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DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Daniel Branchini da Silva

A identidade do empreendedor social

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Daniel Branchini da Silva

A identidade do empreendedor social

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa.

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

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Um empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões.

L. J. Filion

Os empreendedores sociais não são conhecidos apenas por dar o peixe ou ensinar a pescar. Eles não vão descansar até que tenham revolucionado a indústria da pesca.

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Resumo

O termo empreendedor, derivado do francês entrepreneur, que significa “aquele que toma em mãos”, foi originalmente cunhado por economistas como Jean-Baptiste Say, em torno de 1800, para descrever o indivíduo que transfere recursos econômicos de um setor de menor produtividade para outro mais elevado e de maior rendimento. Mais tarde, no século XX, Joseph Schumpeter acrescenta a dimensão da inovação como característica essencial, mostrando que o empreendedor é aquele que promove uma verdadeira destruição da ordem econômica por meio da introdução de novos produtos e serviços. Tal histórico revela o quanto ainda hoje o termo “empreendedor” preserva essas características, por ser utilizado para descrever alguém que identifica oportunidades, assume riscos e faz acontecer. Nas últimas três décadas, em um contexto pautado pela falência do Estado do bem-estar social e pelo fortalecimento das empresas, o termo “empreendedor social” surge para delimitar a atuação de um tipo específico de empreendedor que age em prol da coletividade, buscando soluções inovadoras para demandas emergentes em áreas como educação, saúde, meio-ambiente, geração de emprego e renda, defesa de direitos e outras causas similares, com a pretensão de promover transformações sociais sistêmicas, em uma perspectiva sustentável. Portanto, o objetivo da presente pesquisa foi investigar a identidade deste empreendedor social, considerando suas raízes históricas, ideais e realizações, com o propósito de descobrir se havia por parte dele um efetivo movimento emancipatório em direção a uma identidade pós-convencional. Para tal, foram feitas entrevistas semi-dirigidas com sete sujeitos caracterizados formalmente como empreendedores sociais, cujas histórias de vida revelaram que a maioria deles continua desempenhando o papel convencionalizado pela sociedade, mas que alguns já estão antecipando um movimento que pode indicar uma mudança de papel em breve. Dentre as novas personagens encontradas, uma se assemelha mais a um “agente “regulador”, cuja causa envolve a normatização do sistema e outra a um “ativista emancipatório” cuja causa é dar voz a segmentos da população que não são ouvidos, incentivando que a própria comunidade consiga se emancipar.

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Abstract

The word entrepreneur, which comes from the French entrepreneur, means “the one that takes in hands”, and it was originally coined by economists such as Jean-Baptiste Say around 1800 to describe the individual that transfers economic resources from a sector of lower productivity to a higher and more profitable one. Later, in the 20th Century, Joseph Schumpeter adds the perspective of innovation as an essential feature, showing that the entrepreneur is the one who promotes a true destruction of the economic order by the introduction of new products and services. Such background reveals how much the word “entrepreneur” still preserves these features even today, for now it is being used to describe somebody who identifies opportunities, takes risks and makes things happen. In the last three decades, in a context marked by the State’s social welfare bankruptcy and by the strengthening of the companies, the word “social entrepreneur” has appeared to outline the action of a specific type of entrepreneur who works in favor of the collectivity, searching for innovative solutions to emergent demands in areas such as education, health, environment, job and income generation, advocacy and other similar causes, aiming to promote systemic social changes in a sustainable perspective. Therefore, the objective of this research was to investigate the identity of this social entrepreneur, considering his historical roots, ideals and achievements in order to find out if there was an effective emancipation movement towards a post-conventional identity on his part. Thus, seven half-controlled interviews were carried out with individuals formally recognized as social entrepreneurs, whose life histories revealed that most of them continue playing the conventional role labeled by society, but that some have already been anticipating a movement that could indicate a new role to arise soon. Amongst the newly identified characters, one of them seems more like a “regulating agent”, whose cause involves the normatization of the system, and the other one seems like an “emancipatory activist”, whose cause is to give voice to the population segments that are ignored by society, stimulating the community itself to obtain its own emancipation.

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Prefácio

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SUMÁRIO

1. Introdução ... 01

2. Os múltiplos significados atribuídos ao empreendedor... 05

2.1. O que se fala o empreendedor social ... 06

2.2. Sobre o empreendedor do mundo dos negócios ... 19

2.3. Riscos, fronteiras e zonas cinzentas ... 30

3. O contexto que legitima a ação do empreendedor ... 41

3.1. A falência do Estado do bem-estar social e o fortalecimento das empresas .. 42

3.2. A ordem sistêmica / instrumental e o mundo da vida ... 50

4. A identidade na sociedade contemporânea ... 56

4.1. A identidade como metamorfose em busca da emancipação ... 57

4.2. Possibilidades de construção de uma identidade pós-convencional para o empreendedor social ... 65

5. Método ... 79

5.1. Sujeitos ... 80

5.2. Instrumentos ... 82

5.3. Procedimentos ... 84

5.4. Confidencialidade das informações ... 86

5.5. Limitações do presente trabalho ... 87

6. Descrição e análise das entrevistas ... 88

7. Conclusões ... 145

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Em uma sociedade em constante mudança, que opera com velocidade cada vez

maior, a todo instante surgem novos atores. Muitos deles mal chegam a entrar em cena e

logo desaparecem, enquanto outros representam papéis que marcam a história das

gerações seguintes. O processo é sempre permeado por uma dúvida: a ação de um

determinado ator na sociedade estaria mais relacionada a um modismo passageiro ou a

um novo padrão de comportamento? A resposta para esta pergunta depende da análise

dos determinantes do contexto, para se descobrir as circunstâncias que viabilizaram o

surgimento do ator, concomitante à análise da metamorfose que ele próprio sofre ao

longo de sua vida, no decurso de sua ação. É neste emaranhado que surge, então, o

desafio de estudar a identidade do “empreendedor social” como ator que se propõe a

desempenhar um papel de agente de mudanças na sociedade, para compreender sua

origem, sua história, seu engajamento nos projetos, assim como as condições estruturais

que possam ter favorecido ou dificultado sua atuação.

No senso comum, “empreendedor” é uma palavra emblemática do mundo dos

negócios, ou seja, resulta de uma criação do capitalismo. Já a palavra "social" remete ao

coletivo onde os indivíduos convivem. Seria como selar a união do “mercado” com a

“sociedade civil” e vice-versa. Fazendo uma análise preliminar, pode-se dizer que o

empreendedor social é composto por vários papéis sobrepostos e misturados em maior

ou menor grau. Um empreendedor social pode parecer um executivo bem-sucedido,

ambicioso e competitivo, acostumado a alocar recursos da organização para obter o

maior retorno possível, com uma visão quantitativa e funcional. Outro empreendedor

social pode assemelhar-se a um religioso que atua voluntariamente em prol de causas de

caridade e de ajuda ao próximo, de forma pacífica, com uma visão qualitativa e

humanista. Outro pode ser visto como um militante, que luta, denuncia e parte para o

confronto, exigindo mudanças imediatas, opondo-se à manutenção do status quo de

maneira impositiva e arrojada. Outro pode parecer uma celebridade, uma figura mítica e

idealizada que angaria prestígio e reconhecimento, como artista ou socialite. Outro pode

emergir da própria comunidade, com uma história de mobilização de grupos para lutar

pela defesa de seus direitos. Outro, ainda, pode ser oriundo de uma família de classe

média, que, por desejo ou culpa, achou em um dado momento que deveria agir em prol

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Após esta reflexão inicial, surgem perguntas: o que esses empreendedores

sociais têm em comum, considerando a forma de agir peculiar de cada um sobre a

estrutura? Qual é o nível de liberdade que eles encontram para agir e como lidam com

essa questão? Que motivações estão por detrás de suas ações? O que eles imaginam e

como eles se comprometem com tanto entusiasmo por uma idéia? Como esses

empreendedores chegaram a ser o que são hoje, o que os tornam semelhantes ou

diferentes, e que contradições permeiam atores com origens distintas e multifacetadas?

