• Nenhum resultado encontrado

5.1. Sujeitos

Algumas premissas serviram para delimitação do escopo do presente estudo, tendo sido adotadas como referências para a tomada de decisões por parte do pesquisador. Uma delas diz respeito à escolha dos sujeitos. Nesta pesquisa, um dos critérios foi considerar “empreendedor social” aquele que necessariamente já tivesse alcançado reconhecimento social público pelo trabalho realizado por pelo menos uma organização de renome internacional que apóie empreendedores sociais. Assim, todos os sete participantes da pesquisa são fellows da Ashoka, sendo que dois deles também

são fellows de outras organizações similares, no caso a Fundação Schwab e o Instituto

Synergos. Inclusive, alguns já até ganharam prêmios nacionais e internacionais destas organizações pelos projetos desenvolvidos como empreendedores sociais.

A diversidade de causas defendidas pelos sujeitos foi outro critério utilizado para a escolha dos sujeitos, de forma a possibilitar a análise e comparação de diferentes tipos de ações empreendidas por eles em prol da coletividade. As causas defendidas pelos sujeitos desta pesquisa envolveram a criação de canais de comunicação para viabilizar que minorias expressassem suas opiniões, apoio a mulheres solteiras em situação de drogadição e com filhos, geração de renda por meio da reciclagem de lixo, mecanismos de transferência de recursos do setor privado para organizações sociais, inclusão social de portadores de deficiência por meio da arte, fomento e incubação de organizações sociais e, por fim, rede de trabalho voluntário apoiada por profissionais liberais.

Outro pré-requisito buscado para enriquecer a análise foi a exigência de que cada sujeito tivesse fundado e que hoje ainda fosse o principal dirigente da uma organização sem fins lucrativos de interesse público, de forma análoga ao que acontece no mundo dos negócios entre o empreendedor e a empresa que ele administra. Foi aberta uma exceção para um sujeito que desenvolvia há vários anos projetos sociais dentro de uma empresa da qual ele é sócio, e que neste momento, está em vias de formalizar a abertura de uma organização sem fins lucrativos de interesse público. Esta decisão foi importante para validar a atuação prática do empreendedor social.

Portanto, considerando a diversidade de sujeitos participantes, em termos gerais, foi possível identificar no grupo as seguintes características: a) faixa etária entre 30 a 60 anos, sendo dois-terços com idade variando entre 40 e 50 anos; b) distribuição por gênero de quatro homens e três mulheres; c) origem sócio-econômica heterogênea, já que três sujeitos nasceram em um ambiente humilde, enquanto os demais eram provenientes de famílias de classe média e alta; d) menção de alguns sujeitos sobre a influência de religiões como o Catolicismo e o Espiritismo sobre suas vidas, embora nenhum tenha explicitado espontaneamente seguir uma religião específica; e) em geral, elevado nível de escolaridade dos sujeitos, já que um tinha mestrado em Administração, quatro tinham graduação completa em cursos como Jornalismo, Odontologia, Psicologia e Serviço Social, um tinha graduação incompleta em Comunicação e outro havia interrompido seus estudos quando cursava o ensino fundamental; f) coleta de dados em âmbito regional, com foco na região Sudeste do Brasil, com cinco sujeitos entrevistados no município de São Paulo, um no interior do Estado e outro em Minas Gerais.

Por fim, vale lembrar que uma pesquisa com apenas sete sujeitos configura um estudo de casos exploratório e de cunho qualitativo a respeito dos processos de construção da identidade tendo como foco a personagem empreendedor social. Isto significa dizer que a pesquisa não se propôs a buscar informações quantitativas para descrever o fazer do empreendedor social, mas, sobretudo, analisar o processo do agente em relação à estrutura, o histórico das ações empreendidas, as mudanças nas trajetórias de vida e propósitos para o futuro, de modo a viabilizar uma análise contextualizada de sua identidade.

5.2. Instrumentos

Para se viabilizar a presente pesquisa, optou-se pelo uso de um instrumento de análise qualitativa, utilizando-se a entrevista individual semi-dirigida, baseada na “história de vida”, como ferramenta para compreensão da identidade dos sujeitos caracterizados pela sociedade como empreendedores sociais. Tal instrumento continha duas perguntas básicas norteadoras e bastante abrangentes, que balizaram a coleta de dados: “quem sou eu” e “quem eu gostaria de ser”. Para Ciampa, o objetivo da história de vida é fazer com que o entrevistado torne-se um narrador, ou seja, que ela consiga fazer com que o sujeito vá além da dimensão descritiva daquilo que faz. Contribui para resgatar a memória e o projeto de vida do sujeito. A pergunta “quem sou eu?” tem como intenção fazer com que o sujeito remeta sua narrativa para o passado até alcançar o presente. A pergunta “quem eu gostaria de ser?” aponta para os projetos e os planos futuros, revelando os desejos e ideais que o mobilizam para a ação. Pode-se descobrir aonde o sujeito quer chegar, aonde ele quer se lançar, para onde quer ir. Ao mesmo tempo, consegue-se observar, no interior do seu discurso, quais os esforços concretos que ele está realizando para que seus objetivos sejam alcançados ou para que seus planos futuros sejam mais do que uma intenção, um sonho ou uma fantasia. Nesse caso, o presente é o elo que faz a mediação, ou seja, a ligação entre o passado e o futuro, permitindo igualmente avaliar o sentido emancipador ou não da ação do sujeito.

