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2.2. Logos e Verdade: a questão fundamental

2.2.1. Logos e Verdade

Em continuidade com a exposição acima elaborada, o texto preparado para a visita à Universidade de Roma La Sapienza corrobora a sobredita afirmação acerca da imprescindível convergência entre compreender e entender na demanda pela verdade do ser. Efectivamente, como se indicou noutro momento, depois de haver sustentado no escrito enunciado que «o homem quer conhecer e quer a verdade», o Pontífice esclareceu que a verdade, isoladamente considerada, «somente diz respeito ao ver, ao compreender, à theoría […], porquanto quem se limita a ver e apreender tudo aquilo que acontece no mundo, acaba por ficar triste». Contudo, segundo o autor, «a verdade nunca é apenas teórica […], significando esta mais do que saber, pelo que o conhecimento da verdade tem como finalidade o conhecimento do bem». A partir deste pressuposto, e sustentando que também este é o sentido do questionar socrático – «qual é o bem que nos torna verdadeiros?» –, nesta circunstância, Bento XVI indicou que «a

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Cf. J. RATZINGER, Introdução ao Cristianismo. Prelecções sobre o Símbolo Apostólico, 52-53. 207

Cf. J. RATZINGER, Introdução ao Cristianismo. Prelecções sobre o Símbolo Apostólico, 53-54: «O conhecimento factível não pergunta como as coisas são por si e em si, visa somente a funcionalidade para nós. A viragem na direcção do conhecimento factível deu-se justamente pelo facto de já não se considerar o ser em si, mas meramente em função da nossa obra. Isto significa que, com a separação entre a questão da verdade e do ser e com a deslocação para o factum e o faciendum, o próprio conceito de verdade sofreu uma mudança essencial. O lugar da verdade do ser em si foi ocupado pela utilidade que as coisas têm para nós, a qual é confirmada pela correcção dos resultados. É certo, portanto, e constitui um facto irrevogável, que essa correcção só nos é franqueada na medida em que é calculável; a verdade do próprio ser, porém, foge ao conhecimento baseado no cálculo».

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Cf. J. RATZINGER, Introdução ao Cristianismo. Prelecções sobre o Símbolo Apostólico, 54: «Um acto pressupõe o outro, porque entender significa firmar-se no sentido que se aceitou como fundamento e compreendê-lo. Penso que seja esse o significado preciso de entender: que aprendamos a conceber o fundamento sobre o qual nos firmamos como sentido e como verdade, aprendendo também a entender que fundamento significa sentido».

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verdade torna o homem bom, e que a bondade é verdadeira», radicando precisamente no referido aspecto o optimismo específico da fé cristã, «a quem foi concedida a visão do Logos, da Razão Criadora que, na Encarnação de Deus, se revelou conjuntamente como o Bem, como a própria Bondade»209.

Posto isto, e atinente a convicção ratzingeriana de que a verdade se encontra arraigada no cosmos e no ser humano, sendo esta, como se atestou, a sua irrenunciável condição, em virtude da qual, consequentemente, o homem incorre numa contradição, antes de mais para consigo mesmo, ao resignar-se ante a própria verdade, assim como considerada a já vislumbrada absoluta prioridade reconhecida pela teologia ratzingeriana ao princípio do

Logos, infere-se, portanto, que segundo o pensamento do autor o Logos-Verdade/Bem é o Logos-Agápico, o Logos-Amor, noutras ocasiões nomeado como Razão Criadora, Razão-Amor, que, em suma, é Deus mesmo. Neste sentido compreende-se o âmago das

intuições do Papa Ratzinger concernentes a esta matéria ao constatar-se que o Logos-Verdade é o Amor fontal, do qual provem toda a criação e o qual, apenas, pode curar e elevar a condição humana, bem como as múltiplas culturas e sociedades. A insistência contínua do autor na demostração desta unidade e da indefectibilidade do Logos-Verdade/Amor e, por conseguinte, na complementaridade entre razão e fé, justifica-se, realmente, pela constatação de que no Logos se encontra o fundamento de toda a verdade e de todo o amor, pelo que o mesmo constitui a garantia mais viável de apreço para com todas as culturas e de tolerância entre os diversos povos, prévia à constituição dos quais se revela a única natureza humana por todos partilhada e que a todos irmana e equipara em dignidade210.