Que discursos eles têm utilizado, que metamorfoses sofreram ao longo do tempo e

como chegaram à identidade atual? É importante, portanto, questionar, investigar e

contextualizar este processo.

Outro aspecto relevante diz respeito à compreensão do papel do empreendedor

social. Um ponto de convergência que permeia este ator é seu envolvimento com o

coletivo, o que, na sociedade contemporânea, se traduz em seus termos mais amplos

como compromisso com a responsabilidade sócio-ambiental, em uma perspectiva

sustentável. Isto significa que, em um âmbito maior ou menor, o objetivo da ação do

empreendedor social é fomentar o bem-estar da coletividade. Aceito esse pressuposto,

qual seria a atividade do empreendedor social? Ele trabalharia somente para grupos em

situação de vulnerabilidade? Ele se envolveria com a defesa de causas difusas, onde se

apontam as contradições por meio de protestos e boicotes? Ele atuaria em âmbito

regional, nacional ou internacional? Ele poderia ser formalmente contratado para

exercer seu papel? Seu trabalho exigiria dedicação em tempo parcial ou integral? Esses

são apenas exemplos de questões que ainda não têm uma resposta definitiva,

envolvendo, em muitos casos, perspectivas contraditórias.

Por enquanto, é possível apenas destacar, segundo uma visão geral que já faz

parte do senso comum, que no mundo contemporâneo o empreendedor social existe

porque a sociedade precisa encontrar soluções para diversas demandas emergentes,

envolvendo: desperdício e consumo desenfreado de recursos naturais, elevada emissão

de poluentes, distribuição desproporcional de riqueza e renda, má gestão de verba

pública e corrupção em órgãos governamentais, empresas ávidas por lucros cada vez

maiores, endemias com altos índices de mortalidade, exploração do trabalho infantil,

desigualdade e preconceito racial, dentre outras. Tudo isso demonstra desrespeito ao

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contribui para o atendimento e fortalecimento dos interesses de pequenos grupos em

detrimento da maioria.

Dada a complexidade do mundo atual, envolto por desafios jamais vistos em

todos os tempos, o empreendedor social surge como um ator sobre o qual muita

expectativa tem sido depositada. Resta saber, até que ponto, o empreendedor social age

(16)
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2.1. O que se fala sobre o empreendedor social

Como já mencionado, foi a sociedade contemporânea que propiciou sua

inesperada aproximação e a criação da personagem empreendedor social, ainda à espera

de uma definição mais clara de sua identidade (Melo Neto e Froes, 2002). Em todo o

mundo, organizações como a Ashoka Empreendedores Sociais (www.ashoka.org.br), a

Fundação Schwab de Empreendedorismo Social (www.schwabfound.org), The Institute

for Social Entrepreneurs (www.socialent.org), sem negar o espírito “empreendedor”

que é próprio à sociedade capitalista, dedicam-se, no entanto, a causas de natureza

“social” que muitas vezes decorrem das distorções provocadas pela economia de

mercado que domina essa mesma sociedade.

Empreendedores sociais posicionam-se frente ao mercado, do qual muitas vezes

depende a sustentabilidade de suas organizações, no entanto eles não se regem pelas

regras do próprio mercado (J. Gregory Dees, Graduate School of Business, Stanford

University) (www.aprendiz.uol.com.br). Antes, eram mais facilmente associados ao

“voluntariado” ou à dimensão da “responsabilidade social corporativa” (Cordeiro)

(www.portaldovoluntario.org.br); Centro de Empreendedorismo Social e Administração

em Terceiro Setor (www.ceats.org.br), sendo mostrados como figuras “raras” ou seres

quase excepcionais.

Melo Neto e Froes (2002) definem os empreendedores sociais como “pessoas

que trazem aos problemas sociais a mesma imaginação que os empreendedores do

mundo dos negócios trazem à criação de riqueza” (p. 9). Para esses autores, os

empreendedores sociais “buscam soluções inovadoras para os problemas sociais

existentes e potenciais” (p. 10). A medida de sucesso para esse tipo de empreendedor é

o impacto social, ou seja, os benefícios coletivos que podem ser gerados para

comunidades em situação de risco social.

Para a Ashoka Empreendedores Sociais, entidade sem fins lucrativos presente

em mais de sessenta países, fundada na Índia em 1980 e estabelecida no Brasil desde

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O empreendedor social é uma pessoa visionária, criativa, prática e pragmática; que sabe como ultrapassar obstáculos para criar mudanças sociais significativas e sistêmicas. Possui uma proposta verdadeiramente inovadora, já com resultados de impacto social positivo na região onde atua, e demonstra estratégias concretas para disseminação dessa idéia nacional e/ou internacionalmente. (www.ashoka.org.br).

No Brasil e no mundo, a Ashoka é uma das mais reconhecidas organizações da

sociedade civil pelo apoio que oferece aos empreendedores sociais, identificados e

selecionados para atuação em seis áreas: educação, desenvolvimento econômico,

meio-ambiente, saúde, participação cidadã e direitos humanos. O objetivo da organização é

contribuir para a criação um setor social empreendedor, eficiente e globalmente

integrado.

Em sânscrito, língua indo-européia de registro escrito mais antigo, Ashoka

significa “ausência de sofrimento”. Remete ao nome de um líder que viveu no século III

a.C. no sul da Ásia, responsável pela unificação da Índia, reconhecido pelos avanços nas

obras sociais e nos sistemas de saúde e ensino, durante o período em que foi imperador.

O ex-consultor da McKinsey&Co. e fundador da Ashoka, Willian Drayton, ao

ser entrevistado por Cunha (2001), explica a origem e a atuação do empreendedor

social, além do conceito de capital de risco utilizado nos empreendimentos sociais:

O que é necessário para ser um empreendedor social?

Criatividade para novas idéias e para resolver problemas. Não basta encorajar uma empresa a se comportar melhor socialmente. Isso não é novidade, pois já existe o processo. A pessoa deve ter uma visão e acreditar nela para mudar a maneira como a sociedade está organizada. Como fazê-la acontecer? Como espalhá-la? O empreendedor social deve ser um visionário e ao mesmo tempo um engenheiro prático. E há uma outra característica importante: a fibra ética. O empreendedor social deve ser confiável. O mundo já tem muitos líderes que não o são.

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Mahatma Gandhi e Florence Nightingale foram empreendedores sociais. Há duas décadas eles eram muito raros. Mas agora há muitos empreendedores sociais surgindo. O mundo está mais democrático, e essas pessoas são o último grito dessa revolução. É gente capacitada para pôr ordem no dinamismo da sociedade.

Os empreendedores sociais podem crescer onde o Estado falha, tomar o seu lugar?

Eles podem fortalecer o governo ao mostrar como fazer melhor determinadas coisas. Nós veremos um governo mais crítico e ativo como resultado de uma atuação vibrante da sociedade, liderada por empreendedores sociais.

O senhor acha que eles chegaram para ficar?

Sem dúvida. A menos que a sociedade pare de se reciclar, vamos precisar cada vez mais de empreendedores sociais. Estamos assistindo à decolagem de uma profissão que começou a emergir há duas décadas. Ainda estamos construindo essa instituição.

Os empreendedores brasileiros são diferentes dos de outros países?

