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Múltiplas Interfaces, Múltiplas Mídias, Múltiplos Saberes

O grupo de alunos-professores era bastante heterogêneo, conforme apresentei no capítulo 4. Sendo assim, alguns tinham pouco contato com o conteúdo de geometria euclidiana, em particular a espacial, e, por essa razão, sentiam-se inseguros em discutir suas justificativas matemáticas e suas dúvidas. Por outro lado, alguns participantes, mesmo não apresentando uma ampla familiaridade com esse conteúdo, procuravam expor suas idéias sempre tentando vinculá-las a aspectos matemáticos formais. Além disso, uma das participantes era especialista em geometria, com vasta experiência na área e muito influenciada por sua prática pedagógica que incluía o uso do software Cabri e materiais manipulativos. Eram diferentes saberes. Concordo com Lévy (2003, p.

pode abranger as experiências vivenciadas, a maneira de ser de cada um, a capacidade de organizar e reorganizar as informações.

Marcelo e eu, enquanto professores do curso, também éramos ajudados pelos alunos-professores, pois também tínhamos dúvidas, nos enganávamos e não entendíamos certas demonstrações ou justificativas matemáticas que eram por eles apresentadas no chat. Nesse sentido, também somos parte desse coletivo inteligente. É claro, que as tecnologias da inteligência (oralidade, escrita e informática) também estavam permeando a inteligência coletiva, uma vez que elas não são neutras no processo de produção do conhecimento. O Wingeom, os materiais manipulativos, livros didáticos e mesmo o ambiente virtual condicionavam as ações e as discussões matemáticas que ocorriam. Maria, em alguns momentos, destaca que “tengo el libro de consulta a mi lado!!!!”, o que evidencia o pensar com as mídias.

As múltiplas mídias e múltiplas interfaces utilizadas no processo de produção matemática também estavam relacionadas aos múltiplos saberes e formas de ensinar e aprender de cada um dos alunos-professores. Neste contexto foi possível observar que as diferentes experiências, familiaridade ou contato com o conteúdo de geometria espacial, possibilitava aos participantes desenvolverem as atividades de modo muito particular, ou seja, alguns usavam mais a intuição, experimentação, enquanto outros buscavam uma solução mais analítica. Nesse sentido, concordo com Lévy (1999) que no ciberespaço, em geral, se encontra “um novo estilo de pedagogia, que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede” (p. 158).

Foi possível notar a necessidade de “trafegar” por diferentes interfaces como o Wingeom, os portfólios, o chat e outras “janelas” na tela do computador, o que gerava uma discussão hipertextual. E, além disso, recursos que não estavam ligados diretamente com o ambiente, como materiais manipulativos, também eram utilizados e se mostravam presentes, virtualmente, no fazer matemática à distância. Na tentativa de verificar como os participantes agiam com essa característica da discussão, perguntei se de fato eles usavam diferentes recursos durante o desenvolvimento das atividades e,

assim, fica evidenciado que era necessário certas habilidades informáticas para lidar com vários recursos e ao mesmo tempo ter que discutir, socializar no chat.

<Silvana> uma coisa q me intriga [...] é q dá para perceber q vcs usam vários recursos para fazer as atividades, não só o soft sugerido... é verdade isso???

<Claudia e Carlos> muitas vezes copiava e colava ou quando acompanhava muito digitava pouco

<mborba> e sobre fazer matematica tanto aqui no chat como no teleduc? algo a dizer? <Maria> cuantas habilidades juntas realmente!!! queda la cabeza muyyyy cansada!!!!

No trecho a seguir, Taís acredita que sua participação nas aulas sobre discussão matemática não é a esperada, por julgar que não se sente segura para lançar suas conjecturas e dúvidas. No entanto, devido à sua preocupação em compreender as soluções e justificativas apresentadas pelos colegas, ficava testando no Wingeom aquilo que ia sendo discutido no chat e consultando os portfólios dos outros. Neste aspecto, sua participação é bastante relevante, pois mesmo não “falando” no chat, conseguiu acompanhar grande parte do desenvolvimento das atividades. Essa é uma das características da produção matemática no chat, ou seja, muitas vezes era necessário fazer escolhas: com quem falar ou até mesmo quando falar, já que para organizar e entender a “avalanche” de informações a respeito de uma explicação matemática, seja necessário, em alguns momentos, observar o andamento das discussões para então se posicionar. Do mesmo modo, Márcia mostra que as discussões sobre geometria espacial foram pertinentes, já que ela se considerava distante desse conteúdo e, assim, teve a oportunidade de voltar a estudá-lo. Já Marie, por ter muita experiência nesta área, pôde participar ativamente das discussões e contribuir com os colegas e professores com seus comentários.

<Taís> eu sinto que 'participo' menos nas aulas de geometria porque muitas vezes não sinto segurança para expor algumas conjecturas e, além disso, aproveito as dúvidas que são lançadas para testar no wingeom (que estás sempre aberto nessas aulas), tanto que às vezes meio que perco a noção, quando vejo já fiquei muito tempo sem ler o que se passa, daí... já viu, né. No final das contas é a aula que mais participo.

<Maria> en realidad, a mi me daban mas miedo las aulas de discusion sobre EdMat que sobre geometria

<Marie> Para mim as aulas de Geometria foram "um prato cheio". Adorei.

<Márcia> Sim Marie. Eu estava completamente out em geometria. Nem bibliografia possuo. Já fiz cópias de muitos portifólios para estudar.

O processo de produção matemática possibilitado pela oralidade, pela escrita e pelas mídias informáticas (como softwares) é transformado pela Internet, mais especificamente pelo chat. As várias mídias utilizadas durante o processo de produção matemática geravam um discurso hipertextual, já que a discussão matemática que aparecia no chat era fragmentada, vinha “aos pedaços”, pois havia um tráfego por diferentes interfaces. Sobre essa característica da matemática produzida nesse ambiente virtual, passo a discutir na seção seguinte.