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Fonte: Prefeitura Municipal de Recife

Nas obras de alargamento do Viaduto Capitão Temudo, duas faixas de rolamento foram construídas em cada sentido, contabilizando quatro faixas no total, em cada sentido, para um investimento de aproximadamente R$ 40 milhões. No local, circulam em média 86 mil veículos por dia, sendo 45 mil veículos no sentido Olinda/Pina e 41 mil no sentido Pina/Olinda. Passando pela ZEIS do Coque, as obras obrigaram a remoção dos moradores da Vila João Paulo que não foram reassentados em moradias na própria ZEIS e em melhores condições de habitabilidade, por falta de tais moradias a disposição na ZEIS para os moradores. Assim, desde a instituição da ZEIS em 1983, apenas o programa PROMORAR nos anos 1980 construiu casas populares na área para a construção do metrô, desde então não se investiu paraconstruir moradias populares na ZEIS do Coque.

70 Enfim, a construção da ponte-viaduto semiperimetral Jaime de Gusmão (Monteiro/Iputinga) visa ligar a região de Casa Forte com as intervenções do Corredor Leste-Oeste na Caxangá, redimensionando assim a mobilidade urbana das Zonas Norte e Oeste do Recife. O investimento para a construção da ponte e requalificação das ruas de ligação é de cerca de R$ 43 milhões, com recursos da Prefeitura do Recife e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). A execução da obra prevê a remoção de 500 famílias que serão indemnizadas ou removidas para dois conjuntos habitacionais: o Capibaribe I que será construído na Iputinga com 120 unidades e o Capibaribe II, em Monteiro, que contemplará cerca de 220 famílias. A expectativa era que as obras da Ponte Semiperimetral e dos habitacionais fossem entregues em dezembro de 2013, mas atrasos ocorreram e até hoje se perpetuam.

Frente a este quadro de inúmeras obras, podemos então sublinhar que a realização da Copa do Mundo na cidade do Recife foi um pretexto para realizar intervenções urbanísticas em particular de mobilidade que respondiam a necessidades estruturais da cidade e região metropolitana que não foram consideradas através de políticas públicas adequadas durante muito tempo e prejudicavam fortemente a sua atratividade. Mas na prática, frente aos atrasos e problemas encontrados na implantação dessas obras, podemos nos questionar sobre o tipo de planejamento urbano que visa aproveitar o grande volume de investimentos liberados para a organização do evento esportivo mundial. No contexto de nossa pesquisa, problematizamos especificamente o grande impacto sobre o espaço urbano da região metropolitana de Recife que tiveram essas múltiplas obras de mobilidade pelas remoções que elas provocaram, em particular nos assentamentos precários, onde mais uma vez se confrontam as exigências de atratividade com as necessidades de habitabilidade dos moradores, sem conseguir ser conciliadas. Segundo o jornalista Eduardo Amorim29 e o Comité Popular da Copa (2014) formado em outubro de 2010, mais de dois mil pessoas foram removidas em nome da Copa do Mundo, sem que um número exato possa ser estabelecido pela falta de informações exatas e divulgadas. Assim, em agosto de 2013, Amorim apontava que o governo do Estado reconhecia que existiam 467 processos de desapropriações, dos quais apenas 68 ainda estavam em negociação (judicial ou administrativa). Todavia,

29

Disponível em: <http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-2014/mais-de-2000-familias-sao-removidas- por-obras-da-copa-em-pe,4cfb2688e59b0410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html>

71 esse número não contabilizava as desapropriações realizadas em São Lourenço da Mata para a construção da Arena e do projeto imobiliário da Cidade da Copa. Numa entrevista com o procurador geral do Estado, Thiago Arraes det al.encar Norões, Amorim revela que mesmo de propriedade pública, famílias viviam nesses terrenos em granjas, casas de final de semana e foram indemnizadas, sem, todavia comunicar o número exato de famílias. Somando as 922 famílias reassentadas e as outras 544 indemnizadas pela realização do projeto Via Mangue, se chega a um numero aproximativo de 2000 pessoas removidas de suas casas. Já o Comité Popular da Copa entregou em maio de 2014 um relatório onde figura estas quantidades de remoções, em número de famílias:

Tabela 4: Remoções Realizadas para a Copa do Mundo de 2014

Quantidades de remoções (em número de famílias) segundo o Obras Observatório das Metrópoles e Comitê Pernambuco Governo do Estado*

Cidade da Copa 197 Não disponibilizou

informação

Arena Pernambuco 136 Não disponibilizou

informação Via Mangue

(reassentamento) 992

Não disponibilizou informação

Via Mangue (indenização) 544 Não disponibilizou

informação Radial da Copa (Cosme

Damião e Camaragibe) 1000 (aproximada) ** 220

Corredor Leste/Oeste

13 (Madalena) 900 São Francisco/Jardim

Petrópolis

124

TI Joana Bezerra 181 Não disponibilizou

72

TI Cosme Damião 59 46

Corredor Norte-Sul 45***

Fonte: Comité Popular da Copa, 2014.

