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1. A respiração do pensamento

1.1 Alvéolos e vertigens do pensamento

1.1.2 Método e meditação

Na relação de palavras que interpostas criariam uma nova “origem” para o pensamento, some-se, no “processo” de Nancy ao qual aqui nos voltamos, outro par de palavras: “método” e “meditação”. A palavra “meditação” não é oferecida na fala inicial que abriu o presente texto, porém é trazida através de outro texto a partir da palavra “método”, de um modo que igualmente ressalta as preocupações do autor na direção de uma abertura do pensamento para além de uma “metodologia”. Pensemos, por hora, nisto que se põe em jogo na relação entre “método” e “meditação”, a partir do artigo de Nancy, intitulado “Meditação de método”, publicado em 2013 na revista

Alea, da UFRJ, dedicada à obra de Georges Bataille. Nele, Nancy desenvolve uma

análise sobre o método a partir do texto “Método de meditação” (BATAILLE, 1973) de Bataille18, deslocando19, por sua vez, a ênfase daquilo que Bataille problematiza – a meditação que traduz o que seria para Bataille uma “operação soberana” ‒ e provocando uma discussão sobre a própria noção de método.

As duas perspectivas que trazemos – o método diante da bricolagem e da meditação ‒ embora se relacionem, apresentam diferentes formas de lançar-se na abertura do pensamento. Se, por um lado, pensamos a bricolagem a partir da disponibilidade e abertura para os encontros em uma dinâmica da obra, por outro, o que é provocado, neste segundo texto, pela palavra “meditação”, leva em conta as articulações implicadas no método que oferecem uma experiência de sentido com base no movimento mesmo do pensamento. Mais especificamente, se em um primeiro

18Nancy, aliás, não se atém apenas a um estudo a partir de Bataille, levando em consideração igualmente, ao longo do artigo, a importância de trechos tirados de Descartes, Espinoza, Hegel, Sartre e Heidegger (citados aliás, este também, tão “vertiginosamente” quanto a vertigem que vem a tematizar em suas considerações sobre o método). 19Seria importante lembrar a observação de Nancy segundo a qual não estaria substituindo uma palavra pela outra (meditação por método): “não se trata de substituir ‘método’ por ‘meditação’ e, sobretudo, não como se quiséssemos substituir a meditação do meio por uma imediatez fusional – com a qual, no entanto, não se deve confundir as vertigens bataillianas, a sufocação, o mal-estar”. (NANCY, 2013, p. 307)

momento pensamos como o “método” (enquanto forma do pensamento) está implicado em um processo de abertura em direção ao mundo a partir da ideia de bricolagem, com a meditação, essa abertura entre pensamento e mundo parece entrar em uma vertigem da “experiência interior”20, para usar um termo de Bataille, chamando a um tipo de transe metodológico na alquimia do “próprio” pensamento, ou ainda, da própria filosofia, como iremos verificar.

No que diz respeito ao modo como Bataille insere o tema da meditação em uma compreensão sobre a experiência do pensamento e da linguagem, Nancy explica que no texto em questão, o autor experimenta a necessidade de manter à distância o próprio registro do meio, “no que ela não desdobraria uma instrumentação ou uma progressão, mas se agrega mais numa penetração, se concentra numa adesão21”.

Neste sentido, a Bataille, interessariam experiências-limite que reforçariam um certo caminho para a meditação, tais como, respectivamente, a embriaguez, a efusão erótica, o riso, a efusão do sacrifício e a efusão poética. Bataille então disserta a respeito de cada uma dessas experiências, assim como das relações que se constituiriam entre elas. A contribuição da reflexão, que recebe influência também de Descartes22, parece interessar sobretudo a Nancy no sentido de que ela aponta justamente para um pensamento enquanto ato:

A meditação é prática, ou seja, ela é um ato, um procedimento efetivo e concreto em que o corpo se engaja tanto quanto a alma, em que a alma testemunha da melhor forma esta extensão, que segundo Descartes, é a sua e a dispõe em todas as partes do corpo. Ela é o pensamento no seu ato de pesar – segundo sua etimologia – o que quer dizer tanto ponderar [soupeser] a coisa (o ser, o sentido, o verdadeiro) quanto se apoiar sobre ela, nela. (NANCY, 2013, p. 305)

Segundo Nancy, Bataille estaria igualmente interessado em afastar da meditação “a tentação que poderia constituir um ensinamento à maneira da ioga” (NANCY, 2013, p. 306). Nancy se refere à sessão do texto chamada Ma méthode est

aux antipodes du “yoga”, na qual Bataille comenta com agudeza crítica o que

20Bataille explica, em Méthode de méditation (1973), que anteriormente teria designado a experiência que quer ressaltar de “experiência interior” ou “extremo do possível”, mas gostaria mais de meditação.

