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RADIODIFUSÃO NA REALIDADENACIONAL

4. IMPLANTAÇÃO NO BRASIL

4.2 O pioneirismo do rádio

4.2.1 Uma proposta educativa

No que concerne à Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, sua inauguração e manutenção contou com a participação de alguns expoentes da elite cultural brasileira ligados à Academia Brasileira de Ciências. Por estar inserida neste contexto acadêmico, a Rádio tinha um claro posicionamento em relação aos princípios e objetivos que deveriam nortear o sistema de radiodifusão nacional, a questão educacional. Assim sendo, como afirma Ortriwano, o rádio “nasceu como um empreendimento de intelectuais e cientistas e suas finalidades eram basicamente culturais, educativas e altruístas.” (ORTRIWANO: 1985, 14)

Nota-se, tanto pela análise dos pesquisadores do rádio no Brasil, como pela observação da biografia específica, que existe um empenho pessoal de Roquette Pinto para que a tecnologia nascente tenha uma função social mais ampla, atuando principalmente nas camadas sociais. Para ele o rádio poderia – e deveria – assumir um papel determinante na proliferação do sistema educacional brasileiro. Isto porque já percebia a importância do processo educativo para a realidade social capitalista, que naquele momento já adquiria proporções significativas no país, principalmente nos centros urbanos.

[...] pudesse levar a cada povoação deste continente brasileiro uma palavra sequer; se pudesse ser ouvido pelo povo da minha terra [...]

eu lhe diria: “aprende a ler, não para ser letrado, mas para conseguir a educação social indispensável aos filhos de um país moderno”.17 Roquette-Pinto destacava-se pela sólida formação acadêmica. Formado em medicina, foi professor assistente de Antropologia no Museu Nacional em 1906 e desenvolveu importantes trabalhos etnográficos no interior do país. Acompanhou Cândido Rondon em expedição pelas selvas do Mato Grosso e do Amazonas e pelas Bacias dos Rios Paraguai, Jurena e Gi-Paraná. Trouxe um vasto material de campo que, dentre outras contribuições, resultaram no livro Rondônia18, uma das obras responsáveis pela inserção de seu nome na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 27.

Frisar o trabalho etnográfico de Roquette-Pinto torna-se necessário para ressaltar sua visão científica frente à questão social. Por ser antropólogo conseguiu discernir as diferenças culturais como resultado da dinâmica dos povos, abandonando determinismos que, em partes, permearam as análises sociais, principalmente durante o século XIX. Prova deste envolvimento conceitual pode ser percebido em sua interpretação do trabalho de Euclides da Cunha19. Analisando a afirmação deste sobre a superioridade cultural do mestiço do litoral frente ao mestiço do sertão, ele afirma: “Eis aí a grande ilusão de Euclides: considerou inferior, gente que só era atrasada; incapazes, homens que só eram ignorantes.”20

A perspectiva científica se evidencia ainda mais com a análise de campo das sociedades indígenas, abandonando preceitos comparativos que, na seqüência, podem hierarquizar culturas distintas:

Nosso papel social deve ser simplesmente proteger, sem procurar dirigir nem mesmo aproveitar essa gente. Não há dois caminhos a seguir. Não devemos ter a preocupação de fazê-los cidadãos do Brasil. Todos sabem que índio é índio, brasileiro é brasileiro. A nação deve ampará-los e mesmo sustentá-los, assim como aceita, sem relutância o ônus de manutenção dos menores abandonados ou indigentes e dos enfermos.21

17

ROQUETTE-PINTO, E. “Raça e Povo”. In Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br/imortais/cads/17/roquette2.htm)

18

ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. Coleção Brasiliana. Rio de Janeiro: Companhia nacional, 1935. 19

Refere-se à obra Os sertões. 20

ROQUETTE-PINTO, E. “Raça e Povo”. In Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br/imortais/cads/17/roquette2.html)

21

“ROQUETTE-PINTO: O Homem da Multidão” In CASTRO, Ruy. (http.www.aminharadio.com/brasil80_roquette.html)

A clara noção dos ditames do movimento cultural e suas nuanças conjunturais também se expressam em relação ao processo de aculturação. Roquette-Pinto possuía uma visão bastante ampla da influência exercida pela sociedade urbana na cultura indígena. Mesmo tendo pesquisado áreas ainda inexploradas, conseguiu antever um processo em andamento que, a seguir, colocaria em risco as culturas locais. Ao se referir `a importância de sua obra ele afirma ser esta:

[...] um instantâneo da situação social, antropológica e etnográfica dos índios da Serra do Norte, antes que principiasse o trabalho de alteração que a nossa cultura vai processando. É prova fotográfica – um clichê cru.22

A mesma perspectiva frente ao processo de aculturação das sociedades indígenas se manifesta em relação às comunidades urbanas. No nosso entendimento, ao propor funções meramente educativas para o rádio, Roquette-Pinto, de forma indireta, propõe uma ação ativa do veículo no sentido da uniformização de comportamento, que corrobora preceitos vinculados à cultura de massa, por mais que o conceito não tivesse sido estabelecido desta forma. Ora, neste sentido, é evidente a aproximação, em termos analíticos, tanto da função de controle inerente às formas de comunicação de massa apontadas por Lowenthal, quanto do processo “implícito” de formação que as produções cinematográficas carregam, como foi apontado por Kracauer.

Neste sentido, e aqui concordamos com Roquette-Pinto, as formas de comunicação de massa possuem uma característica inerente: a reprodução em larga escala de “informações”. Ao fazê-lo ela cumpre um ritual específico similar aos processos educacionais das sociedades industriais: a proliferação de mensagens semelhantes que, em última instância, prevê a uniformização do processo de formação. Assim, segundo nossa compreensão, fica claro que o problema não reside no meio em si, mas na forma como será utilizado. E isto fica evidente quando Morin verifica um papel diferente adotado pelo que ele chama de sistema de Estado:

22

“ROQUETTE-PINTO: O Homem da Multidão” In CASTRO, Ruy. (http.www.aminharadio.com/brasil80_roquette.html)

O sistema de Estado quer convencer, educar: por um lado, tende a propagar uma ideologia que pode aborrecer ou irritar, por outro lado, não é estimulado pelo lucro e pode propor valores de ‘alta cultura’ (palestras científicas, música erudita, obras clássicas). (MORIN: 1990, 23)

É necessário ressaltar aqui que, ao propor um controle estatal sobre o rádio, Roquette-Pinto não lhe atribui um papel social equivalente ao estabelecido pelo sistema de Estado, mas da garantia que o governo pode dar em termos da democratização e proliferação de sua utilização por todos os setores da sociedade. No entanto, apesar da proliferação de algumas rádios com o mesmo perfil da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, o que se vê na seqüência é a inauguração de uma nova estrutura no sistema de radiodifusão, mais precisamente a partir da década de 1930. E como veremos a seguir, tal reestruturação pressupôs exatamente uma alteração no seu uso e consequentemente em seu papel social, desta feita com a introdução da publicidade e da permissão da exploração privada das estações transmissoras.