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Fonte: Google Maps, adaptado pela autora, 2013.

Nesse contexto, desde os anos 1960 a área vendo sendo alvo de importantes intervenções urbanas que visam melhorar a sua salubridade e a implantação de equipamentos urbanos, em particular de transporte, o que provocou a remoção de muitos moradores sem assegurar o seu direito à moradia e melhoria das condições de habitabilidade, apesar de ser o objetivo prioritário das ZEIS. Escolhemos um recorte temporal para nossa pesquisa, partindo da primeira grande intervenção urbanística e habitacional que ocorreu na área a partir de 1979, isto é, a construção do metrô e das casas populares pelo programa PROMORAR para realojar as pessoas que tiveram que sair de suas casas para a realização da obra.

Assim, o objetivo geral da pesquisa é de constatar que apesar de um discurso que defende a inserção urbana e social dos assentamentos precários no tecido urbano de Recife, a realidade revela resultados apenas parcialmente atingidos, assim como reais

4 ameaças ao direito à cidade e às melhorias das condições de habitabilidade dessas áreas, frente aos avanços das exigências de atratividade e da competiçãoentre cidades.

Para melhor responder a esse objetivo geral, elaboramos quatro objetivos específicos:

- Demonstrar teórica e empiricamente a complexa predominância das exigências de atratividade e competitividade sobre o espaço urbano, mesmo na perspectiva da inserção sócio espacial das áreas ZEIS onde a legislação estabeleceu que as necessidades de melhorias das condições de habitabilidade são a prioridade fundamental.

- Sublinhar a complexidade e heterogeneidade da realidade sócio-espacial dos assentamentos precários no Recife e a evolução das ações e políticas públicas elaboradas desde o início do século XX em relação à prioridade da habitabilidade como fundamento.

- Ilustrar através o caso específico da ZEIS do Coque o que avançou em termos de inserção sócio-espacial, o que não avançou ou até mesmo regrediu de 1979 até hoje.

- Estabelecer uma metodologia com a definição das categorias de análise e variáveis mais relevantes para a avaliação de processos de inserção sócio-espacial de assentamentos ocupados por população de baixa renda em metrópoles de países emergentes.

Principais temas / conceitos da pesquisa

O Brasil, ainda país emergente vê seu peso na economia global aumentar, o que ao nível sócio-espacial se caracteriza por um desenvolvimento de grandes regiões urbanas ao nível populacional e funcional, em particular as metrópoles. Mesmo assim, as especificidades históricas das cidades brasileiras como a dicotomia do sistema produtivo e do mercado do trabalho, as tensões sociais muito fortes por causa de desigualdades extremas, a precariedade social e urbana e a informalidade permanecem e

5 se materializam no espaço por uma fragmentação das cidades brasileiras. Ela se traduz de um lado pela disseminação histórica no tecido urbano de assentamentos precários e do outro lado pela expansão generalizada, mas mais recente de conjuntos fechados para classes sociais de renda média et al.ta. Nessa pesquisa, problematizamos a fragmentação espacial no sentido dado por Navez-Bouchamine (2002, p. 122) de “situações urbanas caracterizadas por um aspecto pulverizado, heterogêneo e pouco articulado fisicamente e visualmente”. Ela se refere na nossa perspectiva ao aspecto físico-ambiental, relacionando diferenças de padrões de ocupação do solo, provimento de infraestruturas, equipamentos e serviços urbanos, existência de barreiras físicas entre áreas. A noção de fragmentação se diferencia da de segregação que designa um processo de separação entre grupos de populações no tecido urbano, na medida em que a fragmentação especificamente sublinha o caráter descontinuado do território urbano através da ausência de infraestruturas que ligam os diferentes “pedaços” da cidade (CARY, 2007). Assim, é a coerência do conjunto urbano e sua divisão funcional que caracteriza especificamente o processo de fragmentação, particularmente acirrado no contexto urbano brasileiro, em particular dos assentamentos precários. Todavia não se pode ocultar uma tendência a homogeneização das práticas sociais e urbanas mesmo dos moradores de assentamentos precários que relativiza a total pertinência da noção. Pode assim ser sublinhado que sempre existiram traços de inserção, trocas entre os “pedaços de cidade”, que seja para consumir, trabalhar, estudar etc., que se intensificaram com a globalização (CHETRY, 2013; LACERDA 2011, CARY, 2010). Na sua dimensão social, entendemos a fragmentação como “a emergência de territórios nos quais as populações vivem reclusas sobre si mesmas e onde se expressaria a ausência de referência à sociedade global” (NAVEZ-BOUCHAMINE, 2002, p. 75). Ela caracteriza então uma ausência ou desequilibro nas relações entre grupos sociais, desequilibro claramente caracterizado quando se trata das populações de assentamentos precários em relação ao processo histórico de exclusão e desigualdades sociais. Temas como a composição social de um bairro, o confinamento ou a facilidade de sair do bairro, a sua imagem social, os projetos previstos para a área e a evolução das formas de resistência em defesa do direito à cidade são índices de tal fragmentação e/ou inserção social. Assim, Navez-Bouchanine (2002, p. 62) define a fragmentação sócio-espacial como “um processo de fechamento de territórios espacialmente delimitados e habitados por populações socialmente homogêneas”.