Efectivamente reconhece-se nestas premissas três níveis de abordagem à noção ratzingeriana de Logos, as quais, por seu turno se reportam outrossim a três acepções do mesmo termo. Segundo o teólogo alemão, Logos concerne primeiramente ao «Verbo eterno do Pai», atento o início do evangelho joanino (Jo 1, 1). Este significado inscreve-se, pois, no plano estritamente teológico, deduzindo-se do mesmo, como acima se refere, que o Logos de Ratzinger, causa-primeira e fundamento de toda a realidade, é o próprio Deus211.

De tal exegese resulta a sobredita compreensão segundo a qual a Razão Criadora se dá a conhecer a si mesma manifestando ao homem o sentido divino inerente à realidade criada, sendo que como se constatou a partir do discurso de Ratisbona, esta «é capaz de se

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BENTO XVI, Não venho impor a fé, mas solicitar a coragem pela verdade, 6; cf. P. BLANCO, Joseph Ratzinger - Benedicto XVI. Un mapa de sus ideas, 29-31.

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Cf. P. BLANCO, La teología de Joseph Ratzinger. Una introducción, 161. 211

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comunicar, mas precisamente enquanto razão»212. Neste sentido, transpondo o conceito de

Logos do supramencionado nível teológico para o âmbito metafísico e gnosiológico infere-se,

numa segunda acepção, que o logos ratzingeriano respeita à verdade e ao sentido de toda a criação, pelo que segundo o autor, a capacidade racional humana provem, com efeito, da razão primordial, que por amor criou o cosmos e, de entre o mesmo universo criado, movido pelo beneplácito da sua libre vontade, escolheu imprimir a sua imagem na criatura humana, desde logo, guarnecendo-a honrosamente com a faculdade da razão213.

Decorrente do supracitado conclui-se do prisma ratzingeriano que a noção em estudo encerra ainda uma aplicação antropológica, dada a intuição do autor segundo a qual o logos constitui o elemento radical da subsistência humana, que permite ao homem, enquanto tal, não apenas usar de razão, mas comunicar e relacionar-se com os demais e com o seu meio envolvente. Assim, como se sustentou anteriormente, porque não configurado como matemático ou técnico, mas como verdade amorosa, singularmente, expressa na bondade e na

beleza, e como se demostrará mais detalhadamente no Capítulo seguinte, o Pontífice assevera

que a própria fé é logos, isto é, um dado proveniente da Razão Criadora transmitido à razão humana que, por conseguinte, se encontra longe de ser licitamente tomado como uma mera orquestração especulativa do homem214.

Atenta a interpretação do Papa Ratzinger sobre o termo Logos, como também, a exposição acima apresentada acerca da inter-relação deste com a Verdade, importa, deste modo, concluir a presente abordagem considerando a perspectiva do Pontífice referente à fundamentação desta, também de ordem cristológica. Para efeito, torna-se pertinente recordar a já citada clarificação enunciada no discurso ao mundo luso da cultura. Com efeito, cônscio relativamente ao facto de apenas mediante a contemplação do mistério de Cristo ser possível ao homem descobrir e situar-se diante da verdade autêntica e total, e respeitando, concomitantemente, a verdade de outros, nesta ocasião Bento XVI assegurou que «a verdade é divina, é o Logos eterno, que ganhou expressão humana em Jesus Cristo, o qual pôde afirmar com objectividade: “Eu sou a verdade” (Jo 14, 6)»215.

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BENTO XVI, Fé, razão e universidade. Recordações e reflexões, 8. 213

Cf. P. BLANCO, Logos. Joseph Ratzinger y la historia de una palabra, 77-83. 214

Cf. P. BLANCO, La teología de Joseph Ratzinger. Una introducción, 321-323. 215

BENTO XVI, É hora de indicar novos mundos ao mundo, 5; cf. Que a paz germine em todos os recantos da terra - Mensagem Urbi et Orbi (25 de Dezembro de 2012), in L’Osservatore Romano 43/52 (2012) 8: «“A verdade germinou da terra” (Sl 85, 12) […] Realmente, no texto do Salmo, a frase está no futuro: “A verdade germinará da terra”: é um anúncio, uma promessa, acompanhada por outras expressões que, juntas, ecoam assim: “O amor e a verdade vão encontrar-se. / Vão beijar-se a justiça e a paz. / A verdade germinará da terra / e a justiça descerá do céu. / O próprio Senhor nos dará os seus bens / e a nossa terra produzirá os seus frutos. / A justiça caminhará diante dele / e a paz, no rasto dos seus pés” (Sl 85, 11-14). Hoje cumpriu-se esta palavra

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