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CAPÍTULO IV: Aplicação de um perfil conceitual de adaptação associado à estrutura

4.1. Contextos sócio-históricos de significação do conceito de adaptação

4.1.1. Macro-contexto

O macro contexto sócio-histórico no qual os episódios de ensino que serão apresentados neste capítulo se inserem revela um contexto mais amplo constituído pela disciplina ―Construção do conhecimento escolar e ensino de evolução‖, ministrada ao quarto semestre do curso de licenciatura em ciências biológicas, em uma universidade pública estadual na Bahia.

Ao considerarmos o contexto instituído pela disciplina não nos reportamos a uma abstração, antes a uma instância forjada pela tomada de decisões institucionais e curriculares, logo por algum tipo de intersubjetividade alcançada nessas esferas, que ao definir matrizes curriculares regulam, em grande medida, a relação entre professor, estudante e objeto de ensino e de estudo, impondo certa restrição aos temas e assuntos tratados em sala de aula.

A partir do entendimento da primazia do conhecimento da evolução biológica para a formação do profissional biólogo e professor de biologia a comissão proponente da reformulação dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas dessa instituição, composta por professores e estudantes graduandos, assumiu, desde 2004, os seguintes princípios norteadores quando da proposição de novas matrizes curriculares para esses cursos: (1) eleger a evolução biológica como eixo integrador dos conhecimentos biológicos, e (2) propor os componentes curriculares de modo que fossem contemplados os conceitos estruturantes (GAGLIARDI, 1986) do pensamento biológico. Dentre estes conceitos, figuram a própria ideia de evolução e adaptação evolutiva e outros conceitos relacionados à biologia evolutiva como ―diversidade biológica‖, ―forma e função‖ e ―pensamento populacional‖ (COLEGIADO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS, UEFS, 2004).

3 Episódios de ensino e aprendizagem são definidos como conjuntos de enunciados que criam um contexto para a emergência de um ou mais significados relacionados à aprendizagem de um dado conceito (AMARAL; MORTIMER, 2006).

Assim, a ideia central que deve articular todo o currículo, o pensamento evolutivo, é um imperativo que leva ao desenho de disciplinas que abordam certos temas e não outros. Nesse sentido, a disciplina ―Construção do conhecimento escolar e ensino de evolução‖, que integra a área da formação pedagógica desse currículo, tem como foco a construção do conhecimento escolar em ciências, tomando como objeto de estudo a inclusão curricular e a recontextualização didática da teoria darwinista de evolução no ensino médio de Biologia. Além disso, neste currículo, esta disciplina apresenta como pré-requisito a disciplina ―Bio-155-Evolução A‖ que, por sua vez, deve abordar temas como, por exemplo, evidências empíricas da teoria darwinista de evolução, as cinco teorias de Darwin, as variações e o pensamento populacional, as controvérsias sobre o poder explicativo da seleção natural: crítica ao adaptacionismo, biologia evolutiva do desenvolvimento (EvoDevo) e a origem das novidades evolutivas (COLEGIADO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS, UEFS, 2013). Dessa forma, os estudantes devem, antes de cursar a disciplina investigada, tomar conhecimento principais temas da Biologia evolutiva, suas construções teóricas e avanços empíricos.

No semestre 2015.2, no qual acompanhamos a disciplina e realizamos os registros de observação em vídeo, a disciplina ―Construção do conhecimento escolar e ensino de evolução‖ foi subdividida em três módulos: ―Construção do Conhecimento Escolar e Introdução ao pensamento evolutivo‖; ―Teoria Darwinista de Evolução: análise histórica e epistemológica, desafios e perspectivas de ensino‖ e; ―Estratégias didáticas e proposta de ensino de evolução na educação básica‖. Os dois últimos módulos da disciplina foram filmados, os episódios de ensino, por sua vez, foram produzidos a partir da análise de um conjunto de quatorze das dezenove aulas que compuseram o segundo módulo da disciplina. Abaixo o quadro 15 sintetiza os principais temas das aulas em cada um dos módulos desta disciplina.

