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Critical art ensemble: a máquina de guerra e os arsenais antropotécnicos da revolta

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Academic year: 2021

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(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. CRITICAL ART ENSEMBLE: A MÁQUINA DE GUERRA E OS ARSENAIS ANTROPOTÉCNICOS DA REVOLTA. Lucas Fortunato Rêgo de Medeiros. Natal – RN Agosto de 2019.

(3) Lucas Fortunato Rêgo de Medeiros. CRITICAL ART ENSEMBLE: A MÁQUINA DE GUERRA E OS ARSENAIS ANTROPOTÉCNICOS DA REVOLTA. Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do Título de Doutor em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas.. Natal – RN Agosto de 2019.

(4) Capa: Sandro Freitas, sobre foto original do Critical Art Ensemble disponível no livro Disturbances. London: Four Corners Books, 2012, p. 21. Ficha Catalográfica Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Sistema de Bibliotecas – SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN – Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA. Medeiros, Lucas Fortunato Rêgo de. Critical art ensemble: a máquina de guerra e os arsenais antropotécnicos da revolta / Lucas Fortunato Rêgo de Medeiros. – Natal, 2019. 334f.: il. color. Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019. Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas. 1. Critical Art Ensemble - Tese. 2. Arte-Revolta - Tese. 3. Micropolítica da Criação - Tese. 4. Arsenais Antropotécnicos - Tese. 5. Máquina de Guerra Artística - Tese. I. Dantas, Alexsandro Galeno Araújo. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 316.74:7. Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva – CRB-15/710.

(5) Lucas Fortunato Rêgo de Medeiros. CRITICAL ART ENSEMBLE: A MÁQUINA DE GUERRA E OS ARSENAIS ANTROPOTÉCNICOS DA REVOLTA. Banca Examinadora:. ____________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas – UFRN ____________________________________________________ Membro Interno – Prof. Dr. Fagner Torres de França – UFRN ____________________________________________________ Membro Externo – Prof. Dr. Márcio Romeu Ribas de Oliveira – UFRN ____________________________________________________ Membro Externo – Prof. Dr. Artemilson Alves de Lima – IFRN ____________________________________________________ Membro Externo – Prof. Dr. Pablo Moreno Paiva Capistrano – IFRN. Natal – RN Agosto de 2019.

(6) Agradecimentos. Meus sinceros agradecimentos à minha família, meu pai e minha mãe, Manoel e Cícera, por serem inspiração de humanidade, amor e dedicação. A minhas irmãs, Cecília e Sara, que me acompanharam nas aventuras da vida com carinho. Minha eterna gratidão. À Ravena, por estar a meu lado desde o início, e por guardar meu coração nos tempos de batalha. Ainda virão muitas outras vitórias. A meus amigos, todo meu apreço. Em especial, aos que estiveram mais próximos nos anos recentes, Edgard, Pedro, João, Tarcísio, Eliel, Sandro, Geyson, Geysa, Angélica, Renato, Mário, Nhauan, Gonzales, Jeffesron, Douglas, Philipe, Hugo, Rodolfo, Andreas e George. A Vantiê, Ilton, Rômulo, Geovane, Edson e Lisandro, por terem sido também meus professores. A meus amigos filósofos Alfredo, Williane e Everton. Meus sinceros agradecimentos aos professores e às professoras que contribuíram com minha formação. À minha primeira professora, Esther, ainda lembro de seu nome. À UFRN, uma escola de vida. Muito do que sou advém do que vivi aqui. Em especial, ao professor Alex Galeno, exemplo de humanidade no trato com o conhecimento e de dedicação ao trabalho intelectual. Tê-lo como orientador é uma das experiências mais valiosas. Às professoras Maria da Conceição de Almeida e Josineide Oliveira, e ao professor Orivaldo Lopes, pela parceria intelectual. Às professoras Norma Takeuti e Karyne Dias, pela contribuição no exame de qualificação. Aos professores Fagner França, Artemilson Lima, Pablo Capistrano e Márcio Oliveira, pela generosidade na leitura e nos comentários sobre esta Tese. Aos professores Alípio de Sousa Filho, Márcio Valença, Ilza Matias de Sousa, Daniel Lins e Eduardo Pellejero, pelo incentivo e pelo apoio acadêmico no início dessa jornada. Aos professores Hermano, Bosco, Edmilson, Douglas e Carlos, e às professoras Josimey, Kênia e Andressa..

(7) Aos meus colegas da pós-graduação em ciências sociais. Em especial, ao círculo de orientandos do Prof. Alex Galeno, Jadson, Raphael, Carlos, Igor e demais colegas. Aprendi muito com vocês. Agradeço ao Grupo de Pesquisa Marginália e ao Grecom, ao Departamento de Ciências Sociais e ao Instituto Humanitas. Professoras, professores, técnicos e demais pesquisadores. A toda equipe do Programa da Pós-Graduação em Ciências Sociais. Professores, técnicos administrativos, pesquisadores e pós-graduandos. A Otânio, secretário do PPGCS, em especial, por seu trabalho e dedicação. À equipe da Cooperativa Cultural do Campus – UFRN. Aos professores do IFRN, Flávio Ferreira, Avelino Neto e Alyson Freire, pela parceria intelectual e institucional. A meus alunos, que ao longo dos anos me incentivaram com gestos e palavras. Às instituições de ensino onde trabalhei, Hipócrates Colégio e Curso, Universidade Vale do Acaraú – UVA e Centro Universitário UNIFACEX. Às coordenações e aos colegas de profissão na área da educação. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, que financiou esta pesquisa. Em especial, meus agradecimentos a Steve Kurtz e ao Critical Art Ensemble, pela atenção em responder aos e-mails e pelos esclarecimentos. O CAE é uma inspiração para as novas gerações..

(8) Dedicado ao Critical Art Ensemble..

(9) A criação, a fecundidade da revolta estão nessa distorção que representa o estilo e o tom de uma obra. A arte é uma exigência de impossível à qual se deu forma. Quando o grito mais dilacerante encontra a sua linguagem mais firme, a revolta satisfaz à sua verdadeira exigência, tirando dessa fidelidade a si mesma uma força de criação. Ainda que isso entre em conflito com os preconceitos da época, o maior estilo em arte é a expressão da mais alta revolta. – Albert Camus, O Homem Revoltado..