A Ashoka do Brasil é uma das maiores do mundo. O país é muito criativo, e por isso não estou surpreso que haja tantos empreendedores sociais aí. Existe um grande desafio e um time muito criativo que sabe como trabalhar junto. Essa é uma grande fórmula. (2001, p. 60)

Observando o discurso de Drayton, logo surge uma dúvida, no que diz respeito à

forma como o empreendedor social é apoiado e financiado. O fato de Drayton ter

trabalhado na consultoria McKinsey & Co. fez com que ele buscasse estabelecer uma

parceria desta empresa com a Ashoka, que ele havia acabado de fundar. Segundo

Bornstein (2006),

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sociais visões estratégicas e sua habilidade de obter resultados em contextos difíceis, e os empreendedores sociais se beneficiariam das habilidades administrativas e organizacionais dos consultores.

Bornstein (2006) afirma que o desafio que Drayton tinha pela frente era

convencer a McKinsey de fazer o investimento, mostrando que atrelar a imagem da

organização ao projeto seria uma oportunidade única, com vantagens mútuas.

Se a McKinsey souber como fazer essa ponte comercial-social, todos se beneficiarão. A empresa se colocará adiante na curva para compreender novas dimensões – econômicas, sociais, éticas, profissionais – e seu aconselhamento será melhor e mais aprofundado. Seus consultores compreenderão melhor todo o ambiente futuro. Os clientes sociais se beneficiarão do conhecimento social. E a sociedade se beneficiará como um todo. (2006, p. 184-185)

Nesta época, Drayton já se preocupava com o método utilizado para fazer o

recrutamento e a seleção dos empreendedores sociais, de acordo com um perfil

pré-determinado. Dentre os requisitos, buscavam-se pessoas que fossem capazes de

identificar oportunidades, que tivessem persistência e sólida visão do ambiente político

e cultural no qual estavam inseridas.

Bornstein (2006) explica que o processo utilizado por Drayton para testar a nova

idéia de um empreendedor social deriva de vários ‘comos’, a saber: como usar melhor

os recursos locais? Como superar os obstáculos culturais? Como aprovar leis? Como

financiar uma organização? Como treinar a equipe para realizar o trabalho?

Para Drayton, o processo seletivo para identificar empreendedores sociais

envolve a análise de quatro categorias. (1) criatividade; (2) qualidade empreendedora;

(3) impacto social; (4) fibra ética.

O processo seletivo tem como primeiro critério a criatividade, tanto para se

estabelecer um objetivo quanto em relação às estratégias utilizadas para a superação de

obstáculos que surgem repentinamente. Esta informação costuma ser obtida a partir da

experiência pregressa do indivíduo, com foco em sua história de vida. De acordo com

Drayton, um histórico de realizações repleto de iniciativas empreendedoras revela que o

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Em seguida, é feito o teste da qualidade empreendedora. Para Drayton, não basta

o indivíduo apenas demonstrar criatividade, disposição e desejo de ajudar, mas também

o propósito e a capacidade de revolucionar o jeito de se fazer as coisas em uma

determinada área. Para Drayton, os verdadeiros empreendedores trazem consigo este

ideal desde pequenos e acreditam que têm uma missão especial a ser cumprida no

mundo, sendo que não aceitam parar até que sua idéia esteja plenamente implementada.

Outra exigência de Drayton é sobre a capacidade dos empreendedores para

responder a perguntas de ordem prática. Um exemplo é como fazer para que um projeto

bem-sucedido em âmbito regional possa tornar-se uma política pública no país. A

questão da operacionalização deve ter sido estudada, com o levantamento de várias

hipóteses e possibilidades. Para ele, somente indivíduos realmente envolvidos com a

idéia conseguem responder a este tipo de pergunta. Obviamente isto exige uma elevada

perspicácia do empreendedor para realizar a leitura de cenários e compreender as

mudanças que estiverem acontecendo para que ele possa conceber soluções realistas.

Outro fator importante para Drayton remete ao potencial de disseminação da

idéia, mesmo que o indivíduo que originalmente a tenha criado desapareça. Muitos

projetos sociais sucumbem por este motivo, portanto é essencial descobrir se a idéia

pode ser levada adiante por terceiros e se eles estão realmente dispostos a fazê-lo.

Por fim, Drayton aponta o critério “fibra ética”, cuja pergunta-chave envolve a

questão da confiança, que é fundamental para compartilhamento de informações e

durante o processo de mudanças.

Bornstein (2006) relata, nas palavras de Drayton, que

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Drayton também se preocupa com a credibilidade dos empreendedores sociais

que são apoiados pela Ashoka, tendo em vista o inevitável atrelamento da imagem do

indivíduo com a organização da qual é integrante.

Bornstein (2006) também explica o que Drayton pensa sobre a carreira do

empreendedor social, considerando seu ciclo de vida, de modo que faça sentido para a

Ashoka elegê-lo como fellow.

Drayton dividiu o “ciclo de vida” de um empreendedor em quatro etapas: (1) “aprendizado”, um longo período inicial no qual os empreendedores adquirem a experiência, as habilidades e credenciais necessárias para causarem grandes mudanças; (2) “lançamento”, período inicial no qual o empreendedor testa e demonstra suas idéias; (3) “decolagem”, um longo período no qual o empreendedor consolida a sua organização e continua a refinar e espalhar suas idéias até serem adotadas amplamente; e (4) “maturidade”, ponto no qual os empreendedores têm impacto demonstrável em suas áreas. (2004, p. 165)

Um exemplo da atuação de um empreendedor social é apresentado por Cunha

(2001), ao descrever o trabalho realizado por Fábio Rosa, fellow da Ashoka:

O que ele faz é prover fontes de energia para comunidades afastadas, dos grotões do Brasil, onde nem energia elétrica chega. São cerca de 25 milhões de brasileiros que vivem hoje como se estivessem no século 19. Seus dias produtivos são mais curtos e seu cotidiano, sem confortos básicos como a geladeira ou até mesmo o rádio, em plena era da internet. Isso porque custa muito caro – algo entre 3.000 e 4.000 reais – puxar uma linha de transmissão para apenas uma propriedade. Fábio já iluminou a vida de 800.000 pessoas com energia solar. Ele rateia o custo de painéis solares entre as comunidades afastadas, substituindo o custo de energias alternativas e poluentes, como baterias de carros, querosene, velas ou pilhas comuns. (2001, p. 58).

Quando Fábio Rosa, fellow da Ashoka, foi entrevistado por Bornstein, que lhe

faz a pergunta sobre o “por que (você) não prefere simplesmente ganhar muito

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Estou tentando construir um pedacinho do mundo no qual gostaria de viver. Para mim, um projeto só faz sentido quando serve para tornar as pessoas mais felizes e o meio ambiente mais respeitado e quando constitui a esperança de um futuro melhor. Eis a alma dos meus projetos. Olhando para trás, fiz a mim mesmo várias vezes exatamente a mesma pergunta, já que existem coisas mais fáceis de fazer. Mas esta tem sido a única forma que me deixa feliz. E também acredito que persistência e coerência são virtudes e gosto de ver que tenho as duas. Trabalhar no meu tipo de projeto significa sonhar com um mundo novo. O meu projeto sempre renova minha fé num estilo de vida harmônico, sem miséria. Com a nossa inteligência, conhecimento e cultura, não é necessário destruir o meio ambiente para construir. Quando as pessoas trabalham juntas, são poderosas; existe amizade. No final, há paz, harmonia, tranqüilidade, otimismo. Se há uma motivação profundamente humana nisso tudo é que meus projetos estão ligados a um trabalho prático que pode ser feito. Precisamos agir e provocar mudanças. Mesmo que a inspiração seja romântica, ela quer resultados materiais, uma realidade com novas cores. Quanto ao dinheiro, preciso de dinheiro. O dinheiro é importantíssimo para realizar os meus projetos. Mas o dinheiro só tem importância se ajuda a resolver os problemas das pessoas e a criar o mundo que descrevi acima. Os meus projetos ajudam quem está à minha volta a adquirir riqueza e, de algum jeito, isso volta para mim. Tem sido um desafio intelectual e criativo construir modelos que possam ser usados por gente excluída e despossuída para criar meios de vida sustentáveis e promover a inclusão social. Criar projetos, implementá-los e ter sucesso, testemunhando o sonho dos outros se realizar, é a felicidade. Dinheiro só torna tudo mais fácil. Por todas essas razões, trabalho deste meu jeito. Sou um escravo dos meus sonhos, pensamentos e idéias. Isso é tudo. (2006, p. 297-298)

Bornstein (2006) conclui que, tanto no discurso quanto na prática dos

empreendedores sociais sempre há elementos que se repetem, que poderiam ser

traduzidos como uma espécie de insight que emerge e passa a ser o propósito de

vida de alguns indivíduos. O autor reforça que este processo é permeado por

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tornam-se preponderantes, transformando-se em uma idéia que precisa ser

colocada em prática.