É importante considerar que, em alguma medida, no estabelecimento desse macro-contexto, a professora tem um papel de destaque, pois é tida pela instituição como uma especialista nesse tema, visto que é pesquisadora da área de ensino de ciências, e desenvolveu suas pesquisas de mestrado e doutorado na área de ensino de evolução biológica. Também por esta razão, participou das comissões de elaboração, implantação e avaliação do currículo vigente (e de anteriores) neste curso de graduação. Desse modo, além de ser a professora que sempre a ministra, ela é idealizadora da disciplina e proponente de sua ementa. Além disso, a professora é admirada pelos estudantes desse curso de graduação em função do trabalho

pedagógico e de pesquisa que realiza, sendo, por vezes, tida por esta comunidade como a professora mais inovadora do curso.

O programa da disciplina executado durante o semestre letivo no qual fizemos os registros é também um importante elemento de estabelecimento e controle do macro e meso-contextos sócio-históricos.

QUADRO 15 - Módulos, aulas e temas da disciplina construção do conhecimento escolar e ensino de evolução, semestre 2015.2

MÓDULOS AULA: TEMA

1. Construção do Conhecimento Escolar e Introdução ao pensamento evolutivo

Aula 1.1: Construção do conhecimento escolar e Desafios da docência Aula 1.2: Evolução nos livros didáticos: exemplos desafios na construção do

conhecimento escolar

Aula 1.3: Modelos teóricos da didática a respeito da construção do

conhecimento escolar: transposição, mediação e recontextualização didática

Aula 1.4: Processo de Seleção Cultural e Mediação Didática Aula 1.5: Modelo KVP: aplicação na análise de livro didático Aula 1.6: História do pensamento evolutivo: pré-darwinistas Aula 1.7: Análise epistemológica das cinco teorias de Darwin

Aula 1.8: As cinco teorias de Darwin e as rupturas epistemológicas em

relação ao pensamento evolutivo pré-darwinista

2. Teoria Darwinista de Evolução: análise histórica e epistemológica, desafios e perspectivas de ensino

Aula 2.1: Como Selecionar Conteúdos de Biologia para o Ensino Médio Aula 2.2: Como Selecionar Conteúdos de Biologia para o Ensino Aula 2.3: Modos de pensar e formas de falar adaptação

Aula 2.4: Obstáculos epistemológicos e sementes conceituais na

compreensão do conceito de adaptação

Aula 2.5: Modos de pensar e formas de falar adaptação e implicações do

uso de linguagem em sala de aula

Aula 2.6: Modos de pensar e formas de falar adaptação

Aula 2.7: Explicações para a forma orgânica: origem e diversificação I Aula 2.8: Explicações darwinistas e avanços da Biologia Evolutiva Aula 2.9: Funcionalismo X Estruturalismo

Aula 2.10: Adaptacionismo X Exaptacionismo

Aula 2.11: Avanços teóricos e empíricos da Biologia Evolutiva

Aula 2.12: Explicações para a forma orgânica: origem e diversificação - 1ª

Parte

Aula 2.13: Explicações para a forma orgânica: origem e diversificação II - 2ª

Parte

Aula 2.15: Explicações para a forma orgânica: origem e diversificação II Aula 2.16: Apresentação Seminários temas dos projetos pedagógico da

turma

Aula 2.17: Apresentação Seminários temas dos projetos pedagógico da

turma

Aula 2.18: Apresentação Seminários temas dos projetos pedagógico da

turma 3. Estratégias Didáticas e Proposta de ensino de evolução na educação básica

Aula 3.1: Apresentação projetos pedagógicos Aula 3.2: Apresentação projetos pedagógicos Aula 3.3: Apresentação projetos pedagógicos

Fonte: elaborada pela autora.