(10) CRITICAL ART ENSEMBLE: A MÁQUINA DE GUERRA E OS ARSENAIS ANTROPOTÉCNICOS DA REVOLTA. RESUMO. Esta pesquisa versa sobre arte e política contemporâneas. O objeto de análise que dará acesso privilegiado às atuais relações estabelecidas entre arte e política é o coletivo Critical Art Ensemble (CAE), um grupo de artistas e ativistas dos Estados Unidos que há três décadas tem se dedicado a produzir uma arte com forte teor político. Nesta Tese, o CAE é considerado um dos expoentes da arte-revolta, conceito construído por meio de uma nomadologia da arte contemporânea que busca rastrear as experiências da revolta artística ao longo da história moderna. Segundo o argumento defendido nesta pesquisa, as vanguardas do século XX, ao se contraporem igualmente ao espetáculo e ao estado, construíram uma máquina de guerra para a qual a arte é política continuada por outros meios. Em sua rica história, as linhagens da arte-revolta inventaram diversas matrizes de ação que se oferecem às novas gerações como táticas de intervenção criativa na esfera pública normalmente dominada pelas instâncias políticas institucionais. Nas décadas recentes, a convergência das práticas artísticas com as lutas políticas desencadeou a emergência de micropolíticas da criação, assim denominadas toda sorte de ações individuais e coletivas que se ocupam deliberadamente da inovação e da invenção na arena da cultura. Por meio de mídia tática, performances, intervenções, ações diretas criativas, arte socialmente engajada, uma multiplicidade de grupos dão vida à resistência cultural no interior das sociedades capitalistas. Prolongando no presente o ímpeto da arterevolta, o Critical Art Ensemble opera uma máquina de guerra com os arsenais antropotécnicos da revolta elaborados ao longo de sua carreira, que abrangem teoria crítica engajada, plágio utópico, teatro recombinante, estética do distúrbio, mídia tática, resistência eletrônica e biologia contestatária. Da teoria crítica à resistência aos maiores complexos tecnopolíticos da atualidade, o CAE produz sua guerrilha artística com determinação e inventividade. Com o objetivo de compreender o papel da arte-revolta no tempo presente, seus dilemas, suas táticas e possibilidades de ação, a pesquisa tomará a produção teórica e prática do Critical Art Ensemble como via de acesso e objeto de análise. Palavras-chave: Critical Art Ensemble; Arte-Revolta; Micropolítica da Criação; Arsenais Antropotécnicos; Máquina de Guerra Artística..

(11) CRITICAL ART ENSEMBLE: THE WAR MACHINE AND THE ANTHROPOTECHNICAL ARSENALS OF THE REVOLT. ABSTRACT. This research deals with contemporary art and politics. The object of analysis that will give privileged access to current relations between art and politics is the Critical Art Ensemble (CAE), a group of US artists and activists who for three decades has been dedicated to producing art with a strong political content. In this thesis, CAE is considered one of the exponents of revolt-art, a concept built through a contemporary art nomadology that seeks to trace the experiences of artistic revolt throughout modern history. According to the argument put forward in this research, the vanguards of the twentieth century, by contrasting equally with spectacle and the state, built a war machine for which art is politics continued by other means. In their rich history, the revolt-art lineages have invented various matrices of action that are offered to new generations as tactics for creative intervention in the public sphere usually dominated by institutional political instances. In recent decades, the convergence of artistic practices with political struggles has triggered the emergence of micropolitics of creation, so-called all sorts of individual and collective actions that deliberately engage in innovation and invention in the cultural arena. Through tactical media, performances, interventions, direct creative actions, socially engaged art, a multitude of groups bring to life cultural resistance within capitalist societies. Extending the momentum of revolt-art to the present, the Critical Art Ensemble operates a war machine with the anthropotechnical arsenals of revolt elaborated throughout its career spanning engaged critical theory, utopian plagiarism, recombinant theater, disturbance aesthetics, tactical media, electronic resistance and contestational biology. From critical theory to resistance to today’s largest technopolitical complexes, CAE embodies its artistic guerrilla with determination and inventiveness. In order to understand the role of revolt-art in the present time, its dilemmas, its tactics and possibilities of action, the research will take the theoretical and practical production of the Critical Art Ensemble as a way of access and object of analysis. Keywords: Critical Art Ensemble; Art Revolt; Anthropotechnical Arsenals; Artistic War Machine.. Micropolitics. of. Creation;.

(12) CRITICAL ART ENSEMBLE: LA MÁQUINA DE GUERRA Y LOS ARSENALES ANTROPOTÉCNICOS DE LA REVUELTA. RESUMEN. Esta investigación aborda el arte y la política contemporánea. El objeto de análisis que dará acceso privilegiado a las relaciones actuales entre el arte y la política es el colectivo Critical Art Ensemble (CAE), un grupo de artistas y activistas estadounidenses que durante tres décadas se ha dedicado a producir arte con un fuerte contenido político. En esta tesis, CAE es considerado uno de los exponentes del arte-revuelta, un concepto construido a través de una nomadología del arte contemporánea que busca rastrear las experiencias de la revuelta artística a lo largo de la historia moderna. Según el argumento presentado en esta investigación, las vanguardias del siglo XX, al contrastar igualmente con el espectáculo y el estado, construyeron una máquina de guerra para la cual el arte es política continuada por otros medios. En su rica historia, los linajes del arte-revuelta han inventado varias matrices de acción que se ofrecen a las nuevas generaciones como tácticas para la intervención creativa en la esfera pública, generalmente dominada por instancias políticas institucionales. En las últimas décadas, la convergencia de las prácticas artísticas con las luchas políticas ha desencadenado el surgimiento de micropolíticas de la creación, así denominadas todo tipo de acciones individuales y colectivas que deliberadamente se dedican a la innovación y la invención en el ámbito cultural. A través de medios tácticos, actuaciones, intervenciones, acciones directas creativas, arte socialmente comprometida, una multitud de grupos dan vida a la resistencia cultural dentro de las sociedades capitalistas. Extendiendo el impulso del arte-revuelta hasta el presente, el Critical Art Ensemble opera una máquina de guerra con los arsenales antropotécnicos de la revuelta elaborados a lo largo de su carrera que abarca teoría crítica comprometida, plagio utópico, teatro recombinante, estética del disturbio, medios tácticos, resistencia electrónica y bioresistencia. Desde la teoría crítica hasta la resistencia a los complejos tecnopolíticos de la actualidad, el CAE produce su guerrilla artística con determinación e creatividad. Para comprender el papel del arte-revuelta en el presente, sus dilemas, sus tácticas y posibilidades de acción, la investigación tomará la producción teórica y práctica del Critical Art Ensemble como una forma de acceso y objeto de análisis. Palabras-clave: Critical Art Ensemble; Arte-Revuelta; Micropolítica de la Creación; Arsenales Antropotécnicos; Máquina de Guerra Artística..

(13) CRITICAL ART ENSEMBLE: LA MACHINE DE GUERRE ET LES ARSENAUX ANTHROPOTECHNIQUES DE LA REVOLTE. RESUME Cette recherche porte sur l’art et la politique contemporains. L’objet de l’analyse qui donnera un accès privilégié aux relations actuelles entre art et politique est le collectif Critical Art Ensemble (CAE), un groupe d’artistes et d’activistes américains qui se consacrent depuis 30 ans à la production d’art à fort contenu politique. Dans cette thèse, CAE est considéré comme l’un des représentants de l’art-révolte, un concept construit à travers une nomadologie de l’art contemporain qui cherche à retracer les expériences de la révolte artistique tout au long de l’histoire moderne. Selon l’argument avancé dans cette recherche, les avant-gardes du XXe siècle, en contrastant également avec le spectacle et l’État, ont construit une machine de guerre pour laquelle l’art est une politique poursuivie par d’autres moyens. Dans leur riche histoire, les lignées d’art révolté ont inventé diverses matrices d’action proposées aux nouvelles générations en tant que tactiques d’intervention créative dans la sphère publique généralement dominée par des instances politiques institutionnelles. Au cours des dernières décennies, la convergence des pratiques artistiques avec les luttes politiques a provoqué l’apparition d’une micropolitique de la création, appelée toutes sortes d’actions individuelles et collectives qui s’engagent délibérément dans l’innovation et l’invention dans l’arène culturelle. À travers les médias tactiques, les performances, les interventions, les actions créatrices directes, l’art socialement engagé, une multitude de groupes suscitent une résistance culturelle au sein des sociétés capitalistes. Prolongeant l’élan de la révolte jusqu’à aujourd’hui, le Critical Art Ensemble exploite une machine de guerre avec les arsenaux anthropotechniques de révolte élaborés tout au long de sa carrière, couvrant la théorie critique engagée, le plagiat utopique, le théâtre recombinant, l’esthétique des perturbations, les supports tactiques, résistance électronique et biologie contestative. De la théorie critique à la résistance aux plus grands complexes technopolitiques actuels, CAE produit sa guérilla artistique avec détermination et inventivité. Afin de comprendre le rôle de l’art-révolte dans le temps présent, ses dilemmes, sa tactique et ses possibilités d’action, la recherche prendra la production théorique et pratique de Critical Art Ensemble comme moyen d’accès et objet d’analyse. Mots-clés: Critical Art Ensemble; L’Art-Révolte; Micropolitique de la Création; Arsenaux Anthropotechniques; Machine de Guerre Artistique..