* Dados obtidos através das respostas do Estado de Pernambuco dos pedidos de informação feito em uso da lei estadual de acesso à informação (Lei 12.527/11).

**Dados obtidos em apresentação da SECOPA em reunião do conselho das cidades e contato obtido com os moradores

***Dados do Governo do Estado referente à nº de imóveis

Em novembro de 2013, Raquel Rolnik, então relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada, visitou dois assentamentos na região metropolitana de Recife depois das denuncias feitas de violações ao direito à moradia no contexto dos empreendimentos urbanos realizados para a Copa do Mundo. Ela assim visitou a área do Coque no Recife e o loteamento São Francisco em Camaragibe30, e em seguida realizou um balanço dos impactos das iniciativas da copa do mundo e as implicações sobre os direitos humanos no Brasil numa palestra que aconteceu na faculdade de Direito da UFPE no Recife31. Inicialmente prevista para ser realizada na Câmara de Vereadores do Recife, como acertado com o Executivo Municipal do Recife e o Legislativo local, de forma unilateral e no exato horário divulgado do debate, o Presidente da Câmara de Vereadores informou (por telefone e enquanto as pessoas aguardavam a abertura do auditório) que a Casa estava fechada para a realização do debate por questão de segurança e para preservação do patrimônio público32. Raquel Rolnik começou denunciando as remoções que estão ocorrendo no contexto da Copa do Mundo para a realização de obras e projetos como “desconstituição de direitos”, já que violam leis e processos reconhecidos até o nível internacional. Todavia, ela sublinha que por trás da oportunidade de

30

Disponível em: <http://g1.globo.com/videos/pernambuco/netv-1edicao/t/edicoes/v/relatora-da-onu- visita-comunidades-da-regiao-metropolitana/2989356/>

31

Disponível em: <http://direitoamoradia.org/?p=22572>

32Disponível em: < http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/pernambuco/noticia/2013/12/03/vicente-

73 realização de megaeventos esportivos é necessário entender que se buscam contextos novos para que “o capital financeiro, global, dos excedentes, dos petrodólares, do dinheiro acumulado na China, no dinheiro acumulado nos Estados Unidos” possa ser investido, extraindo mais dinheiro e garantindo assim sua expansão.

Em seguida, ela lembra que:

A ideia de moradia como direito humano é a ideia de que moradia adequada é um lugar, a partir do qual os indivíduos, as comunidades e as pessoas possam ter acesso a condições para poder atender ao conjunto de seus direitos, então a moradia é uma espécie de portal, de porta de entrada para o direito à educação, para o direito à saúde, para o direito à expressão cultural, para o direito a não discriminação, para os outros direitos, o direito ao acesso ao trabalho, às oportunidades econômicas, às oportunidades culturais, e portanto, a moradia não é quatro paredes e um teto, tijolo, concreto, custa tanto, vale tanto. Não é isso. (ROLNIK, 2013, p. 8).

Finalmente ela incentiva os

grupos, coletivos, movimentos e afetados que estão resistindo, ainda acreditam que têm direitos, ainda acreditam que são portadores de diretos e, portanto, estão lutando, denunciando, insistindo, resistindo pra que as coisas sejam de outro jeito. (ibid., p. 12)

É importante salientar que essas obras, remoções ou expropriações atingiram também pessoas de renda media ou alta (comerciantes, moradores etc.) e não se focalizaram apenas em áreas precárias da RMR. Assim, a tabela abaixo apresenta o levantamento das desapropriações e deslocamentos involuntários na Copa FIFA 2014 no Recife, realizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, com informações do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal e apresentado no dia 10 de julho de 2014 durante uma entrevista coletiva pelo ministro da Secretaria- Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho num evento chamado de "Democracia e os grandes eventos". Os deslocamentos involuntários foram definidos como uma “alteração compulsória do local de moradia ou de exercício de atividades econômicas, provocado pela execução de obras e serviços de engenharia e arquitetura, melhorando a qualidade de vida e assegurando o direito à moradia das famílias afetadas”. Na sua análise dos dados, Raquel Rolnik33 sublinha a enorme dificuldade que

33

74 o próprio Estado teve de contabilizar o número de pessoas removidas por obras relacionadas à Copa, enquanto esse levantamento deveria ter sido feito antes mesmo de

as obras serem iniciadas.