Esta forma de investigação ainda permite identificar como o sujeito assume diferentes papéis, encarnando diferentes personagens ao longo de sua trajetória de vida. Ajuda a explicar como o sentido de seu projeto de vida foi sendo construído e em que direção seu projeto de futuro aponta. Mostra também onde o sujeito buscou e encontrou (ou não) suporte e apoio para superar os desafios em cada fase de sua vida, considerando os determinantes do ambiente e as relações significativas construídas com outros que exerceram influência sobre suas decisões. Com isto, é possível descobrir quais são os aspectos a que o sujeito dá mais importância em sua vida e que atividades ele valoriza. Existem situações que aconteceram na vida do sujeito que nem ele próprio sabe explicar. Dessa forma, o uso do presente instrumento pôde fazer com que o sujeito refletisse e analisasse sua própria trajetória, ajudando-o a descobrir sentidos para sua vida, revelando a ele novas possibilidades até então não pensadas.

Às perguntas básicas “quem sou eu” e “quem eu gostaria de ser” foram adicionadas várias outras, formuladas de forma personalizada. Uma entrevista semi- dirigida permite ao entrevistador conduzir o foco do relato para questões específicas sempre que ele julgar necessário obter esclarecimentos complementares para corroborar ou detalhar informações previamente recebidas pelo sujeito. Por exemplo, a pergunta “o que o motiva a agir, a fazer acontecer?” remete à dimensão das crenças, dos valores, do sentido que a vida tem para o sujeito, da energia e da motivação que o impulsiona. Faz com que o sujeito também pense a respeito de seu propósito de vida e se posicione em relação ao seu papel na sociedade, investigando até que ponto seu discurso é condizente com o seu fazer, possibilitando o enriquecimento da coleta de dados.

Outro instrumento complementar qualitativo utilizado nesta pesquisa foi a observação, em virtude da possibilidade do pesquisador visitar o ambiente no qual os empreendedores sociais entrevistados atuam, conhecendo as condições disponíveis de infra-estrutura, em termos de espaço físico, funcionalidade, equipamentos, conforto e requinte, além de características dos outros indivíduos que trabalham no mesmo local. O acesso a documentos, como material institucional impresso, além de informações disponibilizadas pelas organizações via internet, também forneceram pistas relevantes sobre a consonância entre o discurso e a prática do sujeito, sendo úteis como elementos adicionais para se formular a interpretação dos relatos trazidos.

5.3. Procedimentos

O primeiro passo para a abordagem de potenciais sujeitos envolveu a elaboração de uma pequena carta, onde o pesquisador se apresentava explicando onde fazia o doutorado, quem era seu orientador, quais eram os objetivos da pesquisa, o tempo de duração da entrevista, a confidencialidade sobre o uso das informações fornecidas e, no final, disponibilizava dados pessoais para contato.

Na seqüência, esta carta foi transformada em um e-mail para ser encaminhado à sede da Ashoka no Brasil. A escolha desta organização como intermediária foi uma decisão tomada pelo pesquisador, tendo em vista o fato dela ter sido pioneira no País, onde está presente desde 1986, possuindo uma rede com cerca de trezentos fellows

espalhados no território nacional. Esta condição potencializava as possibilidades de se encontrar sujeitos interessados em participar da pesquisa.

Uma vez descoberta a funcionária da Ashoka responsável por fazer a interface entre a demanda do pesquisador e o contato com os fellows, ficou acordado que ela repassaria o e-mail contendo a carta de apresentação a todos os empreendedores sociais e estabeleceria um prazo para que eles retornassem dizendo se tinham interesse em participar da pesquisa.

Não houve qualquer tipo de exigência sobre idade, gênero, origem social, crença religiosa, nível de escolaridade, profissão ou causa defendida. As únicas condições solicitadas foram as seguintes: a) estar realmente interessado em conceder a entrevista; b) ter disponibilidade para conciliar uma data com o pesquisador nos próximos 90 dias; c) de preferência, estar situado em um raio de até 1.000 km de São Paulo/SP, evitando deslocamentos que despendessem muito tempo e recursos financeiros.

Cerca de uma semana depois veio a resposta da Ashoka, com os nomes de alguns sujeitos interessados, acompanhados de seus respectivos e-mails e telefones diretos, para que o próprio pesquisador pudesse entrar em contato. De posse desses dados, optou-se pelo contato personalizado via e-mail ou por telefone com cada sujeito em potencial, culminando no agendamento e realização de seis entrevistas.

Além dessa estratégia, em paralelo, outros empreendedores sociais foram diretamente contatados pelo pesquisador, a partir de buscas em sites da internet que cobriram cerimônias de premiação dirigidas a empreendedores sociais. Um deles, fellow da Fundação Schwab, se interessou por participar da pesquisa, aceitando o convite para ser sujeito da mesma. Posteriormente, durante a realização da entrevista, foi constatado que este indivíduo recentemente também havia tornado-se fellow da Ashoka.

