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Do método

No documento adrianaimaculadafernandes (páginas 184-188)

CAPÍTULO III A luta pela redução da jornada de trabalho

3.3 Tempo de trabalho e tempo livre: pesquisa com os servidores da Universidade

3.3.1 Do método

Em teoria social, a questão do método assume um papel central. É importante diferenciar o método das técnicas de pesquisa e seus procedimentos, pois, ainda que essas últimas sejam ferramentas importantes para a coleta e tratamento dos dados obtidos, é o método que dá a direção, o norte que guia o pesquisador na árdua tarefa de buscar compreender a realidade. Portanto, não é por acaso que abordarei primeiro o método e depois as técnicas de pesquisa.

Diferente do que dizem os pós-modernos e os relativistas, Marx acreditava ser possível compreender um objeto existente através da observação da realidade. Assim, é possível construir conhecimento que seja a “reprodução mental do movimento real (...): para Marx o objeto (ou matéria) existe e tem uma dinâmica própria independentemente do sujeito que quer conhecê-lo” (SOUZA FILHO, 2003, p. 116), mas isso não resulta na impossibilidade da compreensão da realidade concreta pela subjetividade.

Em se tratando de teoria social, há uma relação dialética entre o sujeito e o objeto, dado que o sujeito vive em sociedade e, dessa forma, está articulado com o objeto que pesquisa. Cada um, sujeito e objeto, são distintos entre si, e o conhecimento teórico é o conhecimento real do próprio objeto “na sua existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das representações do pesquisador” (NETTO, 2009, p. 5). Para compreender a relação sujeito-objeto, é necessário compreender dois aspectos que decorrem dessa relação: a predominância do objeto na reflexão marxiana e o “caráter ontológico do conhecimento” (SOUZA FILHO, 2003, p. 116).

O objeto tem papel central, dado que tem existência real, independente da consciência; já a consciência necessita de um objeto, necessita da observação da realidade para apreendê-la e construir o conhecimento. Aqui é colocada a distinção fundamental entre o materialismo marxiano e a metafísica. Para os metafísicos, o conhecimento é dado, existe sem a interferência e sem a necessidade da subjetividade. Porém, não é possível a construção do saber sem a atividade humana: sem a práxis, sem o esforço para a compreensão da realidade, não existe conhecimento.

O outro aspecto diz respeito ao caráter ontológico do conhecimento. A palavra “ontologia” vem do grego: é a junção de “ontos”, que significa “ente”, e “logoi”, “ciência ou conhecimento do ser”. Assim, é o conhecimento do ser em suas

propriedades genéricas, sem a influência de particularidades que possam ocultar sua natureza. De acordo com Souza Filho, o conhecimento ontológico do objeto almeja “revelar as conexões internas, as contradições e o movimento do objeto; é reproduzir mentalmente a dinâmica real” (2003, p. 117). Nas palavras de Marx, significa “se apropriar do concreto para reproduzi-lo como um concreto pensado” (MARX, 1996a, p. 40 apud SOUZA FILHO, 2003, p. 117). Não há a busca por um modelo, por um “tipo ideal” no qual a realidade deva ser encaixada, mas da apreensão mental da dinâmica real.

Por isso, pode-se afirmar que Marx não tem um método anterior ao objeto. Diferente de um saber epistemológico, que fragmenta a realidade (e a ciência) em ramos de conhecimento, Marx busca o conhecimento da realidade em sua totalidade.

Cabe colocar que o conhecimento, ainda que baseado em um caráter ontológico, próximo à realidade, jamais será definitivo. A realidade é mais rica em determinações do que a capacidade humana de apreendê-la: “pois o sujeito e os instrumentos utilizados para o conhecimento são limitados historicamente. Por isso, o conhecimento será sempre aproximativo, nunca definitivo” (SOUZA FILHO, 2003, p. 118). Ainda que a capacidade humana de apreender o real seja limitada, é possível extrair a verdade da observação da realidade; a verdade, portanto, está no ser, no objeto em si. Não existem várias verdades em relação a um mesmo objeto.

Daí decorre outra questão fundamental, que é refutar a existência de “várias verdades”, de um relativismo que nega a existência de uma verdade objetiva. De acordo com Lowy,

é necessário encontrar uma saída para evitar o desvio do relativismo. Para o relativismo consequente não há verdade objetiva, há várias verdades: a do proletariado, a da burguesia, a dos conservadores, a dos revolucionários, cada uma igualmente verdadeira ou falsa (LOWY, 1978, p. 29, grifo no original).

A crítica efetiva, que tenha como objetivo revelar o sentido concreto das categorias, separado da particularidade que assumem em um dado período histórico, somente pode ser feita pelo ponto de vista da classe revolucionária. Durante a fase de transição do regime feudal para o capitalismo, esse papel foi assumido pela burguesia (apoiada pelo proletariado nascente na luta contra a nobreza e o clero). Com a vitória, essa burguesia perde seu poder revolucionário, transformando-se em classe conservadora e opressora do proletariado, que assume como classe capaz de exigir e

efetivar mudanças na sociedade. Sendo assim, é possível dizer que não são as classes dominantes as responsáveis pelas transformações sociais, papel assumido, na atualidade, pelo proletariado.

