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psychanalyse II. Paris: Fayard, 1997, p 12 Tradução livre.

A MÁQUINA DE GUERRA ARTÍSTICA

A relação da arte com a crítica tem uma história e ela se confunde com a própria modernidade. Ao invés, porém, de relacionar unicamente a dimensão artística com a crítica, será melhor perguntar sobre os fluxos da crítica que, na arte, livre de quaisquer racionalismos, encontra seu lugar de expressão por excelência como acontecimento estético. Afinal, se a arte é o espelho no qual uma época pode se ver refletida, talvez tenhamos que nos perguntar o que aconteceu na história recente para que o Critical Art Ensemble pudesse existir. Tal pergunta lança o pensamento na busca pela nomadologia da arte que encontra na revolta seu impulso criador.

A fim de melhor esclarecer as ligações da arte com a política exploradas criticamente por diversos coletivos da atualidade, em especial o Critical Art Ensemble, e de como o movimento da arte-revolta se desenvolveu até o presente, montando sua máquina de guerra, cumpre, então, realizar um breve resgate histórico dos movimentos que fizeram do gesto artístico uma reivindicação política, e da resistência uma guerrilha artística.

Arte e Política

A arte não é bem-vinda onde impera a tirania, a não ser para dar cores à glória dos poderes, quando então perde sua mais nobre função, que é atribuir um sentido elevado à condição humana. Realmente, a conquista da liberdade artística tem atrás de si uma longa história de silenciamentos, incompreensões e ameaças, e nos casos mais infelizes, tragicamente maculada por ostracismos, prisões e assassinatos.

Se na modernidade a arte tornou-se livre, isso aconteceu devido à incessante recusa de uma legião de artistas, literatos e poetas em continuar reproduzindo com variações meramente estilísticas as mesmas tendências dominantes encontradas na esfera da cultura. Muitos tiveram que camuflar suas reais intenções, produzir pequenos desvios, ousar quase imperceptivelmente, enquanto esperavam o momento propício para a revelação completa da grande obra, que quase sempre coincidia com o calor das revoluções sociais.

Seguindo uma tendência desviante nas artes e nas letras, algumas subjetividades radicais iniciaram um movimento subterrâneo na cultura ocidental e deixaram suas pegadas no caminho que conduziu as artes para além de todas as fronteiras. Hoje, ao lado de personalidades eminentes que contribuíram para a liberdade de pensamento na filosofia e nas ciências, figuram artistas como Caravaggio, Goya, Poe, Baudelaire, Courbet e Dostoiévski, só para mencionar alguns nomes conhecidos de uma série histórica de gênios malditos que celebraram as saturnais da revolta.

Imagem 2 – Francisco Goya. El sueño de la razon produce monstruos, 1797-1798.63

A promessa de uma arte autônoma que, no Século das Luzes, era um mero ideal, tornou-se uma realidade no século XIX. A burguesia em ascensão, perseguindo uma arte livre dos imperativos religiosos, empunhou a bandeira com o lema l’art pour l’art ao mesmo tempo em que lutava pela valorização da razão e da ciência. A consciência histórica burguesa deu provas de que a revolução haveria de ser social, política e

63 “Esta água-forte do artista adormecido, ameaçado por rostos irreais, pretendia ser a primeira obra do ciclo Caprichos”. Rose-Marie & Rainer Hagen. Francisco Goya. Taschen, 2004, p. 34.

ideológica, ou não seria nada. Assim, enquanto cabeças rolavam no cadafalso, com algum esforço a burguesia conseguiu libertar o gênio artístico, mas tão só para confiná-lo imediatamente ao culto de uma elite formada por ilustres mecenas, déspotas esclarecidos, eruditos, colecionadores e dândis.

Depois das primeiras investidas na formação e na propagação de uma arte social, ainda no século XIX, com sua recusa da arte burguesa, tradicional e acadêmica,64 o surgimento das vanguardas artísticas na aurora do século XX deu um claro sinal de que, finalmente, a sensibilidade artística e poética havia escapado da influência aristocrática, como foi durante muito tempo. E à semelhança do que aconteceu na época do Iluminismo, que produziu artistas ousados como Goya, inspirados nos ideais revolucionários, chegou o tempo em que personalidades como Tristan Tzara e André Breton tomaram a palavra, desta vez abertamente, para declarar guerra em alto e bom som à sociedade burguesa desde dentro. A arte, que há muito expressava a revolta com estilo, tornou-se enfim eminentemente política.