Por mais que as influências sejam diferentes, um padrão se mantém: em algum momento da vida, os empreendedores sociais põem na cabeça que depende deles resolver um determinado problema. Em geral, alguma coisa vinha fermentando por dentro há muito tempo e num determinado momento específico, muitas vezes provocado por algum acontecimento, a vontade pessoal, a necessidade social e a oportunidade histórica convergem e a pessoa toma uma atitude decisiva.” (2006, p. 298-299)

A Schwab Foundation, organização sem fins lucrativos com sede na Genebra,

Suíça, criada em 1998 por Klaus Schwab, mentor do Fórum Econômico Mundial e por

sua esposa, Hilde, é outro exemplo de entidade que fomenta o empreendedorismo

social. A missão da Schwab Foundation é “fornecer uma plataforma mundial para

promoção do empreendimento social como elemento-chave para uma solução inovadora, efetiva e sustentável aos problemas sociais do mundo”. Para viabilizar este

propósito, a entidade promove a troca de conhecimento entre empreendedores de

destaque, viabilizando o contato deles com potenciais patrocinadores internacionais. A

organização já selecionou 120 empreendedores em 41 países, sendo 11 deles brasileiros.

Atualmente, a Schwab Foundation também promove o Prêmio Empreendedor

Social em diversos países: África do Sul, Alemanha, Argentina, Bangladesh, Brasil,

Canadá, Chile, China, Colômbia, Egito, Espanha, Estados Unidos, França, Hungria,

Índia, Inglaterra, Israel, Itália, Japão, Jordânia, México, Nigéria, Paquistão, Polônia,

Quênia, República Tcheca e Suíça. Os vencedores são convidados a participar de

reuniões do Fórum Econômico Mundial e da Cúpula Mundial de Empreendedores

Sociais, na Suíça. Em 2007, o vencedor do prêmio no Brasil foi Tião Rocha,

antropólogo, presidente da CPCD – Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento –

organização situada em Minas Gerais, enquanto que em 2006, quem ganhou o prêmio

foi o dentista Fábio Bibancos, que dirige a organização denominada Turma do Bem, em

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A Schwab Foundation tem a seguinte definição para empreendedor social:

Um pragmático visionário que realize mudanças sociais de ampla escala, sistêmicas e sustentáveis, por meio de uma nova invenção, um método diferente, uma aplicação mais adequada de estratégias ou tecnologias conhecidas, ou uma combinação de ambos.

Ainda, de acordo com a Schwab Foundation,

empreendedores sociais compartilham de características em comum, incluindo:

- uma crença inabalável, sem hesitação, na capacidade inata de todas as pessoas contribuírem significativamente para o desenvolvimento econômico e social.

- uma paixão contagiante por fazer acontecer.

- uma postura prática, porém inovadora de um problema social, muitas vezes utilizando princípios e as forças do mercado, aliada a uma determinação obstinada, que lhes permite romper com limitações impostas pela ideologia ou campo da disciplina, que os leva a assumir riscos que outros não se atreveriam.

- um zelo para medir e acompanhar o respectivo impacto. Os empreendedores têm padrões elevados, particularmente no que se refere aos seus próprios esforços da organização e em resposta às comunidades com as quais se envolvem. Os dados, tanto quantitativos quanto qualitativos, são os seus principais instrumentos de feedback para a melhoria contínua.

- uma saudável impaciência. Empreendedores sociais não lidam bem com burocracias. Eles não podem sentar e esperar a mudança acontecer - eles são sempre os agentes das mudanças. (www.schwabfound.org)

Outra organização similar que também incentiva o trabalho do empreendedor

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A Skoll Foundation foi criada por Jeff Skoll, em 1999, para levar adiante a sua visão de um mundo onde todas as pessoas, independentemente da sua localização geográfica, origem ou nível sócio-econômico, usufruam e empreguem toda a gama de seus talentos e capacidades. Skoll, que foi o primeiro empregado e primeiro presidente da eBay, acredita que investimentos estratégicos nas pessoas certas podem levar a uma mudança social duradoura. A missão da Skoll Foundation é de contribuir para mudanças sistêmicas que beneficiem comunidades ao redor do mundo através do investimento social, conectando e promovendo empreendedores sociais.(www.skollfoundation.org)

Dentre os projetos desenvolvidos pela Skoll Foundation há o Skoll Awards for

Social Entrepreneurship, para premiar os programas de destaque do ano. Além disso,

em 2003, foi criado o Skoll Centre for Social Entrepreneurship no Saïd Business School

da Universidade de Oxford, para incentivar estudos e novos conhecimentos sobre

empreendedorismo social. Bolsistas participam do programa de MBA e o centro

também apóia fellows que pesquisam e ensinam empreendedorismo social. O Skoll

Centre também promove o Skoll World Forum on Social Entrepreneurship, que é uma

conferência mundial anual que reúne tanto empreendedores sociais experientes, quanto

líderes emergentes neste campo.

De acordo com a Skoll Foundation,

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Para a Skoll Foundation, empreendedores sociais são:

Ambiciosos: empreendedores sociais enfrentam grandes questões sociais, desde incentivar o aumento do percentual de matrículas na faculdade de alunos de baixa renda até a luta contra a pobreza nos países em desenvolvimento.

Guiados pela missão: geração de valor social é o critério central de um empreendedor social bem-sucedido. A riqueza pode ser parte do processo, mas não é um fim em si mesmo. A promoção de mudanças sociais sistêmicas é o verdadeiro objetivo.

Estratégicos: como os empreendedores de negócios, os empreendedores sociais observam e agem sobre o que outros não perceberam: oportunidades para melhorar os sistemas, criar soluções e inventar novas abordagens que adicionem valor social. E, assim como os melhores empresários, empreendedores sociais são muito determinados perante a busca incessante de uma visão social.

Criativos: pelo fato de empreendedores sociais operarem dentro de um contexto social, diferente do mundo dos negócios, eles tem acesso limitado a capital e a estruturas de apoio do mercado. Como resultado, empreendedores sociais devem ser excepcionalmente qualificados para reunir e mobilizar pessoas, recursos financeiros e compor articulações políticas.

Orientados para resultados: em última análise, empreendedores sociais são levados a produzir retornos mensuráveis. Estes resultados transformam realidades existentes, abrem novos caminhos para populações marginalizadas e desfavorecidas, ampliando o potencial de mudanças sociais efetivas. (www.skollfoundation.org)

Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2006, é um exemplo de

empreendedor social citado pela Skoll Foundation, cujo trabalho tem tido repercussão

mundial. Quando era professor de economia da Universidade de Chittagong, em

Bangladesh, ele achava absurda a situação de calamidade social de seu país, onde

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estivessem lutando contra todas as adversidades, buscando alternativas de auto-sustento.

