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Médici: A consolidação do autoritarismo

GOVERNO MÉDICI E A POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO

5. UMA FORMA DE GOVERNO AUTORITÁRIA

5.3 Médici: A consolidação do autoritarismo

O processo que determinou a escolha do General Emílio Garrastazu Médici como candidato à presidência da República foi caracterizado, também, pela influência das cisões internas das Forças Armadas. Médici foi a alternativa escolhida pelo alto escalão para substituir a Junta Provisória instaurada após o impedimento do presidente Costa e Silva.

A doença que culminou no afastamento do presidente pegou de alguma forma desprevenido o comando militar. Foram dois meses que separaram a instauração da Junta Militar através do Ato Institucional nº12, de 30 de Agosto de 1969, até a posse do novo presidente, em 30 de Outubro de 1969. Este curto espaço de tempo fez emergir algumas articulações em torno do nome que melhor se adequasse aos anseios do grupo dirigente. De imediato, a possibilidade de retorno à normalidade democrática representativa foi prontamente descartada, tendo em vista a argumentação de que, como atesta

Geisel, o momento, segundo o comando, não era propício para a entrega do controle do governo a um civil. (D´ARAUJO E CASTRO: 1998, 210.) A mesma opinião é partilhada por Roberto Nogueira Médici. (MÉDICI: 1995, 30)

Decorre daí o fato de que, alheios à possibilidade de admitir um civil no comando do governo, não se pôde admitir, por conseqüência, o cumprimento da norma legal da sucessão através do vice, já que este era o “político” Pedro Aleixo. A disposição do alto comando em exercer, através da Junta, um “mandato” provisório abriu espaço para a emersão das divergentes linhas de pensamento. A solução encontrada, que traduz uma conduta inédita no processo sucessório durante o regime militar, foi uma consulta interna, que veio a referendar o nome de Médici.

O quadro que aconteceu nessa época foi muito lamentável. Havia um general mais moço, Afonso de Albuquerque Lima, da arma de engenharia, que tinha sido ministro do Costa e Silva, no ministério que fora do Cordeiro: o dos Organismos Regionais. Albuquerque Lima fora afastado em virtude de um atrito com o todo poderoso Ministro Delfim Neto52 e, consequentemente, passou a dirigir uma espécie de oposição, principalmente no meio militar. Ele ambicionava a Presidência da República. Começa a se cercar de militares mais jovens [...] Mas o comando superior do Exército na concordou com esse aliciamento. Primeiro, porque Afonso era general-de-divisão e os outros eram todos generais-de-exército. Estes últimos, mais responsáveis, trocaram opiniões e acabaram por fazer uma espécie de escrutínio. Muricy53 foi quem muito trabalhou neste problema [...] Dessa escolha, e muito por influência do meu irmão Orlando54, resultou a aprovação do Médici. (D´ARAUJO e CASTRO: 1998, 211)

O General Emílio Médici dispunha de uma condição privilegiada junto ao comando superior. Havia emplacado uma apreciável carreira interna, tendo sido, inclusive, Chefe do SNI (Serviço Nacional de Informação), em substituição ao Coronel Golbery do Couto e Silva; substituição, aliás, que gerou um conflito entre os dois personagens, mas que na realidade é reflexo da própria cisão várias vezes aqui mencionada. Por este motivo, torna-se necessária aqui uma análise em torno das personagens diretamente envolvidas no processo, já que, tanto o cenário que se configurou durante o governo Médici, quanto o advento de sua sucessão foram diretamente afetados neste sentido.

52

Refere-se ao Ministro da Economia Antônio Delfim Neto. 53

Refere-se a Antônio Carlos Murici, então Chefe do Estado Maior do Exército. 54

Golbery foi o responsável, durante o governo Castello Branco, pela criação do SNI. Este órgão foi de importância fundamental durante todo o regime militar porque exercia o papel de “guardião” das diretrizes estabelecidas pela lei de Segurança Nacional. Seu “chefe” exercia, na prática, a função de Ministro de Estado, participando das decisões governamentais, principalmente no campo do controle social. Existem duas versões sobre o conflito estabelecido na troca de comando do órgão, sendo que uma – a de Ernesto Geisel – sustenta que Médici concedeu entrevista antes da posse afirmando que, ao assumir, daria um novo direcionamento ao órgão, e a outra – de Roberto Médici – que o atribui ao descontentamento de Golbery em ser substituído por uma pessoa que não fazia parte de seu grupo, denominado por Médici como “clube inglês”.

Meu pai nunca acreditou nas soluções de Golbery. Dizia mesmo que a sua grande característica era explicar com brilhantismo todos os seus fracassos. Nutria desprezo pelo homem amante do poder e dos métodos que usava para conquistá-lo [...] Encontrou uma sala vazia e um telefone [...] Essa descortesia refletia o ódio que Golbery nutria por todo militar com sucesso na vida profissional e que não partilhava da opinião do ‘clube inglês’ de que ele era o “gênio da raça”. (MÉDICI: 1995, 21-22)

A denominação dada por Médici ao grupo do qual fazia parte Golbery reflete bem o conceito das cisões instauradas. Na realidade ele se refere ao grupo que se alinhava ao Marechal Castello Branco e que, em sua grande maioria, provinha da Escola Superior de Guerra – daí o fato de seus membros também serem conhecidos como “intelectuais” e “moderados”. Compunha a estrutura central deste grupo, além de Castello, Ernesto Geisel e Golbery (de forma mais intensa) e João Baptista Figueiredo (no início, de forma mais indireta). Os debates, portanto, no seio das Forças Armadas, levavam em questão os pressupostos defendidos por este grupo, em contraposição aos que defendiam uma posição mais radical.

