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Os limites à discricionariedade administrativa e o controle jurisdicional da atividade não vinculada do Estado.

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Academic year: 2021

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UNIDADE ACADÊMICA DE DIREITO – UAD

ESDRAS HANES CARNEIRO DA SILVA

OS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E O CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE NÃO VINCULADA DO ESTADO

SOUSA 2018

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OS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E O CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE NÃO VINCULADA DO ESTADO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Maria Marques Moreira Vieira.

SOUSA 2018

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OS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E O CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE NÃO VINCULADA DO ESTADO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Maria Marques Moreira Vieira.

Aprovado em: _______ de ______________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________ Profª. Drª. Maria Marques Moreira Vieira

__________________________________________________ Banca Examinadora

___________________________________________________ Banca Examinadora

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Agradeço aos meus pais, Marlene e Cláudio, por me ensinarem o real significado de amor incondicional. Sem vocês, nada teria sentido.

Agradeço às minhas tias, Marias das Graças e Maria Lúcia, pelo suporte dado durante toda a minha vida.

Agradeço à minha vó, Dona Rita, por todo o carinho.

Agradeço ao meu amigo, Matheus Cassimiro Sarmento, por quem nutro profundo respeito e admiração, pelos copos de café adoçados com stevia e pelas conversas em dias tão tortuosos. Agradeço a Jonas Oliveira Dantas, por ter sido o irmão que nunca tive.

Agradeço a Humberto Fernandes dos Santos, pela companhia sempre agradável e por compartilhar dos mesmos sonhos.

Agradeço a Maíra de Jesus Silva de Oliveira, por ser a melhor conselheira e ouvinte que conheci.

Agradeço a Andressa Albuquerque, por personificar o ideal de pessoa que jamais esquecerei. Agradeço a Ninmery, por ter mudado substancialmente a minha vida.

Por fim, agradeço à minha orientadora, Gracinha, pelo tempo e compreensão despendidos.

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Até mais, e obrigado pelos peixes! (Douglas Adams)

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O surgimento do Estado de Direito representou uma significativa mudança de concepção em relação ao desenvolvimento da atividade administrativa como um todo. O respeito ao ordenamento jurídico, antes resumido a ideia de lei, em seu sentido puramente formal, hoje tido como o emaranhado de princípios e valores, constitui, hodiernamente, verdadeira máxima do ideário jurídico moderno. Nesse contexto de respeito às instituições, insere-se a temática da discricionariedade, tida como a margem de liberdade conferida ao administrador pela própria ordem jurídica para o atingimento do bem comum. Com o tempo, notadamente em face da ideia de constitucionalização do Direito, ampliou-se o bloco de limitações à atuação discricionária da Administração, de modo que também o controle de sua validade pelo Poder Judiciário. Contudo, surgem as seguintes indagações: quais seriam e de que maneira atuariam os limites que se impõem ao administrador público quando do exercício da atividade discricionária a ele conferida? até onde é permitido ao Poder Judiciário questionar os atos emanados de sua fruição? Portanto, o presente estudo visa delimitar o campo de gerência de um poder sobre o outro, enfrentando os aspectos atinentes às novas limitações impostas à discricionariedade. Para a consecução dos objetivos, valer-se-á do método de abordagem dedutivo, bem como do método de procedimento comparativo, através da pesquisa documental. Noutro viés, no que toca a técnica de pesquisa, utiliza-se o meio de documentação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica. Pugna-se, ao final, pelo reconhecimento de uma maior limitação imposta à discricionariedade, e pela possibilidade de seu controle jurisdicional, com certas ressalvas.

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The emergence of the rule of law represented a significant change of conception about the process of the administrative activity as a whole. The respect to the legal order, previously reduced to the idea of law, in its sense purely formal, today known as a medley of principles and values compose, nowadays, precept of modern legal ideology. In this context of respect for the institutions, emerge the thematic of discretionary, known as a margin of freedom conferred to the manager by the legal order itself focusing the attainment of the common property. With the time, notably in the face of idea of constitutionalisation of law, the block of limitations was extended to the management discretionary, so that also the control of its validity by the judiciary. After all, the following questions arise: which would be and in which way the limits imposed on the public administrator when exercising the discretionary activity conferred upon it? To what extent is it permissible for the Judiciary to question the acts emanating from its enjoyment? Therefore, the present study aims at delimiting the management field of one power over the other, facing the aspects related to the new limitations imposed on discretionary. In order to achieve the objectives, the method of deductive approach will be used, as well as the method of comparative procedure, through documentary research. In another bias, regarding research technique, the indirect documentation device is used, by means of bibliographical research. In the end, it is suggested by the recognition of a greater limitation imposed on discretionary, and by the possibility of its jurisdictional control, with certain reservations.

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 O ATO ADMINISTRATIVO SOB A ANÁLISE DE SUA ESTRUTURA ... 11

2.1 CONCEITO ... 11 2.2 ELEMENTOS ESTRUTURAIS ... 13 2.2.1 Competência ... 14 2.2.2 Finalidade ... 16 2.2.3 Forma ... 17 2.2.4 Motivo ... 18 2.2.5 Objeto ... 20 2.3 DISCRICIONARIEDADE E VINCULAÇÃO ... 21 3 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ... 23 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 23

3.2 DEFINIÇÃO E LOCALIZAÇÃO NOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ATO ADMINISTRATIVO ... 27

3.3 JUSTIFICAÇÃO OU FUNDAMENTOS ... 30

3.4 O MÉRITO ADMINISTRATIVO ... 32

4 LIMITES E CONTROLE JURISDICIONAL DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ... 36

4.1 OS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ... 36

4.1.1 A nova perspectiva sobre a legalidade ... 36

4.1.2 A constitucionalização do direito administrativo e a importância dos princípios jurídicos como forma de limitação ... 38

4.1.3 A teoria do desvio de poder... 43

4.1.4 A teoria dos motivos determinantes ... 45

4.2 CONTROLE JURISDICIONAL: UMA NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO ... 46

4.3 CONTROLE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO ... 48

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 51

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1 INTRODUÇÃO

A discricionariedade administrativa, conforme se verá, muito em razão da dinâmica social, consubstancia importante instrumento a cargo da Administração Pública no desiderato da consecução do bem comum, função primordial dos aparelhos estatais contemporâneos. Contudo, ao passo que o ordenamento confere ao administrador determinada margem de liberdade para, diante das peculiaridades do caso concreto, optar pela conduta que mais se adeque ao interesse da coletividade, também impõe barreiras ao seu exercício. Tal premissa, ligada aos ideais consagrados pelo Estado Democrático de Direito, se coaduna à ideia de que seria inconcebível supor um poder ou forma de atuação que não fossem limitados por preceitos jurídicos.

Nesse contexto, as inovações trazidas pela Magna Carta de 1988, inspirada pela nova perspectiva de constitucionalismo, pelo reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e pela passagem do Estado Legal para o Estado de Direito, representa importante marco no estudo dos limites à discricionariedade administrativa, de modo a ampliar a gama de limitações, e, via reflexa, o próprio controle sobre o instituto.

Por muito tempo, se sustentou ser incabível ao Judiciário a análise dos atos que emanassem da atuação discricionária da Administração, notadamente sob o argumento de que, caso fosse admitida, representaria ingerência de um Poder da República sobre o outro. Passo a passo, tal paradigma vem dando espaço a possibilidade do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, residindo a discussão no campo dos parâmetros utilizados pelo julgador no seu exercício e dos limites impostos à própria tutela jurisdicional, comumente ligados à noção de mérito administrativo.

