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Qualidade dos futuros trabalhadores: o interesse da OCDE pela avaliação docente

SEÇÃO 3 VISÃO DOS OM SOBRE AS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS DOCENTES E SUAS RECOMENDAÇÕES PARA A

3.1 OS OM E SUAS RECOMENDAÇÕES PARA A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES

3.1.1 Qualidade dos futuros trabalhadores: o interesse da OCDE pela avaliação docente

Em um relatório publicado em 2009, referente à política de AD implementada em 2008, em Portugal, a OCDE afirma que “[o]s sistemas educativos exercem um papel fundamental em garantir o crescimento econômico e a coesão social [e] o desenvolvimento da população jovem para alcançar seu completo potencial” (OCDE, 2009, p. 3, tradução nossa). Nesse sentido, todos os países deveriam buscar “melhorar suas escolas e corresponder da melhor forma a expectativas sociais e econômicas mais altas.”(OCDE, 2006, p. 7).

Evidências retiradas deste relatório (OCDE, 2006) explicitam a vinculação que a OCDE realiza diretamente entre educação/ensino e economia (capitalista). Num relatório produzido em 1990 e publicado em 1992 em Portugal, intitulado “A reforma dos programas escolares” (SKILBECK, 1992), a OCDE explicita repetidamente conformidade com a ideia de que o setor educacional deve dirigir suas atividades de acordo com as demandas do setor econômico. Depois de afirmar que “por toda a parte há uma preocupação com a qualidade do ensino e a

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Freitas (2014), em seu Blog, denominado Avaliação Educacional, discute, entre outros aspectos da avaliação docente, a fé dos reformadores neste mecanismo e na bonificação docente como panaceia da educação. Nesse Blog encontram-se inúmeros artigos do autor contendo evidências empíricas que problematizam e desmistificam a eficácia daquelas políticas.

aquisição de competências de base” e de que “a avaliação é o tema de todas as conversas” (SKILBECK, 1992, p. 10), a organização constata: “determinados temas reaparecem frequentemente no relatório: são a interacção entre as forças econômicas, tecnológicas e políticas que influem os programas, as preocupações das colectividades ou dos grupos de pressão” (SKILBECK, 1992, p. 10).

Neste relatório, muitos trechos evidenciam a atuação da OCDE em favor da vinculação do ensino e da educação aos interesses burgueses que movimentam e sustentam a economia capitalista: “uma vez mais, se vê na reforma do ensino um importante instrumento, até mesmo, por vezes, o mais importante, do progresso econômico e social” (SKILBECK, 1992, p. 18); “na sua quase totalidade, os problemas do ensino público [...] fazem parte de um vasto e complexo conjunto sociocultural, estreitamente ligado a preocupações econômicas, políticas e estratégicas dos países-membro” (SKILBECK, 1992, p. 31); “na convicção de que a escola – ou o ensino – deve contribuir para o desenvolvimento econômico e social” (SKILBECK, 1992, p. 33); “o ensino deve ser um meio eficaz de adaptação às mudanças econômicas e a outras transformações macros sociais” (SKILBECK, 1992, p. 34) e “está fora de dúvida que a avaliação permanente da economia, a sua reestruturação e a sua gestão, cada dia influem mais sobre as medidas tomadas para melhorar o ensino e os programas” (SKILBECK, 1992, p. 39). Há mais duas passagens significativas:

Ao longo dos anos 80, os países interessaram-se, uma vez mais, pelas estreitas, mas muitas vezes complexas, afinidades entre os efeitos do ensino e a qualidade da vida em sociedade. Em vários países calculou-se que a possibilidade de realizar objectivos tão gerais como a mudança estrutural da economia e a utilização das novas tecnologias, a melhoria do nível de vida e uma melhor qualidade dos serviços sociais, a multiplicação de empregos e o enriquecimento da cultura, dependia, em grande parte, da qualidade geral do ensino dispensado. (SKILBECK, 1992, p. 20). [O]s factores econômicos parecem determinar, em grande parte, o contexto do debate e das decisões políticas num substancial número de países. Entre

esses factores figuram as mudanças estruturais da economia [...]; a necessidade frequentemente assinalada de novas competências técnicas para obter ou conservar um emprego [...] e os problemas ocasionados pelo endividamento. [...] verifica-se uma tendência praticamente universal em considerar o ensino como um instrumento da política econômica nacional (SKILBECK, 1992, p. 37).