21 Utilizarei aqui, nas citações do artigo, a tradução que assinei do artigo, que foi publicada, junto ao texto original, nesta edição citada da revista Alea, da UFRJ. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2013000200003. Acessado em 17. 01.2016.

22Seria especialmente válido, no contexto de uma continuidade de pesquisa sobre o processo de pensamento de Nancy a partir desse texto, considerar a relação de Nancy com Descartes.

compreende da ioga. Para ele, o que é colocado em jogo na ioga é algo louvável (observação que igualmente abriria para uma possível ironia), pois tal disciplina trataria de escapar a um tipo de banalidade da esfera da atividade, do “mundo real” para ir em direção a um tipo de experiência interior. Porém, a ioga o faria sobretudo na busca de um meio. Ou seja, se recorrer aos meios define a própria esfera da atividade, como sair dessa esfera com o discurso do “meio”? Seria uma contradição. A ioga, então, não poderia oferecer uma verdadeira solução para a meditação, mantendo a ruína de algo que para Bataille dispende do meio, sendo fundamentalmente uma prática. No entanto, é o que observa Nancy em seu texto, Bataille não mencionaria no texto que “meditação” teria sido um termo usado extensamente pela própria filosofia, que remonta aos estoicos:

o que ele não ressalta e que, no entanto, não pode lhe ser desconhecido é que a palavra foi também pronunciada pelos filósofos, muito antes de Descartes e mesmo antes do cristianismo (meditatio é uma palavra presente nos estoicos e seu valor de reflexão atenta, de preocupação penetrada, retoma um valor do grego mélétaô, tomar cuidado, estudar, cultivar – como na célebre mélétè thanatou, "meditação da morte" ou em seu simétrico mélétè to pan, "cuide do todo") (NANCY, 2013, p. 307).

Deste modo, em “Meditação de Método”, Nancy trata da relação que se dá entre os termos “método” e “meditação” na história de seus usos e interpretações, levando a um tipo de vertigem entre os termos, que se daria quando as próprias possibilidades de diferença e distinção das palavras se tornam rarefeitas. Assim, se colocamos os textos de Nancy e Bataille em perspectiva, poderíamos dizer que se, por um lado, Bataille escreve para investigar uma forma, ou ainda, estados privilegiados de experiência em direção ao que seria para ele um estado de “meditação”, Nancy está interessado no que haveria dessa experiência da meditação no próprio método, representando, a primeira, uma operação onde o sujeito ele mesmo se coloca em jogo, no ato da meditação (ou no ato do método).

O meio, neste caso, que se supõe uma característica inabalável do

método, seria “infiltrado” ou abalado então, segundo Nancy, por uma experiência que

quebra com a autonomia desse meio, com a possibilidade dele distinguir as “partes” envolvidas no ato de pensar, seja entre sujeito e objeto, ou do sujeito como sujeito. O pensamento da meditação se introduz no método penetrando essas categorias. Ao mesmo tempo, Nancy não anula as considerações sobre o método como meio, mas

especula sobre uma operação que dinamiza o método em uma experiência do ato e da prática, sem desconsiderar uma reflexão sobre o meio.

