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A luta pela redução da jornada de trabalho no Serviço Público Federal e a

No documento adrianaimaculadafernandes (páginas 176-183)

CAPÍTULO III A luta pela redução da jornada de trabalho

3.2 A luta pela redução da jornada de trabalho no Serviço Público Federal e a

No setor público, a luta pela redução da jornada de trabalho também é marcada por avanços e retrocessos. Ao longo dos anos, foram diversas as greves das IFES tendo, entre suas reivindicações, a redução da jornada de trabalho. Entretanto, não há um histórico preciso de quando se iniciou a “luta pelas 30 horas”, mas diversas IFES vêm construindo seus planos de flexibilização da jornada de trabalho29.

A primeira lei que trata da redução da jornada de trabalho é a nº 9.468/1997, que instituiu o programa de desligamento voluntário para servidores civis do Poder Executivo Federal e a medida provisória nº 2.174-28, de 2001, que viabilizou, para 29 Fontes: https://sinasefebrasilia.wordpress.com/2016/06/28/por-que-30-horas/ ; http://www2.ifam.edu.br/campus/cprf/noticias/direcao-professores-e-tecnicos-administrativos-movimento-coletivo- em-apoio-as-30-horas-para-taes/0000010281-1-carta-aberta-final-30h.pdf ; http://www.sintufejuf.org.br/artigo/servidores-tecnico-administrativos-da-ufjf-conquistam-jornada-flexibilizada (Acessos em 14/07/2018).

esses mesmos servidores, durante o ano de 1999, além do programa de desligamento voluntário, a licença sem remuneração e a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional. Tal legislação reflete o contexto de contrarreforma do Estado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003)30, que não visava benefício aos servidores, mas sim a redução e enxugamento da máquina pública.

Posteriormente, o decreto presidencial 4.836/2003 foi editado e modificou o art. 3º do decreto nº 1.590/1995, que dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais. Tal decreto faculta ao dirigente máximo do órgão ou entidade a autorização para a flexibilização da jornada, para que os servidores cumpram jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, desde que haja necessidade de funcionamento do setor em pelo menos doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público. Nesse caso, é permitida a organização dos serviços em regime de turnos ou escalas de serviço, que devem ser cumpridos de forma ininterrupta, sem intervalo para refeições.

Porém, apesar do decreto, a questão da jornada de trabalho para os servidores nas IFES, ainda não está concluída, sendo encontradas diversas situações. Algumas instituições conquistaram a jornada reduzida, regulamentada através de resolução interna ou portaria aprovada pelo conselho universitário, em outras, os servidores cumprem jornada de oito horas diárias e quarenta horas semanais. A Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA)31 vem lutando em âmbito nacional pela regulamentação da jornada reduzida em todas as universidades públicas e essa tem sido uma das reivindicações dos servidores levadas ao Ministério da Educação (MEC) durante as greves e mobilizações da categoria32.

Para órgãos de controle como a Controladoria Geral da União (CGU), a jornada de trabalho baseada no art. 3º do decreto nº 1.590/1995 não deve ser generalizada para todos os servidores técnico-administrativos em educação, mas somente àqueles que trabalham em setores que realizam atendimento ao público. A CGU apresenta uma

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Também chamado Governo FHC, ficou marcado pela estabilização da moeda, com o Plano Real, mas, principalmente, pela contrarreforma, com a redução do papel do Estado através de privatizações e desmonte dos serviços públicos.

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Denominação extraída do site da Federação: www.fasubra.org.br (acesso em 23/04/2017). 32

https://fasubra.org.br/noticias/plenaria-aprova-pauta-especifica-da-categoria-e-calendario-de-lutas/ (acesso em 17/07/2018).

interpretação própria e restrita sobre o conceito de atendimento ao público das IFES: para este órgão de controle, somente os servidores que trabalham em setores que realizam atendimento aos discentes, que entendem ser o único público atendido pelas IFES, é que poderiam trabalhar em escalas de trabalho de trinta horas. Entende que somente em casos excepcionais é que o atendimento deveria ser de doze horas ininterruptas e parece ter uma visão restrita com relação ao interesse público:

(...) “necessidade” é o requisito segundo o qual as atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou o trabalho no período noturno, são exigências intrínsecas ao funcionamento do setor, a ponto de este vir a não funcionar se tais requisitos não fossem satisfeitos, enquanto “interesse” é o atributo segundo o qual o funcionamento do setor poderia ocorrer sem exigência de funcionamento em atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou em trabalho no período noturno (CGU, 2017, p. 21).