As divergências que se formaram ao longo tempo, as teorias que foram desenvolvidas no intuito de limitar o Poder Discricionário, e, especialmente, a maneira como o controle sobre a discricionariedade, caso admitido, é exercido pelo judiciário, fazem com que o presente estudo adquira relevância.

Nesse cenário, indaga-se a respeito de quais seriam e de que maneira se comportariam os limites que se impõem ao administrador público quando do exercício da atividade discricionária a ele atribuída, e até onde é permitido ao Poder Judiciário questionar os atos emanados de sua fruição.

Noutra senda, o objetivo geral do presente trabalho consiste em analisar a nova perspectiva em torno das limitações à discricionariedade e a maneira como o seu controle é

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exercido. Especificadamente, pretende-se incursionar no delineamento dessas limitações e no campo da extensão desse controle, o que exige, invariavelmente, a distinção entre as noções de mérito e discricionariedade.

Para tanto, será adotado o método de abordagem dedutivo, considerando uma premissa geral, notadamente o reconhecimento da força normativa dos princípios, a ampliação da noção de legalidade e o desenvolvimento de determinadas teorias, para, ao fim, se chegar a uma dedução particularizada, que seria a maior limitação à discricionariedade e a ampliação da área de sindicabilidade judicial.

Quanto ao método de procedimento técnico utilizado, será utilizado o método comparativo com o aporte do método histórico, de modo que, através do confronto de elementos, apoiado na evolução do tema na história, visa-se verificar semelhanças ou explicar divergências.

A seu turno, no que tange à técnica de pesquisa, será empregada a documentação indireta, através da pesquisa bibliográfica, consistente em análise doutrinária e jurisprudencial, no intento de construir uma estrutura teórica a fim de fundamentar a controvérsia a ser dirimida.

No primeiro capítulo, serão abordados os aspectos atinentes à própria manifestação de vontade da Administração Pública, materializada no âmago do ato administrativo, com maior ênfase para os seus elementos de formação. Na mesma oportunidade, buscar-se-á, ainda que de maneira inicial, distinguir as noções de discricionariedade e vinculação.

Por sua vez, o segundo capítulo abordará, com maior profundidade, a figura da discricionariedade, desde a sua evolução histórica, passando pela justificativa e localização nos elementos do ato administrativo, até a distinção com o mérito administrativo.

Por derradeiro, o terceiro capítulo tratará das limitações impostas à atividade discricionária da Administração e de que maneira a influência do fenômeno da constitucionalização do direito, especialmente do direito administrativo, a ampliação do conceito de legalidade e a consagração dos princípios jurídicos implicaram numa nova visão sobre o tema. Ainda, se investigará, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, a possibilidade ou não do controle do mérito administrativo.

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2 O ATO ADMINISTRATIVO SOB A ANÁLISE DE SUA ESTRUTURA

Sabe-se que a ideia de ato administrativo é contemporânea às concepções de constitucionalismo, de separação dos poderes e de submissão da Administração Pública ao Direito. A última, indissociável da noção de Estado de Direito.

Foi nos países que reconhecem a existência de um regime jurídico administrativo diverso do regime regente das relações privadas, a exemplo de França e Itália, que a concepção de ato administrativo, tal qual representada na doutrina contemporânea, teve surgimento.

Tal instituto, hoje reconhecido como indispensável ao legítimo e regular funcionamento do aparato Estatal, representa grande conquista em relação às práticas do obsoleto Estado Absolutista, por inserir uma série de preceitos entre a manifestação da autoridade pública e os efeitos por ela produzidos, com vistas a resguardar os direitos dos particulares, o que o torna ponto central no estudo do Direito Administrativo moderno. (MEDAUAR, 2004).

2.1 CONCEITO

Percebe-se que é comum na doutrina, notadamente a civilista, fazer distinção entre ato e fato. Na seara administrativa, com algumas particularidades, a separação também é feita. Para os civilistas, fato jurídico em sentido amplo é todo acontecimento da vida relevante para o Direito, considerado assim pelo ordenamento jurídico. Constitui gênero do qual são espécies os fatos jurídicos em sentido estrito, também chamados de fatos naturais, e os atos jurídicos em sentido amplo ou fatos humanos, estes oriundos da vontade individual e aqueles da própria natureza.

Cabe frisar que as primeiras tentativas de se compreender o fenômeno do ato administrativo valeram-se, como ponto de partida, da distinção feita pelo Direito Civil. (MAZZA, 2014).

Nesse contexto, destaca-se o magistério de Carvalho Filho (2014) quando atenta para o fato de que os elementos estruturais do ato jurídico também se fazem presentes no ato administrativo, numa verdadeira relação entre gênero e espécie. A particularidade do ato administrativo reside nas qualificações do sujeito e do objeto. Neste, o agente que profere o

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ato há de ser sempre investido de prerrogativas públicas, e o objeto, a seu turno, deverá estar preordenado a determinado fim de interesse público.

Desse modo, concebe-se o ato administrativo como espécie do gênero ato jurídico, com a ressalva de que aquele será sempre emanado de sujeito incumbido de prerrogativas públicas, bem como seu objeto deverá invariavelmente visar o interesse da coletividade.

Muito embora não haja uniformidade nos diversos conceitos emanados pela doutrina quanto ao ato administrativo, Carvalho Filho (2014), com razão, sustenta serem indispensáveis para a conceituação de tal instituto três elementos primordiais. São eles: a necessidade de que a vontade emane de agente da Administração Pública ou dotado de prerrogativas desta; que o conteúdo do ato deva, invariavelmente, propiciar efeitos jurídicos destinados ao fim público; e que essa categoria de atos seja regida pelo direito público.

Com efeito, da premissa de que os atos administrativos são disciplinados pelo regime de direito público, infere-se que não integram esse grupo os atos privados praticados pela Administração Pública, também conhecidos como atos da Administração, a exemplo dos atos bilaterais de locação de imóveis.

Ao firmar tais considerações, o retromencionado autor (2014, p. 101) estabelece o ato administrativo como sendo “a exteriorização da vontade dos agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.

Di Pietro (2014, p. 204), optando por um conceito menos amplo, define ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”. É justamente a imediatidade na produção de efeitos jurídicos que, segundo a autora, distingue o ato administrativo da lei. Também não se confundem, no magistério da escritora, com os atos materiais da Administração, como a reforma de um prédio ou a pavimentação de uma rua, ou com os atos enunciativos ou de conhecimento, “que somente atestam ou declaram a existência de um direito ou situação”. Todavia, adverte a autora, a depender do critério mais ou menos amplo que se utilize na definição de ato administrativo, nele se incluirão ou não algumas dessas categorias de atos.

Torna-se importante frisar que a edição de atos administrativos não é unicamente prerrogativa da Administração Pública, aqui entendida, segundo o critério adotado por Mello (2008), como o conjunto de órgãos do Poder Executivo e os componentes da Administração

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indireta, já que no exercício da função administrativa atípica, os demais Poderes da República também editam atos administrativos, sem que com isso se configure usurpação de atribuições.

A seu turno, Meirelles (2010, p. 153), sem se distanciar da noção de ato jurídico concebida pela doutrina civilista, notadamente no que tange à produção de efeitos jurídicos, vislumbra o ato administrativo nos seguintes termos:

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

A despeito das inúmeras divergências doutrinárias existentes, impulsionadas sobretudo pela ausência de preceitos legais sobre o assunto, abstraindo os principais elementos dos conceitos acima elencados, é razoável admitir que o ato administrativo seja a declaração unilateral de vontade estatal ou de quem lhe faça as vezes, que no exercício da função administrativa, sob regime jurídico de direito público e com observância da lei, a fim de lhe dar fiel cumprimento, vise à produção imediata de efeitos jurídicos, especialmente criando, modificando, transferindo ou extinguindo direitos, para atender ao interesse público.

2.2 ELEMENTOS ESTRUTURAIS

Impera na doutrina grande controvérsia quanto à terminologia a ser utilizada em relação aos “aspectos” do ato administrativo que, se ausentes, impediriam a regular exteriorização da manifestação de vontade por parte do Estado.

A lei, inerte quanto à conceituação de ato administrativo, também não disciplina o tema em questão, o que confere liberdade aos estudiosos para adotar aquele ou esse critério de divisão e de nomenclatura.

Existem aqueles que preferem o termo “elementos”, a exemplo de Di Pietro (2014) e Moreira Neto (2014). Outros adotam a expressão “requisitos”, como Meirelles (2010).

Não bastasse a falta de consenso no tocante à nomenclatura, também não há unanimidade sobre quais e quantos seriam esses aspectos.

Tradicionalmente, a doutrina elenca o seguinte rol, também presente na Lei nº 4.717/65, que trata da ação popular: competência, finalidade, forma, objeto e motivo.

Mello (2008), a seu turno, inova no tema. O professor, possivelmente na tentativa de harmonizar a matéria, discordado estabelecimento de elementos ou requisitos na forma

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tradicionalmente proposta pela doutrina administrativista, entendendo ser indispensável separar os elementos do ato de seus pressupostos, na medida em que, segundo ele, aqueles são partes integrantes do ato e estes encontram-se fora dele. Consequentemente, a ausência dos elementos implica a inexistência do ato, enquanto a falta dos pressupostos resulta em sua invalidação.

Para além das dissonâncias, percebe-se que o intento da doutrina é consignar que a ausência de um ou outro elemento, requisito ou pressuposto, tem como consequência direta obstaculizar a produção de efeitos jurídicos do ato administrativo proferido.

Com a devida vênia àqueles que adotam entendimento diverso, o presente trabalho adotará a divisão firmada pela Lei da Ação Popular, amplamente seguida pela doutrina pátria.

2.2.1 Competência

A competência, não raro denominada de sujeito, é, conforme assinala Carvalho Filho (2014, p. 106), “o ciclo definido por lei dentro do qual podem os agentes exercer legitimamente sua atividade”. O conceito guarda profunda relação com o princípio da legalidade administrativa, segundo o qual a Administração só pode atuar nos limites delineados pela norma jurídica.

Nesse contexto, é sabido que, ao tratar da competência administrativa, uma ampliação do conceito de legalidade é necessária, de modo a considerar não só a lei propriamente dita como fonte primeira da competência, mas também, a depender da maior ou menor hierarquia do agente ou órgão emissor, a própria Constituição e os atos administrativos de organização. (CARVALHO FILHO, 2014).

Portanto, pode-se considerar que a legalidade é a principal característica da competência. Por consequência, o ato emanado de agente incompetente, ou realizado fora dos limites conferidos pelo preceito legal, será considerado inválido.

Moreira Neto (2014) adverte que a competência administrativa poderá variar em grau, notadamente em razão da hierarquia administrativa, e em natureza, tendo em vista alguma especialização funcional que a norma jurídica considere indispensável para a prática de certos atos.

Em relação ao sujeito a quem a lei confere competência, a doutrina considera que somente a um agente público, em sentido mais amplo, é que pode ser atribuído tal desiderato. Nesse sentido, é o ensinamento de Carvalho (2015, p. 244):

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Inicialmente o ato deve ser praticado por um agente público, amplamente considerado. Isso significa que não se restringe aos servidores públicos a atuação em nome do Estado, mas a todo e qualquer agente, conceituados como toda e qualquer pessoa que atue em nome do Estado, a qualquer título e, ainda que sem remuneração, por prazo determinado ou com vínculo de natureza permanente.

Assim, quanto à edição de atos administrativos, são tidos como pretensos sujeitos competentes: os agentes políticos, sejam titulares de mandato eletivo, secretários ou ministros de Estado; os investidos em funções de confiança ou em cargos comissionados; os particulares em colaboração com o poder público; os servidores temporários; além daqueles ocupantes de cargos efetivos e empregos públicos.

Os autores costumam elencar algumas características inerentes à competência administrativa. Dentre elas, como implicação do princípio da indisponibilidade do interesse público, comumente rotulado de “supra princípio”, desponta a irrenunciabilidade da competência. Justen Filho (2005, p. 196), ao tratar desse aspecto, assevera:

A competência administrativa é irrenunciável, porque criada por lei e atribuída ao cargo ou função, não ao indivíduo. Então, o sujeito pode renunciar ao cargo que ocupa, mas não pode manter o cargo e eliminar a competência correspondente.

Malgrado a regra da irrenunciabilidade, demonstra-se viável, ainda que em caráter de exceção e nos moldes estabelecidos pela lei, a delegação e a avocação de competências1. A rigor, tais institutos não se confundem com tais institutos. A precariedade, a temporariedade e a excepcionalidade são os aspectos a eles inerentes que não permitem a confusão.

A competência também é tida como imprescritível, de modo que mesmo diante da inércia do agente estatal, seja por desídia, seja por inocorrência da situação ensejadora de sua atuação, o mesmo não será punido com a perda de sua legitimidade.

Carvalho Filho (2014) ainda enumera duas outras características. A primeira é inderrogabilidade. Implica dizer que a competência, por ser fruto da atuação legiferante do Estado, não se transfere de um órgão a outro por mero acordo entre as partes. A segunda característica é a improrrogabilidade, assim vislumbrada pelo autor (2014, p.108): “a incompetência não se transmuda em competência”. Desse modo, ainda que sem a oposição de terceiros, o agente que pratique determinado ato para o qual não tenha atribuição legal, preservará a sua incompetência originária, a menos que a norma anterior seja modificada.

1A Lei nº 9.784/99 prescreve, em seu art. 11, que “a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos

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2.2.2 Finalidade

Extrai-se da teoria do ato administrativo que a finalidade consubstancia o fim de interesse público que a Administração pretende conceber com a edição do ato administrativo.

Di Pietro (2014, p. 219) propõe que a finalidade seja vista em dois sentidos distintos: o amplo e o restrito, também denominados de finalidade geral e finalidade específica, respectivamente. No sentido amplo, “a finalidade corresponde à consecução de um resultado de interesse público”. Em sentido estrito, a finalidade é tida como “o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei”.

Nessa compreensão, as duas perspectivas se completam e devem ser observadas pelo gestor público. Não basta que com a prática do ato se atenda ao interesse público (finalidade genérica), uma vez que para cada ato corresponde um desiderato específico previsto pela norma para que tal interesse seja concretizado.

Com isso, sob pena de subversão do ordenamento jurídico, não é cabível a elaboração de um ato administrativo distante do interesse coletivo. Assim, nos dizeres de Meirelles (2010, p. 156), a finalidade é “elemento vinculado de todo ato administrativo - discricionário ou regrado – porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem interesse público ou desviado de suas finalidades específicas”.

