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A LUTA SINDICAL DOCENTE DIANTE DAS REFORMAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS

SEÇÃO 2 SINDICATOS E SUAS LUTAS: REFLEXÕES SOBRE O ECONÔMICO E O POLÍTICO NO ESTADO

2.3 A LUTA SINDICAL DOCENTE DIANTE DAS REFORMAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS

As recomendações de reformas e de políticas educacionais oferecidas para adoção aos governos por intelectuais burgueses a partir do século XX enfatizam e justificam crescentemente a necessidade de intervir sobre os docentes e seu trabalho como pressuposto fundamental para melhorar os indicadores educacionais. Uma segunda justificativa, econômica, diz respeito à necessidade de garantir a sustentabilidade fiscal do sistema educacional (DELLANOY; SEDLACEK, 2001). Os governos, pressionados pelas metas de estabilidade macroeconômica, controle de gastos e controle inflacionário acordadas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmam que não há recursos suficientes para investir no salário de uma categoria tão ampla (SILVA; AZZI; BOCK, 2008). Somados àqueles intelectuais, esses governos propagam que aumentar salários de docentes indiscriminadamente não produz retornos expressivos em termos de melhoria no desempenho escolar (DELLANOY;

SEDLACEK, 2001; OCDE, 2006; SILVA; AZZI; BOCK, 2008). Portanto, a intervenção sobre os docentes, via políticas e reformas, é justificada por uma suposta busca de qualidade no ensino e por razões econômicas.

Os intelectuais do capital agem por meio de lobbies e aparelhos privados de hegemonia influenciando diretamente o Estado no que se refere ao processo de formulação de políticas educacionais. Isso evidencia que as políticas de AD não são resultado de processos neutros ou despolitizados, mas sim, da correlação de forças entre as classes sociais no âmbito do Estado capitalista. A despeito de suas justificativas econômicas, aparentemente consensuais, as reformas e políticas educacionais, assim como as demais políticas estatais, expressam, no seu desenvolvimento, antagonismos de classe. Portanto, se aquelas políticas acabam sendo orientadas por uma racionalidade instrumental ou por um economicismo em suas concepções, justificativas e finalidades, se constituindo em uma estratégia de controle econômico-político dos trabalhadores docentes (BARRETO; LEHER, 2003), é importante frisar que essas orientações não são consensuais, mas disputadas pelas classes sociais no processo de construção e implementação das políticas.

Os intelectuais burgueses, que visam a influenciar politicamente o processo de tomada de decisão no âmbito do Estado, costumam criticar o sindicalismo docente22 e todas as

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Neste estudo não nos aprofundamos no sindicalismo docente. Entretanto, citamos aqui algumas referências importantesform. Para conhecer a visão dos clássicos marxistas sobre o sindicalismo, ver Bauer e Matos (2010) e Alves (2003). Diversos autores que escreveram na Revista de Opinião Socialista (2008), assim como Stoleroff (2007; 2010; 2012), Stoleroff e Pereira (2008a; 2008b), Tavares (2011) e Estanque (2013), fornecem elementos que permitem compreender o sindicalismo, inclusive docente, em Portugal e no contexto europeu. Em Pereira (2009) é possível identificar os conflitos profissionais em torno da política de Avaliação de Desempenho Docente implementada em 2008 em Portugal. Leite (2003) e Rêses (2008) analisam o sindicalismo docente em ambos os países, Brasil e Portugal. No Brasil, a história e a situação atual do sindicalismo podem ser consultadas em Boito Júnior (1991), Boito Júnior e Marcelino (2010), Jornal Voz Operária (2012) e Ribeiro (2013), enquanto o estudo do sindicalismo docente pode ser encontrado em Rosso, Cruz e Rêses (2011), Gouveia e Ferraz (2013), Mello (2013) e Cruz (2008). O sindicalismo docente

organizações representativas dos interesses dos trabalhadores quando a sua intervenção extrapola o campo educacional e alcança o político. Argumentam que a atuação destes tem sido mais política do que educacional ou propriamente sindical. No Peru, tal fato seria explicado, segundo Díaz23 (2004, p. 67), pela presença de “líderes históricos” no Sindicato Unitario de Trabajadores en la Educación del Perú (SUTEP) e, portanto, pela ausência de renovação na liderança sindical. A preocupação com a atuação política do SUTEP no Peru é assim exposta por Díaz (2004, p. 68):