Tal interpretação em relação a qual é o público usuário atendido pelas IFES diverge da encontrada na lei nº 11.091/2005, que trata do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE). A lei aponta que usuário seriam todas as pessoas ou coletividades que usufruem, direta ou indiretamente, dos serviços prestados pelas IFES (BRASIL, 2005).

A CGU entende, ainda, que o regime de trinta horas semanais para os servidores acarreta em prejuízo aos cofres públicos, com base não no fato de que todos os setores ainda não estão funcionando durante doze horas ininterruptas ampliando o atendimento ao público, mas com a alegação de que os servidores estão deixando de trabalhar duas horas por dia. Para citar um exemplo, o Relatório de Auditoria da CGU que examinou as contas de 2016 da UFJF, emitido em agosto de 2017, estima um “prejuízo”, devido à “manutenção de jornada de trabalho generalizada de seis horas diárias e carga de 30 horas semanais para servidores técnico-administrativos, com potencial prejuízo ao erário estimado em R$15.580.182,67, durante 2016” (CGU, 2017, p. 14).

Nesse contexto, entendo ser importante traçar o histórico da luta pelas trinta horas na UFJF. Para isso, recorri a diversas fontes, tais como resoluções do CONSU33,

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informações disponíveis no site do SINTUFEJUF34 e também relatos de servidores entrevistados, cujos excertos mais relevantes serão destacados na pesquisa de campo.

A UFJF vem adotando o regime de seis horas diárias há mais de vinte anos com base em um acordo tácito firmado ainda no reitorado da professora Margarida Salomão, entre os anos de 1998 e 2006. Em 2006, houve a elaboração da portaria nº 695 de 29 de dezembro, baseada no decreto 4.836/2003, mas se tratava de portaria muito genérica e que não chegou a ser aplicada de forma sistemática em todos os setores (anexo I).

Recentemente, diversos questionamentos têm sido apresentados à universidade por órgãos de controle, como Ministério Público e CGU, cobrando o registro de assiduidade e pontualidade no trabalho através de instrumentos eletrônicos de controle (controle de horários de entrada e saída e de pausa para refeições). Em novembro de 2015, a UFJF recebeu uma notificação do Ministério Público, que cobrava a implantação de sistema eletrônico para controle de frequência35, que deveria ser composto não só de equipamentos de leitura biométrica, mas também de catracas e câmeras de vigilância.

Mediante tal notificação, e a fim de efetivar o processo de regulamentação da jornada reduzida que já vinha ocorrendo na UFJF, buscou-se a formalização do acordo para que, mesmo que o controle de frequência fosse implantado, a jornada permanecesse em seis horas diárias. Outras universidades foram tomadas como base para as discussões em torno da redução da jornada, como UFMG, UFPR, UFOP e UFRGS, mas a diferença é que enquanto os trabalhadores TAEs dessas IFES ainda estão conquistando esse direito, os TAEs da UFJF já o conquistaram a mais de vinte anos.

Em janeiro de 2016, o então Vice-Reitor no exercício da Reitoria e Presidente do CONSU, Prof. Marcos Vinício Chein Feres, formou uma comissão integrada por dois representantes do CONSU, dois representantes da Administração Superior (os Pró- Reitores de Recursos Humanos e de Planejamento), dois TAEs indicados pelo sindicato e dois discentes para formalizar uma portaria para regulamentar a redução da jornada de trabalho.

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www.sintufejuf.org.br 35

Para fins desse trabalho, considerei como termos sinônimos: “controle de frequência”, “controle de ponto”, e controle ou registro de “assiduidade e pontualidade”.