(14) Lista de Imagens. Imagem 1 – Grupo de Criação e Estudos Integrados Gaya Scienza..................................19 Imagem 2 – Francisco Goya. El sueño de la razon produce monstruos............................60 Imagem 3 – Luigi Russolo. La rivolta, óleo sobre tela, 1911............................................63 Imagem 4 – Os Futuristas italianos. Paris, fevereiro de 1912...........................................64 Imagem 5 – Alfredo Ambrosi. Retrato de Benito Mussolini com uma vista de Roma ao fundo, 1930......................................................................................................................65 Imagem 6 – Raoul Hausmann. ABCD, colagem, 1923-1924...........................................68 Imagem 7 – Grupo Dadaísta.............................................................................................69 Imagem 8 – Os Surrealistas em Paris, 1933......................................................................70 Imagem 9 – Salvador Dalí. Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo, 1943.......................................................................................................................72 Imagem 10 – Johannes Baader. O grande plasto-dio-dada-drama, 1920..........................74 Imagem 11 – Raoul Hausmann. O crítico de arte, colagem, 1919/20...............................76 Imagem 12 – René Magritte. Memória, óleo sobre tela, 1954..........................................78 Imagem 13 – Eugène Delacroix. A Liberdade Guiando o Povo, 1830..............................84 Imagem 14 – Painel de Guy Debord............................. ...................................................85 Imagem 15 – Dispositivos micropolíticos situacionistas. Detalhe de panfleto da Internacional Situacionista...............................................................................................87 Imagem 16 – Membros da Internacional Situacionista na Conferência de Munich, em abril de 1959.....................................................................................................................88 Imagem 17 – Revolta micropolítica. Paris, Maio de 1968................................................90 Imagem 18 – Ação Global dos Povos, Praga, 2000..........................................................98 Imagem 19 – Critical Art Ensemble em 1987.................................................................102 Imagem 20 – Livros de autoria do CAE..........................................................................103.

(15) Imagem 21 – Machine World. Imagem do livro Flesh Machine, do CAE......................105 Imagem 22 – Uma das primeiras formações do CAE, 1986-87......................................113 Imagem 23 – Membros do Group Material em 1980, um dos coletivos de arte que inspiraram o CAE...........................................................................................................115 Imagem 24 – Frames de dois filmes produzidos pelo CAE............................................117 Imagem 25 – Programação e cartaz do evento Political Art in Florida (?).....................132 Imagem 26 – Critical Art Ensemble em ação multimídia durante a turnê Political Art in Florida (?)......................................................................................................................133 Imagem 27 – Ricardo Dominguez, do CAE, em uma performance multimídia na turnê Frontier Production, em 1988........................................................................................134 Imagem 28 – Pôster de autoria do coletivo Gran Fury, apresentado na campanha Cultural Vaccines produzida pelo CAE........................................................................................138 Imagem 29 – Premiação oferecida ao Critical Art Ensemble pela associação PoNY.....139 Imagem 30 – Hope Kurtz, integrante do CAE, durante a campanha do grupo com a associação PoNY em 1990.............................................................................................140 Imagem 31 – Steve Kurtz do CAE em ação durante uma apresentação na turnê Frontier Production.....................................................................................................................142 Imagem 32 – Hope Kurtz do CAE em ação durante uma apresentação na turnê Frontier Production.....................................................................................................................142 Imagem 33 – Artists’ Books do Critical Art Ensemble...................................................145 Imagem 34 – Exemplo de uma intervenção nômade na vida cotidiana...........................160 Imagem 35 – Dorian Burr do CAE performando uma cena do Teatro Recombinante....162 Imagem 36 – CAE, Teatro Recombinante, Culto da Nova Eva na World Information Exhibition, Bruxelas, 2000.............................................................................................164 Imagem 37 – Flesh Machine, projeto e campanha do CAE, 1997-98. Dorian Burr e Steve Kurtz..............................................................................................................................167 Imagem 38 – Apresentação do programa BioCom utilizado nas campanhas sobre biotecnologias................................................................................................................169 Imagem 39 – Uma arte do CAE usada na campanha Flesh Machine sobre biotecnologias................................................................................................................170 Imagem 40 – Dorian Burr em uma performance do CAE...............................................172.

(16) Imagem 41 – Fator-X: Matriz Conceitual do Distúrbio (elaboração do autor)................186 Imagem 42 – By any media necessary. Imagem de autoria do CAE, 1999......................193 Imagem 43 – Vista da instalação Cult of the New Eve, Museu de Arte Contemporânea, Toulouse, França, 2000..................................................................................................203 Imagem 44 – Visão da performance Cult of the New Eve, no saguão do Hospital St. Clara, em Rotterdam, 2000.......................................................................................................205 Imagem 45 – Grupo de pesquisa e desenvolvimento da campanha GenTerra no laboratório da Universidade de Pittsburgh, em 2001......................................................207 Imagem 46 – O espetacular difuso. Imagem publicada na revista da Internationale Situationniste.................................................................................................................224 Imagem 47 – Ilustração do livro Distúrbio Eletrônico, do CAE.....................................226 Imagem 48 – Imagem de autoria do CAE presente no livro The Electronic Disturbance...................................................................................................................257 Imagem 49 – Edição italiana do primeiro livro do CAE: Sabotaggio Elettronico. Il primo gruppo americano di critica e attacco ai mass media. Castelovecchi, 1995...................269 Imagem 50 – Ilustração do livro Flesh Machine, do CAE..............................................275 Imagem 51 – Capa do livro GURPS Cyberpunk, de 1990...............................................287 Imagem 52 – Ricardo Dominguez, ex-membro do CAE e integrante do Electronic Disturbance Theatre, em um protesto de rua..................................................................295 Imagem 53 – Electronic Disturbance Theatre 2.0..........................................................298.

(17) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 18. CAPÍTULO 1 NOMADOLOGIA DA ARTE-REVOLTA: A Máquina de Guerra Artística. 52. CAPÍTULO 2 POR DENTRO DO CRITICAL ART ENSEMBLE: Arte e Revolta no Coração do Império. 102. CAPÍTULO 3 OS ARSENAIS ANTROPOTÉCNICOS DA REVOLTA: A Estética do Distúrbio 143. CAPÍTULO 4 RESISTÊNCIA CULTURAL: Transformar o Mundo, Mudar a Vida. 215. CAPÍTULO 5 SUBVERTENDO A MÁQUINA: Resistência e Desobediência Civil Eletrônica. 264. CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA UMA SOCIOLOGIA DA REVOLTA. 300. REFERÊNCIAS APÊNDICES. 314 327.

