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Dinâmicas regionais, identidade e cultura

O TERRITÓRIO E SUAS RELEVÂNCIAS

Após um levantamento bibliográfico sobre o conceito de território, verifica-se que inicialmente foi definido nas ciências naturais, onde estabeleceu a relação entre o domínio de espécies animais ou vegetais com uma determinada área física. Posteriormente foi incorporado pela Geografia, que relaciona espaço, recursos naturais, sociedade e poder. Em seguida, diversas outras disciplinas passaram a incorporar o debate, entre elas, a Sociologia e a Antropologia, entre outras. No entanto, neste estudo se fará uma discussão interdisciplinar com base nas ciências humanas: Geografia, Sociologia e Antropologia.

21Endoculturação: Processo permanente de aprendizagem de uma cultura que se inicia com assimilação de

valores e experiências a partir do nascimento de um indivíduo e que se completa com a morte. Este processo de aprendizagem é permanente, desde a infância até a idade adulta de um indivíduo. LARAIA, (1986, p.20)

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Primeiramente, para melhor elucidar as definições de territorialidade, recorre-se ao geógrafo Haesbaert (2004, p. 3), para quem “a territorialidade, incorpora uma dimensão estritamente política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”. Contudo, o território pensado por este enfoque possui um vínculo de afetividade dos sujeitos, que criam uma intimidade com o meio, tornando-o, conforme Saquet (2007), palco das relações multiescalares em que a mobilidade populacional faz-se presente e as transformações sociais podem contribuir para o processo territorial.

Em Saquet (2007), analisa-se o território com uma conjugação entre aspectos da economia, da política, da cultura e da natureza exterior ao homem (E-P-C-N). Para o autor há um movimento constante entre estes quatro pilares que perfazem uma relação multiescalar na ação do tempo e do espaço que envolve o fenômeno da ação territorial. Diante disso é possível perceber um paradoxo em relação à realidade da comunidade estudada, pois tais relações acontecem e materializam-se como um ciclo dentro da perspectiva de lucro, de desenvolvimento e de anseios particulares. Em Saquet (2007), percebe-se que o link entre território, territorialidades e des-re-territorialização estão unidas às ações de poder e que permeiam a sociedade de um modo geral. Existe uma apropriação técnica e dominação de vastas áreas, para diversos fins, ocorrendo de forma abissal uma ruptura no modo de viver das comunidades tradicionais.

Para melhor esclarecer as relações entre poder, território e territorialidades, remete-se a Raffestin (1993), que demonstra claramente a diferença da palavra “poder”, com inicial minúscula, e o “Poder”, com inicial maiúscula, em que o primeiro se esconde atrás do segundo, é palavra presente nas relações e nas ações do homem. Já o “Poder”, para o autor é “mais fácil de cercar porque se manifesta por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o território, controlam a população e dominam os recursos” (RAFFESTIN 1993, p. 52). Toda transformação da sociedade acontece pelas relações de poder. Raffestin (1993) demonstra através de suas concepções Foucaltianas que o poder não se constrói, é exercido e as relações são concomitantemente intencionais e não objetivas. Contudo, diante da construção do empreendimento energético e dos anseios financeiros que a implantação poderia proporcionar, houve no contexto estudado, um visível exercício de poder das grandes estatais e dos poderes públicos em escala global para a transformação do território em questão, não

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observando a relevância do território para os ribeirinhos e nem tampouco as mudanças que o processo de des-re-territorialização poderia vir a ocasionar à vida dos mesmos.

Com base na concepção de Raffestin (1993), será possível discutir a importância do território à comunidade impactada, pois o autor aponta que o território é anterior ao espaço e que o mesmo é o resultado de uma ação produzida por um ator “sintagmático”, e ao se apropriar de um espaço o ator territorializa o espaço. Desta forma, o território vai se modificando ao longo das relações multiescalares e ele reage com a ação do tempo e com as relações humanas. Percebe-se que o pensamento do autor está bem presente na relação dos ribeirinhos com seu território. O território impactado é visto pelo grupo como uma apropriação, um meio de garantia de subsistência à sobrevivência e continuidade, representa a dimensão simbólica e identitária e, acima de tudo, de afetividade do grupo com determinado espaço e com as características locais de liberdade, natureza e trabalho na terra.

O território para os assentados não significa apenas um espaço delimitado e com as divisões fronteiriças organizadas política e geograficamente. Para eles o território tem suas particularidades com a natureza, em que o rio era o grande divisor de águas para sustentação das famílias, a terra fértil para plantações de vazantes na época da estiagem e ainda a relação de afetividade com o modo de vida, o lugar, as pessoas e as relações de parentesco eram o grande diferencial que dava significado ao lugar e às suas vidas. O território para eles era a fonte de sustento do grupo, além de reunir as condições que possibilitavam a continuação e reprodução física do grupo, através da agricultura, da criação de animais, da pesca, da caça, da coleta de vegetais, entre outras atividades.

Na interpretação do antropólogo Littlle (2002), o território está condicionado aos limites de fronteiras, porém com a existência de invasões, acomodações, consentimento e mistura de todas as partes envolvidas, que seriam índios, camponeses, quilombolas, ribeirinhos, sertanejos dentre outros, gerando conflitos entre Estado e comunidades tradicionais.

As relações de poder, interfaces que dificultam o modo de viver destes povos, são, para o autor, responsáveis por gerar confrontos devido à implantação de grandes empreendimentos e estes povos, por sua vez, lutam para conquistar sua liberdade

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territorial e preservar seus modos de vida. Para o autor, são múltiplos os processos de miscigenação biológica e a partir daí abre espaço para um “sincretismo cultural”.22

[...] esses múltiplos movimentos mudaram radicalmente sua situação de invisibilidade social e marginalidade econômica. Agora essas invasões a suas terras foram acompanhadas por novas tecnologias industriais de produção, transporte e comunicação, que alteraram as relações ecológicas de forma inédita, devido à sua intensidade e poder de destruição ambiental. (LITTLLE, 2002, p. 12)

Na concepção do autor, são os movimentos e as relações sociais que mudam as histórias de povos tradicionais. Ele relata as lutas por terras entre os poderes governistas, grandes estatais e povos tradicionais, ocorrendo, entre este ciclo, conflitos que para as comunidades são tidas como perdas, danos e mudanças irreversíveis no modo de vida. Já para as empresas, significa a produção de novas frentes de expansão e desenvolvimento econômico.