Em outro relatório, intitulado “Avaliações de políticas nacionais de educação: Estado de Santa Catarina, Brasil” e publicado em 2010, a OCDE, mais uma vez, evidencia a relação subordinada da educação às necessidades econômicas e sociais capitalistas:

Consciente do fato de que o sucesso econômico e social da região depende amplamente da educação e das competências da sua população, o Governo Estadual solicitou à OCDE que empreendesse uma análise independente sobre o sistema educacional e que formulasse opções com vista à elaboração de políticas, a curto e médio prazo, com o objetivo de desenvolver o seu capital humano (OCDE, 2010, p. 3).

Mais adiante, no relatório, afirma, em tom de ameaça: “os resultados dos exames apontam para inadequações na qualidade do ensino. Se este problema não for tratado, o Brasil corre o risco de ficar prejudicado em relação à economia globalizada” (OCDE, 2010, p. 230).

As exigências formativas do capitalismo contemporâneo, que alteram e ampliam, em última instância, o conteúdo do trabalho e as funções do professor, orientam os OM a focarem o docente em suas “agendas de recomendações” para a educação. A OCDE destaca que “políticas para professores têm alta prioridade em agendas nacionais”, uma vez que os professores constituem “o recurso mais significativo das escolas”, sendo fundamentais para “elevar a qualidade da aprendizagem para todos” – objetivo que, segundo a OCDE, “somente será

alcançado quando todos os estudantes receberem ensino de alta qualidade38” (OCDE, 2006, p. 7).

No referido relatório, a OCDE (2010) ressalta, em vários momentos, a centralidade do professor para a melhoria da qualidade do ensino, da educação e dos resultados dos alunos: “Os professores devem ocupar uma posição de destaque em toda e qualquer política voltada para o aprimoramento da qualidade do ensino” (OCDE, 2010, p. 20); “No âmbito dos esforços das autoridades do Estado de Santa Catarina em prol do aumento da qualidade da educação, a profissão do magistério deverá ser objeto de atenção prioritária” (OCDE, 2010, p. 229) e “O grande desafio presente e futuro é o desenvolvimento qualitativo do sistema. Um elemento determinante para a melhoria da qualidade da educação é o empenho do corpo docente” (OCDE, 2010, p. 253). A citação seguinte engloba as três dimensões que devem ser melhoradas, consoante a OCDE (2010):

No âmbito dos esforços empreendidos para melhorar a qualidade da educação, a carreira docente deve ser vista como uma prioridade. Não se trata de um mero “coadjuvante”, ou de um detalhe insignificante na construção de uma política educacional. A carreira docente é um elemento central desse processo. No longo prazo, não é possível garantir a qualidade do ensino sem um corpo docente inteligente, dedicado, criativo, qualificado, motivado e cujas condições de trabalho ofereçam aos professores boas oportunidades para exercerem de maneira eficaz suas competências profissionais. Embora seja necessário contar com mecanismos de controle e avaliação, nada pode substituir um bom professor quando se busca melhorar a qualidade dos resultados dos alunos (OCDE, 2010, p. 230).

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A expressão “ensino de alta qualidade” aparece três vezes nos dois primeiros parágrafos do sumário executivo do relatório, embora seu significado não seja explicitado (OCDE, 2006, p. 7). Os tempos verbais que a precedem, nos três casos, indicam que o “ensino de alta qualidade” não é uma realidade, mas, uma necessidade, uma expectativa econômico-social do capitalismo contemporâneo, portanto, algo vindouro, que seria atingido se ao professor fosse dada prioridade nas agendas de políticas dos governos.