6 É importante notar que Recife se caracteriza desde sua constituição por uma estruturação fragmentada de seu espaço urbano baseada no processo de acumulação capitalista. Assim, essa característica espacial e social em fragmentos é ainda muito nítida apesar de existir historicamente na cidade uma proximidade geográfica entre as áreas mais pobres e as mais ricas que muitas vezes dependiam umas das outras, realizavam trocas de diferentes tipos e de sua evolução ao longo do tempo em função das características do processo de acumulação capitalista. Assim, a fragmentação sócio- espacial é considerada nessa pesquisa como uma consequência da formação social do país extremamente desigual, suas características evoluindo ao longo da historia. Assim, historicamente o espaço urbano foi produzido para responder às necessidades de acumulação capitalista, o solo urbano adquirindo cada vez mais um valor de mercadoria (HARVEY, 1992, 1996, 2004, 2006, 2011; LACERDA, 2011). Concordando com a crítica que Harvey (1992) faz dos fundamentos sociais e ideológicos da “pós- modernidade”, Castells (1999) elaborou a teoria dos espaços de fluxos para conceitualizar a nova forma espacial característica das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade informacional funcionando em rede na qual vivemos hoje. Ela se caracteriza pela prevalência de uma competição acirrada entre cidades e/ou regiões para atrair investimentos em particular estrangeiros, visando sua inserção internacional na economia global. São assim valorizados “espaços de fluxos”, virtuais, que não anulam a existência de lugares ao nível local, mas os dominam pela inclusão det al.guns que possuem características específicas úteis às redes e a exclusão dos outros, em particular os assentamentos precários, foco do trabalho aqui apresentado.

Na realidade brasileira e de Recife em particular, consideramos a noção de fragmentação particularmente pertinente para problematizar a presença e o déficit de inserção urbana e social de assentamentos precários disseminados no tecido urbano, influenciando diretamente na qualidade de vida de seus moradores e que contrastem com áreas vizinhas ricas e funcionalmente diferenciadas, criando assim rupturas na busca por atratividade econômica da cidade. Historicamente, as populações pobres foram excluídas do acesso à moradia digna, morando em áreas em péssimas condições de habitabilidade (morros, alagados, área de risco etc.). Segundo De la Mora et al. (2007), a habitabilidade é um conceito complexo que envolve aspectos tão objetivos relacionados às dimensões materiais da moradia, as infraestruturas, posse da terra e salubridade que aspectos subjetivos que envolvem as questões de convivência .comunitária, hábitos dos moradores para satisfazer as necessidades humanas. Até o

7 final dos anos 1970, as únicas respostas dadas a essa problemática era a erradicação dessas moradias e a expulsão das populações do tecido urbano. Se se mantém até hoje esse tipo de práticas, a partir do final dos anos 1970 começaram a serem elaboradas políticas públicas para inserir social e espacialmente esses assentamentos e suas populações ao tecido urbano, construindo habitações populares e/ou urbanizando e regularizando os assentamentos já existentes no tecido urbano. Apesar desse discurso defendendo a inserção dessas zonas, os anos 1990 assinalam o início do processo de inserção da economia brasileira na globalização através uma agenda de reformas econômicas estruturais de caráter neoliberal com importantes repercussões na produção e organização territorial da metrópole de Recife fortemente influenciada pela reestruturação e reorganização do capital imobiliário totalmente dominado por interesses lucrativos e sem integrar aspectos de responsabilidade social para a sociedade. Leal (2004) sublinha a suma importância que “essa fração capitalista” teve ao longo do tempo na apropriação do solo, no processo de mercantilização e expulsão do tecido urbano dos setores mais pobres da população, em particular na cidade de Recife densamente ocupada com 7.039 hab/km² (IBGE, 201014). Nesse contexto, novas alternativas foram criadas ao longo do tempo para viabilizar o processo de acumulação capitalista na cidade, se apropriando de novos espaços, em particular das populações pobres: o recurso a verticalização construtiva sustentada por um forte marketing imobiliário por exemplo. Nesse começo de século XXI, a realização de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de football de 2014, através do grande fluxo de capital financeiro que acarreta e os prazos curtos de realização, permitiu uma reestruturação drástica do espaço urbano, motivada e legitimada pela necessidade de oferecer estruturas de mobilidade urbana para a realização do evento, em detrimento das populações pobres alvo de expulsões forçadas e não negociadas (HARVEY, 2013). Nesses diversos casos, prevalece um modelo de planejamento estratégico da cidade, fundada na ideologia do empreendedorismo urbano, mesmo nas gestões democráticas do partido dos trabalhadores e outros partidos tradicionalmentet al.inhados com a esquerda socialista. Mais, conforme Castells (1999) e Leal (2004) as cidades passam a serem atores importantes de gestão dos fluxos de capitais num contexto geral de competitividade interurbana que visa a inserção numa “economia de fluxos, cuja organização em rede impõe as cidades como nós de conexão” (COMPANS, 1999, p. 1).

8 Nessa perspectiva são valorizadas áreas já fortemente urbanizadas como Boa Viagem ou Casa Forte no Recife, assim como áreas até agora desvalorizadas, mas que passam a serem “territórios de oportunidades estratégicas” como a área portuária de Recife e seu entorno expandido (Complexo Turístico Cultural Recife / Olinda, projeto Novo Recife, obras da Copa etc.), ameaçando alguns assentamentos precários legalmente protegidos, como as ZEIS do Coque, Brasília Teimosa, Coelhos etc.localizadas no mapa abaixo.