Defender os produtores de coca, exigir o encurtamento do período presidencial e a esgotada argumentação de que os males do país são culpa do FMI e dos organismos internacionais são ações que devem causar preocupação ao professorado, pois demonstram que a conflitividade entre o sindicato e o governo tem excedido o campo de no Estado de São Paulo, assim como a atuação da APEOESP, é discutido por Hidaka (2011), Silva (2008), Notário (2007), Silva (2013), Hergesel (2005) e Goulart (2004). As práticas sindicais e os conflitos docentes no Brasil e em outros países da América Latina são estudados por Gindin (2006a; 2007b; 2007; 2009; 2010; 2011a; 2011b; 2011c; 2013), Cardoso e Gindin (2008) e Gentili et al. (2004). As relações entre sindicalismo e meritocracia são discutidas por Boito Júnior (2004). Por outro lado, as relações entre governo, sindicatos de professores e reformas educacionais também foram analisadas por intelectuais burgueses como Palamidessi e Legarralde (2006), Palamidessi (2003) e Tiramonti (2001). Aos últimos ainda convém acrescer a Fundação Konrad Adenauer, que no período de 2008 a 2009 publicou uma série de estudos intitulada Sindicatos Docentes e Reformas Educacionais na América Latina. Destes citamos apenas o estudo relativo ao Brasil (FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2009).

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Hugo Diaz Díaz é planejador de educação, especialista em estudo e avaliação de políticas educativas. Tem um Blog sobre políticas de educação que visa, segundo o autor, “analisar o estado atual da educação no Peru; em especial, a situação da educação básica, a formação e o desenvolvimento profissional dos docentes. Nesse contexto, se destacam os avanços, as dificuldades, as experiências relevantes, os esforços encaminhados a consensuar estratégias, as posições encontradas”. Disponível em: <http://educared.fundacion.te lefonica.com.pe/desafioseducacion/author/hdiaz/>.

interesses próprios dos professores. Além disso, a mensagem por elas transmitida revela uma diretoria sindical que pretende dar mais força ao “político” do que ao próprio “sindical”.

Diante dessa constatação, Díaz (2004) recomenda ao SUTEP modernizar suas posturas para, assim, poder ter suas reivindicações seriamente consideradas pelo governo. Segundo o autor (DÍAZ, 2004, p. 67), “esperava-se que o sindicato amadurecesse, agindo com mais flexibilidade e realismo em suas reivindicações”. De acordo com o autor, para o sindicato produzir reivindicações mais realistas, ele deveria contar, entre seus membros,

[...] com pessoas que tenham amplos conhecimentos sobre economia, deixando de lado outras exigências freqüentemente inalcançáveis ou demagógicas que tornam o diálogo com o governo ainda mais difícil e impraticável (DÍAZ, 2004, p. 68).

Sobressai aqui o entendimento de que economia e política são fenômenos separados, e de que os conhecimentos econômicos fornecem a base para a produção de reivindicações sensatas, supostamente ajustadas à realidade da economia capitalista e do Estado. Se o sindicato não deve ser um espaço político, aquela separação sugere, em contrapartida, que ele pode ser um espaço de luta econômica - desde que as reivindicações sejam realistas e flexíveis. Contudo, a exclusão da dimensão política da luta sindical contribui para ampliar o economicismo da luta. Se a luta é meramente econômica - por reajustes salariais, por exemplo -, ela pode ocorrer e se resolver no âmbito local, descolada da perspectiva de classe. A luta sindical, assim delimitada, se fragmenta numa soma de lutas econômicas e particulares, o que não contribui para estabelecer, a partir do campo educacional, as bases de uma educação e de uma sociedade para além do capital (MÉSZÁROS, 2002; 2008). Por isso, reiterar que o sindicato não deve ser um espaço político tem uma finalidade político-ideológica que concorre para a reprodução da hegemonia capitalista.