(18) 18. INTRODUÇÃO. Esta pesquisa que ora se apresenta faz parte de uma trajetória intelectual marcada igualmente pelas Ciências e pelas Artes. Desde a Graduação em Ciências Sociais que nutro um crescente interesse pela arte contemporânea, tanto que, na época, imerso na vivência universitária, a vontade de criar entre amigos deu origem a um grupo com a intenção de realizar uma série de estudos temáticos nas artes, nas ciências e na filosofia. O grupo ganhou vida e, aproveitando a verve poética de seus membros, aventurou-se também nas artes experimentais. A ideia de impulsionar a prática artística com o pensamento teórico, e vice-versa, tornou-se uma realidade coletiva desde o momento em que o grupo assumiu o desejo de se dedicar à criação em suas variadas formas, acadêmicas e estéticas.1 O nome assumido pelo coletivo reflete bem essa vontade: Grupo de Criação e Estudos Integrados Gaya Scienza, assinatura em si totalmente conceitual. No mesmo período, foram realizadas performances, publicações poéticas, apresentações musicais, instalações e exposições artísticas, bem como palestras dentro e fora da universidade. As criações e os estudos com os amigos continuaram por algum tempo e resultaram também em um amplo material escrito. Durante o Mestrado em Filosofia, enquanto cursava as disciplinas, foi o momento de editar parte do material do grupo para publicação. Em parceria com o CCHLA e a Editora da UFRN, o livro foi impresso e publicado no verão de 2010 com o título Machinapolis e a Caosmologia do Ser.2 Nele o grupo apresenta os resultados de sua experiência micropolítica com as artes e uma vasta pesquisa teórica sobre a megamáquina de guerra planetária em seus aspectos políticos, econômicos, epistêmicos e tecnológicos. Foi nessa dinâmica de pesquisa e ação que, pela primeira vez, tive contato com o Critical Art Ensemble (CAE), um coletivo formado por artistas ativistas dos Estados Unidos, que une teoria crítica, tecnologia e política radical. Na obra Distúrbio Eletrônico, publicada em português pela Conrad Editora do Brasil em 2001, as análises sociológicas e filosóficas são constantes, e além de menções a pensadores estudados na academia (Nietzsche, Foucault e Baudrillard são citados textualmente), há diversas referências a. 1. Para uma pequena amostra da produção do autor e do grupo, ver Apêndice 1. Lucas Fortunato; Edson Gonçalves Filho; Lisandro Loreto. Machinapolis e a Caosmologia do Ser. Natal: EDUFRN, 2010. Livro publicado nas versões impressa e digital. Disponível em https://cchla.ufrn.br/publicacoes/downloads/livro_machinapolis.pdf 2.

(19) 19. autores outsiders (como Artaud, Debord e Hakim Bey) e movimentos artísticos (como o Dadaísmo, o Surrealismo e os Situacionistas, o Fluxus e o Living Theater), com o que se tem uma amostra da riqueza de referências trazidas à discussão contemporânea pelo grupo. Justamente, algumas das leituras que inspiravam as atividades e os estudos que realizávamos naquela época. Com tantos pontos em comum, a afinidade foi praticamente imediata, e desde então, acompanho a produção do CAE com interesse.3. Imagem 1 – Grupo de Criação e Estudos Integrados Gaya Scienza no lançamento do livro Machinapolis e a Caosmologia do Ser, em 2010. Da esquerda para a direita: Edson Gonçalves Filho, Lisandro Loreto e Lucas Fortunato. Fotografia por Verena Viana. Arquivo pessoal do autor.. Meu interesse como intelectual e pesquisador sempre foi o de refletir sobre as formas de pensar e agir que expressam práticas e linguagens consideradas de resistência. A busca pela emancipação, pela autonomia e a correlata emergência de formas de viver, agir, pensar e se relacionar diferenciadas, nada mais são do que expressões de uma atitude social que se pode denominar de resistência. Na vasta linguagem teórica das ciências sociais a temática da resistência tem sido uma constante desde os movimentos sociais clássicos, inclusive, com relação à revolta que, segundo Albert Camus e Julia Kristeva,. No livro do Grupo Gaya Scienza, os autores tratam o Critical Art Ensemble como um “grupo de criação e estudos” que promove uma “práxis artístico-filosófica”. Cf. Machinapolis e a Caosmologia do Ser, pp. 80 e 186, respectivamente. 3.

(20) 20. há pelo menos dois séculos tem dado o tom na história política e nas artes ocidentais. Foucault foi um dos pensadores que se debruçou sobre o problema do poder e nas suas investigações genealógicas estabeleceu referenciais para se pensar formas de resistência aos poderes que até hoje repercutem na teoria crítica e no campo dos movimentos sociais. Quando decidi cursar o Doutorado, a ocasião se mostrou ideal para reativar os contatos com a produção do Critical Art Ensemble. Enquanto elaborava o projeto, a sociedade brasileira se deparava uma vez mais com o problema da crise dos valores, que no plano sociopolítico aparece como perda de representatividade política e de legitimidade das figuras de autoridade. Para não recair na investigação de instâncias puramente institucionais optei por pensar formas criativas, positivas e afirmativas que se elaboram nesse contexto como forma de resistir aos poderes estabelecidos. Fiel à trajetória desenvolvida até então, ao invés de tratar diretamente da política institucional com seus partidos e sindicatos (geralmente focados pela ciência política), mantive meu interesse alinhado aos estudos de práticas sociais e culturais emergentes, ou mais especificamente, aquelas advindas da resistência e do dinamismo contemporâneos que não passam necessariamente ou prioritariamente pelas vias institucionalizadas. No campo da reflexão e da teoria, tenho inclinações ao pensamento crítico, sobretudo francês, produzido desde o pós-guerra, e com essa base elaborei o projeto de pesquisa para o doutorado. O pré-projeto apresentado para a seleção teve por temática a resistência artística e o cuidado de si na cibercultura. Não é de hoje que a tecnologia gera um sentimento ambíguo de fascinação e desconfiança. Historicamente, a geração da qual faço parte acompanhou de perto a entrada das sociedades em sua dinâmica maquinocêntrica, e tem, portanto, algo a dizer quanto a isso. As relações homem-máquina hoje quase onipresentes nas metrópoles tornaram-se fatalmente objeto de estudos, questionamentos e reflexões. A conjunção de vivências pessoais, acadêmicas e culturais assim apresentadas talvez explique a escolha epistemológica desta pesquisa. O certo é que nos últimos anos, a incorporação incessante de dispositivos digitais na vida cotidiana tornou evidente mudanças comportamentais, perceptivas, cognitivas e culturais, e enquanto sociólogo, quis pensar acerca de como as máquinas entram nas relações que os sujeitos estabelecem consigo para se constituírem enquanto tais valendo-se do uso das tecnologias a seu dispor. Para efeito de análise empírica então escolhi o Critical Art Ensemble, na intenção de pesquisar o uso das tecnologias nas práticas artísticas de resistência, supondo que o grupo ofereceria a oportunidade para uma análise privilegiada do fenômeno..

