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Como visto, o cerne da discricionariedade reside na liberdade de escolha, mediante a ponderação e comparação de interesses, nunca distante da consecução do interesse público geral.

No exercício dessa ponderação, o administrador poderá recorrer tanto a critérios positivados, a exemplo dos princípios insculpidos na Magna Carta, quanto a critérios não positivados, notadamente relacionados ao dever geral de boa administração e aos cânones de conveniência e oportunidade acerca da prática do ato. O mérito relaciona-se justamente à maneira de considerar esses critérios não parametrizados por regras ou princípios. (MORAES, 2004).

A distinção entre discricionariedade e mérito, longe de ser tema amplamente debatido na doutrina pátria, ao revés, “não tem sido reconhecido na literatura de Direito Administrativo, cuja tendência é no sentido de reconduzir as lindes da discricionariedade aos confins do mérito” (MORAES, 2004, p. 53).

Para além das lacunas teóricas em relação ao tema, faz-se imperioso, para o andamento do presente estudo, delinear bem tais institutos jurídicos.

A noção de mérito tem sido comumente relacionada ao aspecto político do ato administrativo, muito em virtude do pensamento de Fagundes (1951), precursor, na doutrina brasileira, do aprofundamento teórico do tema, e para quem o mérito sempre exprime um sentido comparativo (ou valorativo).

Alinhado ao entendimento exposado por Fagundes, especialmente no que tange ao aspecto valorativo do mérito, Cretella Júnior (1965) representa o instituto como a valoração do fato, resumida no binômio oportunidade-conveniência. Em outra oportunidade, o jurista

(1975, p. 37) afirma ser inimaginável conceber o mérito como visão objetiva dos fatos, na medida em que “implica uma concepção valorativa da realidade administrativa, abrigando não uma noção concernente ao que é, mas ao que deve ser”.

Na visão de Moraes (p. 49), “o mérito pressupõe o exercício da discricionariedade, sem, no entanto, com ela confundir-se, embora constitua seu núcleo”.

Para Meirelles (2010, p. 159),

O mérito administrativo consubstancia-se na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar.

A seu turno, Medauar (2004, p.129) preceitua que o mérito “expressa o juízo de conveniência e oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo esse efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário”.

Na lição de Mello (2006, p. 38),

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada.

Extrai-se da reflexão supra que a expressão “que, efetivamente, venha a remanescer”, utilizada pelo citado autor na conceituação de mérito, advém da distinção feita por ele entre discrição na norma e discrição no caso concreto. Segundo a sua compreensão teórica a respeito do tema, a mera admissão da discricionariedade no plano da norma, embora necessária, não se configura suficiente para que ocorra in concreto.

O pensamento exposado por Mello (2006) coaduna-se com a teoria que difunde a redução da discricionariedade a zero. Tal fenômeno, segundo os ensinamentos de Pereira (2003), refere-se à ocasião em que, diante das peculiaridades do caso concreto, a gama de alternativas de que dispõe a Administração no exercício de sua discricionariedade é reduzida a um número menor, ou mesmo a uma única conduta possível, levando-se em conta o interesse público que se visa resguardar. De acordo com essa concepção, reduz-se o campo da discricionariedade e, por consequência, alarga-se o controle da atividade administrativa.

A exata compreensão do mérito administrativo passa pela análise conceitual das expressões “oportunidade” e “conveniência”. Sob essa ótica, são termos pouco explorados na

doutrina, mas que constam, como se pode notar, da maioria dos conceitos por ela apresentados. Para tanto, recorre-se ao magistério de Moreira Neto (2014, n.p.):

Por oportunidade, entende-se a satisfação dos pressupostos de fato e de direito que a Administração considere necessários e suficientes para a prática de ato, voltado a atender certa finalidade pública estabelecida por lei específica e a ela cometida.

Por conveniência, entende-se o tipo e a intensidade de eficácia jurídica, que a Administração considere necessários e suficientes para a prática de ato, cujo conteúdo esteja adequado à produção de resultados, que satisfaçam à finalidade pública específica que o justifica.

Com isso, vislumbra-se que ainda que suponham margem de liberdade, como a própria discricionariedade o faz, a conveniência e a oportunidade, quando de sua aferição por parte do administrador, devem respeito à máxima do interesse público.

Com efeito, percebe-se que o mérito não pode ser qualificado como um elemento do ato administrativo, a exemplo do motivo ou do objeto, mas como uma maneira de considerá-los na sua expedição. Não é outro o posicionamento de Fagundes (1951, p. 16) quando assinala: “o mérito não constitui elemento autônomo no conjunto dos elementos que compõem o ato administrativo, senão apenas um aspecto, um modo de ser desse ato, no que concerne aos motivos e ao objeto”.

Quanto à existência (ou inexistência) do mérito nos atos classificados como vinculados, há certa divergência.

Cretella Júnior (1975, p. 34) admite haver, mesmo nos atos vinculados, “uma parcela de merecimento”, embora admita ser, “in potentia, não utilizável pela autoridade”.

Já Fagundes (1951, p. 6), destoa do posicionamento supra, prescrevendo:

Pressupondo o mérito do ato administrativo a possibilidade de opção, por parte do administrador, no que respeita ao sentido do ato - que poderá inspirar-se em diferentes razões, de sorte a ter lugar num momento ou noutro, como poderá apresentar-se com este ou aquele objetivo - constitui fator apenas pertinente aos atos discricionários. Onde se trate de competência vinculada, sendo a atividade do administrador adstrita a um motivo único, predeterminado, cuja ocorrência material lhe cabe tão somente constatar, e devendo ter o procedimento administrativo por objeto uma certa e determinada medida, expressamente prevista pela lei, não há cogitar do mérito como um dos fatores integrantes do ato administrativo. Este se apresenta simplificado, pela ausência de tal fator.

Deveras, nota-se que, em se tratando de ato vinculado, a Administração já encontra esgotado o conteúdo político do ato, insistentemente debatido pelo legislador, e consubstanciado na norma a ser aplicada. Cabe ao administrator, nesse cenário, diante da

situação de fato e de direito que o autorizem a agir, tão somente a função de efetivar a solução pré-concebida.

4 LIMITES E CONTROLE JURISDICIONAL DA DISCRICIONARIEDADE

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