O princípio da legalidade também repercute nesse elemento do ato administrativo. É o legislador que define a finalidade que o ato deve alcançar. Não cabe, portanto, ao administrador elencar outra, ficando completamente vinculado à atividade legislativa. (MEIRELLES, 2010).

Com efeito, não é permitido à Administração utilizar-se de determinado ato para a consecução de um dado fim que deva, segundo o preceito legal, ser obtido com a realização de ato totalmente diverso.

No contexto da inobservância das finalidades legalmente previstas se insere a noção de desvio de poder2 (ou de finalidade). Havendo o desvio, a manifestação do agente estatal, consubstanciada através do ato administrativo, é tida por inválida. A teoria do desvio de poder será retomada à frente, quando do estudo dos parâmetros do controle da discricionariedade administrativa.

2 Nos termos da Lei nº 4.717/65, “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim

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2.2.3 Forma

Infere-se que a forma representa o modo pelo qual a declaração de vontade da Administração se exterioriza. Trata-se de elemento que integra a própria existência do ato. Sem ela, não há de se falar sequer em ato administrativo. Nesse contexto, aduz Carvalho Filho (2014) que a vontade da Administração, quando considerada de modo isolado, representa elemento meramente psíquico. Por tal motivo, quando se projeta, deve fazê-lo através da forma, especialmente aquela descrita em lei.

Por outro lado, quando vista sob uma perspectiva ampla, a forma consubstancia em seu conceito não só a simples exteriorização da vontade, mas também todas as formalidades que devem ser observadas, por força de lei, durante o processo de formação da vontade da Administração Pública. Essa visão ampliativa do conceito de forma faz surgir a noção de procedimento, entendido como a sequência de atos preparatórios que se interligam e são direcionados a um resultado final. (DI PIETRO, 2014).

A exigência e o respeito à forma constituem-se em verdadeiras garantias dos administrados, conquanto viabilizem o controle da atuação do Estado, seja por parte da coletividade, seja por parte dos demais Poderes.

No campo da forma, verifica-se sensível distinção entre o Direito Administrativo, ramo do Direito Público, e o Direito Privado. Neste, vigora o princípio da liberdade das formas, de modo que a exteriorização da vontade dispensa demais solenidades. A seu turno, por lidar com os interesses da coletividade, a Administração deve respeito às formalidades previstas em lei, para que, assim, a emissão da vontade seja considerada válida.

Nesse contexto, predomina-se a necessidade do ato escrito, devidamente documentado e publicado, por prestigiar o controle externo da atividade Estatal. Todavia, como o Poder Público tem de lidar constantemente com infinitas e diferentes situações, manter tamanho rigor, sem qualquer exceção, poderia trazer prejuízo. Daí a advertência de Di Pietro (2014, p. 217) no sentido de que a necessidade de observância à forma “não significa que a Administração esteja submetida a formas rígidas e sacramentais”. Bem por isso constata-se que também são considerados válidos, ainda que de forma excepcional, os atos consubstanciados em palavras, gestos e, inclusive, em sinais. Até mesmo o silêncio pode significar forma de manifestação da vontade, contanto que a lei assim preveja.

Por outro lado, em se tratando de expressa disposição legal quanto à forma a ser adotada na emissão de determinado ato, percebe-se que não resta escolha à Administração, senão atender ao disposto na norma. Nesse sentido, a Lei nº 9.784/99, que trata do processo

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administrativo a nível federal, dispõe, em seu art. 22, que “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”.

No que tange ao tema da invalidação do ato administrativo, notadamente por vício de forma, são as lições de Carvalho Filho (2014, p.113):

“Não obstante, é preciso reconhecer que a análise da adequação da forma à lei exige carga de comedimento e razoabilidade por parte do intérprete. Em consequência, haverá hipóteses em que o vício de forma constitui, em última instância, mera irregularidade sanável, sem afetar a órbita jurídica de quem quer que seja; em tais casos não precisará haver anulação, mas simples correção, o que se pode formalizar pelo instituto da convalidação do ato. Se o ato foi formalizado por "portaria", ao invés de sê-lo por "ordem de serviço", como exigia a lei, seria rematado exagero anular o ato, pois que o erro de denominação não interferiu no conteúdo legítimo do ato. Em outras hipóteses, porém, o vício na forma é insanável, porque afeta o ato em seu próprio conteúdo (...) e, por isso, torna-se passível de anulação”.

Com efeito, observa-se que a irregularidade na forma admite convalidação, vale dizer, é defeito sanável, perfeitamente corrigível, exceto quando considerada pela norma como essencial à validade do ato administrativo, situação em que ensejará a anulação. Vale lembrar que a inexistência de forma implica em inexistência do próprio ato, o que inviabiliza qualquer meio de convalidação.

2.2.4 Motivo

Entende-se que o motivo pode ser definido como a situação de fato ou de direito que determina ou autoriza a manifestação de vontade da Administração.

Nessa esteira, o motivo pode vir expresso na lei ou não. No primeiro caso será elemento vinculado, conquanto não dê margem de liberdade ao administrador, que deve editar o ato tão logo sobrevenha a situação descrita na lei. De outro lado, quando a lei não indica o motivo da prática do ato, caberá ao agente eleger a situação fática justificadora do agir estatal, notadamente no que tange à sua existência e valoração. Daí a afirmação de que, enquanto elemento do ato administrativo, o motivo pode ser considerado vinculado ou discricionário, mormente seja ou não descrito na norma jurídica.

Todavia, mesmo quando a lei não elenca o motivo para a edição de um ato administrativo, não é permitido à Administração expedi-lo sem motivo ou perante um motivo qualquer. Em verdade, como dispõe Mello (2008, p. 390):

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Só serão de aceitar os [motivos] que possam ser havidos como implicitamente admitidos pela lei à vista daquele caso concreto, por corresponderem a supostos fáticos idôneos para demandar ou comportar a prática daquele específico ato, espelhando, dessarte, sintonia com a finalidade legal. Vale dizer: prestantes serão os motivos que revelem pertinência lógica, adequação racional ao conteúdo do ato, ao lume do interesse prestigiado na lei aplicanda.

Aduz-se que entendimento acima prestigia a legalidade administrativa, além dos demais princípios do Direito Administrativo, especialmente a razoabilidade e a proporcionalidade.

Comumente, tem-se distinguido motivo de motivação, de modo a considerá-los institutos autônomos. Tal distinção é de especial relevância, notadamente quanto ao estudo dos parâmetros do controle da discricionariedade administrativa, precisamente para o enfrentamento da teoria dos motivos determinantes.

Na lição de Meirelles (2010, p.157), “denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato”. Constitui, segundo Mello (2008), requisito formalístico do ato administrativo.

A doutrina tem travado enorme discussão a respeito da obrigatoriedade ou não da motivação. O que se percebe hodiernamente, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é uma tendência no sentido da exigência da exposição dos motivos, em respeito às noções de Estado Democrático de Direito e de publicidade (art. 37, caput, da CF/88).

Todavia, registra-se que ainda persistem aqueles que defendem a regra da não obrigatoriedade da motivação. É o caso de Carvalho Filho (2014), para quem a motivação somente poderá ser considerada obrigatória caso conste de expressa manifestação legal nesse sentido. A ausência de disposição constitucional é, para o autor, fundamento bastante para a dispensa de tal formalidade.