Com o início de uma nova gestão na reitoria, em abril de 2016, cujos dirigentes são os professores Marcus Vinícius David e Girlene Alves da Silva, houve a retomada das discussões com alteração na composição da comissão, a partir da reivindicação dos TAEs. Em julho do mesmo ano, foi aprovada a alteração da composição da comissão, ampliando a participação dos TAEs, cujo sindicato indicaria quatro membros; os representantes da Administração Superior passaram a ser a Pró-Reitora de Gestão de Pessoas e o Secretário Geral, que também atuaria como presidente dessa comissão.

Após amplas discussões, e aprovação pela comissão de flexibilização e pela categoria TAE por meio de assembleias, em agosto de 2016 a resolução de regulamentação da jornada, nº 54/2016, elaborada com base na legislação, principalmente sob o decreto 4.836/2003, foi levada para votação no Conselho Superior – CONSU (Anexo II). O Conselho deliberou e fez modificações na portaria inicialmente apresentada, sendo a principal modificação com relação à construção dos planos de flexibilização.

Inicialmente, a portaria elaborada pela comissão lhe dava maior autonomia, pois seria responsável por elaborar os planos junto com os servidores de cada um dos setores, após levantamento a respeito do trabalho desempenhado e adequação à portaria e à legislação, especialmente sobre o funcionamento pelo período de doze horas corridas e atendimento ao público. Após deliberação do CONSU, a portaria aprovada prevê que os setores devem apresentar um plano de flexibilização que contenha justificativa para a implantação, atendimento aos requisitos legais e as escalas de trabalho dos servidores. Essa modificação não suprime o trabalho da comissão, que continua tendo a atribuição de assessorar a construção dos planos, podendo visitar os setores quando solicitado pelos servidores. Por outro lado, a portaria aprovada deu maior poder para os gestores dos diversos setores e unidades acadêmicas em relação à elaboração dos planos de flexibilização.

Paralelo a esse processo, há o debate em torno do controle eletrônico de frequência e assiduidade. Atualmente, a universidade tem uma sistemática para esse controle, feito através de relatórios enviados pelos dirigentes de unidades e chefes de setor à PROGEPE. Porém, a partir de notificações tanto do Ministério Público quanto de órgãos de controle, o CONSU aprovou, em reunião ordinária de 29 de setembro de 2017, a resolução nº 50/2017, que institui o sistema eletrônico de controle de

assiduidade e pontualidade para os servidores técnico-administrativos em educação (TAE) e para trabalhadores públicos de outros órgãos lotados na UFJF (Anexo III).

Conforme a resolução, o controle será realizado por meio de software desenvolvido pelo Centro de Gestão do Conhecimento Organizacional (CGCO) a partir do direcionamento de uma comissão formada para esse fim, composta por dois TAEs indicados pelo sindicato, um representante da CIS, dois TAEs lotados na PROGEPE e um representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Devido à dimensão da instituição, onde existem unidades dentro e fora do Campus Universitário e um grande número de servidores, a UFJF entendeu ser inviável um sistema composto por catracas, pontos biométricos e câmeras de segurança.

É importante ressaltar que a questão da implantação, ou não, do ponto eletrônico trouxe à luz a discussão acerca da autonomia universitária, dispositivo constitucional que assegura, por meio do caput do artigo 207 da Carta Magna, que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988).

A posição do SINTUFEJUF, levada ao CONSU à época do debate acerca da implantação ou não do ponto eletrônico, era de que a UFJF deveria se valer de sua autonomia e refutar tal controle, mantendo o já existente, dado os possíveis desdobramentos, inclusive para a ação sindical. É fato conhecido que em toda greve o Reitor recebe comunicação oficial do MEC solicitando que sejam informados os dados de servidores que paralisaram suas atividades. Tal informação nunca foi passada pelos reitores da universidade, mas caso haja um controle eletrônico de pontualidade e assiduidade, essa informação poderá ser acessada diretamente pelo Ministério.

