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O COMÍCIO ELEITORAL

2.2 A trajetória de RS

RS nasceu em Curitiba, no dia 5 de março de 1941. Ele é filho de

Wallace Tadeu de Mello e Silva, médico psiquiatra e ex-prefeito da cidade, e de Lucy Requião de Mello e Silva. O Início de sua formação estudantil ocorreu no Colégio Belmiro César, onde foi alfabetizado. Prosseguiu sua formação escolar em tradicionais colégios públicos de Curitiba; o Instituto de Educação do Paraná, o Grupo Escolar 19 de Dezembro e o Internato Paranaense. Depois, fez dois cursos superiores: formou-se em Jornalismo, em 1964, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e em Direito, no ano de 1966, na Universidade Federal do Paraná. Durante a graduação participou de militância estudantil, foi membro de centro acadêmico e diretório estudantil, por causa dessas atividades, em 1967, foi fichado no DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social). O político paranaense fez também curso de especialização em Planejamento Urbano na Fundação Getúlio Vargas.

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Resende (2007) reconstitui a trajetória política de RS e contribui com a compreensão da política paranaense contemporânea. Para analisar os traços fundamentais da posição e ação do político, a pesquisadora investiga alguns elementos estruturantes da formação do habitus de RS, entre eles, os traços genealógicos das famílias Mello e Silva, e Requião, uma vez que membros da família de RS, desde o século XIX, ocuparam cargos no Estado. De acordo com a pesquisadora, a instituição família constitui um dos elementos relevantes para formação do político paranaense já que ele herdou de um dos lados da família o capital político e intelectual, e do outro o capital econômico:

Através dos elementos genealógicos trabalhados, verificamos que a instituição família constitui um dos elementos de maior relevância para a formação do habitus de Requião, principalmente quanto ao apreço pela política, que já estava inculcado em seus antecessores. A começar por seu bisavô Justiniano, grande intelectual que teve uma passagem muito produtiva pelo Paraná, influenciando vários intelectuais locais.

[...] A família Mello e Silva foi a grande impulsionadora na formação do capital político de Roberto Requião. Já a família Requião contribuiu para a constituição do capital econômico, pois seus membros eram basicamente comerciantes e donos da maior loja que existia na cidade de Curitiba. (RESENDE, 2007, p. 123)

A influência da família na trajetória do político paranaense foi narrada por ele em entrevista concedida ao programa Sala Exclusiva e publicada por Faria e Sebastiani (1997, p. 250-251):

O meu desejo de ir à prefeitura de Curitiba estava preso ao fato de meu avô ter sido camarista em sua época, quando os vereadores eram chamados de camaristas, e como camarista ter exercido algumas vezes a direção do município. E meu pai, depois, foi vereador e foi prefeito na época das nomeações, nomeado pelo Bento Munhoz da Rocha Neto. Meu pai, posteriormente, veio a perder uma eleição para a prefeitura exatamente para o Ney Braga. Fiquei carregando dentro de mim aquelas ideias que meu pai tinha para cidade. Na época, uma cidade de 116 mil habitantes, quando foi prefeito. Ele imaginava uma cidade com um cinturão verde de abastecimento e também já tinha uma briga pesada com o pessoal do transporte coletivo. Ele via o transporte coletivo como um serviço a ser prestado à cidade e achava que os empresários se serviam da cidade com mau transporte e preços muito altos. Eu cresci vendo a briga do meu pai contra interesses e o seu desejo de realizar um projeto. Até hoje tenho na gaveta da minha escrivaninha a plataforma política para a cidade.

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O pemedebista apresenta os motivos que o levaram a ingressar na política, ressaltando o papel de membros da família na história da gestão pública da cidade de Curitiba. Com efeito, se apropria do capital cultural e político da família: “Fiquei carregando dentro de mim aquelas ideias que meu pai tinha para cidade”; “Até hoje tenho na gaveta da minha escrivaninha a plataforma política para a cidade”.

Resende (2007) faz uma breve descrição da genealogia do político paranaense, delineando a origem paterna e materna. A pesquisadora relata que o bisavô paterno do político, Justiniano de Mello e Silva era natural do Sergipe e chegou ao Paraná em 1876 para ser secretário da presidência de Lamenha Lins. Justiniano era bacharel em direito e atuou como jornalista e professor no Instituto Paranaense; fundou o Colégio Paranaense, o atual Colégio Estadual do Paraná. Exerceu atividade intelectual e política no Estado, atuando como deputado estadual e participou da fundação do primeiro Partido dos Operários do Paraná. Foi ele quem escreveu o Manifesto de Legitimação desse partido. Justiniano transmite ao filho, Wallace de Mello e Silva, o gosto pela política. Este foi camarista em Curitiba e deputado estadual. O pai de RS, Wallace Thadeu de Mello e Silva, era médico psiquiatra; foi nomeado prefeito em 1951 por Bento Munhoz da Rocha, no entanto teve de ser afastado do cargo por causa de divergências políticas, mesmo assim, voltou a concorrer à prefeitura em 1954, mas perdeu as eleições para Ney Braga. Resende (2007) explica que RS estreou na política ainda adolescente, quando proferiu um discurso em favor de seu pai:

A disputa de Wallace Thadeu, para a prefeitura da capital, mexeu muito com o menino Roberto Requião, que a partir desse episódio revelou precocemente uma inclinação para a política, proferindo um discurso a carro aberto em favor da candidatura do pai. Requião foi acumulando capitais na esfera política, cultural e econômica, através de seu bisavô e, principalmente, de seu pai, seu grande inspirador. (RESENDE, 2007. p. 2)

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No episódio relatado, a pesquisadora destaca que a performance de

RS, ainda na adolescência, caracteriza a incorporação de “capitais simbólicos”.

Dito de outro modo, o político foi influenciado pela participação de familiares que atuaram na política, portanto ele apropria-se de forma natural de regras do “campo político”. Bourdieu esclarece:

Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não motivado os atos dos produtores e as obras por elas produzidas e não como geralmente se julga, reduzir ou destruir. (BOURDIEU, 2010. p. 69)

O “capital político” herdado é uma forma inerente de perpetuação do poder de grupos. As instituições familiares de prestígio se mobilizam para se manter no poder, portanto o “capital político” não é nem um pouco arbitrário, ou imotivado.

Resende (2007) descreve também a genealogia materna do político paranaense. Ela relata que o bisavô materno do político, Luiz Antônio Requião, era originário da Bahia e foi coletor de Renda em Curitiba no século XIX. Casou-se com Gertrudes da Silva Lopes, que era filha de Cândido Lopes. Desse enlace matrimonial nasce Euclides Requião, um grande comerciante e hoteleiro, o avô de

RS. Euclides casa-se em Guarapuava com Christina Keinert, cujo pai era alemão

e a mãe gaúcha. O casal tem oito filhos, entre eles Lucy Requião, mãe de Requião.

Os traços genealógicos do ex-governador do Paraná assinalam que as heranças materiais, culturais e políticas contribuíram para formação de valores que configuraram o perfil de representação política. Bourdieu (2007) elucida a relação entre “capital econômico” e identidade social:

Qualquer herança material é, propriamente falando, e simultaneamente, uma herança cultural; além disso, os bens de família têm como função não só certificar fisicamente a antiguidade e continuidade da linhagem e, por conseguinte, consagrar sua identidade social, indissociável de permanência no tempo, mas também contribuir praticamente para sua

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reprodução moral, ou seja, para a transmissão dos valores, virtudes e competência que servem de fundamento à filiação legítima das dinastias burguesas. (BOURDIEU, 2007. p. 75)

Não se encontrou, nos discursos de palanque que compõem o corpus deste trabalho, referência feita, por Requião à tradição econômica e política de sua família. Mas, na entrevista concedida ao programa Sala Exclusiva, publicada por Faria e Sebastiani (1997) e citada anteriormente, o ex-governador comentou a participação política de seu avô e de seu pai na capital paranaense. Diferente de Requião, Lula, constantemente em seus discursos, faz menção a sua origem familiar. Oliveira (2001), ao analisar a formação da classe política paranaense, explica o que denomina de “silêncio dos vencedores”:

A classe dominante paranaense se caracterizou por padrões de continuidade pelos quais a sua história e suas memórias deveriam ser filtradas. A produção do silêncio faz parte da identidade paranaense. Sucessivas ondas demográficas ocupam o território paranaense e reconfiguram uma identidade que sempre deve ser reatualizada e renovada para incluir os últimos recém-chegados. No entanto, poucas regiões do Brasil apresentam continuidades históricas tão expressivas na posse do poder político por parte de grupos familiares tão antigos quanto no Paraná. O arcaico convivendo e coexistindo com o moderno. A tradição política de continuidade do poder familiar no Paraná muitas vezes é vista como uma antitradição. Poucas regiões do Brasil apresentam elementos de continuidade no exercício do poder político por tão poucos grupos como o Paraná. Ao mesmo tempo em que existem traços de continuidade, existe uma estratégia consciente ou não de produção do silêncio da memória e da identidade paranaense. Arquivos e lembranças da história nacional foram destruídos. Configura-se o silêncio dos vencedores. (OLIVEIRA, 2001, p. xxvii – xxviii)

No final de sua obra, Oliveira (2001) conclui:

O Paraná não é uma terra sem memória ou sem história. A questão passa pela percepção de como sua classe dominante histórica construiu um pacto de silêncio sobre si próprio e sobre a política regional. (OLIVEIRA, 2002 p. 355)

A análise feita por Oliveira (2001) pode explicar o motivo de não ser encontrada, nos discursos proferidos por RS, em palanque eleitoral, referência à

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sua tradição familiar, embora essa instituição tenha tido uma influência considerável sobre a carreira política de Requião.