A despeito dos entendimentos em sentido contrário, predomina o posicionamento de Meirelles (2010), corroborado por Di Pietro (2014), que entende pela necessidade de motivação tanto dos atos vinculados quanto dos discricionários. O STF tem adotado entendimento semelhante. Em julgamento publicado no Informativo 699, a Suprema Corte consignou que a obrigação de motivar os atos estaria intimamente relacionada à própria ideia de Estado Democrático de Direito, “no qual a legitimidade de todas as decisões administrativas teria como pressuposto a possibilidade de que seus destinatários as compreendessem e o de que pudessem, caso quisessem, contestá-las”.

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Registre-se que a regra da obrigatoriedade de motivação comporta exceções, notadamente nos casos em que a própria natureza do ato a ser exarado a dispensa, como, por exemplo, nas nomeações e exonerações para cargos de livre provimento.

2.2.5 Objeto

De modo geral, a doutrina considera objeto e conteúdo como expressões sinônimas. O objeto, na definição proposta por Carvalho Filho (2014, p.110), “é alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar”. Em outras palavras, personifica o efeito prático ou o intento imediato visado com a edição do ato, intimamente ligado à sua eficácia jurídica.

Conforme o fim a que a Administração se propõe a realizar, pode o objeto consistir na aquisição, na manutenção, na transferência, na modificação, na extinção ou na declaração de direitos ou relações jurídicas. (CARVALHO FILHO, 2014).

Embora atuem como vetores do resultado do ato, o objeto não se confunde com a finalidade. Enquanto aquele representa o fim imediato do agir estatal, a finalidade, ao contrário, reflete o fim mediato do ato administrativo, vale dizer, o interesse público que deve o administrador perseguir.

Em virtude disso, registra Carvalho Filho (2014), o objeto pode variar conforme o resultado prático almejado pelo agente público, ao passo que a finalidade deve invariavelmente ser o interesse da coletividade.

Para ser considerado válido, o ato administrativo – enquanto espécie de ato jurídico – deve possuir objeto lícito, moral e possível. Nas lições de Medauar (2004), a licitude do objeto diz respeito à aceitabilidade do conteúdo do ato pelo ordenamento jurídico. A seu turno, a moralidade relaciona-se com a compatibilidade do objeto com os princípios éticos e com as regras de conduta extraídas da disciplina geral do Direito Administrativo. Por derradeiro, diz-se possível o objeto que seja realizável de fato e de direito.

À semelhança do motivo, o objeto, a depender da espécie de atividade da Administração, pode ser considerado elemento vinculado, quando o autor do ato deve limitar-se a eleger como objeto deste o mesmo que a lei previamente estabeleceu, ou discricionário, conquanto permita ao o agente público exercer juízo de valor a respeito de sua escolha e amplitude.

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2.3 DISCRICIONARIEDADE E VINCULAÇÃO

A dicotomia “discricionariedade e vinculação” é comumente tratada quando da classificação dos atos administrativos. Por outro lado, também se faz presente no tema dos Poderes da Administração Pública. É classificação que, nos dizeres de Moreira Neto (2014, n.p.), leva em consideração a “amplitude jurídica legalmente atribuída à competência do agente e, em consequência, ao grau de vinculação com que se apresenta a manifestação de vontade por ele expressa em relação à legislação”. Em outras palavras, funda-se no grau de liberdade de que o agente público dispõe ao atuar.

De início, deve-se salientar que existem autores que negam a existência dos atos discricionários, havendo, a rigor, somente poder discricionário, pois nenhum ato pode ser assim considerado em sua integralidade. Por outro lado, grande parte da doutrina pátria admite a concepção de atos discricionários, por implicarem margem de escolha, embora devam ater-se às regras de competência, forma e finalidade, elementos vinculados do ato administrativo. (MEDAUAR, 2004).

Por vezes, quando exteriorizada pelo ato administrativo, a vontade do agente da Administração tem de necessariamente reproduzir a própria vontade do legislador. Quando há esse elo de vinculação entre a lei e o agente público, seus atos não podem fugir aos parâmetros por ela delineados. (CARVALHO FILHO, 2014). Nesse contexto, surge o que a doutrina tem denominado de ato vinculado.

Consoante definição de Mello (2008, p. 416), o ato vinculado é aquele praticado pela Administração “sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos”.

Nessa espécie de ato, o teor da manifestação de vontade já consta expressamente do texto legal, não dispondo o agente de nenhum poder ou mecanismo de valoração dos elementos do ato administrativo, notadamente quanto ao objeto e ao conteúdo do ato, limitando-se a reproduzi-los quando de sua edição.

Por outro lado, há casos em que a própria lei permite ao agente fazer o delineamento do que almeja com sua manifestação de vontade, consubstanciada, repita-se, no ato administrativo. A margem de liberdade conferida ao administrador pode implicar na edição ou não do ato, nesse ou naquele conteúdo, na escolha de seu destinatário, na amplitude de seus efeitos, ou no momento de sua edição. (MEDAUAR, 2004). É nesse contexto que se insere a noção de ato discricionário (ou de poder discricionário).

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Como bem acentua a doutrina, não há de ser falar, especialmente em um Estado Democrático de Direito, pautado na legalidade e nos princípios regentes da atividade administrativa, em uma atuação discricionária que não seja pautada na lei. A rigor, quando do exercício da função administrativa, não há de se vislumbrar qualquer atuação que não deva observância aos preceitos legais. Por esse motivo, diz-se que a margem de escolha atribuída à Administração não significa liberdade absoluta, além do que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.

O exercício do poder discricionário constitui importante instrumento de atuação da Administração Pública, já que, na abstração que lhe é inerente, a lei não é capaz de prever todas as situações e traçar rigidamente todas as condutas de um agente administrativo. Com efeito, malgrado a discricionariedade constitua prerrogativa da Administração, seu objetivo maior é o atendimento do interesse coletivo.

O tema da discricionariedade será retomado e amplamente debatido no decorrer do trabalho em tela.

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3 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O estudo da discricionariedade administrativa, como bem adverte Di Pietro (1991), cresce de dificuldade na medida em que se verificam as diferentes maneiras de se considerá-la, seja no tempo ou no espaço.

No que tange ao aspecto terminológico, é no fim do século XIX e início do século XX que o vocábulo ganha acepção da doutrina e jurisprudência do Direito Administrativo. Antes, porém, as decisões resultantes do que hoje é denominada de discricionariedade, eram chamadas, pela doutrina francesa e italiana, de “atos de pura administração”. (MEDAUAR, 2004).

Antes mesmo do Estado liberal, já sob a égide do Estado de Polícia, embora substancialmente distinta da concepção atual, a noção de discricionariedade administrativa já era tida como importante meio de atuação dos antigos monarcas absolutistas. Neste âmbito, o direito de administrar, pertencente ao rei, era quase ilimitado, padecendo de qualquer controle ou contenção jurídica. Segundo Fiorini (1952 apud DI PIETRO, 1991), somente nesta forma de Estado, pode-se aceitar como perfeitamente adequada a denominação “ato discricionário”.

Conforme acentua Di Pietro (1991, p. 13), “a administração pública, em especial na fase inicial, não estava vinculada a qualquer tipo de norma que limitasse a sua atividade, senão àquela que proviesse do monarca”. Era, nos dizeres da referida autora, “o império do arbítrio”, o que implicava ausência total de limitações legais.