Entretanto, para a maioria do CONSU, a autonomia universitária não é soberana, mas limitada à autonomia didático-científica, pois quanto à gestão administrativa e orçamentária, as IFES devem seguir as determinações legais de qualquer órgão público. Assim, a autonomia universitária invocada para esse fim acarretaria no descumprimento do Decreto nº 1.867/1996, que regulamenta o instrumento de registro de pontualidade e assiduidade dos servidores públicos federais. Mais à frente, trataremos dos diferentes pontos de vista, dando voz a dois representantes do CONSU, sendo um deles membro

da direção atual do SINTUFEJUF e o outro, membro da atual gestão da Administração Superior.

A meu ver, em relação à posição não somente dos órgãos de controle, mas também do Ministério de Planejamento e Ministério da Educação, o resultado que se busca ao controlar a jornada de trabalho e a pontualidade e assiduidade do servidor não é, necessariamente, a qualidade dos serviços prestados à sociedade, mas tão somente “cumprir a jornada prevista no edital do concurso”. Tal medida também acaba por conter os movimentos grevistas, já que é possível ameaçar o corte do ponto dos servidores nos dias em que o serviço for paralisado. Aliás, em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de recurso extraordinário, decidiu pela legalidade no desconto do pagamento de servidores públicos por dias parados em decorrência de greve, salvo se tal greve for resultado de conduta ilícita do poder público, como atraso no pagamento de salários, por exemplo. É possível a compensação dos dias parados através de acordo, de forma a evitar o desconto no pagamento.

Assim, os servidores, já pressionados em seu trabalho com um reduzido quadro efetivo devido à redução na realização de concursos públicos, extinção de cargos e terceirização de atividades-meio, sofrem ainda um intenso processo de precarização das condições de trabalho, resultando em prejuízo dos serviços prestados à população, o que só reforça a imagem de ineficiência estatal e serve de mote a governos reformistas e privatistas.

A decisão do STF, ainda, prejudica o único instituto de reivindicação dos servidores junto ao poder público, pois apenas através de mobilizações, com paralisação e greve dos serviços, é que os servidores tem conquistado aumento de salários, melhoria das condições de trabalho, ainda que limitadas, entre outras pautas.

No serviço público, a greve tem o objetivo de mostrar à sociedade a importância dos serviços prestados e as reivindicações dos servidores, para que o governo, mediante a pressão exercida pela greve, resolva negociar com os trabalhadores. Porém, uma greve no setor público pode durar vários dias e até meses, o que compromete em muito os vencimentos dos servidores, caso haja o desconto dos dias parados. Muitas vezes, o servidor está justamente reivindicando o reajuste de seus vencimentos, que não seguem um índice determinado, nem têm uma data-base para reajuste e reposição das perdas

inflacionárias. Dessa forma, a greve ainda se mostra como o instrumento mais eficaz para a luta.

Por todo o exposto, entendo que a luta pela redução da jornada de trabalho representa etapa importante no processo de emancipação da classe trabalhadora, pois “quanto mais tempo livre menos mais-valia e com a liberação do tempo para si, as pessoas podem se encontrar mais, se organizar, refletir sobre sua própria vida e sobre a sociedade que os cerca, encontrando-se em sua dimensão verdadeiramente humana” (MIRANDA, 2004, p. 51). No caso do serviço público, a redução da jornada de trabalho para os servidores é um passo em direção a uma gestão pública democrática, voltada para o atendimento ao interesse público ao ampliar o acesso da população aos serviços prestados (no caso das IFES, às atividades de ensino, pesquisa e extensão).

A seguir, tratarei da pesquisa de campo, onde por meio de entrevistas com servidores, alguns deles envolvidos diretamente com o processo de regulamentação da flexibilização da jornada de trabalho, busquei compreender como vem se dando esse processo e quais os desdobramentos da jornada reduzida em suas atividades de trabalho e em suas vidas.

3.3 Tempo de trabalho e tempo livre: pesquisa com os servidores da Universidade

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