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Opções metodológicas e estratégia de investigação: o estudo de caso

Parte II – Empreendedores “estilo de vida” em turismo no espaço rural:

5.5 Opções metodológicas e estratégia de investigação: o estudo de caso

A opção metodológica para este estudo insere-se no paradigma interpretativo. Num estudo que se pretende de profundidade, no qual os sujeitos são humanos, inseridos em contextos multifacetados e complexos, e que tomam decisões pessoais e profissionais influenciadas por muitos fatores, a abordagem é essencialmente qualitativa, numa interação dinâmica entre o método dedutivo e indutivo. Beneficia-se da teoria já desenvolvida, mas sem perder a flexibilidade face ao que a realidade a investigar tem para oferecer (Kastenholz et al., 2012b; Minnaert, 2006).

Os estudos de caso, múltiplos e holísticos, correspondem à estratégia metodológica adotada, sempre com uma perspetiva pluralista e inclusiva ao nível das técnicas de recolha de dados, que serão detalhadas à frente. As múltiplas fontes de dados são importantes, quer para garantir informação em quantidade e qualidade, quer para efeitos de triangulação de dados, que conforme já foi referido, é requisito de solidez da investigação.

A metodologia de investigação do estudo de caso tem vindo a ser aplicada nas mais variadas ciências sociais, desde a antropologia, a educação, a sociologia, a administração ou a economia. Em todas as situações, o estudo de caso é eleito com o intuito de entender os fenómenos sociais complexos, uma vez que permite que os investigadores retenham as características holísticas dos eventos da vida real, como por exemplo, os ciclos individuais da vida, o comportamento de pequenos grupos ou os processos organizacionais (Yin, 2010).

Os estudos de caso, na abordagem científica, têm a sua origem em estudos culturalistas (Escola de Chicago), nos estudos etnográficos junto de tribos indígenas (vários antropólogos entre eles Malinowski) e na sociologia e antropologia alemã do século XIX, com o paradigma particularista por oposição à visão universalista do mundo e dos povos (Martins, 2006). O paradigma particularista coloca o enfoque na diversidade dos povos e nas suas diferenças, estando na base do estudo das realidades sociais de forma diversa e no surgimento de novas metodologias de investigação dos processos sociais, nas quais se incluem os estudos de caso, a etnografia ou a observação participante (Idem).

- 149 - O estudo de caso pode ser definido como uma investigação empírica que investiga um fenómeno contemporâneo em profundidade, no seu contexto real, em condições em que as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são claramente evidentes (Yin, 2003, 2010). A pertinência do entendimento das condições contextuais para o fenómeno em estudo é enfatizada pelo autor, na sua proposta de definição do estudo de caso. Como o fenómeno e o contexto não são sempre distinguíveis em situações da vida real, Yin (2010) considera que a definição do estudo de caso passa também pela recolha e análise dos dados. Assim, alerta que, na investigação recorrendo aos estudos de caso existem “muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e, como resultado disso, conta com múltiplas fontes de evidência”, com necessidade de proceder à “triangulação de dados”, beneficiando-se do “desenvolvimento prévio das proposições teóricas para orientar a recolha e análise dos dados” (Yin, 2010, p.40).

Os estudos de caso são adequados para a investigação de eventos contemporâneos e, sobretudo, quando os comportamentos relevantes não podem ser manipulados (Yin, 2010). Segundo Yin (2003, 2010) as aplicações do estudo de caso podem ser:

 Explicar ligações causais complexas da vida real;

 Descrever uma intervenção ou acontecimento e o contexto da vida real em que aconteceu;

 Ilustrar determinados tópicos dentro de uma avaliação, ainda de forma descritiva;

 Explorar as situações em que os acontecimentos a serem avaliados não apresentam conclusões claras e evidentes;

 Meta avaliar um estudo de um estudo avaliativo.

Stake considera que um caso é uma “coisa complexa e em funcionamento”, é específico e é um sistema integrado (2007, p.18). Pessoas ou programas são claramente casos em perspetiva, mas acontecimentos e processos já não se ajustam à definição e propósito do estudo de caso, defende. Baxter e Jack (2008) consideram que Yin (2010) e Stake (2007) são autores enquadrados no paradigma construtivista ou interpretativo, que são as suas abordagens ao estudo de caso que diferem. Outros, De Massis e Kotlar (2014) consideram que o que separa estes autores (assim como outros) são os próprios paradigmas, já que Yin (2010) desenvolve os seus casos de estudo num enquadramento positivista, muito baseado num raciocínio dedutivo, enquanto Stake (2007) é claramente interpretativo e indutivo. Esta dicotomia de paradigmas face à mesma estratégia (neste particular o estudo de caso) é também sugerida por Chetty (1996) cuja opinião é de que Yin (2003) usa os casos para testar a teoria, e que outros autores, Eisenhardt (1989) por exemplo, os usa para desenvolver teoria.

