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Ambientes de interação são lugares que pressupõem a habitação, espaço por onde transitam desejos, afetos e forças que transformarão o lugar. O espaço se move, afeta e é afetado. Sujeito, objeto e espaço se tocam. Este toque pode ser tanto físico quanto virtual. Virtual como aquilo que escapa aos contornos visíveis e se prolonga pelo espaço provocando ressonâncias e deslocamentos.

40Artigo de Michel Foucault (1926-1984) ―Dos espaços outros‖ apresentado na conferência de 1967 e liberado para publicação em 1984.

85 A criação de ambientes, lugares, vias, trajetos e passagens coincide com a presença e a experiência do espectador quando sua presença é fundamental para o acontecimento artístico.

Para abordar tal temática farei referências a Hélio Oiticica que podem auxiliar na visualização do ambiente de interação que aparece em traços das artistas Lygia Clark e Pina Bausch.

Originário das artes visuais, o artista Hélio Oiticica é um dos nomes mais importantes no que diz respeito às propostas de interação. Seus interesses se centralizam na criação de trabalhos que estimulam a ação do espectador em suas relações como o entorno, sugerindo as obras ambientais.

Um de seus trabalhos é um labirinto penetrável criado ―para estimular o espectador dentro de uma rede de relações com coisas a serem apreendidas fisicamente (pisar na areia, por exemplo)‖, como descreve a curadora e crítica de arte Lisette Lagnado42. Este trabalho,

intitulado Tropicália, dá nome a um dos maiores movimentos artísticos e culturais do Brasil no final da década de 1960 – a Tropicália – e contribui para o aparecimento de clichês referentes às particularidades brasileiras (brasilidades) na relação que seu povo mantém como o corpo. Entretanto, ainda de acordo com apontamentos de Lagnado,

(...) essa cena obviamente tropical, que trazia plantas, araras e seixos, entre outros elementos, contribuiu para louvar uma espécie de folclore nacional (contra o qual Oiticica dedica em vão fartas críticas) quando se deveria prestar mais atenção para a vontade do artista de ―criar ambientes para o comportamento‖. (LAGNADO, 2004)

Nestes movimentos que pretendem acontecer na fusão da pele com o ambiente existe uma intenção de articular aberturas no corpo para aquilo que está por vir, o desconhecido e o indeterminado, segundo Lagnado. E é neste sentido que as produções de Hélio Oiticica inauguram, no momento seguinte, as ―ordens de manifestações ambientais‖, com a criação de

Núcleos e Penetráveis, conforme indica Luciana Figueiredo na introdução do livro ―Aspiro ao Grande Labirinto‖ (1986). Oiticica transita da teoria do Não Objeto, de Ferreira Gullar, que questiona a dissolução do objeto de arte para a criação em um espaço coletivo que integra e solicita a participação. O artista radicaliza e pensa a ―obra‖ como o ―mundo‖.

42 O artigo de referência "Longing for the body", ontem e hoje‖ foi escrito para a mostra "Brasil - Body nostalgia", com curadoria de Katsuo Suzuki. A mostra foi realizada em 2004 para duas instituições: The National Museum of Modern Art de Tokyo e The Natio nal Museum of Modern Art de Kyoto. Os artistas convidados foram: Tarsila do Amaral, Miguel Rio Branco, Adriana Varejão, Dias & Riedweg, Lygia Clark, Ernesto Neto, Mira Schendel, Brígida Baltar e Rivane Neuenschwander. Agradeço ao curador Katsuo Suzuki a autorização para republicar este ensaio, sem a qual ele permaneceria inédito no Brasil.

86 Movimento 4: Uma obra, do objeto ao quase-corpus

Primeiramente, para tratar do conceito de objeto é importante contextualizá-lo no campo dessa investigação – a arte. Vinculada à ideia de ―obra de arte‖, a palavra ―objeto‖ esteve condicionada por muitos séculos, sobretudo no âmbito ocidental, a um sistema organizador de códigos vigentes que se configuram de modo a apresentar-se diante de um sujeito. Em um momento anterior aos questionamentos lançados pelos movimentos e ações da vanguarda histórica, a ―obra de arte‖ é uma possível analogia de um objeto que se lança à apreciação. Sujeito e objeto se confrontam a partir de espaços distintos. O objeto é uma área de representação, de ficção, e uma construção que se apresenta ao sujeito. Nesta configuração que trata de separar sujeito e objeto, a análise e a observação tornam-se os principais elos entre os lugares do sujeito e os do objeto.

Neste movimento e na superação da noção acima apresentada, proponho a partir da leitura do ―Manifesto Neoconcreto― a visualização da obra de arte como um corpo ou um organismo em constante transformação, como um sistema que se abre à medida que permite o trânsito dentro e fora e a relação com o entorno. O ―Manifesto Neoconcreto‖ questiona o conceito de obra de arte e critica concepções que fazem analogias à obra como máquina ou objeto. É possível perceber que a obra é compreendida como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.‖43 O que o ―Movimento Neoconcreto‖ pretende é reacender a experiência

primeira do real, conforme indicações nele contidas:

A obra como organismo, como organismo estético, que não se encerra em si, mas que se abre para o entorno, que se faz na relação e que não solicita ―de si e do espectador apenas uma relação de estímulo e reflexo, mas que fala ao olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele, fala ao olho-corpo e não ao olho- máquina.‖

Pensar a obra como organismo, como sistema aberto e em comunicação com o ambiente, eis o que defende o ―Manifesto Neoconcreto‖. Abordar a obra como organismo implica ainda refletir sobre a espacialização da obra abordada no Manifesto, e que trata do

43 Manifesto Neoconcreto, texto republicado em ―Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro‖, de Ronaldo Brito.

87 fato de que ela está sempre se fazendo presente, ―está sempre recomeçando o impulso que a gerou e que ela era já a origem.‖44.