A parte final do artigo evidencia uma linha entre a discussão do método (como um debate sobre o problema do “meio”) e sua relação com o “ser-com” como uma outra via para pensar o problema, onde esse meio não designa um lugar ou alternativa fixa para chegar a algum lugar, mas a maneira mesma do pensamento existir e se relacionar com o exterior. Por isso, Nancy não abandona o meio na sua discussão, nem se relaciona com facilidade crítica a um tipo de negação do meio que Bataille está propondo. Esta negação seria considerada por Nancy como necessidade de entrada em um “outro mundo”, o que constituiria um ponto de atrito entre os dois autores. Ao abrir o precedente para tal compreensão, onde há um tipo de comunhão com uma outra matéria, um outro mundo, a noção de comunidade para Bataille será ao fim do artigo discutido por Nancy. Pois a comunidade, para Nancy, é algo que se dá entre os seres (reais, imaginários ou fanstasmáticos) “neste mundo”. No entanto, o que lhe importa parece ser justamente acolher a importância do ato, de uma força desejante, tal como para Bataille.

Um questionamento sobre o meio está presente, portanto, no debate em torno de ambas as palavras, mas talvez uma diferença mais clara aplicada a essas palavras, aponta Nancy, seja estar a meditação ligada a uma relação sem fim determinado ‒ o que poderia levar a uma relação vertiginosa ou mesmo fusional ‒ quando o método, tal como a filosofia o compreende, visaria um fim, colocando-se de modo exterior àquilo com o qual é confrontado. Contudo, o que estaria em jogo para o autor seria refletir até onde procede essa exigência do método em se recusar ao êxtase, ou ainda, em um vocabulário fortemente herdado de uma dada tradição, ao

oráculo e a um tipo de verdade que primeiro nos chega. Nessa comparação entre os

termos residiria uma perspectiva fundamental. No artigo, Nancy está interessado finalmente em pensar, junto ao texto de Bataille, não uma substituição de método por

meditação, sobretudo não no sentido da meditação como um tipo de imediatez

fusional em relação ao mundo, criando uma nova identidade e hegemonia, mas a uma intensidade ou força que se dá no ato de pensar23.

23Tal investimento, segundo Bataille, em nota de rodapé, ainda que seja escrito aos moldes filosóficos, não se dirige aos filósofos. Segundo Bataille, “ce que j’ai tenu a dire, par ailleurs, n’est guère difficile à saisir. Même laisser les passages obscurs, en raison de l’intensité du sentiment, entraînerait de moindres malentendus que lire en professeur”. (BATAILLE, 1973, p. 194)

Trata-se somente de bem discernir até que ponto o método representa para a filosofia – para o exercício da filosofia e para o exercício que ela é – ao mesmo tempo a exigência de se recusar ao êxtase, à efusão, ao oráculo e à cegueira sobre o caráter necessariamente primeiro, inicial e mesmo iniciador da verdade que nos chega, que nos requer, que se faz desejar antes de tudo e em tudo (nas coisas, nas pessoas e nas obras) – e que sem dúvida não impede de beirar a vertigem. (NANCY, 2013, p.307)

Nancy serve-se, pois, da força (que não se colocando de maneira científica, neutra ou exterior, se apresenta de forma “misteriosa”, “mística”, para dizer nos moldes da conferência já citada) que Bataille está pondo em jogo, para argumentar que, em vez de uma finalidade, se deveria considerar o método na filosofia como o movimento de uma atração ‒ exposição plena com relação ao que chega do mundo. Ao ser exercido, tal movimento não pode se furtar à possibilidade do êxtase, ou seja, de algo ou alguém que cai num estado vertiginoso, transportado para fora de si.

Talvez experimentar um tipo de vertigem seja, afinal, inevitável nessa “nova” abordagem sobre o método quando deslocada a perspectiva de que ele se aplique como forma exterior ao que se refere. Restaria, assim, um método desgovernado de si mesmo, ou ainda, que estende a ideia de “centro” para um tipo de movimento. Em outras palavras, um método que perdendo esse eixo que se formularia como uma relação a si, se investe e se orienta a partir da tentação do outro, como um estado de transe, não visando transcendência ou acesso a outro mundo, pois o fazer é o seu próprio transcender.