De qualquer forma, como se pode verificar na tabela 5.5.1 da página seguinte, relativa à tipologia dos estudos de caso proposta por Yin (2010) e Stake (2007), os contributos podem ser diferentes em muitos aspetos.

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Tabela 5.5.1 – Tipos de estudos de caso

TIPOS DEFINIÇÃO

Explicativos ou causais

(Yin, 2010)

Quando se procuram respostas a questões que visam explicar as relações causais nas intervenções da vida real, que são demasiado complexas para outras estratégias de investigação, como os inquéritos. São usados quando o propósito é compreender porque ocorre o fenómeno.

Exploratórios

(Yin, 2010)

Exploram situações em que a intervenção a ser avaliada não possui um único e claro conjunto de resultados. São usados quando o propósito é compreender como ocorre o fenómeno.

Descritivos

(Yin, 2010)

Descrevem uma intervenção ou fenómeno e o contexto real em que ocorreu. São usados quando o propósito é convencer alguém de que o fenómeno é relevante.

Estudo de caso único

(Yin, 2010)

Caso crítico que permite testar a teoria; caso

extremo ou peculiar; caso representativo ou

típico, que permite obter informação sobre

uma “situação média”; caso revelador, de um fenómeno previamente inacessível à investigação social; caso longitudinal, em dois ou mais pontos no tempo.

Holístico Integrado Unidade única de análise Unidades múltiplas de análise Estudos de caso múltiplos

(Yin, 2010)

Permitem ao investigador explorar

diferenças entre os casos, atuando numa

lógica de replicação. Dada a comparação

entre casos, é imperativa uma escolha

criteriosa dos mesmos de forma a prever

resultados similares ou contrastantes entre

os casos.

Intrínsecos

(Stake, 2007)

Casos que geram interesse genuíno no seu entendimento profundo, não porque representem outros casos ou ilustrem um problema ou traço em particular, mas porque são, na sua particularidade, de interesse. O

propósito não é entender um construto abstrato, nem gerar teoria (embora possa ser uma opção).

Instrumentais

(Stake, 2007)

O caso é usado para facilitar o entendimento de uma outra coisa, desempenha um papel de suporte; pode servir para dar informação sobre um determinado fenómeno ou refinar uma teoria, mas o caso em si é de interesse secundário.

Fonte: Construído com base em Baxter e Jack (2008), De Massis e Kotlar (2014), Stake (2007) e Yin (2010).

A particularidade do estudo de caso (face por exemplo à pesquisa histórica) é que assenta numa ampla variedade de evidências, como documentos, artefactos, entrevistas e observações (nalguns casos observação participante). O estudo de caso pode apoiar-se em fontes múltiplas de evidência empírica e beneficia, normalmente, de proposições teóricas (ou não) desenvolvidas previamente, as quais servirão de guia na recolha e análise dos dados.

- 151 - De uma maneira geral, os estudos qualitativos salientam a necessidade e importância de se ter em conta o contexto (por exemplo, espacial, temporal, social, relacional) em que acontecem os fenómenos, criando uma base adequada para a sua interpretação e explicação, pois os “significados” dependem do contexto (e do próprio investigador e sujeito investigado) onde são observados (Dey, 1993; Léssard-Herbert et al., 1994; Stake, 2007). Os estudos de caso, enquanto estratégia metodológica, parecem contribuir para a análise das condições contextuais vistas como pertinentes para a investigação do fenómeno em causa, uma vez que, como Yin (2003, p.13) defende “estes investigam um fenómeno contemporâneo no seu contexto de vida real, em especial, quando as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são claramente evidentes”.

Curiosidade e perspicácia são importantes, mas não suficientes para um bom estudo de caso (Stake, 2007). É preciso disciplina, esforçar-se por antecipar o que se irá passar, pois “uma boa parte passará demasiado depressa ou demasiado subtilmente para ser notada” (Stake, 2007, p.31). Uma das tarefas mais difíceis do investigador é formular boas perguntas de investigação, manter uma mente verdadeiramente questionadora também durante a recolha dos dados (Stake, 2007; Yin, 2010). Na verdade, a investigação é sobre questões e não necessariamente sobre respostas, e convêm lembrar que uma boa investigação depende mais de bons raciocínios do que de bons métodos (idem). Independentemente da posição filosófica do investigador e do método que privilegia (indutivo ou dedutivo), as questões devem sempre procurar as perceções do entrevistado e não do entrevistador, o que significa que, ao serem colocadas serão intrinsecamente indutivas (Perry, 1998). Na análise dos dados, a relação dos mesmos com a teoria e quadro conceptual do investigador pode então ter lugar, numa abordagem dedutiva (idem).

Os estudos de caso, enquanto método ou estratégia metodológica, têm sido alvo de inúmeras críticas e advertências que colocam em causa, nalgumas circunstâncias, a sua validade como estratégia de investigação séria e rigorosa. Esta posição assumida por muitos académicos, posição que é relativamente alargada reconheça-se, tem vindo a ser refutada por muitos investigadores. De salientar que alguns destes investigadores criticavam inicialmente a utilidade, validade ou outros atributos dos estudos de caso, mas acabaram por reconhecer o seu interesse e validade (Flyvbjerg, 2006).

