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AS RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E POLÍTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A LUTA DA CLASSE TRABALHADORA

SEÇÃO 2 SINDICATOS E SUAS LUTAS: REFLEXÕES SOBRE O ECONÔMICO E O POLÍTICO NO ESTADO

2.2 AS RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E POLÍTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A LUTA DA CLASSE TRABALHADORA

De acordo com Wood (2003), a separação entre economia e política, apregoada desde os economistas políticos clássicos,

falseia a realidade. Isso se revela um eficiente mecanismo de defesa para o capital, pois concorre para fragmentar a luta da classe trabalhadora. Este efeito, seguido pela reprodução do sistema capitalista, justificaria implicitamente as tentativas neoliberais de acentuação dessa separação no capitalismo contemporâneo.

Wood (2003, p. 43) verifica que o capitalismo é caracterizado por “um Estado central com um caráter público sem precedentes”, que pelo voto pode aparentemente pertencer a todos. Sob esta aparência, a burguesia, por meio do Estado, procura garantir a manutenção de suas funções econômicas (propriedade privada absoluta e apropriação da mais-valia). Quando o conflito de classes ultrapassa os limites da fábrica e das instituições públicas (como escola, correios, segurança pública, entre outras), o Estado coercitivo entra em ação e promove uma “guerra aberta”. Isso ficou evidente nas últimas manifestações de professores realizadas nos Estados do Rio de Janeiro e SP, em outubro de 2013, para citar apenas dois casos. Os confrontos violentos, então, não se dão entre as duas classes fundamentais, mas entre o trabalho e o Estado, que procura conduzir diretamente o conflito de classes. Diante disso, “a dominação de classe aparece disfarçada como um Estado ‘autônomo’ e ‘neutro’” (WOOD, 2003, p. 47).

A transferência da coação política do processo de extração de mais-valia para o Estado “muda necessariamente o foco da luta de classes”, embora a questão central (extração e apropriação do trabalho excedente) permaneça na produção (WOOD, 2003, p. 47). Na produção capitalista, a autora verifica que a luta pela apropriação do trabalho excedente não aparece mais “como uma luta política, mas como uma batalha em torno dos termos e das condições de trabalho” (WOOD, 2003, p. 47); limite que foi amplamente discutido pelos autores marxistas.

A restrição da luta política na produção a termos econômicos também pode ser constatada na escola pública. Se, nas décadas de 1970 e 1980, assistimos no Brasil a efervescência da luta sindical na educação, articulada à luta mais ampla da classe trabalhadora, em defesa de uma escola pública de qualidade, a partir da década de 1990, a crescente precarização das condições objetivas de vida e trabalho, acentuadas pelas reformas neoliberais, concorreram para o estrangulamento do sentido político deste movimento. A luta por melhores salários e

condições de trabalho – questões objetivas que repercutem na sobrevivência imediata dos trabalhadores - passou a demandar e disputar espaço na pauta de reivindicações dos sindicatos de professores, ofuscando, em muitas ações suas, a defesa da bandeira de uma escola pública de qualidade para os filhos dos trabalhadores. A fragmentação da luta sindical no capitalismo contemporâneo e o consequente predomínio da luta econômica sobre a luta política são fenômenos estimulados, entre outros fatores, pelas reformas neoliberais, que procuram reforçar a separação entre o econômico e o político.

A mudança do foco da luta da apropriação para a produção na fábrica, isto é, a transformação de “lutas em torno da apropriação em disputas aparentemente não-políticas” e a focalização das lutas nas unidades individuais são estratégias criadas pelo capital para inviabilizar a luta política da classe trabalhadora e, por conseguinte, perpetuar o sistema capitalista (WOOD, 2003, p. 47). Nesse sentido, cada fábrica, escola e rede municipal e estadual de ensino passam a conter individualmente as principais fontes do conflito de classes, que é “resolvido”, em último caso, pela coerção do Estado. Este deslocamento da luta de classes contribui para torná-la local e particularizada, o que repercute negativamente sobre a ação sindical. Esta fragmentação, por sua vez, favorece a despolitização ou o “economicismo” da luta de classes, uma vez que as questões econômicas são colocadas em primeiro plano (WOOD, 2003). Mas, mesmo que a luta de classes se reduza aos termos de uma luta econômica, o capital considera fundamental domesticá- la/despolitizá-la (WOOD, 2003).

No capitalismo contemporâneo, a luta sindical por melhores salários se restringe a uma luta econômica enquanto a própria condição de assalariamento dos trabalhadores docentes e a existência das classes sociais não são problematizadas. Reajustes salariais, mesmo que significativos, não alteram a condição de trabalhador assalariado do docente e não transformam a relação de exploração e dominação social do capital sobre o trabalho.

Frigotto (2006) corrobora a importância da luta econômica para a classe trabalhadora, explicitando, por outro lado, o campo contraditório em que ela se situa, bem como seus limites estruturais. Sustenta sua visão baseando-se na evidência histórica de que não é da natureza do sistema capitalista, por

exemplo, criar condições de pleno emprego (FRIGOTTO, 2006). Refletindo sobre a fase atual desse sistema, demonstra que a sua tendência “é incorporar cada vez menos trabalhadores e com um nível de exploração e alienação mais acentuados” (FRIGOTTO, 2006, p. 282). Tal tendência, no entanto, não pode impedir a classe trabalhadora de defender o emprego formal e os direitos por ela conquistados - assim como a ampliação de ambos -, já que tal defesa apresenta-se como “um ponto crucial na luta socialista”, mesmo que não seja seu objetivo central e final (FRIGOTTO, 2006, p. 282).

