentes nessa região, apresenta uma perspectivade crescente desvalorização dos conhecimentos tradicionais dessas populações.

O uso de critério científicos no domínio da natureza surge na década de 1980, onde liderado por países desenvolvidos, o meio ambiente tornou-se um tema de “interesse do bem comum”, apresentando-se como uma estratégia disfarçada para justificar a intervenção internacional em regiões como a Amazônia. Como esse discurso difundido, tornava-se fácil a realização de intervenções na Amazônia com a legitimação de uma forma degradante de utilização dos recursos naturais, mas vista com bons olhos por utilizar “critérios científicos” na extração dos recursos naturais. Observa-se que para a efetivação dessa estratégia internacional, recorrer ao discurso científico como um instrumento capaz de legitimar essa forma de produzir que é “comprovada” pela utilização racional dos recursos naturais é essencial para a aceitação pelas comunidades e pela sociedade em geral.

Assim, a ciência “convidada” a resolver os problemas inerentes à expansão do capitalismo na Amazônia, o que não é recente, tão pouco novidade. Não é recente. Desde a década de 1970 o Estado cria e instala meios concretos de implementação de políticas de “modernização” que visam a integração da Amazônia ao mercado mundial. Na verdade, a utilização do discurso científico, ora tende a afirmar a necessidade e a legalidade do desflorestamento visando à “modernização”, ora tende a afirmar ser necessário preservar a Amazônia e utilizar de formas racionais de exploração.

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O discurso de utilização de métodos racionais para a exploração da Amazônia se fortalece a partir da década de 1990, no sentido de utilizar meios "racionais" de uso dos recursos naturais visando à sobrevivência das gerações futuras, conforme orientações estabelecidas no documento intitulado Relatório Nosso Futuro Comum publicado em 1987, onde o desenvolvimento sustentável foi definido como aquele que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras, além de suprir suas próprias necessidades.

Nesse projeto, observa-se um distanciamento (abdicação) do Estado e uma abertura à Sociedade Civil. Assim, a Amazônia fica vulnerável e disponível às regalias e necessidades do mercado capitalista em expansão. Nesse período, diversas Organizações Não Governamentais (ONG’s) e muitas Agências Não-Governamentais (ANG’s), estrangeiras e nacionais, assim como outras organizações como Banco Mundial, se interessam pela Amazônia. Foi um forte processo de legitimação da atuação da sociedade civil, necessário para a consolidação do discurso científico para a exploração da Amazônia. Como afirmou Souza,

Durante esse processo de consolidação e legitimação da sociedade civil passou-se a divulgar com maior ênfase conceitos que visassem à execução dos projetos da sociedade civil tais como “uso racional dos recursos naturais” e o tão mencionado “desenvolvimento Sustentável” – e todas as mazelas a este termo atribuídas –, com a intenção primeira de fazer desaparecer os históricos conflitos de classes através da utilização comum do desenvolvimento sustentável, como se tudo que envolvesse essas palavras fosse dar certo, ou fosse o melhor a todos os grupos sociais (SOUZA, 2009, p. 12).

Vê-se, assim, a necessidade dos meios científicos para que a sociedade civil garanta a legitimação de seus interesses e projetos a serem executados na área ambiental com fins econômicos, como vem acontecendo através do manejo florestal madeireiro no Acre, onde os discursos e exploração racional desses recursos se concretizam as políticas ambientais e econômicas da sociedade civil e da sociedade política.

Nessa região, verificamos também como fundamental a Experiência MAP7 que tem um forte peso na formulação das políticas que visam a defesa de um “desenvolvimento sustentável” pautado em critérios “essencialmente científicos” de domínio da natureza – visando a “exploração racional” dos recursos da Amazônia.

A Experiência MAP constitui uma rede de articulação da sociedade civil que atua na fronteira trinacional formada por Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e

7 É um experimento de articulação da sociedade civil que atua na fronteira trinacional (Madre de

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Pando/Bolívia. Esse território abrange uma população de cerca de 700.000 habitantes em uma área de aproximadamente 300.000 km 2. Na Experiência MAP hoje estão inseridos, além de instrumentos de controle governamentais, instrumentos da sociedade civil que legitimam sua atuação sem maiores dificuldades, apesar dessa atuação ter características extremamente coloniais. Uma das estratégias mais utilizadas para tanto é a defesa de um “desenvolvimento sustentável” baseado em critérios científicos capazes de dominar a natureza de forma estritamente racional, como por exemplo, o manejo florestal madeireiro (Souza, 2009, p. 36)

A Experiência MAP surge como sendo um “modelo de cooperação” a ser adotado para a Amazônia, baseado no pressuposto de que somente através da gestão compartilhada de diversos interesses é que será possível a preservação dos recursos naturais - interesse comum aos três países que fazem parte da Experiência MAP. No entanto, através da análise de sua estrutura funcional percebe-se a verticalização do poder, conforme alertava Paula (2005).