75

Tabela 5: Remoções e Deslocamentos Involuntários na Copa FIFA 2014

Empreendimento Desapropriações / Deslocamentos Informações

Complementares Residências Famílias até 3 SM / ocupações Residências Famílias com mais de 3 SM Total de residências Imóveis comerciais / Terrenos / Outros Total Corredor Caxangá (Leste/Oeste) 0 74 74 45 119

Famílias atingidas foram/serão indenizadas pelas benfeitorias/propriedades

BRT Norte/Sul 0 0 0 6 6

Famílias atingidas foram/serão indenizadas pelas benfeitorias/propriedades

Ramal Cidade da Copa

0

95 95 100 195

Famílias atingidas foram/serão indenizadas pelas benfeitorias/propriedades

Terminal Cosme e Damião

0 46 46 4 50 Famílias atingidas foram/serão indenizadas pelas

benfeitorias/propriedades Estação de Metrô Cosme e

Damião / Arena PE

0 0 0 0 0 Famílias atingidas foram/serão indenizadas pelas

benfeitorias/propriedades

Corredor Via Mangue

1175

148 1323 137 1460

992 famílias foram reassentadas em 3 conjuntos em área próxima ao empreendimento (Via Mangue 1, 2 e 3 do PMCMV). O restante foi ou

será indenizado.

76 Nesta pesquisa que trata especificamente dos assentamentos precários, nós focalizamos principalmente os impactos de obras em particular na ZEIS do Coque. É importante salientar que para ganhar em atratividade e competitividade, a inserção sócio-espacial dos assentamentos precários disseminados no tecido urbano com padrões de habitabilidade ainda inadequados, o que foi permitido em grande parte pela existência da legislação protetora das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS é um desafio mais que nunca importante a enfrentar. Assim, na teoria não se trata de opor a atratividade e a habitabilidade como se fossem opostas e incompatíveis, ao contrário deveria se buscar chegar a um compromisso entre os vários interesses dos grupos que fazem a cidade.

B. Fragmentação versus inserção na ZEIS do Coque no começo de século XXI

Histórico e contextualização da área do Coque

Escolhemos focalizar nossa atenção sobre o processo de inserção sócio-espacial da área do Coque porque sem poder ser generalizado à situação de todos os assentamentos precários de Recife, ele ilustra de maneira muito pertinente os desafios muito acirrados entre as exigências de atratividade e as necessidades de habitabilidade.

O decreto 11.670/80 de 1980 criou vinte e seis Áreas Especiais de Interesse Social - AEIS, com o objetivo de estabelecer as condições indispensáveis à implantação do programa Promorar (1979) na cidade de Recife que visava promover a urbanização de favelas no centro da cidade, e que acabou se focando principalmente em três áreas estratégicas (Coque, Coelhos e Brasília Teimosa). Nessas áreas, historicamentet al.vo de intensas pressões para a remoção de sua população e marcos da resistência popular foram elaborados três projetos de urbanização com parâmetros urbanísticos especiais e processos participativos de suas populações. O programa Promorar refletiu a mudança de atitude nas políticas nacionais habitacionais e urbanas no contexto do processo de abertura política do regime militar, em particular no que tange à atitude frente aos assentamentos precários que até o final dos anos 1970 eram erradicados do tecido urbano. Através desse programa, o governo reconheceu então a necessidade de