Professora e pesquisadora planejaram conjuntamente, tendo em vista o programa executado pela professora em semestres anteriores, os módulos da disciplina e as ferramentas a serem utilizadas. Nesse sentido, é possível inferir que ao planejarem o programa da disciplina partiram de uma intersubjetividade compartilhada que ao mesmo tempo considerava os objetivos pedagógicos e de pesquisa. Os objetivos de pesquisa orientaram, em grande medida, o planejamento, mais especificamente, do segundo módulo da disciplina, no qual se inseriu a sequência de aulas de interesse da pesquisa. Ao planejarem, o intuito era fazer emergir no discurso da sala de aula os modos de pensar e as formas de falar sobre o conceito de adaptação. Para isso, foram escolhidos textos e artigos (referenciados nas análises dos episódios) sobre temas da Biologia Evolutiva e elaborados roteiros (ANEXOS I, II e III) constituídos por cenários que apresentavam casos problematizando a origem e existência de estruturas adaptativas em populações naturais, já estudados pela comunidade científica. Estas ferramentas deveriam fomentar a criação de micro-contextos de negociação por meio de discussões em torno do conceito de adaptação que levassem os estudantes a construírem narrativas como explicações para a origem e organização da forma orgânica.

A presença da pesquisadora na sala de aula é também um tópico a ser avaliado no andamento da disciplina. A despeito de ter filmado apenas os dois últimos módulos da disciplina, a pesquisadora participou da disciplina desde a primeira aula, e assumiu algumas aulas nas quais houve realização de atividades, como por exemplo, nas aulas

1.6, 2.3, 2.13 (QUADRO 15), nas quais os estudantes resolveram os cenários dos roteiros.

Avaliamos que a inserção prévia da pesquisadora na sala de aula, bem como, a condução de algumas atividades da disciplina por ela, gerou um grau de aceitação pelos estudantes de forma que pareciam considerá-la como parte da turma, ainda que no papel de pesquisadora. Por vezes, os estudantes recorriam a pesquisadora com questionamentos sobre os temas em estudo, provavelmente porque passaram a vê-la também como uma autoridade no assunto.

A presença da pesquisadora na turma desde muito antes do início das filmagens também contribuiu para diminuir, em grande medida, o desconforto dos estudantes com a câmera filmadora quando esta foi introduzida nas aulas. Em raros momentos os estudantes demonstraram algum tipo de incômodo ou ressalvas a respeito da presença da câmera filmadora nas aulas, e quando o fizeram foi quase sempre em tom jocoso como quando durante uma aula a professora perguntou à turma ―estão gravando?‖, se referindo a uma questão que estava sendo discutida, ao que responderam, referindo-se à câmera, ―Mariangela está/ ((risos))‖.

A turma estudada era formada por oito (8) estudantes que receberam nomes fictícios (Bianca, João, Larissa, Monique, Nina, Saulo, Tatiana e Wellington) nos episódios de ensino para que o anonimato fosse garantido. Os estudantes são ingressos da mesma turma de graduação e estavam cursando o quarto semestre do curso, semestre em que a disciplina ―Construção do conhecimento escolar e ensino de evolução‖ é ofertada. Além disso, como pré-requisito, todos os estudantes já tinham cursado a disciplina ―Bio 155 – Evolução - A‖.

A despeito de considerarmos o macro-contexto como sendo a disciplina, importa lembrar que esta se faz também em sala de aula, na interação da professora com os estudantes e destes entre si e com as ferramentas utilizadas no processo de ensino, como chama a atenção Matos (2014). Portanto, deve-se ressaltar a complexidade que emerge no contexto social da sala de aula quando da execução de um planejamento, visto que a sala de aula abriga uma pluralidade que inclui conceitos, modelos e linguagens de vários campos sociais e de conhecimento. Como atenta Aguiar-Júnior (2014), as relações instituídas em salas de aulas são permeadas por elementos da representação social, como o valor atribuído às ciências em nossa sociedade, pela materialidade da escola, pelos recursos e metodologias de ensino e pelas predisposições do que se espera que os alunos aprendam.