• Nenhum resultado encontrado

Parte II – Empreendedores “estilo de vida” em turismo no espaço rural:

5.4 Métodos de investigação em turismo

O turismo, enquanto área do conhecimento, tem vindo a ser estudado cientificamente desde a década de 1960 e, embora os primeiros estudos tenham sido de natureza qualitativa, rapidamente (sensivelmente a partir do final dos anos 70 do século passado) se associaram ao paradigma positivista e às análises quantitativas (Riley e Love, 2000). O domínio da abordagem quantitativa aos fenómenos turísticos, ainda hoje predominante, embora crescentemente colocado em causa (Woodside et al., 2006) pode estar associado, entre outros aspetos, à complexidade desta área do conhecimento, que tanto pode ser analisada como indústria ou negócio ou como enquanto fenómeno cultural e social mais amplo, cujo estudo pode beneficiar de uma abordagem fenomenológica, de cariz qualitativo (Ritchie et al., 2005). No primeiro caso, a tendência é a utilização de metodologias mais preditivas, analíticas e controladas, fortemente conotadas com o paradigma positivista, que permitem a quantificação e generalização de resultados (Goodson e Phillimore, 2004; Tribe, 2006).

O caráter económico da atividade turística e os valores neoliberais de consumismo e rentabilidade a ela associados (Tribe, 2006) são também razões apontadas para a prevalência das metodologias quantitativas na investigação em turismo, uma vez que, neste contexto, a investigação qualitativa pode ser pouco convincente comparativamente com a quantificação de resultados (Riley e Love, 2000). Outras justificações são igualmente apontadas para a predominância das abordagens quantitativas, nomeadamente o desconforto da comunidade científica com a investigação qualitativa, seja pela associação a imperativos científicos positivistas, seja pela dificuldade que os investigadores muitas vezes evidenciam em demonstrar a solidez dos seus métodos qualitativos (Decrop, 1999; Riley e Love, 2000). Na realidade, os procedimentos analíticos e os próprios resultados precisam de ser cabalmente explicados e a sua interpretação clara e transparente, para que possam ser aceites como fiáveis e válidos (Yin, 2010).

Ainda que predominante, a investigação marcadamente quantitativa tem vindo a ser questionada, evidenciando uma mudança latente na abordagem aos fenómenos turísticos, reconhecidamente complexos, inseridos num contexto social abrangente, e que não podem ser explicados por si mesmos (Riley e Love, 2000; Woodside et al., 2006). A última década tem revelado uma clara tendência de mudança na investigação que se vai fazendo no domínio do

- 146 -

turismo. Riley e Love (2000) observaram que a vocação dos estudos qualitativos era, até então, sobretudo objetivista, mas mais de uma década volvida, Hansen et al. (2014) reportaram evidências de que a abordagem subjetivista tem vindo a ganhar progressiva importância na investigação em turismo. Uma das áreas de maior interesse e desenvolvimento que identificaram, é o próprio processo de investigação e o papel do investigador enquanto cocriador de conhecimento, notando-se uma acentuada tendência crítica relativamente à forma tradicional de investigar (Goodson e Phillimore, 2004; Hansen et al., 2014).

A distinção entre a investigação em que o turismo é estudado como um negócio, daquela em que a disciplina é analisada numa perspetiva social pode, como já foi dito, estar na base do tipo de investigação que é realizado (Tribe, 1997, 2006). No entanto, esta distinção não é fácil de fazer na prática, uma vez que a sua integração é, como observa Liburd (2012), uma exigência crescente do meio académico. Assim, parece abrir-se espaço e interesse, nos estudos em turismo, para abordagens como a investigação-ação ou as narrativas enquanto processos de investigação mais holísticos, onde os diferentes atores, incluindo o investigador, assumem um papel ativo.

A discussão que se tem vindo a afirmar nas perspetivas mais recentes, coloca algumas questões inquietantes como “o turismo é mais do que pode ser contado” (Tribe, 2006, p.362) ou “a investigação em turismo é crítica?” (Tribe, 2008, p.245). A teoria crítica partilha as considerações construtivistas de que o conhecimento é culturalmente específico, sustentado por práticas sociais e de que o conhecimento e a ação social estão interligados (Tribe, 2008). No entanto, vai para além disto, preocupando-se, entre outras coisas, em esclarecer as relações de poder e as suas diferentes formas. Procura compreender a preferência existente pelos meios em detrimento dos fins (racionalismo técnico), a razão sobre a emoção, ou a ideologia dominante, práticas e discursos a ele associados.

A análise crítica que tende a situar-se num sistema que perpetua e consolida uma determinada representação da verdade, reconhece a existência de influências na forma como o conhecimento é produzido, que tipo de conhecimento é produzido e para quê ou para quem (Tribe, 2006). A investigação é realizada num mundo onde já existem conceitos, regras, crenças, linguagem, pelo que não é possível estudar e entender o turismo fora de uma qualquer cultura, antes de um qualquer processo de aculturação.