No limiar do século XIX, sob a égide da primeira fase da jurisdição administrativa, os escritores franceses adotavam o vocábulo “poder gracioso” no intuito de distinguir as matérias sujeitas à apreciação do Poder Judiciário daquelas que escapavam a esse controle. As últimas, chamadas de “matérias de polícia”, formavam um poder autônomo do Estado, não limitado pela lei, e que constituíam para a Administração um campo de livre atuação, um verdadeiro espaço discricionário. (DI PIETRO, 1991).

A dualidade retratada naquela época é fruto da teoria da dupla personalidade do Estado, que isentava do controle judicial uma parcela dos atos emanados pela Administração. A ideia de discricionariedade, ao menos nesse momento histórico, surge com o intento de blindar a Administração Pública de eventual controle externo, notadamente o jurisdicional. Era a maneira como se concebia a discricionariedade nesse período.

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Em especial no Estado liberal, caracterizado por ter uma atuação social mínima, o campo de atuação discricionária da Administração era consideravelmente mais amplo. Isso se deve ao fato de que a ideia de legalidade administrativa era concebida de forma mais liberal do que a que se tem hoje. Nos dizeres de Di Pietro (1991, p. 19), “a Administração podia fazer não só o que a lei expressamente autorizasse como também tudo aquilo que a lei não proibisse”. Segundo a autora, a Administração possuía a prerrogativa de usar de sua livre autonomia, isto é, de sua discricionariedade, em todas as questões que a lei não regulasse. A discricionariedade, dessa forma, atuaria no campo livre deixado pela lei.

Tal concepção do princípio da legalidade, expressão dos ideais da época, comumente chamada de “doutrina da vinculação negativa da Administração”, torna-se incompatível com a moderna doutrina administrativista. Com isso, afirma-se que, nessa forma de Estado, a discricionariedade era concebida não como um poder jurídico, mas sim como um poder político.

Em meados do século XIX, despontaram as reações contra o Estado liberal. A maior abstenção por parte do Estado trouxe consequências significativas, tanto no campo econômico quanto no social, de modo que os princípios característicos do liberalismo, voltados para a defesa da liberdade e igualdade, demonstraram-se insuficientes para combater a desigualdade que geraram. Nesse contexto de insatisfação, especificamente após a Segunda Guerra Mundial, consolida-se o Estado Social de Direito, também conhecido como Estado do Bem-Estar ou Welfare State. (DI PIETRO, 1991).

Duas principais tendências são verificadas após a instauração do Estado Social: a de socialização e a de fortalecimento do Poder Executivo, notadamente em relação ao Poder Legislativo. A ideia de socialização consubstancia a preocupação com a consecução do bem comum e o interesse público, em substituição ao individualismo que reinou absoluto no período do Estado liberal. Já o segundo aspecto marcante desse momento histórico está intimamente relacionado ao acréscimo de funções a cargo do Estado, que se tornou prestador de serviços, empresário e investidor. Em decorrência do grande acúmulo de atribuições assumidas pelo Estado, especialmente nas mãos do Poder Executivo, passou-se a conferi-lo competência normativa, que veio a exercê-la através de decretos-leis, leis delegadas e regulamentos autônomos. (DI PIETRO, 1991).

Inspirado pelo positivismo jurídico, o princípio da legalidade, no Estado Social, passou a ser visto de forma diversa daquela notabilizada no Estado liberal. Nesse sentido, são os apontamentos feitos por Di Pietro (1991, p. 27):

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Enquanto no Estado liberal se reconhecia à Administração ampla discricionariedade no espaço livre deixado pela lei, significando que ela pode fazer tudo o que a lei não proíbe, no Estado de Direito social a vinculação à lei passou a abranger toda a atividade administrativa; o princípio da legalidade ganhou novo sentido, significando que a Administração só pode fazer o que lei permite.

Nessa perspectiva de vinculação da Administração Pública aos ditames legais, observa-se que o entendimento sobre a discricionariedade também ganha novos entornos. Antes vista como um poder político, um campo de livre atuação da Administração deixado pela ausência de regramento legal, passou a ser compreendida como um poder limitado pela própria lei, isto é, como verdadeiro poder jurídico.

Nesse contexto, nota-se que a discricionariedade deixa de figurar tão somente como a barreira para a sindicabilidade da atuação administrativa pelo Poder Judiciário, para extrair seu fundamento de legitimidade do próprio ordenamento jurídico.

Embora tenha representado um grande avanço no campo do Direito Administrativo, especialmente quando vincula a atuação da Administração aos preceitos legais, infere-se que o Estado Social pecou no entendimento sobre a própria ideia de lei, à época desvinculada dos ideais de justiça e de vontade popular. Nos dizeres de Cademartori (2000, p. 72),

Tal processo [de formalização da lei] terminou por gerar uma imagem irreal do Estado, o qual passou a proclamar-se integrador, igualitário e protetor da vida, liberdade e propriedade dos cidadãos em nome da generalidade e impessoalidade da lei. Em verdade, diante da divergência entre o mundo do dever ser e a realidade social e econômica do mundo do ser, optou-se pela formalização absoluta da legislação como tentativa de separar, taxativamente, essas duas esferas da realidade, a fim de evitar qualquer conexão material entre o social e o Direito.

Nessa linha de pensamento, as consequências negativas perpetradas pelo chamado positivismo formalista e o fracasso do Estado Social de Direito na concretização dos valores tão difundidos pelo liberalismo acabaram por provocar reações no plano jurídico-constitucional, com vistas a produzir concepções mais aptas à realização da justiça social. Um dos marcos dessa significativa mudança de paradigma diz respeito ao advento do Estado Democrático de Direito.

Os aspectos marcantes dessa nova concepção de Estado estão intimamente relacionados ao princípio da legalidade e aos ideais de justiça material, de incorporação do povo nos mecanismos de controle das decisões, e de real participação nos rendimentos de produção. (SILVA, J. A., 2005).

(27)

Concebe-se que Estado Democrático de Direito o princípio da legalidade administrativa passa por novo redimensionamento. Agora, em substituição ao modelo formalista que vigorou no Estado Social, a legalidade passa a ser compreendida de maneira mais ampla, na medida em que pretende submeter a atuação estatal não só à lei em sentido puramente formal, mas ao próprio Direito.

Segundo esta nova formulação do princípio da legalidade, nos dizeres de Cademartori (2000, p. 89),

somente serão Estados de Direito aqueles modelos político-institucionais que incorporem normativamente uma série de limites ou vínculos materiais com o condição de validade normativa às possibilidades de expressão do poder político. Ou seja, todos os atos de produção e execução jurídica, levados a efeito por quaisquer dos poderes do Estado estão, de diversos modos submetidos ao direito em todos os seus aspectos, isto é, tanto nos aspectos formais ou procedimentais como materiais e de sentido.

Tais questões levam a uma nova concepção de Direito, capaz de harmonizar-se com o Estado Constitucional, que, a seu turno, passa a ser entendido não só como o conjunto de normas de cunho geral e individual, como pregava Kelsen, mas também como a série de princípios, diretrizes, garantias e instituições capazes de restaurar a sua operacionalidade (CADEMARTORI, 2000).