Subitamente (ainda que sem parecer causar qualquer tipo de real interrupção no movimento do texto), Nancy introduz duas palavras até então estranhas ao vocabulário de seu texto, assim como ao do texto de Bataille. São elas

sentido e circulação. Eis o trecho primeiro dessa aparição:

O sentido não é uma teleologia da significação – um objetivo da história ou da vida – mas está na passagem incessante, na circulação ininterrupta entre todos os pontos de verdade cuja disseminação forma – paradoxalmente – o mundo ou os mundos que habitamos sem que eles abram para qualquer outro mundo; abrindo, todavia, para uma vertigem neste mundo, um desvanecimento, com o coração na boca.”. (NANCY, 2013, p. 308)

Sentido, tal como Nancy emprega, aqui, chega quase como substituto para

o par (ou para a relação que ele gera) método/meditação até então discutido, assim como para a própria palavra filosofia. Ou, ainda, se o autor não opera propriamente uma substituição dos termos, poderíamos dizer que realiza um deslocamento do centro ou da palavra que até aqui havíamos ao menos acreditado orientar o

movimento do pensamento (exercendo aí mesmo, arriscaríamos dizer, a liberdade bataillana do método que está pondo em debate). O sentido é aquilo que é convocado pelo texto. Pois, entre o método e a meditação, entre a demanda da finalidade, preexistente, em um projeto de pensamento, algo se sente; sensualmente, inteligivelmente e “em direção a algum lugar”24.

Que “algo se sinta” não significa, porém, que o mundo se torne uma unidade, pois o “sentido” é feito a partir dessa estrutura dependente de algo que excede a si mesmo. O sentido, para Nancy, não se refere ou representa um mundo. Assim como a arte, o sentido “cria mundos” mas apenas pode fazê-lo e assim existir

neste mundo. E talvez, como ele mesmo aponta, esse poderia ser um de seus pontos

de atrito com relação a Bataille.

Se pudermos fazer uma breve digressão sobre a palavra “sentido” para Nancy, seria preciso lembrar que ela se insere em uma tentativa de compreender algo como um vir-ao-mundo constante do próprio mundo e, neste sentido, o mundo está sempre por ser feito, em uma pluralidade singular de cada “alcance” do sentido. Do ponto de vista de uma genealogia do sentido na obra de Nancy, William Watkin, no artigo “Poetry’s promiscuous plurality”25, aponta que Nancy teria tratado o problema de um sentido que se efetiva neste mundo (tentando excluí-lo de uma perspectiva presencial ou transcendental) primeiro na perspectiva do simbólico [referindo-se ao trabalho sobre o romantismo alemão em L’absolu littéraire (1978) e depois sobre o mito. Seria difícil, ao nosso ver, apontar na obra de Nancy uma análise sistemática do termo sentido em contraste com a tradição de pesquisadores da linguagem, na especificidade eventualmente trazida por ele, por um projeto particular. Se podemos, no entanto, lembrar de algumas ocorrências dessas relações de história e genealogia conceitual do problema do “sentido” de acordo com os debates sobre o“simbólico” e o “mito”, tal como apontado pelo pesquisador, notamos que esses dois trabalhos citados foram escritos em parceria com Philippe Lacoue-Labarthe (em especial Le titre

de la lettre, 1990, e L’absolu littéraire, 1978), o que nos leva novamente ao nosso

ponto inicial, sobre o problema de um método “próprio” da sua forma de produção de pensamento, assim como a rede complexa de atravessamentos que esse pensamento acolhe com radicalidade.

24Para um maior desdobramento desses três desenvolvimentos da noção de sentido na obra de Nancy ver “De- monstation and the sens of art”, de Stephen Barken, em Jean-Luc Nancy and plural thinking (2012).

Retornando ao texto “Meditação de método”, o que se compreende aqui como sentido (à parte suas referências saussurianas, lacanianas ou freudianas), dado a partir de uma relação intrínseca com o mundo (termo este também emergente na escrita de Nancy para designar aquilo que vem de fora), é tomado enquanto experiência ou atividade do pensar. Sobre esta relação, Nancy argumenta, em Le

poids d’une pensée (2008), que o inteligível seria uma das formas através das quais

o sensível se articula: “o inteligível é a sensibilidade na medida em que ela se apresenta a ela mesma: na medida em que ela se faz sentir aquilo que é o sentir” (NANCY, 2008, p. 211, tradução nossa)26, o que inscreveria o inteligível no domínio da questão do sentido. O sentido sensível e o sentido inteligível ficam, nesta perspectiva, entrelaçados, ainda que o inteligível seja considerado como um peso diferente, pois lhe escapa seu próprio corpo (e até mesmo saber sobre seu próprio corpo). A questão, neste ponto, é delicada. Tal como explica no texto “Psyche ist

ausgedehnt”, em Corpus (2000), os corpos tocados pelo pensamento constituem um

problema muito específico, pois são, tal como o corpo, corpos em extenso, mas intocáveis; inteiramente corporais mas absolutamente intactos27.