As recomendações de renovação dos líderes sindicais e de “modernização”, leia-se, despolitização de suas posturas também

procuram viabilizar o apoio das organizações sindicais às políticas de AD, que afetam os trabalhadores docentes e suas carreiras. Segundo Díaz, “o aspecto que mais requer uma renovação da atitude sindical diz respeito ao apoio à modernização dos enfoques de gestão do sistema educacional e às iniciativas de melhoria da qualidade”, que incluem as políticas antes citadas (DÍAZ, 2004, p. 68). Na visão do autor, essas políticas “não convêm aos interesses dos sindicatos; ao contrário, o que a direção sindical quer é assumir papéis que extrapolem sua finalidade” (DÍAZ, 2004, p. 68).

As ações sindicais politizadas são temidas porque se constituem em obstáculos à viabilização do consenso necessário à implantação bem-sucedida das reformas neoliberais no campo educacional (MCMEEKIN, 2006; PURYEAR, 2006). Além disso, transcorre insistentemente a estratégia burguesa de persuadir os docentes de que a educação e seus sindicatos não são espaços de atuação política, como se não fossem atravessados pelo conflito de classes! Mas, por que esta preocupação em despolitizar os sindicatos de professores e o campo educacional? Várias podem ser as razões: porque a escola tem o potencial de desenvolver a consciência coletiva da classe trabalhadora no que se refere à sua condição de classe explorada; porque os docentes constituem a maior parcela de trabalhadores do setor público em muitos países; porque os docentes são os formadores das novas gerações de trabalhadores e consumidores; porque a luta sindical também é educativa.

Quanto maior a resistência de organizações sindicais e docentes às reformas educacionais, maiores são as preocupações e os cuidados de seus propositores com a construção do consenso para implantá-las. McMeekin (2006), ao propor a adoção da accountability educacional pelos países da América Latina, reitera a necessidade de os governos explicarem-na e justificarem-na àqueles que serão seus objetos, ou seja, ressalta a importância de “vender a ideia” da política como forma de torná- la aceitável e legítima. O objetivo é transformar os docentes em valiosos sócios, pois sem eles a accountability e outras reformas não funcionam (MCMEEKIN, 2006). Para obter o consenso, o autor considera importante “envolver os mestres e diretores de escola [no] desenho e implementação” da política (MCMEEKIN, 2006, p. 42). Alerta que se estas e outras ações não forem tomadas, a accountability “será percebida como um processo

coercitivo imposto desde fora e será resistido e solapado a cada passo” (MCMEEKIN, 2006, p. 43).

Outra recomendação que vem ganhando fôlego nos documentos de reforma educacional como medida para melhorar o desempenho docente se refere à autonomia das escolas para contratar e despedir docentes (DÍAZ; ARREGUI; VALLEJOS, 2001; DÍAZ, 2004; OCDE, 2006; PURYEAR, 2006; SILVA; SILVEIRA, 2009). Numa análise preliminar dos possíveis efeitos desta política, indicamos que, a partir do desempenho docente, ela pode quebrar a estabilidade do emprego público e a isonomia salarial; estimular a mobilidade da força de trabalho docente e a competitividade por postos de trabalho; afastar os sindicatos das negociações salariais – que passam a ser individuais -, ao mesmo tempo em que os esvazia, entre outros aspectos.