Inconformado, Yunus resolveu conhecer a realidade das comunidades pobres e fez

pesquisas de campo com auxílio de alunos da própria Universidade. A partir de 1976,

ele começou uma experiência revolucionária de oferecer microcrédito para pessoas

pobres de vilarejos de Bangladesh, possibilitando que elas se tornassem

economicamente auto-suficientes. Essas pessoas, que trabalhavam na própria

comunidade, em sua maioria mulheres, não tinham acesso às linhas de crédito de bancos

tradicionais, que impunham restrições instransponíveis, pelo fato de exigirem garantias

que as pessoas em situação de pobreza não podiam oferecer, além do preconceito que

sofriam, por serem pré-julgadas como irresponsáveis e mal pagadoras. Desta forma,

para poderem trabalhar com artesanato ou produção de gêneros alimentícios, essas

mulheres eram forçadas a contrair empréstimos com agiotas, mediante taxas

estratosféricas, fato que as mantinham condenadas ao círculo vicioso da pobreza. Com o

Grameen Bank, criado por Yunus, foi possível conceder empréstimos de pequenas

quantias de dinheiro, com taxas reduzidas, estimulando a produção e desenvolvendo de

forma significativa a economia local. (Yunus, 2006). Este modelo de microcrédito

atualmente já foi replicado em 58 países do mundo. Interessante destacar os inúmeros

obstáculos superados desde o início, envolvendo o Grameen Bank, que foi criado com

um capital de apenas US$ 27 concedidos a 42 pessoas e que já havia emprestado, até o

final de 2007, cerca de US$ 7 bilhões a 7,5 milhões de pessoas, sendo 95% mulheres,

muitas delas acionistas do próprio banco (O Estado de São Paulo, 01/12/07).

Uma outra organização inglesa preocupada com a difusão do trabalho do

empreendedor social é a School for Social Entrepreneurs. Desde 1997, ela tem

oferecido um programa customizado de aprendizado por meio da ação, apoiando mais

de trezentos empreendedores de todas as idades que atuam com diferentes temas e

públicos. Esta organização, portanto, defende a seguinte posição sobre o assunto:

(29)

a parte da sociedade que não é beneficiada pelas políticas públicas. Eles são habilidosos em incentivar as pessoas da comunidade a se envolverem no processo. Empreendedores sociais fazem isso em prol do bem público. (www.sse.org.uk)

Já a definição de empreendedor do The Institute for Social Entrepreneurs,

organização que promove seminários, workshops e serviços de consultoria, situada nos

Estados Unidos, é a seguinte:

Indivíduo que organiza e administra um negócio, assumindo o risco, visando obter lucro. Começando com nada mais do que uma idéia ou um protótipo, empreendedores tem a capacidade de conduzir o negócio até o ponto que possa ser sustentável por si só e gerar fluxo de caixa. De forma geral, empreendedores precisam de liberdade para operar sem muita supervisão. Eles também precisam de definições claras de sucesso e fracasso, feedback, recompensas por performance e desafios. (www.socialent.org)

A mesma organização defende que o empreendedor social possui a arte de obter

simultaneamente retorno sobre o investimento financeiro e social. A definição desta

organização, mais pragmática, já remete ao que será visto no próximo tópico, que

(30)

2.2. Sobre o empreendedor do mundo dos negócios

Segundo o Dicionário Aurélio (2004), a palavra “empreendedor” tem sua raiz

em “empreender”. Como adjetivo, significa “que empreende, ativo, arrojado”. Como

substantivo, significa “aquele que empreende”. “Empreender”, como verbo transitivo

direto, significa “deliberar-se a praticar, propor-se, tentar (empresa laboriosa e difícil)”,

além de “por em execução”. Interessante observar nessas definições a relação do

"empreender" com algo que envolve sacrifício, bem como transposição de obstáculos e

adversidades. O termo “empreendedor” aparece associado à iniciativa de um negócio,

na esfera econômica e mercadológica, vertente que será analisada a partir de agora.

Segundo Drucker (1986), o termo empreendedor deriva do francês entrepreneur,

que significa “aquele que toma em mãos”. O mesmo autor relata que o economista

francês Jean-Baptiste Say, por volta de 1.800, já dizia que empreendedor é aquele que

“transfere recursos de um setor de produtividade mais baixa para um setor de

produtividade mais elevada e de maior rendimento”. (Drucker, 1986, p. 27)

Entretanto, o próprio Drucker alerta para o fato de que o empreendedor costuma

ser usualmente associado a qualquer indivíduo que tenha tido a iniciativa de abrir um

pequeno negócio próprio. “Entretanto, nem todos os pequenos negócios novos são

empreendedores ou representam empreendimento.” (Drucker, 1986, p. 28). Nas

palavras do próprio autor,

Os empreendedores inovam. A inovação é o instrumento específico do espírito empreendedor. É o ato que contempla os recursos com a nova capacidade de criar riqueza. A inovação, de fato, cria um recurso. Não existe algo chamado de ‘recurso’ até que o homem encontre um uso para alguma coisa na natureza e assim o dote de valor econômico. (1986, p. 39)

Drucker explica que aquele que resolve abrir mais uma lanchonete não está

sendo empreendedor, se não houver inovação. É diferente da McDonald´s, que apesar

de não ter inventado algo novo, revolucionou a forma de se fazer lanches, criando um

(31)

Portanto, a palavra empreendedor – entrepreneur – de origem francesa, remete

àquele que assume riscos e começa algo novo. (Dornelas, 2005, p. 29 e Dolabela, 1999,

p. 47).

De acordo com Dornelas (2005),

Para a maioria das pessoas, as boas idéias são daqueles que as vêem primeiro, por sorte ou acaso. Para os visionários (os empreendedores), as boas idéias são geradas daquilo que todos conseguem ver, mas não identificaram algo prático para transformá-las em oportunidade, por meio de dados e informação. (2005, p. 33)

Interessante observar que são inúmeras as tentativas de diferentes autores

procurarem definir os empreendedores a partir de traços de personalidade comuns.

Para Dornelas, “o empreendedor é aquele que faz as coisas acontecerem, se

antecipa aos fatos e tem uma visão futura.” (2005, p. 17). Ele acrescenta explicando que

“os empreendedores são pessoas diferenciadas, que possuem motivação singular,

apaixonados pelo que fazem, não se contentam em ser mais um na multidão, querem ser

reconhecidas e admiradas, referenciadas e imitadas, querem deixar um legado.”

(Dornelas, 2005, p. 21).

Malvezzi (1997) corrobora em parte Dornelas, acrescentando que:

O empreendedor nada mais é do que o indivíduo que “faz acontecer”. É aquele que cria oportunidades assume riscos, busca a superação de obstáculos para prover recursos e condições necessárias para a obtenção de resultados concretos. É um profissional que se responsabiliza por resultados. É um profissional de múltiplas habilidades, porque nunca sabe que necessidade terá pela frente; portanto um profissional polivalente. (1997, p. 49)

A diferença da definição de Malvezzi e de outros autores citados reside no fato

dele considerar empreendedor não apenas aquele que é responsável por recriar o modus

operandi de um determinado nicho de mercado, procurando valorizar também o

comportamento de indivíduos que, como empregados de organizações, agem de forma

(32)

comentar as recentes mudanças no mundo do trabalho, Malvezzi (2000) propõe a

seguinte pergunta:

O que surge como modelo de emprego? O empreendedorismo. É difícil sobreviver na sociedade globalizada, fora desse modelo. Ser empreendedor é a regra para a manutenção de um emprego, não importa se alocado num banco, numa fábrica, num consultório ou como vendedor ambulante. Os negócios estão sendo pulverizados, os empregos são criados pelas pessoas e os resultados dependem de ajustamento aos eventos que recriam as regras do jogo naquele momento.

Em outras palavras, isso significa que o empreendedor age em um contexto onde

já não existem estruturas como antigamente. Com a globalização, a complexidade, a

incerteza, a ambigüidade e a turbulência passaram a ser aspectos triviais, com os quais o

indivíduo teve que aprender a lidar. De um lado, embora a gama de informações e

possibilidades de escolha em comparação a épocas anteriores seja inegavelmente maior,

por outro, nunca antes o indivíduo esteve imerso em um contexto tão pressionado pelo

alcance de metas organizacionais ambiciosas, tendo que lutar para superar inúmeras

adversidades e obstáculos que surgem a todo instante.