Acerto de Contas

O século XX foi a culminância e um acerto de contas com o que o antecedeu. A modernidade atingiu seu ápice e nele se revelaram os limites e as contradições do projeto de civilização inspirado no racionalismo positivista. Não bastasse o projeto iluminista ter se desvirtuado, o romantismo foi traído nos seus mais altos ideais utópicos, artísticos e poéticos.65 Assim, o movimento romântico, que há mais de um século arrastava consigo uma sensibilidade dilacerada entre os anseios nostálgicos que se recusavam a aderir à modernidade e a esperança progressista da redenção futura, ganhou uma nova oportunidade de se manifestar na crítica do esclarecimento, da razão e da técnica, os

64 Na Belle Époque, já havia um amplo debate nos círculos anarquistas e artísticos sobre o “artista engajado” e sobre a função da “arte social”. Cf. Gaetano Mandredonia, “Arte e anarquismo na Belle Époque”, in Michel Ragon, et. at. Arte e anarquismo. São Paulo: Editora Imaginário, 2001, p. 35-60. Desde 1840, havia uma luta entre três concepções de arte disputando a hegemonia cultural na França: uma arte comercial, uma arte social, e por fim, uma arte pretensamente pura. Cf. Nildo Viana, “Bourdieu: campo artístico e fetichismo da arte”, in A esfera artística: Marx, Weber, Bourdieu e a sociologia da arte. Porto Alegre: Zouk, 2007, p. 46ss.

65 “O romantismo – e o remoinho de imaginação utópica por ele desencadeado – é aqui analisado como um movimento sociocultural profundamente enraizado na paisagem histórica europeia, entre fins do século XVIII e meados do século XIX. Movimento sociocultural complexo e de múltiplas faces que não pode ser reduzido, portanto, apenas às formas utópicas de pensamento e de criação. Em contrapartida, contudo, dificilmente se compreende a mentalidade romântica se não se analisa o enorme potencial de energia utópica por ela desencadeado”. Elias Thomé Saliba. As utopias românticas. São Paulo: Estação Liberdade, 2003, p. 14.

mesmos elementos que, a despeito de tudo, conseguiram transformar o mundo sem no entanto realizar os anseios humanistas.66

No auge das Guerras Mundiais as promessas iluministas colapsaram de uma só vez, e o imenso poder das ciências mostrou-se igualmente implacável e destruidor. A própria vida foi atingida em seu núcleo pelo progresso da razão. Agenciada por estados totalitários e pelas indústrias capitalistas, à época, em franco desenvolvimento, a razão técnica refez o mundo de acordo com os projetos de dominação. O processo de desencantamento do mundo não poupou nem seu mais importante bastião, pois a razão, tão logo tomou a dianteira dos rumos históricos, foi despida de seus ideais de esclarecimento, libertação e fraternidade.67 Nunca antes a razão pura esteve tão engajada em interferir no mundo prático.

A rápida expansão das estruturas do estado moderno e da indústria produtivista foi acompanhada pelo sentimento de inadequação de massas inteiras de operários, pensadores, movimentos artísticos e culturais.68 O poder se espalhou de uma ponta à outra da sociedade e com ele o sentimento de revolta se intensificou. A nostalgia do passado perdido mostrou-se conservadora demais para acompanhar o ritmo histórico, enquanto parcelas consideráveis dos movimentos sociais tiveram que mostrar sua capacidade de resistir formando frontes revolucionárias, outorgando-se o direito de avaliar o legado moderno na intenção de julgar a exploração econômica e os acontecimentos das guerras. Fiel em parte ao humanismo oitocentista, o pensamento crítico fez questão de demarcar o compromisso de uma razão sensível com os ideais libertários.