Em “Meditação de Método”, Nancy parece reinserir (em outros moldes e com um outro vocabulário) essa perspectiva apresentada em Le poids d’une pensée (2008), entre sentido sensível e inteligível, a partir de uma tentativa de realocar o método filosófico como uma urgência de articular o sensível no pensamento. Em certa medida, a discussão sobre o meio deixa de se aplicar, pois se trata de um tipo de força da aderência, da atração. Assim, na esteira de Bataille, mas agora com um vocabulário mais particular à sua própria escrita, Nancy propõe alguns pontos ao mesmo tempo: um método que atue como força transgressora, tal como indica o texto

26No original: “l’intelligible est la sensibilité en tant qu’elle se présente à elle-même: en tant qu’elle se fait sentir ce que c’est que [sentir]”. 27Tomamos o texto “Psyche ist ausgedehnt” aqui apenas de modo a contribuir à discussão em curso sobre o método. O texto sobre Psyché, baseado, conta Derrida, no penúltimo manuscrito de Freud, e publicado em três versões na obra de Nancy Première Livraison no 16, (1978), Le poids d’une pensée (2008) e Corpus (2000), traz uma discussão que não será possível aprofundar na tese. No entanto, seria interessante apenas uma observação que margeia esse debate, no que diz respeito ao texto de Derrida. Ao comentar sobre o texto de Nancy, Derrida ressalta que Nancy escreve diante de uma emoção impulsionada pela frase de Freud. Derrida explica sobre o funcionamento do texto: “Il démarre alors, et repart, plus d’une fois, compulsivement, mais toujours en commençant par s’immobiliser, rassemblant son corps, coureur sur le [starting block]" (DERRRIDA, 2000, p. 21). O elemento metódico, medodológico, aquilo que oferece uma ordem de meios não poderia ser dado a não ser através de um movimento muito específico do próprio corpo que se investe na relação com esse manuscrito de Freud.

de Bataille; e em seguida, um método que faça sentido e que o faça, ou o alcance, (neste alcançar que não existe senão no seu ato) neste mundo.

O sentido, afinal, como aponta Nancy, não pertence a uma teologia da significação, oferecendo-se enquanto ordem ou enquadramento de uma estrutura significativa. Ao sentido não pertence, intrinsecamente, o domínio de uma ordem significativa, não no sentido de uma finalidade (nem tampouco de um ordenamento, do rigor de uma disciplina). E ainda, sem esta ordem propositiva, o sentido ‒ palavra justaposta à palavra “método”, inaugural da discussão ‒ circula, como exercício sem finalidade:

A circulação do sentido não é nem uma mediação, nem uma imediatidade: é uma relação, não é uma atividade, mas não é uma inação. É um exercício, mas sem finalidade. É uma proximidade segundo o espaçamento dos singulares.

“Circulação”, igualmente, é uma palavra que tem uma importância crescente na escrita de Nancy, ganhando força particular em Être singulier pluriel (1996), livro que será abordado no segundo capítulo. Nancy insiste na palavra “circulação” para marcar a ideia de um sentido sincopado da existência, de algo que se dá com relação ao mundo por meio da linguagem. Ele diz:

Il n’y a pas d’autre sens, s’il est permis de le dire ainsi, que le sens de la circulation – et celle-ci va dans tous les espace-temps ouverts par la présence à la présence. Toutes les choses, tous les étants, tous les existants, les passes et les à-venir, les vivants et les morts, les inanimés, les pierres, les plantes, les clous, les dieux – et “les hommes”, c’est-à-dire ceux qui exposent comme tels le partage et la circulation, en disant “nous”, en se disant nous dans tous les sens possibles de cette expression, et en se disant nous pour

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