Portanto, o cenário atual é bem diferente de algumas décadas atrás, quando o

gerente era a personagem principal nas organizações, operando de acordo com

estruturas claramente definidas, em um contexto estável, onde o próprio desempenho

era normatizado por padrões pré-estabelecidos em manuais. Hoje em dia, ao contrário, a

fragmentação do trabalho é tamanha, que as próprias estruturas de reporte hierárquico

foram revistas e transformadas em novos arranjos onde o indivíduo fica, por exemplo,

provisoriamente alocado em um determinado projeto, em uma certa cidade, enquanto

durar a sua missão. Ou ainda, o indivíduo pode ser contratado para trabalhar para uma

organização, que presta serviços para outra, que é fornecedora de uma terceira, tendo

que prestar contas a todas simultaneamente.

O que se pode perceber, portanto, é uma flexibilização jamais vista de normas e

regras, em um contexto bem mais complexo, com forte pressão pelos resultados e

menor ênfase sobre os processos. A ação do indivíduo em um contexto cuja estrutura,

(33)

exigindo dele um enorme potencial de criação, aprendizado, compromisso, adaptação e

participação, em um contexto onde nem sempre a reciprocidade estará presente.

É por esse motivo que alguns autores como Weick usam o termo enactment

para falar sobre a carreira sem fronteiras, dentro ou fora das organizações, sugerindo

que “os indivíduos são os agentes de seu próprio desenvolvimento” (Weick, 1996, p.

45). Essa frase reforça o argumento de que os empreendedores são realmente indivíduos

que fazem as coisas acontecer, agindo sobre o contexto. Assim, de acordo com o autor,

cada vez mais,

O sucesso na carreira passa a ser definido considerando-se o aprendizado acumulado; construção de uma seqüência de projetos; habilidade de criar e manejar e atribuir significado; facilidade para assumir o papel de principiante sempre que preciso; habilidade de explicar o que anteriormente era conhecido apenas tacitamente; tolerância à experiência fragmentada, habilidade de atribuir sentido às experiências passadas de forma a contribuir para que outros se conscientizem delas; disposição para improvisar, e habilidade para seguir adiante; persistência; compaixão com os outros que lutam com as incertezas de uma vida sem fronteiras; e crença permanente de que as ações farão sentido, mesmo que este sentido não esteja evidente agora. (1996, p. 54)

Outro aspecto relevante sobre a atuação do empreendedor é tratado por Malvezzi

(1997), quando destaca o processo social que permeia seu trabalho, mostrando a

importância do estabelecimento do diálogo para que o grupo consiga alcançar seus

objetivos, uma vez que fala-se muito do empreendedor como um líder cuja atuação

parece isolada e descontextualizada.

(34)

os outros pensam, valorizam e esperam. Faz parte do trabalho do empreendedor o desenvolvimento de algum consenso com outras pessoas que com ele colaboram na realização de suas metas. Dificilmente alguém consegue realizar sozinho um empreendimento. (1997, p. 49)

Entretanto, vale ressaltar o quanto ainda é usual a atribuição de grande destaque

ao indivíduo, como “o salvador da pátria” responsável por todas as conquistas obtidas

no empreendimento. Nas organizações empresariais, a fama é sempre do CEO que

transformou a empresa em um colosso, como se todos os demais não tivessem

participado do processo. Em geral, a mídia e a própria literatura de negócios valorizam

demasiadamente o indivíduo, como se ele tivesse sido o único a fazer acontecer, quando

o coloca na capa de revistas ou quando divulga mais um case de sucesso.

Sobre esse assunto, é importante neste momento pontuar que quando Malvezzi

afirma que hoje o mundo do trabalho é permeado por empreendedores, e que isso se

estende aos empregados das organizações, obviamente não significa que a contribuição

de cada um seja igualmente expressiva. Na verdade, ele aponta que o contexto da

globalização, por sua maior complexidade, exige que o empregado aja como um

empreendedor no desempenho de suas funções, enquanto condição essencial para que

os resultados possam ser alcançados em um mercado altamente competitivo. É nesse

sentido que todos os indivíduos são considerados potenciais empreendedores.

Outro aspecto a destacar é que também não seria justo dizer que um indivíduo é

empreendedor simplesmente por ocupar um cargo de destaque na organização. Nem

todos os CEOs, presidentes ou proprietários de organizações podem ser considerados

empreendedores no sentido pleno da palavra. Para exemplificar, basta citar os inúmeros

casos de indivíduos que, em processos sucessórios de empresas familiares, acabam

sendo designados para ocupar posições de destaque na cúpula de organizações, apesar

de nunca terem demonstrado interesse, vontade ou competência técnica para tal, e que

acabam, em poucos anos, acabam dilapidando tudo o que havia sido construído pelo

antecessor, que era o verdadeiro empreendedor.

Ora, como pode ser observado pela clássica afirmação de Joseph Schumpeter,

economista do século XX que ampliou a definição de seu precursor Jean-Baptiste Say,

(35)

novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela

exploração de novos recursos e materiais.” (Dornelas, 2005, p. 39). “Foi Schumpeter

quem deu projeção ao tema, associando-o definitivamente o empreendedor ao conceito

de inovação e apontando-o como o elemento que dispara e explica o desenvolvimento

econômico.” (Dolabela, 1999, p. 48).

Portanto, fazendo uma observação atenta sobre a definição de empreendedor

com base nos dizeres de Say e Schumpeter, fica fácil delimitar quais indivíduos,

segundo os economistas, realmente merecem ser chamados de empreendedores e quais

não atendem ao critério. A palavra-chave, nesse caso, é a inovação. Em relação a esse

aspecto, considerando o que se fala hoje em dia sobre o empreendedor, Dolabela (1999)

faz uma importante distinção quando contextualiza e diferencia aqueles que realmente

vieram para revolucionar a forma de se fazer algo, de outros que simplesmente em um

dado momento de suas vidas, por várias outras razões, tornaram-se “empreendedores”.

A década de 90 tem sido marcada pelo aumento da opção pelo auto-emprego e pelo surgimento de empreendedores involuntários, representados principalmente por recém-formados e por trabalhadores demitidos de corporações e órgãos públicos em virtude de reestruturação, fechamento, privatizações, fusões etc. Ou seja: pessoas que, não conseguindo colocação ou recolocação no mercado, se vêem forcadas a criar seu próprio emprego como única alternativa de sobrevivência. Muitos dos empreendedores involuntários não são movidos pela inovação; portanto, não poderiam ser chamados de empreendedores no sentido schumpeteriano do termo. (1999, p. 39)

Desde 1999, o GEMGlobal Entrepreneurship Monitor – uma iniciativa

conjunta da Babson College, nos Estados Unidos, e da London Business Scholl, na

Inglaterra, acompanha a atividade empreendedora em diversos países e observa seu

relacionamento com o crescimento econômico.