77 intervenções visando à melhoria dos núcleos habitacionais de favelas no seu local de origem, evitando a remoção dos moradores. Mais, em 1976, o governo federal através da Comissão nacional de política urbana – CNPU recomendou a Fidem, recém-criada, a elaboração de um plano metropolitano para recuperação dos assentamentos subnormais, termo usado pela tecnocracia para designar os assentamentos precários na época. Este plano fundamentou-se em duas pesquisas encomendadas pela mesma CNPU À FIDEM e ao MDU recém-criado, para verificar as possibilidades técnicas, financeiras, organizacionais, urbanísticas para recuperação dos assentamentos subnormais, da qual nosso orientador brasileiro participou como membro da equipe de redação do relatório. No Coque especificamente, em 1979, o presidente João Figueiredo e o prefeito Gustavo Krause assumiram compromissos relacionados em primeiro lugar a legalização da posse da terra e a urbanização da área (MAYRINCK, 1991, p. 136). Segundo a autora, foi realizado em 1980 um levantamento que contabilizou 2.958 imoveis entre os quais 2.436 residências e em seguida foi elaborado a partir de discussões com a população o projeto “Promorar/Coque/82” firmado com o Banco Nacional de Habitação – BNH. O projeto visou consolidar as moradias existentes, parcelar as áreas vazias para realojar as 916 famílias remanejadas para a implantação do metrô, o que totalizava 1.420 familias. Mayrinck (1991) revela que o projeto acabou sendo muito conflituoso tanto nas relações da prefeitura com a população do Coque quanto as relações entre organizações representativas da população que defendia interesses divergentes. Mais, na sua fase de execução, o programa não alcançou os objetivos estabelecidos: foram assim pavimentandas e realizado a drenagem de várias ruas num nível mais alto que o das casas, alagando-as em período de fortes chuvas. No final, Mayrinck (1991) constata que foram construídas apenas 350 casas populares para as pessoas que moravam ao longo da linha de trem e que precisaram ser transferidas para permitir a construção do metrô.

Depois de lutar clandestinamente durante a ditadura, a redemocratização permitiu aos moradores se organizar em associações, grupos comunitários, conselhos de moradores, para promover mobilizacões e eventos, articulados a outras entidades e participando da luta pela reforma urbana. Assim foi conquistada a instituição legal de 27 (hoje 67) áreas pobres inseridas no tecido urbano da cidade através da Lei do Prezeis que visa promover a urbanização e regularização fundiária das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS. Essas áreas foram reconhecidas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, Lei n.º 14.511 de 17 de janeiro de 1983 e mantido pela Lei de Uso e Ocupação do

78 Solo em vigor (Lei Municipal nº 16.176/1996). Essas populações conquistaram assim o direito à cidade através o direito de permanecer no seu local de origem, à urbanização, regularização fundiária e participando do planejamento de suas áreas através o sistema de gestão do Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS, lei nº 14.947 de 1987 revisada pela lei n° 16.113 de 1995. O direito à legalização da posse foi também reafirmado pela Medida Provisória 2.220/2001 (legislação de nível federal), que dispõe sobre a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – CUEM como um direito daquele que até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. O Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco reafirmou esse direito à regularização da população residente do Coque em ofício datado do dia 12 de setembro de 2013 e encaminhado à Secretaria de Habitação da Prefeitura do Recife.

Apesar dessa tese se focalizar especificamente sobre a ZEIS do Coque, na realidade o que se chama “Coque” corresponde hoje a vários zoneamentos legais da Cidade de Recife. Segundo o Decreto Municipal 14.452 de 26 de outubro de 1988, a cidade foi dividida em 94 bairros para subsidiar o levantamento de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Sistema de Informações e Planejamento do Recife. Em seguida a lei municipal nº 16.293 de 22.01.1997 reagrupou esses bairros em seis Regiões Político-Administrativas: RPA 1 – Centro, 2- Norte, 3 – Noroeste, 4 – Oeste, 5 – Sudoeste e 6 – Sul, cada RPA sendo subdividida em três Microrregiões que reúnem um ou mais dos seus 94 bairros. Segundo a Prefeitura de Recife e a lei n°16.293/97, as RPAs foram definidas para formulação, execução e avaliação permanente das políticas e do planejamento governamentais enquanto as Microrregiões visam a “definição das intervenções municipais em nível local e articulação com a população”. Assim, a área do Coque se encontra inserida em dois bairros (Ilha Joana Bezerra e São José) que fazem parte da mesma RPA 1, mas de duas Microrregiões diferentes (1.2 e 1.3). Superpõem-se ainda o zoneamento do contrato de cessão de aforamento da União para a prefeitura de Recife de 1979, o da Zona Especial de Interesse Social – Zeis do Coque de 1983, o da divisão administrativa Coque I e II operada nos anos 1980, esta última não sendo aceita pelos moradores. Segundo o

79 princípio epistemológico de “concentração” na pesquisa, focalizamos nossas investigações na área geográfica que hoje apresenta maior pertinência para ilustrar nosso raciocino teórico-prático, isto é a parte da ZEIS situada na parte norte da linha de metrô.