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Lucimar e o marido se mudaram há nove anos para Horizonte, vindos de Canindé, interior do Ceará, em busca de trabalho. Aos 33 anos, cursou até a 6ª série do Ensino Fundamental e parou de estudar há vários anos, afirmando não ter possibilidade de retornar para a sala de aula naquele momento, por falta de alternativa.

Logo que chegou em Horizonte, o casal fabricava utensílios de decoração com fiapos de tecidos que comprava de uma fábrica de etiquetas e, com a venda dos tapetes, centros de mesa e artigos para banheiro, sustentavam os três filhos. Em seguida, passaram a cuidar do sítio de uma família de Fortaleza, vivendo no local por cinco anos até comprarem a casa própria, obtida a partir dos salários dos empregos com carteira assinada que ambos conseguiram.

Sobre a moradia em Horizonte, Lucimar afirma que, em comparação à cidade onde vivia, as condições de vida em geral são bem mais fáceis, com relação à alimentação, emprego, calçamento das ruas. Ela não aponta aspectos negativos advindos com as mudanças em Horizonte a partir da industrialização: “Cada momento pelo bairro, pelas Queimadas, melhorou muito, não tem nada de ruim, não”.

Mesmo relatando não ser descendente de escravo, essa moradora da comunidade quilombola considerou a importância e o papel que podem exercer uma associação comunitária: “Não somos quilombolas. Eu acho que, através de uma associação, pode conseguir muita coisa pra comunidade. Vamos supor, uma creche, [...] conseguir uma casa de apoio pros jovens que vive solto nas ruas sem fazer nada, no mundo das drogas”. Sua percepção sobre o preconceito racial é otimista: “Já teve, realmente, não só com os quilombolas como a gente, ‘morenim’, a gente de passagem, mas acho que hoje não tem mais não. O mundo hoje vê as coisas da forma que a gente vive no mundo, sem preconceito”.

O marido da entrevistada trabalhou em uma granja antes de ser contratado por uma grande fábrica de tecidos, empresa de onde havia sido demitido poucas semanas antes à entrevista, e onde Lucimar ocupa o cargo de serviços gerais. Embora os dois sempre tivessem trabalhado, Lucimar aponta que ela é quem resolve as questões financeiras da família, administrando inclusive o dinheiro recebido pelo marido, cuidando dos afazeres domésticos, dos filhos e tomando as decisões dentro de casa.

Quando perguntada sobre a situação da mulher na sociedade nos tempos atuais, com relação ao mercado laboral e à vida familiar, ela afirmou que “Ser mulher nessa situação é difícil, porque, ao mesmo tempo, você tem que ser mulher pra trabalhar, pra tomar conta de casa, pra cuidar de filho. Tem que ser ‘mulher macho’ sim, senhor!”.

Lucimar se percebe como sendo uma mulher muito batalhadora, que gosta de trabalhar e que sempre trabalhou muito para conseguir suas coisas. Quanto à sua ocupação laboral, iniciada cinco anos antes, ela menciona que gostaria de arranjar um emprego melhor, tendo em vista que o marido estava desempregado e a sua responsabilidade aumentara. E expressa sua opinião acerca da contratação terceirizada de serviços:

Eu tô trabalhando, como sempre, na Fronha13, como zeladora, trabalho por

uma terceirizada. Eu não trabalho pela empresa mesmo. Pretendo sair de lá pra arrumar um emprego melhor, mas eu tenho medo, porque tá difícil, só eu trabalhando, meu esposo está desempregado, a responsabilidade é grande. Um emprego melhor pra mim, hoje, eu queria numa máquina de costura, com peças, e eu queria entrar na Sapatos, porque ela é uma empresa própria, dá todos os direitos aos funcionários. Uma terceirizada que nem eu tô não dá direitos aos seus funcionários. Eu tô lá e eu tô sabendo que ela não me dá. É carteira assinada, mas pra mim sair ou faço um acordo ou peço minhas contas.

Além de conseguir um emprego melhor que o que possui, Lucimar deseja uma oportunidade na Sapatos, empresa na qual nunca trabalhara, e também ser costureira, sendo este um dos seus sonhos no tocante à realização laboral: “O trabalho dos meus sonhos é ser costureira. Eu tenho um sonho, ainda tenho certeza, tenho muita vontade de entrar na Sapatos. É um sonho que eu tenho, e meu esposo também”. Ela percebe a experiência nessa empresa como o meio de tornar-se uma profissional da área de costura, o que proporcionaria condições para montar o seu próprio negócio: “Meu

sonho agora pra mim agora mesmo é trabalhar, costurar, ser uma profissional pra quando eu sair de lá, um dia, eu poder colocar na minha casa”.

Mesmo não considerando, naquele momento, a possibilidade de ela própria voltar a estudar, Lucimar tem a seguinte visão sobre o futuro dos filhos:

Sempre eu quero muito pros meus filhos é que eles tenham futuro, eles tenha uma vida digna, estudando, com um emprego e seja mais assim, tenha mais educação, uma faculdade mais apropriada, aqui dentro de Horizonte mesmo, porque a gente já tem. Eu tenho muito na cabeça pro futuro dos meus filhos seja uma educação melhor, mais voltada pra eles, somente o que eles escolher.

Os comentários de Lucimar sobre o que entende por qualidade de vida parecem refletir um pouco das dificuldades e necessidades financeiras que ela vivera: “Qualidade de vida, pra mim, é saber viver, tentar o máximo a paz dentro de casa. As coisas tão muito cara. Tem que pensar a qualidade de vida pra cada vez mais melhorar meu sistema da alimentação, da saúde, da educação, da casa, de tudo”.

O aprendizado de Lucimar no projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” foi além dos conhecimentos técnicos em costura, como ela própria afirma:

Alinhavando foi muito show com certeza. Pelo que eu tive, era não ter medo de enfrentar a vida, não ter medo de me sentar numa máquina, costurar. Eu conquistei muita coisa, coisa que eu jamais vou esquecer. [...] Muitas coisas onde eu trabalho, muita coisa eu achei muito importante nesse curso. Contudo, o fato de o projeto não ter viabilizado uma organização das mulheres enquanto grupo produtivo foi visto por ela como um aspecto negativo: “Teria sido melhor se tivesse continuado como uma cooperativa, ter uma força maior”.