Na fileira formada pelos movimentos revolucionários, ao lado das linhagens anarquistas e socialistas, destacaram-se as vanguardas nas artes que, nas primeiras décadas do século XX, deram voz a um pensamento crítico baseado em uma apreensão sensível e estética do mundo. No contato com a dimensão artística, o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo produziram discursos, práticas e subjetividades que deram visibilidade a obras e meios de ação de teor contestatório, crítico e subversivo, fazendo

66 “O romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização capitalista, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno). Pode-se dizer que desde a sua origem o romantismo é iluminado pela dupla luz da estrela da revolta e do ‘sol negro da melancolia’ (Nerval)”. Michael Lowy e Robert Sayre. Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade. São Paulo: Boitempo, 2015, p. 38-39.

67 De acordo com Max Horkheimer e Theodor Adorno: “O racionalismo das Luzes adota a mesma atitude com relação aos objetos que o ditador com relação aos homens. Conhece-os para melhor os dominar”. Citado por Olgária Matos, “O eclipse da razão”, in A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do

Iluminismo. São Paulo: Moderna, 1993, p. 45.

ecoar um grito que representou, junto ao coro dos movimentos revolucionários, a mais alta expressão da revolta de seu tempo.

Imagem 3 – Luigi Russolo. La rivolta, óleo sobre tela, 1911. “Nossos quadros são futuristas na medida em que são o resultado de ideias éticas, estéticas, políticas e sociais absolutamente futuristas”.69

Avant-Garde

O fato agora reconhecido em todo o mundo de que a arte contesta os fundamentos da realidade, coloca em suspenso o princípio ordenador do mundo e devolve o ser à sua dimensão essencialmente criadora – desponta no fim de um processo complexo que tem uma história, necessariamente múltipla, e que no entanto se fez de alguma forma especial na vida e nos sonhos de jovens, artistas, poetas e escritores, visionários, utópicos, amantes e loucos, que dia e noite deram voz e corpo ao impulso primitivo elevado à máxima potência, como para testemunhar o crepitar da revolta ante um mundo perdido em seus próprios paradoxos.

Com o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo a história da arte atingiu seu ponto crítico no qual o apelo do ser, em resposta ao clamor das massas, tingiu as pinturas e os poemas com as cores da revolta. Ao longo de um processo de amadurecimento histórico,

a sensibilidade poética, a imaginação artística e o espírito revoltado fundiram-se até que as portas da percepção foram definitivamente abertas. Pouco a pouco, a revolta tornou-se consciência poética, artística e política. A princípio, nas mentes de indivíduos animados por uma singularidade radical, depois, potencializada coletivamente nos movimentos de vanguarda, nos quais a psicoesfera artística, liberta de quaisquer constrangimentos formais ou morais, foi definitivamente lançada no espaço infinito da imaginação.

Imagem 4 – Os Futuristas italianos em frente à sede do jornal Le Figaro, Paris, em fevereiro de 1912. Da esquerda para a direita: Russolo, Carrà, Marinetti, Boccioni e Severini.70

O futurismo tomou a dianteira no processo de modernização das artes, louvou a velocidade, as máquinas, colocou o homem no centro do destino e com isso afirmou seu ímpeto modernista face à tradição. Assim, foi o primeiro movimento artístico do século declaradamente político.71 No entanto, a algaravia iniciada por Marinetti, embora tenha sido compartilhada também por anarquistas, mostrou-se gradativamente comprometida com ideais belicistas mais afinados com as conquistas militares, tecnológicas e políticas do que com o espírito libertário. No Manifesto Futurista publicado em 1909 no jornal Le Figaro pode-se ler essa passagem: “Glorificamos a guerra – a única higiene do mundo –, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo dos portadores da liberdade, as belas

70 Sylvia Martin. Futurismo, p. 7.

71 “A arte, ele [Marinetti] acreditava, fundira-se com a ação política”. Richard Humphreys, “‘A guerra: única higiene do mundo’”, in Futurismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 65.

ideias pelas quais vale a pena morrer e o desprezo pela mulher”.72 O chamado “teatro de

ação” futurista apoiou o esforço de guerra estimulando os artistas a exprimir a beleza e o “esplendor da conflagração”. As inovações nas formas de manifestação artística com seu pioneirismo nas performances disruptivas73 não resultou na formação de uma resistência artística. Antes o contrário. O grupo de Marinetti revelou sua verdadeira face na idolatria do Estado e da guerra, e com isso, o impulso da revolta inicial que aparentemente estava na origem do movimento foi traído e não logrou construir algo que excedesse sua adesão ao fascismo.