O Global Entrepreneurship Monitor (GEM) é um consórcio de pesquisa

(36)

países, em 2007 o GEM conduzia pesquisas em 42 países. (www.gemconsortium.org)

O Brasil é um dos países participantes dessa pesquisa global. A mais recente

pesquisa, publicada pelo GEM Brasil em 2006, revela que para cada empreendedor por

oportunidade, existe um empreendedor por necessidade. Só para se ter uma base de

comparação, em países de alta renda, para cada nove empreendedores por oportunidade,

há um empreendedor por necessidade. (www.gembrasil.org.br). Mas, afinal, qual é a

diferença entre um e outro? Dornelas (2005) explica que

No empreendedorismo de oportunidade, o empreendedor visionário sabe aonde quer chegar, cria uma empresa com planejamento prévio, tem em mente o crescimento que quer buscar para a empresa e visa a geração de lucros, empregos e riqueza. Está totalmente ligado ao desenvolvimento econômico, com forte correlação entre os dois fatores. A segunda definição seria o empreendedorismo de necessidade, em que o candidato a empreendedor se aventura na jornada empreendedora mais por falta de opção, por estar desempregado e não ter alternativas de trabalho. Nesse caso, esses negócios costumam ser criados informalmente, não são planejados de forma adequada e muitos fracassam bastante rápido, não gerando desenvolvimento econômico e agravando as estatísticas de criação e mortalidade dos negócios. (2005, p. 28)

O desafio, portanto, é incentivar cada vez mais que os indivíduos se tornem

empreendedores por oportunidade, conscientes de seu papel e preparados para iniciar

seus negócios. No entanto, para que isso ocorra, são necessárias transformações

culturais e estruturais, envolvendo mudança de mentalidade, além de políticas

governamentais que facilitem a atuação do empreendedor, bem como a ampliação do

trabalho desenvolvido por associações e fundações que apóiem o indivíduo e/ou

exerçam pressão por mudanças sobre as estruturas vigentes.

Nesta linha, cabe mencionar o trabalho realizado no Brasil desde 1972 pelo

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – que é uma organização

sem fins lucrativos de interesse público, com regionais em todos os Estados do País, que

oferece apoio a indivíduos que possuam ou que desejam iniciar um empreendimento na

(37)

exemplo, oferece um dos cursos de capacitação de empreendedores mais reconhecidos

do Brasil, que é o “EMPRETEC”, voltado para indivíduos que já possuem um plano de

criação de uma empresa, cuja metodologia estimula os participantes a fortalecerem suas

características empreendedoras para conduzir seus negócios de forma competitiva.

(www.sebraesp.com.br).

Outra organização que tem procurado desenvolver a atuação do empreendedor

de negócios no Brasil, desde 2000, é o Instituto Endeavor – derivado do Endeavor

Initiative Inc. criado nos Estados Unidos em 1997 por um grupo de ex-alunos da

Universidade de Harvard, que atualmente possui escritórios regionais na África do Sul,

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Uruguai e Turquia.

O Instituto Empreender Endeavor é uma organização sem fins lucrativos, que tem como missão promover o desenvolvimento sustentável do Brasil, por meio do apoio a empreendedores inovadores e do incentivo à cultura empreendedora, gerando postos de trabalho e renda. (www.endeavor.org.br)

O Instituto Endeavor parte da premissa de que a criação de negócios inovadores

e baseados em oportunidade é um dos fatores de prosperidade de um país, aliada à

existência de empreendedores dispostos a realizar sonhos em prol do desenvolvimento

econômico. Portanto, seleciona e apóia empreendedores que tenham potencial para

gerar resultados de alto impacto, com idéias e planos ambiciosos para a criação de

empresas prósperas, que possam empregar o maior número possível de pessoas e gerar

elevados retornos em receitas, impostos e salários.

A Endeavor concentra-se nesses empreendedores, ajudando-os a romper as barreiras que dificultam o desenvolvimento de negócios por meio de um modelo único de atuação. Com a orientação da Endeavor, tornam-se exemplos a serem seguidos, incentivam os demais a inovar e geram crescimento sustentável. (www.endeavor.org.br)

Outra questão essencial levantada por Dolabela (1999) quando se fala sobre a

formação de um empreendedor de sucesso, é a de que o mero domínio da técnica,

(38)

Ser empreendedor não é somente uma questão de acúmulo de conhecimento, mas a introjeção de valores, atitudes, comportamentos, formas de percepção do mundo e de si mesmo voltados para atividades em que o risco, a capacidade de inovar, perseverar e de conviver com a incerteza são elementos indispensáveis. (1999, p. 44)

Muitas pesquisas foram realizadas por estudiosos de diversas áreas do

conhecimento, em especial da área da Psicologia, com o objetivo de identificar um

perfil que pudesse contemplar as características do empreendedor bem-sucedido, em sua

maioria procurando buscar traços de personalidade que fossem comuns a todos eles. Os

estudos nessa área não são conclusivos e nem chegam a um consenso, mesmo porque a

maior parte dos pesquisadores baseou suas análises considerando populações diferentes

em contextos variados. Mesmo assim, é possível observar algumas características e

comportamentos usualmente encontrados na maioria dos indivíduos empreendedores.

Um dos pioneiros estudiosos deste assunto foi David McClelland, na década de

70. Para ele, existem três conjuntos que compõem o comportamento do empreendedor:

1) conjunto de realização: busca de oportunidades e iniciativa, exigência de qualidade e

eficiência, persistência e comprometimento; 2) conjunto de planejamento: busca de

informações, avaliação de situações e análise dos riscos envolvidos, estabelecimento de

metas e monitoramento sistemático das ações; 3) conjunto de poder e influência:

independência e autoconfiança, assim como capacidade de persuasão e

desenvolvimento de rede de contatos.

Após McClelland, diversos pesquisadores especializados em comportamento

humano se dedicaram a investigar as características comuns aos empreendedores, sendo

que algumas das mais freqüentemente atribuídas a eles foram as seguintes: inovação,

liderança, ousadia, independência, criatividade, determinação, autoconfiança,

pró-atividade, realização, originalidade, otimismo, orientação para resultados, flexibilidade,

engenhosidade, sensibilidade e tolerância à ambigüidade e incertezas (Filion, 1998).

Outras características também atribuídas ao empreendedor envolvem visão, autonomia,

comprometimento, persuasão, sonhador realista e voltado para o aprendizado.

(Dolabela, 1999). E ainda, indivíduos que fazem a diferença, que sabem tomar decisões

e explorar ao máximo as oportunidades, dedicados, apaixonados pelo que fazem, bem

(39)

Hoje, cada vez mais as pesquisas sobre o empreendedor também estão

abarcando outros aspectos, envolvendo as competências necessárias para que ele atue

bem em um determinado contexto, além de questões relacionadas à aprendizagem do

indivíduo. Em outras palavras, isso significa o reconhecimento de que o sucesso de um

empreendimento não depende somente do indivíduo, nem somente do contexto, mas

sim da inter-relação de ambos. Assim, as pesquisas passam a enfatizar o processo, na

investigação da relação de reciprocidade entre o indivíduo e a estrutura. Porém, esta

tendência não implica no abandono de estratégias anteriores, mas certamente mostra-se

mais pertinente e adequada ao novo contexto de complexidade, turbulência e incerteza

que faz parte do cotidiano do indivíduo hoje em dia. Ao mesmo tempo, vale lembrar

que o discurso racionalista a respeito do empreendedor enquanto agente fomentador do

crescimento econômico segue firme na agenda.

Como aponta Dolabela (1999)

Hoje, a visão Schumpeter tornou-se predominante: o empreendedor como motor da economia, o agente de inovação e mudanças, capaz de desencadear o crescimento econômico. Isto é muito importante, porque significa a crença de que as comunidades, através da atividade empreendedora, podem ter a iniciativa de liderar e coordenar o esforço no sentido do seu próprio crescimento econômico. Acredita-se ser possível alterar a curva da estagnação econômica e social através da indução de atividades inovadoras, capazes de agregar valores econômicos e sociais. (1999, p. 54)

Seguindo este raciocínio, Bornstein (2006) defende que,

No fim das contas, os empreendedores sociais e comerciais são praticamente da mesma espécie. Pensam sobre os problemas do mesmo jeito. Fazem o mesmo tipo de pergunta. A diferença não está no temperamento nem na capacidade, mas na natureza das suas visões. Em uma só pergunta: o empreendedor sonha em construir a maior fábrica de tênis do mundo ou em vacinar todas as crianças do mundo? (2004, p. 297)

Será que a pergunta poderia ter sido formulada de forma tão simples assim? Essa

(40)

pautado pela busca obsessiva de resultados a qualquer custo, em nome da obtenção de

maior vantagem competitiva, com estruturas cada vez mais frágeis, onde o indivíduo é

exigido ao extremo para demonstrar capacidade de criar e inovar, comportando-se como

um empreendedor, como o empreendedor social se insere e se comporta neste processo?