Fica evidente que, para a OCDE, melhorar a qualidade da educação ou alcançar um ensino de alta qualidade passa por intervir sobre a qualidade da “força de trabalho docente”39 (OCDE, 2006, p. 8). Mas, que “sugestões” a OCDE oferece aos países para melhorar a qualidade da força de trabalho docente? O quadro a seguir apresenta um conjunto de estratégias dentre as quais destacamos a AD:

Quadro 2 – Estratégias recomendadas pela OCDE para melhorar a qualidade da “força de trabalho docente”

Objetivo de Políticas

Direcionado à profissão docente como um todo

Direcionado a tipos específicos de professores e escolas Tornar a docência uma opção de carreira atraente Melhorar a imagem e o status da docência Melhorar a competitividade salarial da docência Melhorar as condições de emprego Tirar partido de superabundância de professores (sic) Ampliar a oferta de professores potenciais Tornar os mecanismos de recompensa mais flexíveis Melhorar as condições de ingresso de novos professores Repensar as vantagens entre relação estudantes/professor e o salário médio do professor Desenvolver o conhecimento e as habilidades dos professores

Desenvolver os perfis dos professores Considerar o desenvolvimento do professor como um processo contínuo Tornar a educação do professor mais flexível e mais responsiva

Aprovar programas para educação de professores

Melhorar a seleção para ingresso em programas de educação de professores Melhorar experiências práticas Conceder certificação a novos professores Fortalecer programas de iniciação continua 39

Este conceito é apresentado repetidamente pela OCDE no relatório “Professores são importantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes” (OCDE, 2006).

Integrar o desenvolvimento profissional ao longo da carreira Reter nas escolas os professores eficazes Avaliar e recompensar o ensino eficaz Oferecer maiores oportunidades para variedade e diversificação de carreiras Melhorar a liderança e o ambiente escolar Melhorar as condições de trabalho

Agir com relação a professores ineficazes Prover maior apoio a professores iniciantes Prover horário e condições de trabalho mais flexíveis Desenvolver e implementar políticas para professores Envolver os professores no desenvolvimento e na implementação de políticas Desenvolver comunidades de aprendizagem profissional Melhorar a base de conhecimentos em apoio às políticas docentes Fonte: OCDE (2006, p. 10).

Percebe-se, no Quadro 2, que, muito mais do que diretrizes de políticas, a OCDE apresenta um conjunto de prescrições para as agendas políticas dos governos, o que fica evidente quando afirma que “esta é uma agenda desafiadora” (OCDE, 2006, p. 11). A organização assinala que “iniciativas de políticas são necessárias em dois níveis” (OCDE, 2006, p. 10) - referindo-se às colunas 2 (“Direcionado à profissão docente como um todo”) e 3 (“Direcionado a tipos específicos de professores e escolas”) - e anuncia que as estratégias do primeiro nível visam a aprimorar o status da profissão docente e a competitividade do mercado de trabalho docente, “assim como melhorar os ambientes de desenvolvimento do professor e de trabalho na escola” (OCDE, 2006, p. 10), já que “a qualidade da docência é determinada não só pela ‘qualidade’ dos professores – embora esta seja claramente fundamental -, mas também pelo ambiente em que esses profissionais atuam” (OCDE, 2006 p. 10).

Se a qualidade do ensino é determinada, sobretudo pela qualidade do professor, a qualidade da aprendizagem dos