Imagem 5 – Alfredo Ambrosi. Retrato de Benito Mussolini com uma vista de Roma ao fundo, 1930.74

72 Cf. Richard Humphreys, “Crash: tempo, máquinas de sexo e manifesto de fundação”, in Futurismo, p. 11.

73 “In Futurism, then, performance became the privileged paradigm for artistic and political operations in the public sphere. More than painting, sculpture or literature, performance constituted a space of shared collective presence and self-representation. The Futurism desire for dynamism, activation and emotional arousal is repeated in innumerable avant-garde calls of subsequent decades, when performance was perceived as able to rouse emotion more vividly than the perusal of static objects”. Claire Bishop. Artificial

Hells: participatory art and the politics of spectatorship. New York: Verso, 2012, p. 48. Para maiores

detalhes, cf. “Provocation, Press and Participation”, p. 42-49. 74 Cf. Sylvia Martin. Futurismo, p. 24.

Seria necessário ainda encontrar as forças externas à esfera artística constituída para poder desferir o golpe contra a arte régia e libertar toda a potência criadora recalcada aí sob a égide burguesa. O futurismo, que pela primeira vez ousou montar a máquina, por mais que tenha vinculado a arte com a guerra, não conectou as peças corretamente. Ao invés de potencializar a revolta com forças capazes de liberar a máquina artística, preferiu vincular-se à violência e à guerra sob um projeto de dominação que lhe conduziu para os braços de ferro do fascismo, tornando-se assim uma arma de seu aparelho. Não demorou, Marinetti e Mussolini deram-se as mãos deixando para trás os anarcofuturistas russos.75

Já o dadaísmo, justamente por ter se colocado desde o início frontalmente contra a guerra empreendida pelos estados, não perdeu tempo e conectou a revolta, livre de todas as formas tradicionais, diretamente às potências do caos, e assim, assumindo o risco de ser tragado pelas imensas forças liberadas no processo, conseguiu montar a máquina de guerra artística com êxito. Mas isso tão só porque fez da revolta contra a guerra do Estado uma potência capaz de destruir a arte burguesa em seu núcleo, devastando o campo (com suas regras, convenções e formalidades) para dar vazão enfim à livre criação. Mais do que realmente canalizadas pelos dadaístas, as potências do caos foram liberadas ao mesmo tempo em todos os sentidos. Com esse golpe de mestre, Tristan Tzara e seus parceiros aliaram-se ao caos sem pensar duas vezes para retirar dele uma potência intempestiva e devastadora que tentaram direcionar contra os pilares da civilização, a começar pela arte.

O Grito Dadaísta

O supremo ato dadaísta, a completa recusa do mundo e da arte, deflagrou se não a ruína do mundo, ao menos o início de uma guerra sem fim contra todo autoritarismo, na sociedade e no espírito.

O grito rebelado pelo movimento dadaísta foi uma resposta imediata à tragédia da Primeira Guerra Mundial que havia convocado a juventude para compor as fileiras de um teatro de horrores no qual desfilavam lado a lado as maravilhas do progresso e da morte.

75 Interessa neste ponto a relação do Futurismo com a máquina de guerra artística. Em termos históricos, o movimento é muito rico e variado. “O Futurismo vai além da pintura, da poesia e da música. Cria também moda e arquitetura e, talvez mais importante, uma política, que funde todas as outras atividades futuristas numa totalidade redescoberta (...). Desconsiderar a política futurista como sendo fascista é tão comum quanto incorreto. Nos seus primórdios, o Futurismo foi bastante influenciado pelos escritos de Proudhon, Bakunin, Nietzsche e, especialmente, Georges Sorel”. Stewart Home. Assalto à cultura: utopia subversão

Com esse gesto, repetido em Berlim, em Zurique, depois em Paris e em Nova Iorque, o dadaísmo colocou em funcionamento uma máquina de guerra artística com forte apelo ao choque, ao distúrbio e à confusão. Com o passar do tempo, multiplicou a crítica, a ironia e a negação de tal modo que nem a contradição, nem o paradoxo e o paroxismo mostraram-se capazes de lhe deter.76