(21) 21. Durante o curso do doutorado a ideia inicial do projeto se modificou. Os elementos principais continuam presentes, o que mudou foi a maneira de colocar o problema. Não mais a maquínica do ser em função do sujeito, do cuidado de si, senão que em relação à arte na sua dimensão cultural e política como expressão da revolta. Como se vê, a abordagem da problemática foi modificada para abarcar uma maior amplitude de análise. A intenção passou a ser a de focar a arte-revolta do Critical Art Ensemble, articulando tematicamente a questão da tecnologia (muito presente na teoria e na prática do grupo) por um duplo viés, ao mesmo tempo como efeito de poder e meio de resistência. Assim, a questão da subjetivação maquínica, que a princípio aparecia em primeiro plano, tornase um tema transversal que adquire seu sentido no interior da discussão sobre como a revolta atua no campo mais amplo da cultura constituindo micropolíticas da criação. A problematização da arte-revolta, que em si já implica processos de subjetivação, será remetida aos conteúdos críticos produzidos pelo CAE (a tecnologia, a arte, a ciência e o pancapitalismo), quando então a discussão sobre a resistência vem para o primeiro plano com suas táticas correspondentes ao nível tecnológico atingido pelas atuais sociedades de controle. Assim, cruzando trajetórias que acoplam as caóides do pensamento,4 esta pesquisa tematiza a arte, a revolta, a política e as tecnologias, ao vincular o pensamento contemporâneo à produção micropolítica do Critical Art Ensemble. Considerando que o doutorado é a culminância da formação acadêmica stricto sensu, a pesquisa foi pensada levando em conta ao menos três finalidades que necessariamente se articulam entre si: adquirir conhecimento aprofundado e atual sobre a temática da resistência cultural no seu sentido mais amplo (reserva cognitiva); consolidar um campo de pesquisa no interior do universo acadêmico das ciências sociais (com a abertura de uma linha de pesquisa que faz dialogar as artes, a cultura e as tecnologias); e por fim obter as credenciais que me habilitem e propiciem a orientação em trabalhos, estudos e pesquisas no campo temático das resistências, sobretudo as que se valem das artes e das tecnologias como meios de expressão de novas linguagens.. “Numa palavra, o caos tem três filhas segundo o plano que o recorta: são as Caóides, a arte, a ciência e a filosofia, como formas do pensamento ou da criação. Chamam-se caóides as realidades produzidas em planos que recortam o caos”. Gilles Deleuze e Félix Guattari, “Do caos ao cérebro”, in O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004, p. 267. 4.

(22) 22. Critical Art Ensemble. Dando prosseguimento a uma perspectiva sociológica adotada desde a graduação de estudar no campo social o que lhe dá movimento e renova, o que estou denominando micropolíticas da criação, compostas por práticas socioculturais emergentes – e para contemplar as investigações empíricas na pesquisa do doutorado escolhi como objeto de estudo o Critical Art Ensemble (CAE). Trata-se de um coletivo oriundo de Nova York que tem se destacado internacionalmente desde a década de 1990 devido a uma vasta produção teórica, prática, cultural e artística. O CAE elabora formas de intervenção na esfera pública por meio do que chamam social practices, formas de expressão culturais por vezes denominadas artísticas que se amparam em discussões científicas e filosóficas para problematizar questões políticas de interesse social. A abordagem do grupo se diferencia das formas de ativismo político tradicional pois não atualiza o proselitismo tão caro aos modelos de resistência clássicos. Ao invés disso, como o nome do grupo indica, ele pratica uma arte que, no contato direto com a produção cultural, coloca na esfera pública problemáticas acerca das apropriações capitalistas de tecnologias e discursos científicos que ameaçam a autonomia dos indivíduos e do pensamento ao reforçar tendências autoritárias na esfera da cultura. A fim de combater essas tendências o coletivo levanta questões políticas relevantes em torno dos mass media e do complexo biotecnológico, duas das principais linhas temáticas trabalhadas pelo grupo, tanto em performances, quanto na produção teórica (o CAE já conta com oito livros publicados e traduzidos em diversos idiomas). O meu interesse ao escolher o CAE foi o de aprofundar a discussão teórica sobre as resistências artísticas e culturais contemporâneas que se valem das artes e das tecnologias para expressar-se na arena pública. Essa abordagem assumida no doutorado tem o mérito de retomar os estudos e as pesquisas que desenvolvo desde a graduação sempre calcado na discussão teórica e na análise empírica.5 O estudo do CAE se justifica por vários motivos. Em primeiro lugar, por seu pioneirismo no tratamento crítico e político, teórico e prático, dado à arte e à tecnologia sob o viés da resistência. Os dois primeiros livros do grupo foram inteiramente dedicados a refletir sobre a resistência eletrônica quando o ciberativismo ainda parecia ficção. 5. A primeira parte do livro Machinapolis e a Caosmologia do Ser é o resultado mais expressivo dessa afirmação. Cf. Lucas Fortunato, Edson Gonçalves Filho e Lisandro Loreto, “Uma nomadologia da criação poética em atos”, in Machinapolis e a Caosmologia do Ser, p. 35ss..

(23) 23. cyberpunk aos olhos da resistência tradicional (The Eletronic Disturbance foi publicado em 1994 e Eletronic Civil Disobedience em 1996). No entanto, o motivo principal é outro. O que justifica o estudo desse grupo em especial é o reconhecimento de sua trajetória que já dura mais de 30 anos inteiramente dedicados a questionar o mundo a seu redor e promover novas formas de se fazer arte, ciência e ativismo. Uma avaliação lúcida de seu legado levará qualquer crítico de arte a colocar o grupo em lugar de destaque na história da arte-revolta. As ferramentas conceituais forjadas no calor da batalha e a elaboração de métodos de ação no constante voltar-se sobre as novas condições de possibilidade (técnicas e políticas) da resistência estão entre as mais sofisticadas que se tem conhecimento no circuito da arte internacional recente. O portal Creative Capital atribui ao grupo uma série de premiações:. Seu trabalho foi coberto por revistas de arte, incluindo Artforum, Kunstforum e The Drama Review. Critical Art Ensemble recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio de Liberdade de Expressão Artística em 2007 da Fundação Andy Warhol Wynn Kramarsky, o Prêmio de Multimídia John Lansdown em 2004 e o Prêmio Leonardo New Horizons de Inovação em 2004.6. Enquanto uma miríade de artistas, grupos e bandas se lançam nas autopistas da informação de braços dados com os tentáculos do mercado espetacular sem qualquer reserva, o CAE assume uma postura crítica que o coloca no prolongamento atual das linhagens da arte-revolta que remontam às vanguardas revolucionárias do século XX, fazendo jus ao nome que escolheu para si. Mais do que um simples coletivo de artistas, o CAE se coloca em várias frentes de ação, até mesmo na produção de obras teóricas nas quais empreende um tratamento transdisciplinar aos problemas abordados. As tecnologias, por exemplo, são tematizadas pelo viés crítico, político e artístico, de forma teórica e engajada, com a mobilização de conteúdos científicos e filosóficos dos mais prestigiados na história do pensamento crítico contemporâneo. A bibliografia produzida pelo Critical Art Ensemble conta com 8 livros e diversos artigos publicados e traduzidos para vários idiomas, somando-se a uma vasta produção de vídeos (da primeira fase do grupo) e de exposições, performances e. Cf.: https://creative-capital.org/artists/critical-art-ensemble/steve-barnes/ Acesso 1 de julho de 2019. “O Creative Capital apoia artistas inovadores e aventureiros em todo o país com financiamento, consultoria, reuniões e serviços de desenvolvimento de carreira. O Creative Capital busca ampliar as vozes de artistas que trabalham em todas as disciplinas criativas, e catalisa conexões para ajudá-los a realizar suas visões e construir práticas sustentáveis”. Cf. https://creative-capital.org/about-us/ Acesso 1 de julho de 2019. 6.