estudantes, explica a OCDE (2009), também é influenciada, dentre outros aspectos, pelas “habilidades, conhecimento, atitudes e práticas do professor” (OCDE, 2009, p. 3, tradução nossa). Isto evidencia que a OCDE vincula diretamente a qualidade das aprendizagens dos alunos, expressa num posterior desempenho em avaliações e exames, à qualidade do ensino e do professor. No relatório intitulado “Teacher evaluation in Portugal”, os professores são apresentados pela OCDE como sendo “ decisivos para o sucesso dos esforços de Portugal para elevar seus padrões educacionais” (OCDE, 2009, p. 3). No Decreto-Lei (DL) n. 15/2007, de 19 de janeiro de 2007 (PORTUGAL, 2007a), que anunciou um “novo” modelo de ADD naquele país, o ME expôs que “o trabalho organizado dos docentes nos estabelecimentos de ensino constitui certamente o principal recurso de que dispõe a sociedade portuguesa para promover o sucesso dos alunos” (PORTUGAL, 2007a, p. 501). Tal relevância explica porque a OCDE, o BM, o PREAL, a UNESCO e movimentos da sociedade civil, como o Movimento Todos pela Educação, defendem e difundem – e não apenas para Portugal – a necessidade de os governos avaliarem seus professores:

Os professores necessitam de retorno sobre seu desempenho, para ajudá-los a identificar como melhorar a forma e a prática de seu ensino [...]. Ao mesmo tempo, devem ser responsabilizados por seu desempenho e progresso em suas carreiras com base numa demonstrada prática de ensino eficaz (OCDE, 2009, p. 3).

Insistir repetidamente, por meio da crescente produção e difusão de documentos e recomendações, na necessidade de atuar sobre o desempenho dos docentes, adotando medidas e políticas responsabilizantes, para melhorar a qualidade do ensino e da educação, parece não ser suficiente, para os OM, para convencer eficazmente os governos. Por isso, também disseminam ideias de que os próprios professores querem ser avaliados – isto, quando não afirmam o contrário, ou seja, que os professores têm medo de serem avaliados, buscando, com tal afirmação, provocar a suspeita social de que eles são, de fato, acomodados, absenteístas, improdutivos, preguiçosos e, por isso,

contrários à avaliação. Difundir a afirmação de que os professores são favoráveis ou contrários à sua avaliação apresenta-se, portanto, tanto em nível supranacional (OM), como nacional e local (países), também como uma estratégia para conquistar o consentimento ativo dos professores a esta política – estratégia que ainda inclui adequar inversamente os discursos à posição política dos professores diante da AD. Assim, quando os professores são contrários à sua avaliação, os OM e governos afirmam que eles são favoráveis, e vice-versa, o que, talvez, coaduna com a constatação de Evangelista e Shiroma (2007, p. 539) de que “a primeira atitude de um governo que quer iniciar uma reforma é impelir à substituição de discursos”.

Em seu trabalho de revisão da política de ADD implantada em Portugal, em 2008, a OCDE declara:

A equipe de revisão encontrou um alto grau de generalizado consenso entre a profissão docente de que uma significativa avaliação docente é indispensável. Esta é a maior conquista e fornece a base e o alcance para mudar em direção a uma implementação bem-sucedida (OCDE, 2009, p. 3). Entretanto, as evidências contradizem a afirmação da OCDE de “alto grau de generalizado consenso”. As duas grandes marchas de professores portugueses que ocorreram em 2008, tendo à frente as organizações sindicais, reivindicavam intensamente, entre outros aspectos, a suspensão do modelo de ADD do ME. Por isso, devemos questionar: por que tanto interesse da OCDE numa “significativa avaliação docente”? Por que organizações preocupadas, sobretudo com a globalização da economia capitalista40, como a OCDE e o BM, estimulam os

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No início dos documentos da OCDE é comum encontrar o seguinte esclarecimento, ou semelhante: “A OCDE é um fórum único, no qual governos de 33 países democráticos trabalham juntos para enfrentar os desafios econômicos, sociais e ambientais da globalização. A OCDE está na vanguarda dos esforços empreendidos para ajudar os governos a entender e responder às mudanças e preocupações do mundo atual, como a governança, a economia da informação e os desafios gerados pelo envelhecimento da população. A Organização oferece aos governos um marco a partir do qual estes podem comparar suas experiências políticas, buscar respostas a problemas comuns,

Estados a adotarem, em suas agendas de políticas, medidas como a AD? Que mediações explicam sua relação com o projeto de sustentação da hegemonia capitalista?

3.2 OM COMO INTELECTUAIS ORGÂNICOS COLETIVOS