Desponta, nesse cenário, o que Moraes (2004, p. 33) denomina de “juridificação da discricionariedade administrativa”. Antes verificada na ausência da lei, depois na sua presença, hodiernamente, a discricionariedade busca fundamento e limitação no próprio ordenamento jurídico, visto sob uma perspectiva ampla. Tem-se a passagem do sistema político para o jurídico. Daí a comparação feita por Di Pietro (1991), quando menciona ter sido a Administração, no passado, em princípio, livre, ao passo que hoje, é, em princípio, vinculada.

A preocupação com determinados valores no desempenho da função administrativa a cargo da Administração Pública configura-se traço marcante na Constituição Federal de 1988. Estando a discricionariedade entre o leque de competências atribuídas ao Poder Público, seu tratamento não poderia ser distinto, encontrando-se também vinculado ao atendimento dos mandamentos constitucionais. Nesta senda, esta não mais está submetida apenas à lei, em sua acepção formal, mas a todos os princípios que consagram valores expressos ou implícitos no ordenamento jurídico, notadamente relacionados com a liberdade, segurança, igualdade e justiça.

(28)

Registre-se, por oportuno, que o entendimento sobre o tema jamais permaneceu estanque, sendo, até os dias atuais, motivo de debate e aprofundamento teórico entre os estudiosos.

3.2 DEFINIÇÃO E LOCALIZAÇÃO NOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Após tratar da evolução da discricionariedade, afigura-se imperioso buscar defini-la.

De início, aponta-se para o fato de que comumente a doutrina concebe a discricionariedade administrativa sob definições negativas, positivas ou, ainda, ecléticas, que integram esses dois aspectos.

Sob o aspecto formal ou negativo, a discricionariedade tem sido definida como a margem de livre decisão não regulada ou regulada parcialmente pelo Direito, conferida pela norma ao agente público ou, ainda, como a possibilidade de escolha entre várias soluções jurídicas igualmente justas. (MORAES, 2004).

Quanto à possibilidade de escolha, alguns autores sustentam tratar-se de “liberdade vinculada”, ligada à noção de parametricidade. Adepto a essa compreensão, Caupers (2009, p. 90) assinala que embora a discricionariedade remeta para “a ideia de escolha, de fazer uma coisa quando se poderia fazer outra”, evoca, também, a necessidade de “uma escolha parametrizada, isto é, balizada por certos limites”. Daí desponta a segunda forma de se conceber a discricionariedade, qual seja sob o aspecto positivo ou material.

Segundo o critério material, a essência da discricionariedade está na ponderação valorativa do interesse público a cargo do administrador. Ao partir de tal premissa, entende-se que ao proceder com a escolha, cabe ao agente público fazer uma opção que vientende-se à consecução do interesse público presente na norma, para o qual se confere a discricionariedade. (MORAES, 2004).

A doutrina da materialização da discricionariedade administrativa teve por expoente o autor italiano Gianinni (1993 apud MORAES, 2004, p. 39), para quem a discricionariedade consiste na “liberdade de valoração ou apreciação pela Administração do interesse público no caso concreto”.

Num terceiro contexto, adotam-se três aspectos distintos e complementares em busca da definição da discricionariedade administrativa: a valoração do interesse público, a ausência de determinação exata na norma do que seja interesse público e a margem de

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liberdade de escolha atribuída à Administração pela norma. Trata-se do critério eclético de definição.

Moraes (2004, p. 41), ao adotar em sua obra o critério acima referido, assinala: Aceita-se, pois, neste estudo, inclusive, para fins de tentativa de redefinição do termo, a linha doutrinária que considera, com acerto, três elementos essenciais à discricionariedade: o complemento da previsão aberta da norma, a margem de livre decisão e a ponderação valorativa de interesses concorrentes. Além de pressupor a textura aberta da norma, a ser colmatada, seja mediante a tarefa de complementação factispecies, seja mediante a determinação dos efeitos, para além daqueles parcialmente previstos, consiste, essencialmente, numa margem de liberdade de decisão da Administração Pública, exercitável por meio de um juízo de valoração ou hierarquização, à luz do interesse público protegido pela norma que a confere, de todos os interesses (públicos ou privados) que possam ser satisfeitos pela decisão a ser tomada administrativamente.

A seu turno, Mello (2006, p. 48) vislumbra a discricionariedade como sendo [...] a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.

Com isso, percebe-se que a discricionariedade resulta da abertura normativa deixada pelo legislador a cargo da Administração, a quem caberá integrar o Direito no caso concreto mediante a ponderação dos interesses envolvidos, visando, invariavelmente, à consecução do interesse público.

Outro aspecto importante na tentativa de se conceituar a discricionariedade administrativa diz respeito ao controle jurisdicional de seu exercício. Conforme se aduz.

Classicamente, concebia-se a discricionariedade como o campo de autonomia intangível à apreciação do Poder Judiciário. Tal concepção, bastante presente no positivismo formalista, onde a ideia de Direito se confundia com a de estrita legalidade, ganha novos entornos à medida em que são consagrados novos vetores axiológicos no entendimento sobre o tema, notadamente no que tange à relevância atribuída aos princípios jurídicos.

Essa mudança de paradigma, nos dizeres de Moraes (2004), acabou por implicar na redefinição de discricionariedade administrativa. Segundo a autora (2004, p. 43),

Urge abandonar a antiga concepção de discricionariedade, plasmada sob a égide do “direito por regras”, em função do princípio da legalidade

(30)

administrativa, e redefini-la, de acordo com os postulados do constitucionalismo da fase pós-positivista, a partir da nova noção do princípio da juridicidade e à luz da compreensão filosófica contemporânea do “direito por princípios”.

É nessa guinada que Di Pietro (1991, p.41) apresenta o seu conceito de discricionariedade:

Pode-se, portanto, definir a discricionariedade administrativa como a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.

Verifica-se, nessa perspectiva, uma ampliação dos critérios norteadores daquela liberdade de decisão, o que propiciou uma atuação mais proativa por parte do Poder Judiciário, a quem coube o controle de alguns aspectos discricionários dos atos administrativos, antes insindicáveis pela atividade jurisdicional.

Por outro lado, preserva-se da possiblidade do controle judicial o que a doutrina denomina de mérito, aspecto político do ato administrativo, núcleo da discricionariedade insindicável pelo Estado-juiz.

A discricionariedade manifesta-se em alguns elementos estruturantes do ato administrativo. Conforme proposto, partindo-se de uma visão pentapartite, referem-se à competência, finalidade, forma, motivo e objeto.

Com relação à competência, afirma-se que o agente público só pode exercer as atribuições que a lei lhe conferir. Resulta do mandamento legal e por ele é delimitada, de modo que é inderrogável – embora, como visto, comporte, em algumas situações, delegação e/ou avocação. Não resta, no campo da competência, margem de liberdade ao agente da Administração, conquanto corresponda à tipicidade legal.

Quanto à finalidade, já não há o mesmo consenso. Para Meirelles (2010), a impossibilidade de se compreender o ato administrativo sem relação com fim público implica assumir tratar-se de elemento vinculado de todo ato. Mello (2008), por sua vez, defende também ocorrer “discrição” quanto à finalidade, na medida em que a lei não estabelece critérios objetivos para identificar, no caso concreto, o que seria de interesse público.