(24) 24. intervenções dentro e fora de museus, em galerias, nas ruas, na internet, nas Américas, na Europa e na Ásia. Por isso, ao invés de considerar o Critical Art Ensemble um coletivo de artistas, será mais adequado tratá-lo como um grupo de criação e estudos integrados, assim compreendido pois, além da criação no campo das artes, o CAE empreende estudos teóricos e pesquisas empíricas, agenciando conteúdos científicos e filosóficos. Uma produção prolífica como esta permanecerá atual por muito tempo, sem dúvida, afinal, o grupo coloca no centro de suas atenções problemas cruciais da época que estão longe de serem resolvidos, infelizmente: a tecnologia a serviço do poder e suas implicações na produção das subjetividades, no âmbito social e, mais atualmente, no campo ecológico (temática desenvolvida nas últimas produções do grupo). A criticidade do Art Ensemble tem características próprias, coloca em xeque o poder autoritário que se materializa em tecnologias de controle, em discursos de verdade, nas práticas cotidianas, nas instituições e na máquina de guerra planetária do capitalismo. Como o próprio nome do grupo indica, a inteira produção do coletivo tem uma veia crítica, o que lhe rendeu boas aventuras no coração do império. O pensamento complexo do grupo, marcadamente artístico, científico e filosófico, ao expor um forte teor crítico faz valer uma obstinação por desvelar as zonas escuras do poder onde subjaz a fragilidade das pretensas fundações ordenadoras do mundo. Tal pensamento, animado por uma verve contestadora e insurrecional, criativa e irreverente, faz explodir pelos ares os discursos normalizadores e coloca em primeiro lugar os princípios libertários que se quer expandir na esfera da cultura.7 Nesse sentido, é possível identificar com facilidade o viés contemporâneo, atual e inovador de suas obras, no sentido empregado por Giorgio Agamben:8 um pensamento que, ao se deslocar em relação às estruturas dominantes, refaz o trajeto mantendo sua diferença pela perspectiva crítica direcionada ao tempo presente, mas que, ao mesmo. 7. Historicamente, o termo libertário é usado nos círculos anarquistas para designar um espectro de simpatizantes aos ideias ácratas que não se autodenominam anarquistas. De acordo com Nicolas Walter, o anarquismo possui na sua genealogia influências do socialismo e do liberalismo, que lhe antecederam. Porém, é distinto de ambos. O anarquismo possui muitas linhagens e ramificações, é portanto plural. O que há em comum nas várias linhagens é a recusa a toda forma de autoritarismo e opressão que se abate sobre o indivíduo e a sociedade. Enquanto movimento social, o anarquismo surgiu como expressão da revolta contra o capitalismo industrial, e de fato e por definição é anticapitalista até hoje. Cf. Nicolas Walter. Do anarquismo. São Paulo: Imaginário, 2000. O termo libertário empregado nesta Tese designa o caráter emancipatório, afirmativo da vida e do valor do ser humano em termos ecosóficos. Cf. Félix Guattari. As três ecologias. Campinas: Papirus, 2007, p. 23. O CAE não possui inclinação política definida. As inspirações do coletivo são discutidas no Capítulo 4 – Resistência Cultural: Transformar o Mundo, Mudar a Vida, mais especificamente no tópico Situações e Revolução Cultural Permanente. 8 Giorgio Agamben. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009, p. 58- 62..

(25) 25. tempo, se coloca sempre em favor de um tempo porvir. É portanto um pensamento vital, prospectivo, libertador e intempestivo como definido por Nietzsche.9 Para Agamben, “o contemporâneo é o intempestivo”, e nesse sentido, é quem mantém uma relação com o presente numa desconexão e numa dissociação, e por isso, é mais capaz do que os outros de perceber e apreender o seu tempo. Isto significa que somente quem dispõe da postura de pensamento capaz de se relacionar com o tempo sem a ele se render possui as condições adequadas para ver a época de uma perspectiva que não coincide com os discursos e as visibilidades instituídas. A contemporaneidade do pensamento é algo raro de se encontrar pois o contemporâneo estabelece uma “relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo”, o que pressupõe coragem de pensar o não pensado com uma postura singular que se coloca entre as rachaduras do que se vê e do que se diz na história. Destarte, para o contemporâneo, é necessário manter fixo o olhar no seu tempo, e perceber não as luzes, mas o escuro. Enquanto sentinela do tempo presente, o Critical Art Ensemble aposta na força do entusiasmo, no questionamento, na postura cética e no desejo por liberdade, os mesmos princípios que impulsionam as resistências antiautoritárias. Por tudo isso o CAE vem se destacando entre os coletivos praticantes da arte-revolta, e justamente por dar vida a uma arte inteiramente crítica, política e contemporânea é que se torna o objeto privilegiado nesta pesquisa.. Cf. Peter Pál Pelbart, “Nietzsche, pensador da cultura”, in Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003, p. 208. Ver Friedrich Nietzsche. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 7: “ou seja, contra o tempo, e com isso, no tempo e, esperemos, em favor de um tempo vindouro”. 9.

(26) 26. A Tarefa do Pensamento Contemporâneo. A ideia central desta pesquisa é abordar o Critical Art Ensemble e seu legado do ponto de vista artístico e político. Com esse objetivo, o propósito inicial é destacar o papel da arte do grupo na construção de matrizes teóricas e práticas, discursivas, imagéticas, estéticas e micropolíticas que se inscrevem no prolongamento histórico contemporâneo da arte-revolta. Assim, as formas de expressão artísticas e micropolíticas do grupo são tomadas no registro histórico da cultura-revolta mais ampla, das quais a resistência pode reter o exemplo e apoderar-se de possíveis contribuições oriundas da rica discussão sobre as relações da arte com a política e a cultura de seu tempo. Fazer das experiências do CAE objeto de reflexão, conhecimento e crítica, permite entender o movimento histórico de uma perspectiva privilegiada, pois o que se coloca em destaque com isso são problemáticas fundamentais da civilização mundial: a política tecnológica ou a máquina política, a revolta artística enquanto catalisadora de movimentações sociológicas na cultura. Ao lidar com o grupo, o que se pretende enfatizar nesta pesquisa são exemplos vivos e criativos do que a arte-revolta contemporânea é capaz de inventar e produzir quando assume uma postura ativa face ao mundo, ao mesmo tempo em que se evidencia o sentido da crítica às estruturas de dominação e captura há muito investidas para minar as potências da revolta e seu apelo junto às massas. Com base nisso, as problemáticas suscitadas pela retomada das vanguardas, suas possíveis superações, as contradições bem ou mal resolvidas, os impasses, mesmo as aporias, podem lançar luzes sobre a arte contemporânea e as infinitas possibilidades de ação e transformação desencadeadas pela resistência, justo no momento em que o neoliberalismo, com todas as agências do espetáculo, investe o máximo para reificar uma dominação que tenta impedir o pensamento crítico em geral e a arte-revolta em especial de realizarem-se autenticamente na época. Hoje, como há muito, a tarefa do crítico contemporâneo tem contra si uma arte neutralizada e convertida em mero entretenimento. Não bastasse o fato da arte espetacular ter sido esvaziada de suas origens críticas pela cooptação das técnicas inventadas pelas vanguardas históricas, o crítico ainda precisa lidar com a imensa profusão da culturaentretenimento que tem desqualificado a vocação crítica das artes e do pensamento. No contexto atual do espetáculo integral, a arte-revolta que resiste encontra-se literalmente soterrada pela saturação massiva de arte espetacular que se avoluma indefinidamente..