Nesses últimos alinhavam-se, principalmente, Costa e Silva, Aurélio de Lyra Tavares, Márcio Mello e Augusto Rademaker. A troca entre os ministros, principalmente os militares e a disposição geral dos governos retratam bem o movimento dos atores em conluio com os diferentes paradigmas apresentados. Sobre isso, vale ressaltar que os discursos propagados tanto pelos

considerados radicais (Costa e Silva e Médici55), quanto pelos moderados (Castelo Branco, Geisel e Figueiredo) convergem em um único denominador: a defesa da democracia como princípio e a vontade particular de reativar os mecanismos de representação.

O enquadramento entre os atores é fundamental para entender a opção por Emílio Médici para a sucessão de Costa e Silva. Segundo Geisel, tanto a participação no SNI quanto a proximidade entre os dois foram fatores determinantes:

Falava-se nele para ser o chefe do Gabinete Militar, mas o Portela se atravessou, e ele acabou indo para a chefia do SNI. Era benquisto, como já disse, e tinha a vantagem de ser amigo do Costa e Silva. Não iriam escolher alguém que tivesse sido hostil ao Costa e Silva. (D´ARAUJO E CASTRO: 1998, 211)

Confirmada, portanto, a indicação de Médici como candidato, o próximo passo foi reabrir o Congresso Nacional para que a eleição indireta fosse realizada, cumprindo assim um preceito constitucional56. E isto efetivamente acontece a partir da decretação do Ato Institucional nº16, de outubro de 1969. É importante, para efeito de analogia com as diretrizes autoritárias impostas pelo regime, a citação aqui de três determinações presentes no decreto:

É decretado vago, também, o cargo de Vice-Presidente da República, ficando suspensa, até a eleição e posse dos novos Presidente e Vice-Presidente, a vigência do artigo 80 da Constituição Federal de 24 de Janeiro de 1967.57 [...] Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidade, nem a exigência, para o candidato militar, de filiação político-partidária.58 [...] Embora convocado o Congresso Nacional, os Ministros Militares, no exercício da Presidência da República, poderão, até 30 do decorrente mês de Outubro, em caso de urgência ou de interesse público relevante,

55

Médici, apesar de transitar entre os radicais, não era organicamente vinculado a eles, segundo constatam Roberto Médici e Ernesto Geisel (conforme indicação bibliográfica).

56

Médici não aceitou de imediato a indicação. Segundo Geisel, R. Médici e Lyra Tavares, ele impôs resistência que, depois de vencida, culminou com a exigência – e aceitação – do nome do almirante Augusto Rademaker Grunewald como vice. Segundo Hélio Silva, sua decisão está mais vinculada ao dever de ofício do que a ambições políticas, já que ele “aceitou a Presidência como mais uma missão a cumprir, determinada pelo seu Ministro de Guerra, assessorado pelos colegas da Marinha e da Aeronáutica. Não quis. Relutou em aceitar. Pressionado, cumpriu, como bom soldado, a ordem de comando.” (SILVA: 1983, 20)

57

Artigo 2º, parág. Único. 58

legislar, mediante Decreto-Lei, sobre todas as matérias de competência da União.59

Os três parágrafos ressaltados do A.I. 16 demonstram a perspectiva autoritária embutida na condução do governo durante o período da Junta Militar. Na realidade, o poder Executivo se encontrava sob a tutela dos três ministros militares, que por isso tinham o “direito” de legislar em nome do presidente. Dispostos a manter o preceito constitucional da escolha indireta do Executivo pelo Congresso Nacional, vêem-se na iminência de convocar os parlamentares para a conclusão do trâmite legal.

Sendo assim, a “linha-dura” adotada pela Junta faz valer a continuidade – e até o aprofundamento – da conduta autoritária que marcou o regime desde o Golpe de Estado. Isto porque o mesmo decreto que convoca o Congresso procura limitar as suas prerrogativas legislativas, ou seja, a convocação tem o único objetivo de ratificar o “candidato” selecionado pela elite militar (a consulta interna que citamos anteriormente não se realizou com toda a tropa, mas com um limitado grupo dos comandos superiores). Além disso, e colocando impedimentos à Carta criada pelo próprio regime de 1967, declara vaga também a vice-presidência (ratificando o impedimento de Pedro Aleixo) e abdica, para efeito desse processo, a exigência de que o candidato deva estar filiado a um partido político. No entanto, apesar da desenvoltura com que as regras foram sumariamente alteradas, o ápice da conduta autoritária fica, no nosso entendimento, resguardado para a imposição de que o “candidato” não pode ser impedido, ou seja, não existe a possibilidade de que o “candidato” proveniente das armadas possa tornar-se inelegível.

Definidas as regras, coube portanto ao Congresso Nacional apenas a “ratificação” do candidato militar. Como bem afirma Hélio Silva, o processo se definiu pela condescendência da ARENA e pela abstinência do MDB (SILVA:1983, 23-24), esses últimos, além de não apresentarem candidatura de oposição, abstiveram-se do processo. O quadro de votação ficou assim configurado:

59

Fonte: (SILVA: 1983,23)

5.3.1 Um Governo Tecnocrático

Após a esmagadora votação no Congresso Nacional, Médici foi empossado em 30 de Outubro de 1969. A montagem do ministério denotou qual seria a linha político-administrativa que iria adotar, ou seja, uma conduta de governo de caráter extremamente técnico e burocrático. Ao abdicar de ministros com desenvoltura no âmbito político, reafirma aquilo que caracterizou todo o período em que esteve à frente da presidência da república: uma administração burocrática e autoritária, visto que o centro das decisões se concentrariam no Executivo, condenando a questões “protocolares” os demais poderes. O ministério ficou assim constituído: