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O COMÍCIO ELEITORAL

2.5 LS e RS: traços biográficos distintivos

Ao delinear a trajetória de LS e RS, foram apresentados contrastes presentes na história de cada um desses agentes. O Quadro 1 apresenta elementos que mostram, de forma sintética, a distinção social entre eles.

Político Faixa etária Escolaridade Origem geográfica Origem Social e econômica Atuação profissional Atuação política LS (PT) 65 anos Ensino fundamental Curso de torneiro mecânico (SENAI) Garanhuns (PE) Classe baixa Pais lavradores, migrantes nordestinos e analfabetos Metalúrgico Deputado Federal, líder partidário e Presidente RS (PMDB) 69 anos Ensino superior Jornalismo (PUCPR) Direito (UFPR) Pós- graduação Planejamento urbano (Fundação Getúlio Vargas) Curitiba (PR) Classe alta

Pai médico e ex-prefeito, avô paterno camarista e Deputado Estadual, Bisavô paterno secretário de Lamenha Lins, advogado, intelectual e jornalista,

avô materno comerciante,

bisavô materno coletor de impostos no século XIX Comerciante e Advogado Deputado Estadual, Prefeito, Governador por três vezes e Senador

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A trajetória política de LS e RS foi relevante na constituição do “habitus” desses agentes. Eles encontraram, na herança familiar e na carreira política, os ingredientes para compor o perfil da representação.

Embora os pais de LS fossem analfabetos, ele tomou para si o perfil social e cultural de sua família para compor sua biografia política. Até as vicissitudes de classe que fizeram parte de sua história foram fundamentais na composição do perfil da persona pública. O ex-presidente apresentou publicamente a sua história, e grande parte da população identificou-se com ela.

RS herdou de sua família o apreço pela política, o capital intelectual e econômico.

Colocou-se ao lado da classe menos favorecida e justificou seu posicionamento, ao falar de sua “visão fraterna” e da “formação humanística”. Em entrevista concedida ao programa Sala Exclusiva, ele expressa o seu posicionamento político:

A minha visão, acho eu, é fraterna. Estou preocupado com o equilíbrio da sociedade, com o emprego e não com o sucesso de alguns grandes industriais. Desejo sucesso a eles, mas desejo muito mais sucesso às pessoas pobres, humildes, que vivem do seu trabalho. Quero oportunidade de emprego para cada um deles. [...] Achava que um político é um tribuno do povo combatendo a cada momento, dia a dia, a cada instante, a intenção das elites de a tudo dominarem, de transformarem o povo e o trabalhador em mercadoria a ser utilizada nas fábricas, no serviço e na agricultura, afastada, dispensando no momento em que o trabalhador cansado não pudesse dar tudo de si. Esta é a diferença fundamental. A minha formação é uma formação humanística. (FARIA e SEBASTIANI, 1997. p.268)

À medida que o ex-sindicalista delineava sua carreira, apropriava-se de “habitus linguístico”, próprio do “campo político”. Ele percebeu a relação entre linguagem e poder, por conseguinte, ampliou o seu repertório para participar dos eventos comunicativos do campo em que estava imerso. RS sempre esteve integrado ao “campo político”. Resende (2007) relata que ainda na adolescência ele discursou em favor do pai, Wallace Thadeu de Mello e Silva, que foi candidato à prefeitura de Curitiba, em 1954. O político paranaense herda o capital político, intelectual e econômico, mas procurou, como político, falar em nome do povo. LS

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nasceu no meio povo, procurou ser político para representar o povo. Embora os dois “agentes” tenham tido trajetórias sociais diferentes, colocam-se no campo dos políticos populares.

Bourdieu (2007), ressalta a relevância das biografias na composição hitórica de um campo:

A história estrutural de um campo – tratando-se do campo das classes sociais ou qualquer outro campo – periodiza a biografia dos agentes comprometidos com ele (de modo que a história individual de cada agente contém a história do grupo a que ele pertence). Na sequencia, em uma população, só é possível recortar gerações – por oposição a simples faixas arbitrárias – com base em conhecimento da história específica do campo em questão: de fato, somente as mudanças estruturais que afetam tal campo possuem o poder de determinar a produção de gerações diferentes, transformando os modos de geração e determinando a organização das biografias individuais e a agregação de tais biografias em classe de biografias orquestradas e ritmadas segundo o mesmo tempo. (BOURDIEU, 2007, p. 426)

A composição da trajetória de LS e RS faz parte do ritual de apresentação e representação política, portanto o perfil delineado, nas biografias, constitui uma “fachada”; nela projeta-se uma imagem positiva dos “agentes”. Essas ações constituem “habitus do político” (BOURDIEU, 2010), inerentes ao campo onde atuam. Lula e Requião, a partir da posição que ocupam no campo, procuram fixar o sentido de sua ação, estabelecendo um vínculo entre representantes e representados.

Assinalou-se, neste capítulo, que os dois políticos percorreram caminhos diferenciados, na constituição de personas públicas. Para tornar visível a distinção entre essas “personas”, será examinado, nos capítulos 4 e 5, traços estilísticos em discursos proferidos por eles. Em outras palavras, investiga-se, nesses capítulos, o emprego de pronomes de 1ª pessoa, nos discursos dos “agentes”. Antes, porém, serão descritos, no próximo capítulo, os procedimentos metodológicos que estão na base da elaboração deste trabalho.

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Capítulo 3

METODOLOGIA

De tanto nos debatermos contra os muros desse labirinto, retornamos ao ponto de partida.

Ou quase. Vimos quais livros Menocchio lia. Mas como os lia? Confrontando, uma por uma, as passagens dos livros por ele citados com as conclusões às quais chegava (ou até mesmo com o seu modo de referi-las aos juízes), nos vemos às voltas, invariavelmente, com lacunas e deformações, às vezes profundas. Qualquer tentativa de considerar esses livros “fontes” no sentido mecânico do termo cai ante a agressiva originalidade da leitura de Menocchio. Mas do que o texto, portanto, parece-nos importante a chave de sua leitura, a rede que Menocchio de maneira insconsciente interpunha entre ele e a página impressa – um filtro que fazia enfatizar certas passagens enquanto ocultava outras, que enxagerava o significado de uma palavra, isolando-a do contexto, que agia sobre a memória de Menocchio deformando a sua leitura. Essa rede, essa chave de leitura, remete continuamente a uma cultura diversa da registrada na página: uma cultura oral.

Carlo GINZBURG