Ainda que alguns académicos proeminentes (ex. Goodson e Phillimore, 2004 ou Tribe, 2006) considerem que a análise crítica é (ainda) escassa em turismo, a evidência de investigação emergente de natureza mais reflexiva (Tribe, 2006) e de horizontes mais alargados (Goodson e Phillimore, 2004) que encoraja o uso de metodologias inovadoras, parece indiciar o surgimento do que Tribe designa de “nova investigação em turismo” (2005, p.1).

A investigação crítica pode contribuir para alargar e desafiar os discursos dominantes ao nível, por exemplo, da gestão do turismo, questionando “receitas” e “respostas” tomadas como boas, bem como iluminando o que permanece obscuro. A abordagem crítica pode ajudar a criar um compromisso com os “fins”, alargando o interesse e o foco da investigação para além de

- 147 - turistas e empresários e, com isso, contribuir para a sustentabilidade do próprio turismo (Tribe, 2008).

No campo da investigação crítica e reflexiva, o hopefull tourism é uma perspetiva que promete responder aos desafios da sociedade pós-moderna, nomeadamente à necessidade de criar “mundos turísticos mais justos e sustentáveis” (Pritchard et al., 2011). Apresentado como uma alternativa (crítica) à visão neoliberal dominante da produção do conhecimento no domínio do turismo apresenta-se como uma abordagem humanista, reveladora e transformativa. Baseada em valores iminentemente humanistas e muito próxima de outras perspetivas recentes, como a transmodernidade (Ghisi, 2008), tem princípios comuns, que incluem a qualidade de vida enquanto medida central de progresso e a visão da realidade moldada por valores e alicerçada em estruturas de poder. Uma indústria de turismo que valorize e contribua para o desenvolvimento cuidadoso, plural e holístico, é premissa fundamental de ambas as abordagens (Morgan et al., 2011).

Outros também sustentam que o modelo reducionista deve ser abandonado em favor de abordagens mais holísticas (Russell e Faulkner, 2004), e que as metodologias mais qualitativas são mais reveladoras de valores, significados e atitudes que condicionam comportamentos, como aqueles associados aos estilos de vida, às migrações, ao género e à família (Morrison et al., 2010). O uso de metodologias qualitativas na investigação em empreendedorismo tem vindo a aumentar (Ireland et al., 2005). Dada a sua vocação para a compreensão de fenómenos complexos, podem ser particularmente relevantes na investigação em empreendedorismo, bem como no estudo do empreendedorismo em turismo (Li, 2008). Num estudo longitudinal (1986- 2006), onde foram analisadas as publicações de empreendedorismo em revistas de turismo e hospitalidade, o autor descobriu que ao contrário do que era esperado, a percentagem de artigos publicados sobre este fenómeno em concreto era de apenas 2%, e que ao longo desses anos não se verificou qualquer aumento dessa percentagem. O tipo de pesquisa encontrada é sobretudo empírica (74% do total dos artigos), com inquéritos e entrevistas como as mais populares técnicas utilizadas (Li, 2008). Os métodos qualitativos, como os casos de estudo, focus groups e análise de conteúdo, representam cerca de 30% dos casos observados. O uso de “ferramentas analíticas mais sofisticadas, como os modelos de equações estruturais”, foi identificado em apenas um artigo em 2006 (Li, 2008, p.1017).

Outros autores (ex. Xiao e Smith, 2006) verificaram, em estudos similares (76 artigos analisados em revistas de turismo, no período entre 2000 e 2004) que os estudos de caso são bastante usados e tendem a ter um foco local, com um momento único de recolha de dados, sendo raros os casos longitudinais. São maioritariamente estudos de caso único (cerca de 56%) e as fontes mais usadas são os inquéritos e dados secundários (Xiao e Smith, 2006). No entanto, Jennings et al. (2012) verificaram que uma das metodologias mais usadas em empreendedorismo é precisamente o estudo de caso longitudinal, o que pode indiciar uma tendência futura a adotar nos estudos de turismo.

- 148 -

As abordagens mistas, qualitativa e quantitativa, são ainda uma minoria nos estudos de turismo. Uma parte muito significativa dos estudos recorreu a abordagens qualitativas, com a “descrição densa e a análise histórica como técnicas predominantes” (Xiao e Smith, 2006, p.746).

Como se detalhará seguidamente, esta tese adota uma abordagem holística ao estudo do fenómeno do empreendedorismo “estilo de vida” em turismo, concretamente, em alojamentos turísticos em espaço rural. A investigação, de natureza qualitativa, tem no estudo de caso a sua estratégia metodológica.