Para além da divergência, como bem assinala Di Pietro (1991), há consenso quando se afirma que a Administração está, de fato, vinculada a fins de interesse público. Todavia, adverte a autora que isso não é suficiente para afastar a apreciação discricionária quando os fins devam ser analisados conforme o caso concreto, notadamente quando se está

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diante de conceitos imprecisos, como os de bem-estar ou bem comum. Esse seria o sentido amplo em que se pode considerar a finalidade do ato. Ao contrário, sob uma ótica restritiva, que designa, conforme em lei, o resultado específico que cada ato deve produzir, se diz que a finalidade é sempre vinculada, pois coube a legislador definir a finalidade que o ato deve alcançar.

No que tange à forma, há autores, embora filiados a correntes minoritárias, que reconhecem, a depender do que dispuser a lei, comportar tal elemento certa margem de liberdade. Adepta a essa compreensão, Di Pietro (1991) apregoa que a ausência de previsão legal quanto à forma a ser adotada na prática do ato implica apreciação discricionária por parte do administrador, já que este poderá optar pela forma que lhe parecer mais adequada. Do mesmo modo ocorre quando a lei prevê duas ou mais formas para a edição do ato administrativo. Diz-se que nessas situações existe discricionariedade quanto à forma.

No que concerne ao motivo, a doutrina parece uníssona quanto à possibilidade de haver discricionariedade. Entendido como a situação de fato ou de direito que determina ou autoriza a manifestação de vontade da Administração, quando previsto pela norma legal, não resta margem de escolha à Administração, senão a mera atividade de executora do comando legal. Por outro lado, “quando a lei não delineia a situação fática, mas, ao contrário, transfere ao agente a verificação de sua ocorrência atendendo a critérios de caráter administrativo, (...) sua atividade reveste-se de discricionariedade” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 114).

Por fim, quanto ao objeto do ato administrativo, aplicam-se as considerações feitas em relação ao motivo. Dessa forma, delineado pelo preceito normativo, não resta discricionariedade ao administrador. Ao revés, quando a lei permite ao agente fazer o delineamento do que pretende com sua manifestação de vontade, desponta a discricionariedade. (CARVALHO FILHO, 2014).

3.3 JUSTIFICAÇÃO OU FUNDAMENTOS

Segundo Di Pietro (1991), costuma-se justificar a discricionariedade administrativa segundo critérios práticos e jurídicos.

Deflui-se que, sob o ponto de vista prático, a discricionariedade surge para obstar eventual automatismo que pudesse decorrer da impossibilidade de se aplicar senão aquilo que a lei preestabelece, além de compensar o fato de que não poderia o legislador prever todas as situações fáticas as quais o administrador, no exercício da função administrativa, poderia se deparar. A dinamicidade inerente à consecução do interesse público exige, segundo a

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mencionada autora, flexibilidade de atuação, com a qual revela-se incompatível o rigoroso e moroso procedimento de elaboração das leis.

Mello (2008), alinhado ao pensamento exposado, salienta que o intento legal de conferir certa margem de liberdade ao Administrador Público decorre de sua posição mais favorável para reconhecer, diante da gama de situações, a melhor maneira de satisfazer a finalidade da lei.

O autor citado ainda enfatiza a própria inviabilidade jurídica da supressão da discricionariedade como um de seus fundamentos, na media em que, para evitá-la, o legislador teria que abandonar o campo da abstração que lhe é cediço, para atuar no campo da individualização, que lhe é defeso, justamente por ser a área da atuação administrativa, incorrendo em invasão no campo de atuação de outro Poder. Nessa mesma linha de entendimento, são os ensinamentos de Oliveira (1978 apud DI PIETRO, 1991, p. 43), quando preceitua:

Diante disso, impõe-se notar que, caso possível fosse o legislador descer a minúcias e, utilizando-se, da cibernética, pudesse prever, na atividade legiferante, todas as ocorrências possíveis, então teríamos, pura e simplesmente, a substituição de um órgão do poder por outro, ou seja, teríamos a supressão do órgão administrativo ou executivo. Este não passaria de mero cumpridor de ordens emanadas, concretamente, do Poder Legislativo.

Moreira Neto (2014) faz um paralelo entre o instituto da delegação e a discricionariedade, afirmando ter o legislador "outorgado" ao administrador público, na própria lei, a possibilidade de integração casuística, na ocasião e no modo mais adequado, para, com isso, satisfazer a finalidade pública legalmente imposta.

Com efeito, não poderia o legislador prever todas as situações possíveis, muito menos fixar formas de proceder imutáveis e perenes, pois estas logo se demonstrariam insuficientes para atender às constantes mutações da vida social. Nesse contexto de impossibilidades, desponta a discricionariedade. Daí a lição de Fiorini (1952 apud DI PIETRO, 1991, p. 42) no sentido de que “a discricionariedade é, então, a ferramenta jurídica que a ciência do direito entrega ao administrador para que a gestão dos interesses sociais se realize respondendo às necessidades de cada momento”.

Esse mesmo aspecto é ressaltado por Queiró (1946, p. 55), quando assinala: A norma é obra de um legislador, e seria insensato negar que a este legislador é impossível, material e logicamente impossível, para muitíssimas hipóteses, transmitir ao agente mais do que ordens e enunciar os fatos, com

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conceitos de caráter em certa medida vago e incerto, de tal maneira que o agente ao executar essas ordens e interpretar esses conceitos deve fixar-se, devendo agir, em uma dentre várias interpretações possíveis destes últimos.

Noutro aspecto, sob o ponto de vista jurídico, tem-se utilizado a teoria da formação do Direito por degraus, atribuída à Kelsen, pela qual a discricionariedade tem por fim acrescentar um elemento inovador à norma anterior de grau superior, viabilizando sua aplicação in concreto. (DI PIETRO, 1991). Com isso, percebe-se que a discricionariedade, enquanto meio de integração do Direito, busca no próprio ordenamento jurídico um de seus fundamentos.

3.4 O MÉRITO ADMINISTRATIVO

Como visto, o cerne da discricionariedade reside na liberdade de escolha, mediante a ponderação e comparação de interesses, nunca distante da consecução do interesse público geral.

No exercício dessa ponderação, o administrador poderá recorrer tanto a critérios positivados, a exemplo dos princípios insculpidos na Magna Carta, quanto a critérios não positivados, notadamente relacionados ao dever geral de boa administração e aos cânones de conveniência e oportunidade acerca da prática do ato. O mérito relaciona-se justamente à maneira de considerar esses critérios não parametrizados por regras ou princípios. (MORAES, 2004).

A distinção entre discricionariedade e mérito, longe de ser tema amplamente debatido na doutrina pátria, ao revés, “não tem sido reconhecido na literatura de Direito Administrativo, cuja tendência é no sentido de reconduzir as lindes da discricionariedade aos confins do mérito” (MORAES, 2004, p. 53).

Para além das lacunas teóricas em relação ao tema, faz-se imperioso, para o andamento do presente estudo, delinear bem tais institutos jurídicos.

A noção de mérito tem sido comumente relacionada ao aspecto político do ato administrativo, muito em virtude do pensamento de Fagundes (1951), precursor, na doutrina brasileira, do aprofundamento teórico do tema, e para quem o mérito sempre exprime um sentido comparativo (ou valorativo).

Alinhado ao entendimento exposado por Fagundes, especialmente no que tange ao aspecto valorativo do mérito, Cretella Júnior (1965) representa o instituto como a valoração do fato, resumida no binômio oportunidade-conveniência. Em outra oportunidade, o jurista

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