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Presentemente, parece haver consenso sobre o fato de que inscrever uma pesquisa na área da Linguística Aplicada (LA) tem como corolário um compromisso político, implicado, na produção do conhecimento. Essa valoração é um truísmo do trabalho investigativo aplicado e declina uma orientação ontológica externo-realista, epistemológica objetiva e metodológica nomotética21.

Assim, os estudos afiliados à LA honram uma genética que pressupõe contexto sócio-histórico, (inter)subjetividade, práticas sociais e discursivas sediadas em campos da criação ideológica agenciadores das interações e suas problemáticas constitutivas. A assinatura da LA é, certamente, a mais coerente com um trabalho cujo objeto de estudo é tratado a partir da premissa de “se criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem desempenha um papel central” (MOITA LOPES, 2009, p. 19), o que referenda a própria significação da LA, como modo de ser ao fazer pesquisa.

56 Com o objetivo de analisar a abordagem dada ao gênero discursivo anúncio publicitário, urge revozear as justificativas para se albergar essa pesquisa no endereço teórico fronteiriço que assinala a LA.

Nosso objeto de pesquisa solicita um movimento transdisciplinar porque fomenta questões embasadas numa preocupação social: a formação leitora de cidadãos/consumidores críticos. A raiz deste estudo está numa problemática contemporânea relacionada ao papel da escola na construção de sentidos e de valores. O material escolar, ao abordar gêneros do discurso, obedece às diretrizes oficiais (ou aos Parâmetros Curriculares Nacionais) para o ensino e parece catalisar elaborações didáticas que enredam o que se aprende na escola com o que se lida fora dela. Instiga- nos problematizar como se dá esse processo em relação ao anúncio publicitário.

O plano relacional com a LA se amplia pela ideia de que a prototipicidade verbo-visual dos anúncios que analisamos implica um preparo para lidar com múltiplas linguagens, o que requer um passeio por, igualmente múltiplos, saberes. A dupla filiação que os anúncios passam a ter a campos da atividade humana, o publicitário e o escolar, exige do pesquisador leituras que visitem propostas articuladoras da esfera midiática com a educacional, a fim de subsidiar a compreensão da ação migratória desses eventos de linguagem então constitutivos do livro didático. Nesse intento, a LA nos ampara e impulsiona ainda mais à iniciativa transdisciplinar.

Pesquisar em livros de Língua Portuguesa para o Ensino Médio adotados pela rede pública é afirmar um posicionamento político, uma vez que se focaliza um objeto situado em um cenário acedido pelas camadas populares, que têm, muitas vezes, no material escolar, a fonte mais confiável de tratamento qualificado dos textos. Nessa visão, abraçamos a LA, que lança luz sobre problemas de fronteira, de periferia, de minorias e/ou maiorias perversamente silenciadas, deslocadas do carimbo científico tradicional.

Ter em conta que “A LA é uma área de investigação que se ocupa da pesquisa de questões situadas na prática social com procedimentos específicos próprios da

natureza aplicada da pesquisa que tipicamente a serve.” (ALMEIDA FILHO, 2008, p.

57 suplantada pela aplicada/implicada, ou seja, por uma postura antiuniversalizante, anti- idealista, antipositivista e antiobjetivista diante da linguagem.

Tal posição aproxima-se claramente da Filosofia da Linguagem que tem Bakhtin como seu signatário. Nossa abordagem do gênero anúncio, como enunciado concreto, não poderia estar desamparada dos postulados teóricos do Círculo bakhtiniano. Seus autores, como se faz na LA, construíram uma obra crítica e opositiva ao que nomearam de objetivismo abstrato e de subjetivismo individualista. Bakhtin/Volochinov (1997, p. 124, grifo do autor) assevera: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.”.

“Assim, no contexto atual, a LA se define por ter, nos problemas linguísticos de impacto social, seu objeto de investigação e, no seu caráter eminentemente discursivo e transdisciplinar, sua caracterização teórico-metodológica” (FREIRE et al., 2005; MOITA LOPES, 2006 apud MOTTA ROTH e MARCUZZO, 2008, p.33). Essas palavras entrelaçam-se aos nossos interesses de pesquisa e ratificam um conjunto de preceitos que parecem produtivos para alcançar objetivos condizentes com um objeto de estudo híbrido, múltiplo e complexo (SIGNORINI, 2007), como o de nossa pesquisa e os que se constroem na própria LA.

Como a agenda de pesquisa dessa área é balizada por situações-problema de linguagem nos mais diversos contextos institucionais da nossa coletividade e época, e como este trabalho se propõe a investigar a abordagem, no livro didático de Português, do anúncio publicitário, um produto discursivo emblemático da sociedade de consumo, certamente não haveria área de inserção teórica mais adequada do que a aplicada (LA).

O pressuposto orientador dessa pesquisa é o de que a consumação da sua dimensão ética se dá na medida em que se atravessam as fronteiras de um teoreticismo22 hermético e se assume uma orientação explícita em direção à prática social envolvendo questões de linguagem, o que caracteriza o fazer científico de um linguista aplicado. Buscamos praticar a “leveza de pensamento” (ROJO, 2006, p. 254), numa rotina transdisciplinar, que torna a LA capaz de “tentar enfrentar e modificar a precariedade da

58 existência em sociedade ou a privação sofrida por sujeitos, comunidades, instituições” (ROJO, ibidem).