Dada é uma tempestade que eclode sobre a arte como a guerra sobre os povos, um fogo de revolta e audácia. Ele vai opor sua loucura à desrazão universal, e desenvolver uma filosofia do não. Dada se quer simultaneamente subversivo e terrorista. Nesse período em que a civilização ocidental soçobra na carnificina e no horror da guerra, e com ela todos os valores burgueses sobre os quais ela repousa, o dadaísmo ataca os próprios fundamentos dessa sociedade. Pisoteia os valores, abole todas as concepções fundamentais de sua época, combate a lógica que permite justificar o assassínio e a mutilação de milhões de homens, ataca a ciência considerada como máquina de matar. Toma por alvo a arte, a literatura, a ideologia burguesa, questiona o conjunto da organização social, e duvida de tudo. 77

Em um mundo que reduziu a vida a nada, qualquer ato diferente estava autorizado. Seguindo a lógica da urgência, seria um direito de qualquer pessoa determinar-se a destruir um mundo doravante sem valor. Os golpes se seguiram nas artes plásticas, na poesia, na música e em cada uma das formas de expressão conhecidas e praticadas então. Uma a uma, as artes foram submetidas à decomposição, à fragmentação, à sublimação da pulsão de morte, do instinto de crueldade.

A revolta fez valer sua capacidade criativa e inovadora no campo estético de maneira inusitada e radical. De certa forma, os dadaístas se sentiam sobreviventes da guerra empreendida pela civilização, perdida que estava nos labirintos da demência humana. A ruptura com as formas figurativas, a decomposição imposta às linguagens, a demolição dos fundamentos, a des/montagem do discurso, das imagens e da realidade, cada ato desses exigia uma obstinação somente comparável à de um homem que escapa de uma sessão de tortura com a ânsia de vingar-se com todas as suas forças.78 O romantismo jamais teria abrigado em seu meio uma sensibilidade tão brutal e violenta. Seria mero acaso o impulso vital eclodir com tamanha intensidade e virulência? Como explicar um acontecimento dessa magnitude? Afinal, quantas guerras não presenciaram

76 Ver Dietmar Elger e Uta Grosenick (Ed.). Dadaísmo. Taschen, 2010.

77 Dominique Berthet, “Dada, nem Deus nem Arte”, in Michel Ragon, et. at. Arte e anarquismo, p. 63-64. 78 Des/montagem, termo empregado por Norval Baitello Junior ao conceituar a atividade recorrente nos círculos dadaístas de decompor as formas culturais em suas partes elementares. Cf. Dadá-Berlim:

os poetas e artistas séculos afora? E por que só então a revolta se prontificou a deflagrar, em revanche, uma guerra total no espírito da época? Não há como saber. O certo é que o grito dadaísta se fez ouvir nos quatro cantos do mundo ocidental, acompanhou as rajadas das metralhadoras com o sem sentido das glossolalias, explodiu as imagens com suas colagens, tornou o caleidoscópio feito com suas pinturas o espelho quebrado no qual a civilização se viu despida de todas as ilusões.

Imagem 6 – Raoul Hausmann. ABCD, colagem, 1923-1924.79

“Não é o Dada que é absurdo – mas a essência da nossa era que é absurda”. – Os Dadaístas.

Na história da arte moderna, o efeito dadaísta teve as mesmas proporções de um apocalipse, depois do qual só restaria a redenção. A intenção era reduzir tudo a nada e deliberadamente destruir os pilares da civilização, a começar pela arte, onde os homens sublimes esperavam encontrar a beleza, a eternidade, um valor superior antes acessado somente pela via divina. Contra Deus e o Homem, os dadaístas opuseram o gesto radical da negação.

Imagem 7 – Grupo Dadaísta. Da esquerda para a direita: Paul Chadourne, Tristan Tzara, Philippe Soupault e Serge Charchoune. Na frente: Man Ray, Paul Éluard, Jacques Rigaut, Mme Soupault e

Georges Ribemont-Dessaignes.80

A Super-Realidade

Assim, no cenário da Primeira Guerra Mundial, foi o dadaísmo que bradou a revolta contra o belicismo na tentativa desesperada de colocar a vida em seu devido lugar. A fúria do movimento, direcionada ao mundo que reduziu o valor da vida a nada, insistiu em uma abordagem puramente negativa da arte: desfez os versos, reduziu o poema a