O campo do empreendedorismo social, ainda é, sem dúvida, bem mais novo e incipiente

do que o campo do empreendedorismo de negócios, já estabelecido há mais tempo.

Portanto, embora já seja possível apontar que a capacidade de inovação e um

comportamento pautado pela obstinação em fazer acontecer e revolucionar seus campos

de atuação sejam características comuns aos empreendedores de negócios e aos

empreendedores sociais, ainda é difícil, em princípio, afirmar os limites que diferenciam

as ações realizadas por um e por outro. Daí a necessidade de se fazer algumas

considerações que possam ajudar a esclarecer estes limites, mostrando, de forma crítica,

alguns riscos que permeiam o fazer do empreendedor social neste mundo regido pelo

(41)

2.3. Riscos, fronteiras e zonas cinzentas

Discutir riscos, fronteiras e zonas cinzentas é uma tarefa árdua. Nem sempre é

fácil distinguir claramente os limites entre as ações de empreendedores puramente

comerciais das realizadas por empreendedores sociais em prol do bem comum. Se no

campo dos negócios fica muito claro que o objetivo de empreender, inovar, assumir

riscos e fazer acontecer é o de gerar retorno financeiro, sob a forma de lucro apropriado

pelo indivíduo, esse mesmo processo pode gerar grandes discussões quando a questão

diz respeito às contrapartidas do trabalho realizado pelo empreendedor social.

Para contextualizar o assunto, em primeiro lugar, é importante traçar um breve

panorama da situação brasileira, quando se compara o setor empresarial com o setor

sem fins lucrativos. As diferenças de ordem de grandeza são gigantescas. De um lado,

dentre as mais de 5 milhões de empresas existentes no Brasil no ano de 2006, apenas as

500 maiores faturaram US$ 694 bilhões, o que corresponde a 61% do PIB nacional,

gerando 1,95 milhão de empregos. (www.portalexame.abril.com.br). De outro, as

326.000 fundações privadas e associações sem fins lucrativos do Brasil, com receitas de

US$ 54 bilhões, equivalentes a 5% do PIB nacional, geraram 3 milhões de empregos.

(www.ibge.gov.br; www.ipea.gov.br; www.pnud.org.br)

Importante destacar que os números do setor sem fins lucrativos englobam dados

de uma quantidade muito reduzida de grandes fundações e institutos empresariais, que

embora percentualmente desprezíveis nesse universo, acabam alavancando fortemente

os números do setor todo. O fato é que a maioria das organizações sem fins lucrativos,

criada a partir dos anos 90, sequer possui empregados, depende amplamente do trabalho

voluntário, opera pequenos projetos com orçamentos reduzidos, além de quase metade

delas ter o próprio governo como principal parceiro financiador.

Outro dado interessante, que corrobora este cenário, pode ser visto na análise do

investimento social realizado pelas 101 organizações associadas ao GIFE – Grupo de

Institutos, Fundações e Empresas – nas áreas social, cultural e ambiental. O mais

recente censo do GIFE revela que os associados investiram cerca de R$ 1 bilhão, o que

(42)

social, segundo dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

(www.gife.org.br).

Fenômeno similar ocorre quando se analisa o perfil das organizações associadas

ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Das 1.307 empresas

associadas no mês de fevereiro de 2008, praticamente 35% delas eram de grande porte.

Mais uma vez isso confirma que são as empresas com maior poder econômico que tem

a possibilidade de estruturar departamentos de sustentabilidade ou de responsabilidade

sócio-ambiental, assim como Institutos ou Fundações que, dentre outras tarefas, se

incumbem de criar estratégias para direcionar parte dos recursos em prol do

investimento social nas comunidades. É óbvio que, nesses casos, o alvo são ações que

possam gerar o maior retorno possível de imagem institucional, ou seja, que nem

sempre é compatível com as necessidades das comunidades beneficiadas.

Mais uma vez é possível perceber a concentração de recursos e de poder nas

mãos de poucas organizações sem fins lucrativos e de um seleto grupo de organizações

empresariais, em ambos os casos, com amplo poder para definir as “regras do jogo”.

Este, sem dúvida, é um risco relevante tanto dentro do campo tradicional do

empreendedorismo de negócios, quanto no campo do empreendedorismo social. A

globalização, que do ponto-de-vista econômico promove constantes fusões e aquisições,

impulsiona a criação de grupos cada vez mais poderosos, cujo resultado é uma profecia

auto-realizadora: quanto mais eles crescem, mais fortes ficam para investir novamente e

divulgar suas marcas, obtendo assim cada vez mais retorno financeiro.

O “resultado marginal”, usando a linguagem dos economistas, passa a ser o

grande problema. Como regular esse mercado, que afeta tanto os empreendedores de

negócios, quanto os empreendedores sociais?

“Say acreditava que um mercado livre sempre se ajustaria automaticamente,

num equilíbrio pleno com o pleno emprego, tanto do trabalho quanto da capacidade

industrial”. (Hunt, 1981, p. 155). Esta passou a ser conhecida até os nossos dias como a

Lei de Say, a oferta cria sua própria demanda, sendo que as forças do mercado e da livre

concorrência seriam suficientes para eliminar os efeitos negativos de desequilíbrios

temporários. A Lei de Say seria rejeitada posteriormente por Marx e Keynes, embora

(43)

Outro aspecto importante apontado por Hunt (1981) é a questão daquilo que os

economistas chamam de “externalidades”.

Ocorrem externalidades quando a função de utilidade de uma firma é afetada pela produção de outra firma ou – o que é mais importante – quando a utilidade para um indivíduo é afetada por um processo de produção com o qual ele não tem qualquer ligação direta. (1981, p. 418-419)

Quando uma grande empresa decide fechar as portas de uma fábrica, mudando

de município, esta não é uma decisão que afeta unicamente os negócios da organização.

Esta decisão afeta a própria economia local do município, com a diminuição de

empregos, reduzindo, por exemplo, o comércio e a arrecadação de impostos. Da mesma

forma, a instalação de uma nova grande fábrica pode aumentar o nível de emprego e

trazer mais recursos financeiros, mas em contrapartida, ampliar a poluição, o ruído e o

trânsito na região onde for instalada. “Mas no mundo da ‘mão invisível’ dos utilitaristas

neoclássicos, cada um só se preocupa com seus próprios atos, e todos os atos egoístas

promovem o bem-estar geral.” (Hunt, 1981, p. 420).

Este é, portanto, o ambiente no qual o empreendedor – seja de negócios ou

social – opera. Ele precisa ajustar continuamente sua ação ao contexto, procurando

transformar o ambiente, ao mesmo tempo em que por ele é transformado. Ele precisa se

adequar às “regras do jogo” e também lutar para mudá-las, para que sua organização

possa “decolar”. Esta não é uma equação fácil considerando-se a complexidade do

mundo atual, pautado por incertezas, ambigüidades e mudanças repentinas.

Outro risco que merece ser destacado diz respeito ao comportamento do

empreendedor. Como acontece no mundo dos negócios, o setor social também não está

imune à presença de “predadores”, ou seja, indivíduos mal intencionados que só estão

pensando em tirar proveito para si próprios.

Hoje é possível encontrar pessoas com as mais diversas qualificações

profissionais que desempenham o papel ou que simplesmente se autodenominam de

“empreendedores sociais”. O que se observa, deste modo, é uma verdadeira panacéia,

uma miscelânea de gente disputando um “lugar ao sol”, visando obter reconhecimento

Referências

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