(27) 27. O tempo presente, saturado de espetáculos e mercadorias, gadgets e simulacros, carece de um estilo de arte crítica e igualmente de um pensamento atento às proezas da revolta, uma das potências da resistência da vida às investidas do capitalismo e sua máquina de destruição incondicionada. Na concepção de Julia Kristeva, a arte e a culturarevolta estão ameaçadas e em alguns casos até mesmo impossibilitadas:. Não a arte ou a cultura-show, nem a arte ou a cultura-informação consensuais favorecidas pelas mídias, mas justamente a arte e a culturarevolta. E quando essas se produzem, acontece que mostram formas tão insólitas e brutais que seu sentido parece perdido para o público. Com isto, cabe a nós sermos os doadores de sentido, os intérpretes.10. Nesse cenário, talvez mais do que nunca, o trabalho crítico do pensamento, como enfatiza Kristeva, precisa ser revalorizado como um dos suportes fundamentais para o universo das artes contemporâneas. Cabe aos intelectuais o papel de doadores de sentido, de intérpretes das manifestações artísticas de seu tempo, seja por meio da crítica artística, seja por meio das ciências ou da filosofia. Kristeva inclui. o trabalho crítico na experiência estética contemporânea: estamos mais do que nunca diante da necessária e inevitável osmose entre realização e interpretação, o que implica também uma redefinição da distinção entre crítica, de um lado, e escritor ou artista, de outro.11. Ao crítico cabe ter a sensibilidade e a lucidez de destacar, entre tantas produções, a originalidade e a singularidade de uma obra artística, de um processo estético. Com isso, o que se pretende não é erigir monumentos, mas apropriar-se do pensamento contemporâneo, voltá-lo às práticas artísticas que se instalam nas rachaduras da época, igualmente contemporâneas no sentido empregado por Agamben, para dotá-las de sentido sensível, cognitivo e político. Em suma, a tarefa do crítico, enquanto contemporâneo, é iluminar o valor da experiência-revolta lá onde ela se manifesta criadora de novos valores e modos de pensar, sentir, imaginar, agir, ser e viver enquanto afirmações da vida. No contato com o grupo e suas produções, fundamentalmente do que se trata é de impulsionar a reflexão e o pensamento, que são levados a questionar e problematizar a pertinência dos fenômenos estudados em relação ao que se pensa e se vive no presente, Julia Kristeva, “A cultura-revolta”, in Sentido e contra-senso da revolta: poderes e limites da psicanálise I. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 24-25. 11 Julia Kristeva, Sentido e contra-senso da revolta, p. 25. 10.

(28) 28. ou seja, como forma de auxiliar na tarefa sempre por se fazer de interpretar o atual a fim de melhor compreender os processos que fizeram o presente o que ele é, e assim, quem sabe, lançar luzes sobre aquilo que, do ponto de vista da revolta, precisa ser transformado mediante uma série de trabalhos coletivos necessariamente criativos em suas dimensões éticas e estéticas. Nesse sentido, o CAE será tomado no interior de um pensamento que fará do próprio grupo estudado um operador conceitual, cognitivo e reflexivo, um meio de contato e uma via de acesso privilegiado a problemáticas atuais mais amplas, de caráter político, cultural e, em certos casos, ecosófico, planetário, o que certamente contribuirá para a elaboração de uma ontologia do presente.. A Questão da Revolta. O Critical Art Ensemble ocupa um lugar de destaque na arte-revolta contemporânea tanto por sua trajetória quanto pela rica produção em torno de temas atuais. No grupo, a revolta encontra sua configuração micropolítica, sua máquina produtiva e seu canal de expressão. Convém, por isso, esclarecer a questão da revolta no contexto teórico escolhido nesta pesquisa. O significado da palavra revolta não foi o mesmo em todo momento histórico. Na realidade, tem variado conforme a época e o contexto no qual é usada. De acordo com Alex Galeno, “Kristeva recupera a plasticidade do termo e estabelece outros vínculos com o contexto histórico. Uma revolta não desconectada da realidade política e propiciadora de um novo encantamento da subjetividade dos indivíduos e da própria palavra”.12 Há portanto uma plasticidade que é preciso considerar ao tratar do sentido atribuído à expressão. A história da revolta pode ser acompanhada pela genealogia de palavras cujos significados, nos últimos séculos, modificaram-se conforme o contexto social e epistemológico.13 A palavra revolta tem uma história semântica que remete a uma linhagem de palavras durante algum tempo usadas para designar o deslocamento dos corpos celestes no espaço, significando algo parecido com a revolução dos astros em torno de si e no. 12. Alex Galeno. Antonin Artaud: a revolta de um anjo terrível. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 100. Acompanha-se aqui a etimologia histórica da palavra apresentada por Julia Kristeva. Cf. “A palavra ‘révolte’ [revolta]: o movimento” e “A palavra ‘révolte’: o tempo e o espaço”, in Sentido e contra-senso da revolta, p. 14-18. 13.

(29) 29. curso de uma órbita. Semelhante sentido foi empregado no uso de palavras ligadas ao tempo para representar o fim de um ciclo e o início de outro. Em ambos os casos, rotação, ciclo e retorno estavam associados à palavra latina volvere, voltar, retornar, em sentido espacial e temporal. Transposta do contexto astronômico e astrológico, a palavra adquiriu pouco a pouco um significado estratégico, social e por fim político de mudança. Revolta só passou a significar revolução social, tal como empregada no sentido moderno hoje conhecido, na passagem do século XVII para o século XVIII, quando a expressão foi popularizada com os acontecimentos políticos aos quais era associada. Neste período, deve-se a Voltaire o emprego de révolte como guerra civil, perturbações, guerra e finalmente revolução. A revolta como fenômeno social e político de rejeição da autoridade, portanto, foi moldada na história das convulsões sociais e por isso carrega em si o sentido de uma mudança de direção, um retornar a um novo começo, pôr fim a um estado de coisas e dar início a um movimento em nova direção. Atualmente, a questão da revolta se coloca na arte e na política com igual importância. O que Kristeva diz na década de 1990 sobre a perda da força da culturarevolta e a sua substituição quase completa pela cultura-espetáculo na Europa, também se aplica aos tempos presentes, quiçá, com maior intensidade. É verdade que o pensamento crítico e a arte-revolta conseguem criar espaços, abrir brechas, escavar túneis, atravessar o espetáculo, porém, quase sempre destinados a séquitos de extraviados. De um modo geral, o espetáculo integral abarcou a dimensão subjetiva com a interatividade generalizada tornando-se hegemônico sem qualquer força contrária capaz de lhe fazer oposição frontal. Realmente, a conjuntura não é das melhores para o pensamento crítico. No campo das artes, há muitas expressões, das mais diversas, talvez como nunca antes. Porém, se a arte-entretenimento não conta para o campo da revolta, mesmo considerando as artes de contestação, a arte-revolta tem rivalizado com o niilismo artístico que se desdobra em várias vertentes. Assim, o espetáculo e o niilismo tentam se sobrepor a toda investida da cultura-revolta, que não vê outra saída a não ser resistir. Não fosse o bastante, o tempo presente perdeu a noção de qualquer medida. Não reconhece mais a revolta nem o seu valor. Cumpre, portanto, esclarecer do que se trata quando a questão se coloca. Albert Camus pergunta na abertura de seu livro sobre o assunto: “Que é um homem revoltado?”. A resposta é dada de uma forma simples e direta: “Um homem que.