Em primeiro lugar, a iniciativa é tomada por um grupo de cientistas ligados à temática ambiental, parte deles com pesquisas financiadas por agências não governamentais dos EUA que, por sua vez, têm entre seus doadores grandes corporações ligadas à linha de produtos fitoterápicos. Em segundo lugar, num curtíssimo espaço de tempo obtêm uma legitimidade fenomenal nas esferas da sociedade política (envolvendo a participação de prefeituras e demais instituições governamentais de âmbito estadual e ou departamental) e da sociedade civil, abrangendo desde organizações do campesinato, indígenas até a indústria madeireira, na tentativa de conciliar sob o manto do “desenvolvimento sustentável” as contradições de classes, de equacionar conflitos históricos pelo “diálogo”. Em terceiro lugar, reproduz e legitima as concepções e diretrizes que orientam a atuação coordenada pelo BIRD na Amazônia continental, uma vez que tanto na orientação discursiva quanto na sua estrutura operacional dissocia desenvolvimento econômico de meio ambiente e, sobretudo, da dimensão social, tratada à parte no tema da “equidade social”. Em quarto lugar, procura reconfigurar territorialização e territorialidade segundo os interesses hegemônicos representados mundialmente pelos EUA. Por fim, aprofunda as assimetrias de poder entre Norte/Sul ao reduzir progressivamente na esfera da sociedade civil o protagonismo dos movimentos sociais, transferindo-os cada vez mais para estruturas 44 de comando de poderosas agências não governamentais comprometidas com esse “hegemon” (PAULA, 2005, p. 20)

O discurso científico chega ao PAE Chico Mendes de forma simples e inofensiva. Muitos moradores do local, no início, achavam contraditório o berço das lutas contra a devastação florestal liderada pelo líder Chico Mendes começar a manejar a floresta para comercializar. No entanto, como foram encaminhados muitos técnicos

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para ensinar as populações tradicionais a manejar de forma sustentável e sobreviver com essa produção, a ideia foi-se alastrando e sendo aderida pela população.

Figura 2: Área Geográfica do MAP

Fonte: http://map-amazonia.net/index.php?lang=pt&page=regiao

Até então, as populações viviam com a extração do látex e coleta da castanha, mas, devido a crise do mercado, o manejo8 florestal comunitário surgiu no final da década de 1990 com o objetivo de instituir oportunidades de renda num momento de crise do mercado da borracha e da castanha.

[...] a introdução do manejo ‘comunitário’ começou com reuniões informativas por parte da SEATER, SEPROF, CAT e WWF entre 61 outros organismos, que, aliás, fazem parte da Experiência MAP. Estas reuniões tinham por objeto informar as pessoas sobre a seleção e extração das espécies madeireiras, assim como os preços de venda da madeira. Eles garantiam que com o manejo madeireiro não iam precisar plantar roçado (TERRON, 2006, p.41).

Para consolidar o discurso sustentável do manejo comunitário, algumas famílias, inclusive com grau de parentesco com o líder seringueiro Chico Mendes, passaram a ser divulgadoras do projeto, para que as demais famílias aceitassem o projeto de exploração da floresta.

De acordo com os moradores entrevistados descontentes, apenas os divulgadores do projeto são os que lucram com o manejo madeireiro, já que são “[...] contratados pela Secretaria da Floresta (...) dentro do Programa de Conservação e Recomposição de Florestas e financiado pelo PNDES FASE III”. (TERRON, 2006, p.48). Além desse incentivo, são os divulgadores do manejo madeireiro que recebem

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cursos de formação sobre o manejo florestal madeireiro, patrocinados por organizações e instituições que fazem parte da Experiência MAP.

Muitos moradores, nas entrevistas realizadas afirmavam que o manejo é só uma faixada para enganar a população do Assentamento e mostrar para o resto do Brasil que “o negócio é bom”, quando na verdade apenas os divulgadores do projeto lucram com o manejo. Para essa parcela da população, os modos de sobreviver com a floresta antes da modernização eram melhores e ninguém passava fome esperando um dinheiro que não chega (da venda da madeira).

Dessa forma, o manejo não tem sido tão exitoso na prática quanto divulgado nos discursos das organizações da sociedade civil, pois se percebeu nos estudos e nas entrevistas o entusiasmo em participar da “preservação da floresta” em grandes proporções dos membros de uma única família (parentes de Chico Mendes), o que a nível de marketing funciona muito bem aos olhos do restante da sociedade como um projeto que dá certo.

Outro dado interessante a ser mencionado na pesquisa é a participação de grandes e conceituadas instituições e organizações não governamentais (WWF, BID, IBAMA, INCRA, etc.) na formulação do discurso que aprova o manejo madeireiro como sendo viável a essas populações pela carga técnica e científica com que são feitos os projetos e aplicados na retirada das árvores. Dessa maneira, abrem-se espaços para a apropriação exitosa dos recursos naturais sob a promessa de mantê-los às gerações presentes e futuras.

Conclusões

Conclui-se que os processos envolvendo a valorização da natureza e os direitos de propriedade inerentes às populações locais estão sendo adaptados ao uso privado da natureza, onde ao invés de se abrir espaços para a valorização dessas populações, estão sendo viabilizados espaços no interior dessas comunidades visando a apropriação de seus conhecimentos e dos recursos naturais, tendo como resultado imediato o ajuste e o cumprimento das exigências do mercado capitalista sendo legitimados pela incorporação do discurso do manejo madeireiro pelos líderes do PAE.

Referências Bibliográficas

PAULA, Elder Andrade de. (Des) envolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Rio Branco: EDUFAC, 2005, 383p.

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TERRÓN, Laura Lopez. Estudos sobre o Agroextrativismo e outras atividades do PAE Chico Mendes. Graduação em Engenharia do Ambiente. Escola Superior de Bragança, Portugal, 2006.

SOUZA, F. M. O apagar das porongas: manejo florestal madeireiro e desvalorização dos saberes locais na Amazônia sul ocidental. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Acre, 83p. Rio Branco, 2009.

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A2 GT1 - MODOS DE VIDA TRADICIONAIS E “MODERNIDADE” NO