• Nenhum resultado encontrado

gênero 17 que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou

3.2.1. Violência sem sangue

Entendemos por violência sem sangue os incisos II, IV e V do artigo 7º da LMP. Estes estão intensamente conectados “ao boicote do ser; ao boicote à liberdade de escolha, que nos define como humanos” (FEIX, 2011, p.205). Assim, estas violências colaboram para a subordinação e submissão das mulheres, atingindo a autonomia econômica financeira da mulher, desprezando a autoestima e o reconhecimento social, principalmente, sustenta formas de dependência psicológica.

A violência psicológica configura-se na Lei como qualquer dano emocional que provoque estrago a saúde psicológica originada de ameaça, xingamentos, manipulação, chantagem, isolamento, entre outros. Conforme Isadora Vier Machado e Miriam Pillar Grossi (2015), os meios ou estratégias que podem acarretar a violência psicológica está embutido de características que se cruzam entre os danos do plano moral e no plano psicológico. Diante disto, as autoras compreendem a violência psicológica a partir de suas multiplicidades, um conjunto de violências que afetam o psicológico composta por modalidades. As violências psicológicas para estas centralizam-se “na historicidade da Lei Maria da Penha e a concretiza enquanto lugar de memória dos movimentos

86 feministas brasileiros” (MACHADO, GROSSI, 2015, p.562), uma vez que estes contribuem para ampliar a noção de violência com a intenção de proteger os sujeitos de direito, no caso da Lei, as mulheres.

À luz das concepções conceituais de Machado e Grossi (2015) de pensar as violências psicológicas a partir da dor no corpo a dor na alma, apreendemos esta a partir do que Bandeira (2013) nomeia como violência sem sangue, entretanto, a autora assinala a violência sem sangue somente a partir da violência psicológica. Tomamos a concepção de violência sem sangue de Bandeira (2013) e abarcamos outras violências apresentadas na Lei Maria da Penha, tais como, a violência moral e a violência patrimonial, entendendo que essas violências violentam a subjetividade da mulher agredida (MACHADO, GROSSI, 2015). No artigo 7º, tais violências são entendidas como:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, entendemos que há na violência sem sangue um controle dos sujeitos a partir de um terrorismo psicológico e moral, inicialmente apresentada através das “sutilezas” e certa invisibilidade da própria violência. O medo, controle, destruição parcial ou total de seus bens, xingamentos, difamação e humilhação, por muitas vezes se dá de forma imperceptível, desta forma é na repetição das violências que se identifica a própria violência. Vale destacar que a violência simbólica se aproxima de certa forma a violência psicológica, visto que está se faz presente nas relações de força, logo o poder vai conferir e legitimar os significados das violências.

A violência psicológica pode ser concebida como a violência primária mediante as outras, podendo desencadear as demais violências. Segundo Virgínia Feix (2011), a

87 violência psicológica está essencialmente relacionada a todas as outras expressões de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Para Feix (2011):

Sua justificativa encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao agressor. É a negação de valor fundamental do Estado de Direito, o exercício da autonomia da vontade e, portanto, da condição de sujeito de direitos conquistada pelos homens, nas revoluções burguesas, americana e francesa, já no século XVIII. Como sujeitos geneticamente sociais que somos, nossa identidade é constituída culturalmente pela interação social e inter-relação de vários “Outros” sujeitos que nos constituem e com quem compartilhamos nossa trajetória de vida. Os ataques à liberdade de escolha pela afirmação constante da incapacidade da mulher de fazer e sustentar eticamente suas escolhas infantilizam-na enquanto sujeito; impedindo-a de desenvolver sua identidade com autonomia, pelo permanente ataque a sua tentativa de diferenciação e afirmação de sua alteridade em relação ao agressor, ou seja, como outro ser, capaz de autodeterminação. (FEIX, 2011, p.205).

No desafio de pensar os entraves e consequências que as violências sem sangue introjetam nas mulheres, concordarmos com Feix (2011) ao afirmar que a violência psicológica fere e marca a subjetividade dos que passam constantemente por este tipo de violência e que esta é a violência que perpassa pelas demais. Logo, sofre-se uma dupla violência, visto que se adiciona o sofrimento psicológico com o físico, sexual, moral ou patrimonial.

De acordo com Machado e Grossi (2015), as violências psicológicas no que diz respeito à Lei Maria da Penha são compostas por três dimensões: normativa penal, protetiva e nominativa, uma vez que:

A Lei 11.340/06 subverte a inscrição opressora da feminilidade sobre os corpos das mulheres, concebendo-os agora como uma entidade psicofísica e aumentando as possibilidades de expressão dessas mulheres e de resguardo de sua integridade (MACHADO, GROSSI, 2015, p.571).

O conceito de violência psicológica apresentada na Lei 11.340/06, segundo as autoras, é essencial porque demarca uma nova postura frente às violências contra as mulheres, além de indicar uma nova visão das próprias mulheres como sujeitos de direitos. É necessário destacar que o conceito de violência psicológica designa que a “implementação da Lei Maria da Penha é uma tarefa permeada pelas subjetividades,

88 crenças e formação específica das/os agentes de segurança e justiça em questão” (MACHADO, GROSSI, 2015, p.572).

Destarte, ao inferir os inciso II, IV e V como violência sem sangue apontamos a violência psicológica como primária, visto que esta encontra-se intrinsecamente ligada às violências patrimonial e moral. A detenção ou destruição de bens total ou parcial, desqualificação por meio de xingamentos, difamação e inferiorização localizam a mulher em posição de vulnerabilidade, violenta o psicológico destas. Diante do exposto, entendemos que estas violências não deixam marcas físicas, porém, as marcas atacam a subjetividade, uma ferida/dor que pode permear por tempo indeterminado. As calúnias, ameaças, xingamentos, assédios, humilhação, controle, ferem a relação mais íntima e subjetiva dos sujeitos, “não são necessariamente ataques ao corpo, mas a identidade, a subjetividade da mulher, em outras palavras, o que a constitui como pessoa” (BANDEIRA, 2013, p.74). Assim, nas práticas da violência sem sangue, sobretudo, reiteramos que a violência psicológica, pode ser compreendida como primeira etapa da violência reverberada nas demais.