(30) 30. diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento”.14 Em termos teóricos, a revolta pressupõe um tipo de atitude que é afirmativa e negativa ao mesmo tempo. Há portanto características próprias com relação às quais se pode identificá-la. Conceitualmente, não se pode falar de revolta como pura negatividade pois lhe falta o caráter criador, do mesmo modo, não se pode falar de revolta nos casos em que só há afirmação. A pura negação, por ser absoluta, recusa a parte aproveitável e positiva do mundo, enquanto a afirmação total é na realidade aceitação, o contrário da revolta, pois admite o que é intolerável do ponto de vista da vontade de transformação inerente ao ato de revoltar-se. Nos dois casos se extrapola e desvirtua o movimento da revolta por excesso, suprimindo assim a tensão pela qual se mede a vontade característica da revolta e pela qual se reconhece sua ação no mundo. A abordagem do estudo se fará por via do conceito arte-revolta inspirado na compreensão de Albert Camus e Julia Kristeva. Para Camus, a revolta se coloca no campo das lutas e dos valores éticos, e por esta via atinge a arte e a política. Kristeva, por sua vez, aproxima-se da revolta pela psicanálise e pela linguagem. Na perspectiva de Camus, a revolta tem sido uma característica das mais presentes na história moderna e está estreitamente relacionada com o fenômeno do niilismo entendido como o descrédito de todos os valores éticos ou morais. Nas sociedades ocidentais modernas, a disparidade entre a expectativa de liberdade e os constrangimentos dos poderes desencadeia uma imensa efervescência da revolta, que se projeta historicamente nas artes, na literatura, na filosofia e, claro, nas insurreições sociais que dão o tom da época. A relação da revolta com o niilismo no entanto é ambivalente, pois embora a revolta encontre no ambiente anômico do niilismo um espaço para eclodir e se desenvolver, o homem revoltado sente a necessidade de uma medida para contrapor ao poder ilimitado a que se entregam os niilistas que não reconhecem valor algum, nem divino, nem humano, ou que demonstram-se conformados definitivamente, sem qualquer reserva, ao que existe. Por isso, a revolta é, para Camus, um movimento libertário do indivíduo que reconhece o seu valor ante uma dominação considerada ilegítima, injustificável ou intolerável.. 14. Albert Camus. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 25..

(31) 31. Nesse sentido, o movimento da revolta atravessa a história na incessante luta do ser contra a opressão da figura humana, com efeitos claramente discerníveis no campo político e presentes também nas artes embora nem sempre de forma evidente. Na concepção ético-filosófica que é a de Camus, portanto, o essencial é diferenciar a revolta, definida em termos libertários, da atitude niilista que não reconhece qualquer princípio ou coloca algum valor acima da vida, o que resulta em última instância na aceitação da tirania e da servidão. Em Kristeva, a questão da revolta se formula pela via da psicanálise e designa a insurgência transgressora de forças psíquicas desencadeadas pela realização do princípio de prazer. Embora seja possível conjecturar sobre a eclosão de forças inconscientes em vias de realizar-se a despeito de quaisquer parâmetros, a revolta não se define necessariamente por esta via, pois que a revolta supõe uma elaboração de sentido. O certo é que a revolta, nesta abordagem, adquire um sentido subjetivo, íntimo e por vezes inconsciente. Na dimensão psicológica a revolta pode significar a rebelião do desejo contra as imposições do princípio de realidade encrustado na individualidade, ou então contra as exigências externas demasiado opressoras da sociedade, o que pode coincidir. A instância interior é considerada importante pois se existe algum sentido profundo que desencadeia a revolta é lá que se deve procurar, ainda que seja para se deparar, se não com uma completa ausência de sentido, com a insurgência de um contra-senso crítico. Mas assim como em Camus, Kristeva distingue a revolta da postura niilista:. O niilista não é um homem re-voltado no sentido que vocês agora entendem este termo aqui depois que nós desenvolvemos pacientemente o significado no ano passado. O niilista pseudorevoltado é, de fato, um homem reconciliado na estabilidade de novos valores. E essa estabilidade ilusória revela ser mortífera, totalitária. Eu não insistirei jamais o suficiente sobre o fato de que o totalitarismo é o resultado de uma certa fixação de revolta nisso que é precisamente sua traição, ou seja, a suspensão do retorno retrospectivo – o que equivale a uma suspensão do pensamento.15. “Le niiliste n’est pas un homme ré-volté au sens où vous comprenez désormais ce terme, ici, depuis que nous en avons patiemment déployé la signification, l’an dernier. Le niiliste pseudo-révolté est, de fait, un homme réconcilié dans la stabilité de nouvelles valeurs. Et cette stabilité, illusoire, se révèle être mortifère, totalitaire. Je n’insisterai jamais assez sur le fait que le totalitarisme est le résultat d’une certaine fixation de la révolte dans ce que est précisément sa trahison, à savoir la suspension du retour rétrospectif – qui équivaut à une suspension de la pensée”. Julia Kristeva. La révolte intime: pouvoirs et limites de la psychanalyse II. Paris: Fayard, 1997, p. 12. Tradução livre. 15.

(32) 32. A revolta se revela, portanto, nas experiências subjetivas nas quais o sujeito sente ao mesmo tempo as causas e os efeitos de contradições e impasses internos. Em instâncias desta natureza, a busca por um sentido ou sua negação profunda seriam formas da revolta construir por meios conscientes ou inconscientes um outro sentido para o que se passa consigo, com os outros e com o mundo. Em situações assim, as forças psíquicas desencadeiam a expansão de algum desejo ou de impulsos em vias de se realizar, mesmo que não sejam reconhecidos pelo indivíduo ou pela coletividade, adquirindo um significado singular da ordem do acontecimento para o sujeito. Kristeva propõe três figuras da revolta a partir da experiência psicanalítica: – a revolta como transgressão da proibição; – a revolta como repetição, perlaboração, elaboração; – a revolta como deslocamento, combinatórios, jogo. Independentes logicamente, nos comportamentos sociais, por exemplo, essas figuras são no entanto interdependentes na experiência psíquica, onde elas se encontram entrelaçadas (...) tanto no aparelho psíquico quanto nas obras artísticas ou literárias.16. O CAE participa enquanto agente ativo do processo mais amplo da arte-revolta e apresenta uma trajetória marcada pelas três figuras apresentadas por Kristeva. Atividades transgressoras com relação aos padrões artísticos tradicionais encontrados no campo da arte-espetáculo, as práticas de desobediência civil eletrônica e biologia contestatária; revolta como elaboração constante do sentido de suas ações no mundo; e revolta como recombinação do que existe em um jogo aberto e contínuo, artístico e micropolítico, de reinvenção de si em relação direta com o que se pretende fazer na realidade. Em todo caso, por meio das ordens intersubjetivas da literatura, da filosofia, das artes e da política a revolta atinge o campo social, desperta os ânimos coletivos e contrapõe às leis, às normas e aos constrangimentos externos a força de uma vontade livre, a emergência de um desejo revolucionário. Na vida coletiva, no contato com o outro a revolta eclode e perfura a cultura pronta para desferir seus golpes nas estruturas calcificadas pelas normas. Nas sociedades modernas e contemporâneas, a revolta encontra seu canal de expressão mais ou menos admitido nas distintas artes, na literatura, na poesia, na música, nas artes urbanas, performáticas e mesmo tecnológicas. No decorrer do século XX as artes. 16. Julia Kristeva, “A cultura-revolta”, in Sentido e contra-senso da revolta, p. 37..

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