A luta econômica pode se constituir em uma mediação para a superação desse sistema quando, para além da questão econômica imediata, apresenta essencialmente uma dimensão política revolucionária. Vieira Pinto (1962) assegura que manifestações de trabalhadores, como as greves, não são acontecimentos meramente dependentes de causas imediatas. Se para o patrão ou o Estado a greve significa apenas uma exigência imediata, para os trabalhadores ela significa “a conquista do objetivo imediato, declarado, que aparece como único motivo” e “qualquer que seja o desfecho, um avanço no desenvolvimento da consciência das massas e um incremento do seu potencial político” (VIEIRA PINTO, 1962, p. 75-76). Nesse sentido, “resultados profundos, essenciais”, políticos sempre existirão, enquanto “resultados superficiais dependerão das circunstâncias” (VIEIRA PINTO, 1962, p. 77). O autor analisa que a greve,

Enquanto dado da conjuntura, tem sentido relativo e duração provisória, podendo ser resolvida vencida pela brutalidade da repressão policial; mas enquanto resultado da estrutura, só deixará de existir quando essa mesma estrutura for substituída por outra, na qual não seja mais possível, por definição (VIEIRA PINTO, 1962, p. 72).

Para Wood (2003, p. 48), se analisarmos o “economicismo” da classe operária do ponto de vista histórico, veremos que “ele representa um estágio mais, e não menos, avançado de desenvolvimento”. Acrescenta que se ele puder ser superado, isso reflete “uma mudança objetiva na localização da política, uma mudança de arena e dos objetivos da luta política”

(WOOD, 2003, p. 48). Em outras palavras, as lutas econômicas podem se constituir em mediação para as lutas políticas.

Considerando a importância da unidade da luta econômica e da luta política para a construção do socialismo, Wood (2003) sinaliza que as lutas no plano da produção (econômicas) devem se estender à esfera política (ao poder do Estado), posto que esta sustenta a propriedade capitalista. Do mesmo modo, as lutas políticas em torno do poder de governar e dominar, ou seja, as lutas em torno das instituições do Estado, devem se estender aos poderes políticos privatizados pela “esfera” econômica (WOOD, 2003).

A autora argumenta que os poderes de apropriação do capital podem ser subvertidos pela crescente necessidade que ele tem da “presença do Estado” para dar conta de funções sociais que ele abandonou, “para compensar os efeitos anti-sociais gerados por esse abandono” e para remediar as crescentes crises do sistema capitalista (WOOD, 2003, p. 49). Em sua compreensão, se os vínculos entre o Estado e os objetivos anti- sociais do capital ficarem evidentes, o Estado pode se tornar um alvo de luta para a classe trabalhadora. Por efeito, o particularismo e o “economicismo” da luta de classes também podem ser superados (WOOD, 2003).

A lição estratégica que aprendemos da privatização do poder político, ou seja, da apropriação de funções políticas do Estado pela classe burguesa, segundo Wood (2003), é que a luta de classes, em função disso, não pode se concentrar na “esfera” econômica. Porque o Estado divide funções políticas com a classe apropriadora não significa que ele deixa de ser o centro do poder e o alvo da luta. O poder não foi difundido para a sociedade civil (na acepção marxista). Esta divisão de funções significa, antes, que “o Estado, que representa o ‘momento’ coercitivo da dominação de classe no capitalismo [...] é, em última análise, o ponto decisivo de concentração de todo o poder na sociedade” (WOOD, 2003, p. 49).

Devemos lembrar, no entanto, que a tomada do poder do Estado, em seu sentido estrito, é condição necessária, mas não suficiente para a superação do modo de produção capitalista. Para alcançar efetivamente este fim, ela deve eliminar os fundamentos do conflito político, ou seja, a existência das classes sociais e da propriedade privada dos meios de produção. Por outro lado, a complexificação do Estado burguês, acentuada

pela crescente neoliberalização e globalização da sociedade capitalista, explicita que a hegemonia burguesa não se sustenta somente pelo uso da força. A elaboração, difusão e consentimento ativo das organizações da sociedade civil são parte importante da sustentação da hegemonia burguesa. Isso indica que a construção da contra-hegemonia passa pela disputa destas organizações. Para Gramsci, nas sociedades de tipo ocidental, é na disputa da hegemonia mediada por estas organizações que começa a tomada do poder (GRUPPI, 1985), e não no aparelho coercitivo do Estado.

Na próxima seção apresentamos a análise de documentos de Organismos Multilaterais (OM) que trazem a recomendação de AD e as justificativas para sua implementação pelos governos. Além disso, identificamos as visões desses OM, em seus documentos, sobre as organizações sindicais docentes. Este procedimento metodológico permitiu evidenciar a construção ideológica da “qualidade da educação” como interesse nacional e justificar a avaliação docente como um interesse de todos. Aqueles que se opõem à AD seriam inimigos da nação, ideia que corrobora a hipótese dos sindicatos docentes como “obstáculos políticos”.

2.3 A LUTA SINDICAL DOCENTE DIANTE DAS REFORMAS E