Alguns dos principais argumentos e contra-argumentos relativos aos estudos de caso são sintetizados na tabela 5.5.2.

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Tabela 5.5.2 – Mitos ou ideias (menos corretas) sobre estudos de caso e contra-argumentos

Mitos Contra-argumentos

O conhecimento teórico geral (independente do contexto) é mais valioso que o conhecimento prático, concreto (dependente do contexto).

O estudo do “humano”, do “social” é concreto, contexto-dependente e não universal, teórico- preditivo.

Não se pode generalizar com base num caso individual, pelo que o estudo de caso não pode contribuir para o desenvolvimento científico.

Não é possível a generalização estatística, mas sim a generalização naturalista, analítica, na qual uma teoria prévia pode ser usada como padrão. “A força do exemplo” como alternativa ou complemento ao desenvolvimento científico. Os estudos de caso são apenas apropriados para a

fase exploratória, para a geração de hipóteses.

Os estudos de caso podem ser descritivos e explicativos.

O estudo de caso contém um enviesamento na verificação, ou seja, existe a tendência para confirmar as noções pré-concebidas do investigador.

O estudo de caso não contém maior enviesamento que qualquer outro método de pesquisa, e a experiência mostra que acontece precisamente o contrário: a realidade contraria, muitas vezes, as noções prévias do investigador.

É difícil desenvolver proposições e teorias gerais na base de casos de estudo específicos.

Frequentemente não é desejável sumariar e generalizar os casos. Estes podem contribuir para acumular e complementar o desenvolvimento do conhecimento.

Fonte: Construído com base em Flyvbjerg (2006), Stake (2007) e Yin (2010)

A qualidade de uma determinada investigação pode ser defendida e até comprovada com recurso a testes e táticas habitualmente usadas na pesquisa social empírica, e também em estudos de caso, os quais podem ocorrer em vários momentos do projeto de investigação. São quatro os testes ou critérios que permitem avaliar o rigor dos estudos de caso e da restante investigação qualitativa (Yin, 2010):

Validade do construto: até que ponto o estudo investiga o que afirma investigar, ou seja, a qualidade da conceptualização dos conceitos relevantes (Denzin e Lincoln, 2005);

Validade interna: refere-se ao estabelecimento de relações causais entre variáveis e resultados e ocorre na fase de análise de dados, em estudos explicativos (Yin, 2003, 2010);

Validade externa: definição do domínio para o qual os achados do estudo podem ser generalizados, tendo em conta que não permitem generalizações estatísticas, mas permitem generalizações analíticas e teóricas (Eisenhardt, 1989; Yin, 2003);

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Confiabilidade: até que ponto é seguro que outros investigadores, desenvolvendo o mesmo estudo, seguindo os mesmos passos, chegam às mesmas conclusões (Yin, 2003, 2010).

Em qualquer destes quatro critérios de qualidade podem ser usadas várias estratégias, entre elas, o protocolo do estudo de caso, uma base de dados para o estudo de caso, a triangulação (de dados, de teorias ou de métodos) ou o recurso a padrões e, desta forma, contribuir para que a investigação se apresente mais sólida (De Massis e Kotlar, 2014; Yin, 2003, 2010).

De Massis e Kotlar (2014) apresentam uma síntese dos desafios e estratégias mais comuns enfrentadas pelos investigadores qualitativos, em termos da qualidade e fiabilidade das suas pesquisas. Recorrendo ao contributo de Yin (2010), apresenta-se uma sumarização desses desafios e estratégias na tabela 5.5.3.

Tabela 5.5.3 – Abordagens para melhorar a validade e fiabilidade da investigação com estudos de caso

Validade do construto Validade interna Validade externa Confiabilidade

Desafios Identificar as medidas operacionais corretas para os conceitos a estudar Estabelecer uma relação causal, na qual se acredita que certas condições levarão a outras Definir o domínio de generalização dos resultados do estudo Demonstrar que as operações do estudo (tais como procedimentos de recolha de dados) podem ser repetidas com os mesmos resultados

Aspetos chave

Escolher uma série de medidas operacionais apropriadas: subjetividade versus objetividade Realizar inferências Generalizar os resultados (analiticamente) Minimizar erros e enviesamentos Estratégias

Triangular dados com recurso a múltiplas fontes

Rever as conclusões com os participantes Conduzir a pesquisa em conjunto com outros investigadores Construção de uma explicação Recurso a combinação de padrões Comparação entre casos Lógica de replicação para estudos de casos múltiplos Uso da teoria (também teorias rivais) em casos únicos Protocolo de estudo de caso Técnicas de preparação de dados Desenvolver uma base de dados para o estudo de caso

Quando as usar?

Recolha de dados e

relatório Análise de dados Projeto de pesquisa Recolha de dados Fonte: Construído com base em De Massis e Kotlar (2014) e Yin (2010).

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