Pode-se dizer, portanto, que o critério de seleção dos sujeitos teve como crivo os primeiros empreendedores sociais reconhecidos por organizações que os fomentam que se disponibilizaram a participar da pesquisa. Todos os sete sujeitos foram entrevistados diretamente pelo próprio pesquisador, de maneira presencial, na sede da própria organização que eles dirigem, já que a interação pessoal e a visita in loco foram consideradas condições essenciais para uma análise qualitativa do contexto.

Todas as entrevistas realizadas foram gravadas em equipamento de áudio com a permissão dos sujeitos. O objetivo do uso deste recurso foi prover condições para que todo o material coletado pudesse ser posteriormente analisado com maior profundidade e precisão, evitando-se distorções ou lacunas. Outra vantagem é que o recurso permitiu que o entrevistador pudesse ficar atento ao conteúdo do discurso e ao comportamento não-verbal do sujeito, facilitando também a realização de intervenções pontuais no rumo da entrevista, sem a preocupação com o registro manual de tudo o que era dito.

O tempo médio de duração de cada entrevista foi de uma hora. Todas as entrevistas foram transcritas em sua totalidade, na íntegra, pelo pesquisador. Este processo facilitou a leitura e comparação posterior dos discursos de cada um dos sujeitos. Posteriormente, os dados coletados nas entrevistas foram consolidados em quadros sinópticos abrangentes, de modo que pudessem ser analisados, discutidos e confrontados com os encontrados na revisão da literatura, viabilizando a comunicação dos resultados e o delineamento das considerações finais.

5.4. Confidencialidade das informações

Todos os sujeitos convidados a participar da pesquisa foram informados e receberam explicações sobre os objetivos da tese de doutorado, sobre o procedimento de registro e utilização das informações, bem como sobre a forma de comunicação posterior do trabalho, considerando sua finalidade exclusivamente acadêmica.

No que tange à entrevista, foi solicitado que cada sujeito autorizasse a gravação por equipamento de áudio, condicionado ao compromisso do pesquisador manter o sigilo de informações confidenciais que de alguma maneira pudessem expor algum dos sujeitos a potenciais situações constrangedoras ou embaraçosas, possibilitando, assim, que eles pudessem ter liberdade para expressar suas opiniões. Caso o entrevistado solicitasse que algum trecho da entrevista fosse suprimido, teria seu direito respeitado, embora não tenha havido necessidade de acatar a este tipo de pedido.

Outra decisão importante tomada pelo pesquisador foi pela não publicação da íntegra das entrevistas como anexos da tese. Como o perfil de alguns empreendedores sociais está disponível na internet, optou-se pela publicação de apenas alguns trechos das entrevistas, de modo a preservar o anonimato dos sujeitos participantes. Os nomes verdadeiros dos sujeitos também foram substituídos por nomes fictícios, assim como o nome da organização que cada um dirige foi propositalmente omitido, de modo a evitar exposição desnecessária dos sujeitos.

5.5. Limitações do presente trabalho

O fato do estudo sobre a identidade do empreendedor social ter sido realizado com número reduzido de sujeitos, sob a forma de estudos de caso, com ênfase qualitativa e em âmbito regional, não permite a generalização dos resultados como em uma pesquisa quantitativa, onde se investiga um grande número de sujeitos até que se obtenham dados repetidos sobre eles, indicando a saturação de uma amostra. Portanto, a proposta de investigar a identidade do empreendedor social se configura como um estudo exploratório, onde, por meio de sucessivas entrevistas, buscou-se a identificação de “sujeitos emblemáticos” que apresentassem características peculiares e incomuns que pudessem apontar para uma nova tendência.

Outro aspecto digno de nota foi a dificuldade de se encontrar empreendedores sociais que possuíssem uma longa trajetória de atuação. Isso se deveu ao fato do fenômeno ser muito recente no Brasil, uma vez que a própria Ashoka, organização pioneira nesta área, foi fundada no País em 1986. Por esta razão, embora metade dos empreendedores sociais entrevistados não possua uma atuação validada como fellow durante um período tão extenso, todos os sujeitos entrevistados tiveram um histórico de realizações anteriores compatível com as atividades realizadas atualmente nessa área.

É importante frisar também que esta pesquisa não pretendeu traçar perfis psicológicos por meio da aplicação de testes, tampouco teve como foco a delimitação e mapeamento de um rol de competências que todo empreendedor social devesse possuir. Partiu-se do pressuposto de que os sujeitos participantes já haviam sido anteriormente validados no processo seletivo conduzido por pelo menos uma dentre as várias organizações existentes especializadas no apoio a empreendedores sociais.

Por fim, cabe destacar que, embora o presente estudo tenha levantado uma série de perguntas apontadas nos objetivos específicos, nem todas elas puderam ser respondidas com a devida profundidade, já que algumas demandariam uma análise mais pormenorizada, extrapolando o núcleo central do presente estudo. Mesmo assim, foram apontadas por serem importantes para estimular novas pesquisas sobre o tema no futuro.

Documentos relacionados