E esse é o ponto que rompe qualquer tentativa de identificar o materialismo dialético com o positivismo: para esses últimos, “as leis sociais são leis naturais, a sociedade não pode ser transformada: contra os sonhos revolucionários utópicos e negativos, o positivismo enaltece a aceitação passiva do status quo social” (LOWY, 1978, p. 10, grifo no original). É esse ponto, também, que refuta a ideia de uma pretensa “neutralidade” na metodologia adotada nas ciências sociais. Como bem colocado por Lowy (1978), até mesmo as ciências naturais, hoje consideradas as mais “neutras”, aquelas que afastam qualquer juízo de valor por parte do pesquisador, foram consideradas ideológicas no passado, na medida em que suas descobertas se chocavam com os dogmas da igreja medieval, ensejando uma luta entre a classe dominante clérico- feudal e os cientistas. Segundo o autor,

durante todo um período, as ciências da natureza foram, elas também, o começo de um combate ideológico (...) e os homens de ciência foram vítimas frequentes da repressão dos aparelhos do Estado (G. Bruno, Galileu, etc.) É somente graças à liquidação do modo de produção feudal e o desaparecimento (ou “modernização”) de sua ideologia que a ciência natural se tornou progressivamente, um terreno “neutro” do ponto de vista ideológico (LOWY, 1978, p. 16).

Isso traz à tona a questão da historicidade: sem compreender a história, atribui-se valor eterno a categorias que se relacionam a um dado período histórico. Por exemplo, em relação ao trabalho: o trabalho em sentido concreto é uma abstração que existe sempre em relação a um mesmo sujeito (o homem, a sociedade) e um mesmo objeto (natureza). Mas somente a compreensão de que o trabalho assalariado e a relação de exploração decorrente da propriedade privada dos meios de produção estão relacionados a um período histórico onde predomina o modo de produção capitalista torna possível construir uma forma diferente de organizar a vida em sociedade e a produção de valor. Sem essa visão, tais categorias são eternizadas.

Assim, a partir desses pressupostos, entendo ser possível afirmar que não existe neutralidade nas ciências, principalmente em se tratando de ciências sociais, pois a posição de classe do observador, do cientista, terá papel central na sua interpretação dos fatos observados na realidade. A construção do conhecimento pode ter um caráter de manutenção, de perenidade do estado de coisas, ou pode ter um caráter transformador,

de mudança social. E, no último caso, somente o ponto de vista da classe trabalhadora é o que garante uma visão objetiva do real, ainda que, como dito anteriormente, essa visão não seja absoluta, mas aproximativa. Cabe também colocar que a perspectiva proletária não será suficiente se não for levada em conta a necessidade de conhecer a realidade em sua totalidade, o que será discutido mais adiante.

Ainda a esse respeito, é interessante destacar a colocação feita por Souza Filho (2003) a respeito da interlocução possível entre pensadores marxistas e não-marxistas. Para o autor, tal debate de ideias não incide em mero ecletismo, mas em diversidade na tentativa de compreender a realidade em suas múltiplas determinações, desde que as ideias sejam analisadas pela ótica ontológica do conhecimento.

Ou seja, a interlocução pode nos levar a identificar aspectos da realidade que não são tratados por pesquisadores situados na perspectiva ontológica e proletária e que, portanto, ao ser tratado [pela perspectiva ontológica] pode saturar a realidade com novas determinações, favorecendo, assim, uma aproximação maior com a essência do objeto (SOUZA FILHO, 2003, p. 121).

Essa “abertura” exige uma atitude crítica do pesquisador, capaz de questionar, formular críticas e revisar constantemente os conhecimentos acumulados. Dessa maneira, o ponto de partida é a aparência, a forma como o objeto se mostra para perquirir a verdadeira essência do objeto. A esse respeito, diz ainda o autor que

qualquer atitude apriorística da infalibilidade das produções elaboradas a partir da abordagem ontológica e da perspectiva do proletariado sofre de dogmatismo e reducionismo que devemos rechaçar a todo custo para o bem do desenvolvimento da tradição marxista (Idem, p. 122).

Conforme dito anteriormente, o ponto de vista proletário, único que tem por objetivo romper com o status quo e promover a transformação da realidade, deve estar aliado a uma perspectiva totalizante da realidade. A realidade enquanto totalidade é um “complexo de complexos”, ou seja, é formada por partes, por “microssituações” que devem ser analisadas em suas particularidades, mas sem perder de vista o todo (Idem, p. 123). Netto descreve que

Com efeito, depois de alcançar aquelas “determinações mais simples”, “teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não como uma representação caótica de um todo, porém como uma rica totalidade de determinações e relações diversas”. É esta “viagem de volta” que caracteriza, segundo Marx, o método adequado para a elaboração teórica (NETTO, 2009, p. 13).

Na busca da compreensão da realidade enquanto um todo formado por complexos é necessário construir categorias “que exprimem modos de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados dessa sociedade determinada” (MARX, 1996a, p. 44 apud SOUZA FILHO, 2003, p. 124). A categoria apresenta-se como uma construção mental do movimento real e a partir de um conjunto de categorias é possível formar um construto mental da totalidade real e, assim, produzir teoria.

Em síntese, partindo da realidade é possível reconstruir na mente essa realidade, ainda que de forma limitada e, fazendo um movimento de volta, confrontando essa teoria com a própria realidade é possível verificar se ela, de fato, reflete essa realidade. Daí, novamente, a importância de enfatizar que toda conclusão científica é provisória, pois no exercício de observar constantemente o real, é possível apreender cada vez mais suas múltiplas determinações. E esse é o desafio colocado pelo materialismo dialético: colocar à prova de forma sistemática todo o conhecimento produzido pelas ciências sociais a partir da observação da realidade e do contato permanente com a práxis. Caracterizado brevemente o método, passarei às técnicas de pesquisa para coleta de dados em campo.

No documento adrianaimaculadafernandes (páginas 184-188)

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