As políticas de avaliação e remuneração docente por desempenho, atreladas a políticas de responsabilização individual por resultados24, são amplamente recomendadas por intelectuais do capital, como o BM, OCDE, PREAL, Cláudio de Moura Castro, Gustavo Ioschpe, Guiomar Namo de Mello, Maria Helena Guimarães de Castro, Paulo Renato Souza, entre tantos outros. Baseados numa leitura econômica da educação, esses intelectuais entendem que o docente é naturalmente acomodado, sobretudo pela condição de estabilidade proporcionada pelo emprego público. Para instaurar definitivamente a eficiência e a qualidade na educação pública, recomendam a inserção de mecanismos competitivos e responsabilizantes nesse setor, oriundos de experiências do setor produtivo e educacional privado, como a remuneração por desempenho. Esses intelectuais supõem, portanto, numa visão economicista, que basta estimular a concorrência econômica entre os trabalhadores docentes para promover a melhoria da qualidade de seu trabalho. Ao mesmo tempo em que Díaz, Arregui e Vallejos (2001) expõem que carreira, incentivos e remunerações estavam entre os temas urgentes de reformas para a primeira década do século

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Afonso (2007; 2009; 2012) é um pesquisador português que analisa criticamente o uso da accountability (responsabilização) na educação. Ao mesmo tempo, se debruça a estudar formas alternativas, democráticas e progressistas de responsabilização para a escola pública.

XXI, reconhecem que estes são os mais sensíveis e difíceis de confrontar. Os autores admitem que “um aspecto que está gerando debates e conflitos é o de associar os salários dos docentes ao desempenho” (DÍAZ; ARREGUI; VALLEJOS, 2001, p. 82). Tais políticas são bastante questionadas pelos sindicatos e docentes, sobretudo pelos efeitos deletérios produzidos sobre a carreira, a categoria docente e a escola pública.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que as políticas de avaliação e remuneração docentes orientadas pelos princípios de mercado buscam estimular a competitividade por melhores desempenhos e respectivos salários entre os trabalhadores docentes na escola pública, elas, contraditoriamente, provocam o rechaço desses trabalhadores e de seus sindicatos. Portanto, ao instigarem a luta econômica entre os trabalhadores da categoria docente, responsabilizando cada um por seu sucesso ou fracasso salarial, as políticas mencionadas podem ampliar as possibilidades desses trabalhadores se reconhecerem como classe trabalhadora.

Quando as políticas formuladas no âmbito do Estado, sob a correlação de forças das classes sociais antagônicas, são recebidas nas escolas com resistência, os intelectuais e governos neoliberais, “avessos à oposição”, denominam docentes e sindicatos de corporativistas (BARRETO; LEHER, 2003). Tratam-lhes como obstáculos que inviabilizam politicamente as reformas, devendo, por isso, ser removidos ou cooptados (BARRETO; LEHER, 2003). Essas preocupações dos governantes explicitam o potencial contra-hegemônico da luta docente-sindical no campo educacional; potencial, aliás, que também se revela na sala de aula, pois o docente, como intelectual, tem um papel importante na construção e difusão de “uma cultura nova, revolucionária, de reforma intelectual e moral” (GRUPPI, 1985, p. 83).

No entanto, para que a luta sindical alcance uma perspectiva política mais ampla é importante que os trabalhadores da educação e suas organizações sindicais reconheçam as relações de continuidade entre a luta econômica e particular, realizada em cada escola e rede de ensino, e a luta política. A compreensão de que o econômico e o político constituem uma unidade esclarece que o alvo das lutas econômicas, particulares e política da classe trabalhadora é comum. Desta constatação decorre que a luta da classe

trabalhadora não se configura em momentos separados, mas em movimentos de uma mesma luta, cujo horizonte é a superação da sociedade de classes. A luta unitária, de acordo com Wood (2003), é pressuposto para a superação do modo de produção capitalista.

SEÇÃO 3 - VISÃO DOS OM SOBRE AS ORGANIZAÇÕES