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CAPÍTULO IV: Aplicação de um perfil conceitual de adaptação associado à estrutura

4.5. Um perfil conceitual de adaptação para o ensino superior de evolução: contribuições

4.5.1. Novos compromissos ontológicos e epistemológicos para perfil conceitual de

No percurso de nossas análises, identificamos dois compromissos ontológicos e epistemológicos que não estavam contemplados na caracterização epistemológica do perfil modelado por Sepulveda (2010). Por esta razão, propomos a adição desses compromissos àqueles que sustentam as zonas deste perfil.

O primeiro compromisso identificado no discurso produzido no ensino superior de evolução, e não contemplado no perfil, foi um compromisso com uma visão prospectiva da adaptação. No entanto, ao revisitar a matriz epistemológica construída por Sepulveda (2010) com a finalidade de organizar a polissemia do conceito, observamos que a autora descreve este compromisso relacionando-o ao tema epistemológico ―ontologia‖. Esse compromisso diz respeito a significação do conceito de adaptação como uma propensão presente no organismo ou na estrutura orgânica de ser preservado pela seleção natural em função do seu valor adaptativo.

Formulações sustentadas em uma visão prospectiva foram recorrentes nos enunciados elaborados pelos estudantes ao longo da sequência de aulas investigada. A exemplo da fala de Tatiana, na terceira aula da sequência, ao discutir o padrão compartilhado de organização dos dentes das arcadas entre grupos animais e a relação com o hábito alimentar. Neste caso, a estudante propõe uma explicação para o fenômeno na qual considera a adaptação como um evento que antecede a seleção natural, segue a fala de Tatiana: ―No caso/ os animais que já apresentassem essa dentição que facilitasse o modo de alimentação deles/ seriam o que melhor se adaptariam/ sobreviveriam / e passariam isso de um pro outro ((no sentido de geração a geração, faz gestos com as mãos))‖. Este tipo de interpretação se opõe a perspectiva retrospectiva com que o conceito darwinista de adaptação é apresentado na definição proposta por Sober (1993), na qual a adaptação é concebida como o resultado de um processo de seleção natural.

Por se tratar de um compromisso que orienta modos de pensar e formas de falar com o foco no organismo, ou grupos de organismos, e na relação de ajuste ao ambiente proporcionada por uma tendência orgânica, sugerimos que o compromisso com a visão prospectiva da adaptação componha o conjunto de compromissos compartilhados entre

as zonas ajuste providencial e perspectiva transformacional do perfil conceitual de Sepulveda (2010).

O segundo compromisso, seguramente, complementará o conjunto de compromissos ontológicos e epistemológicos que individuam a zona variacional da abordagem adaptacionista. Trata-se de uma noção de interdependência lógica entre valor adaptativo e ser resultante do processo seleção natural. Esse compromisso orienta modos de pensamento e formas de falar a respeito da adaptação como os representados nos enunciados de Larissa no episódio 5.1, reproduzidas abaixo:

Larissa: Para quem acredita na evolução como o eixo de tudo/na

natureza a seleção natural ela vai tá ocorrendo/ então (++) essas mudanças adaptativas são resultados desses processos (++) e se essa característica existe até hoje/ é como Saulo falou / ela tem uma função e essa função é favorável a algumas condições [...] O favorecimento dessa característica ao ambiente entendeu? Lhe serviu de alguma coisa porque se não servisse em nada pras hienas elas talvez fossem é/ elas fossem extintas/ deixariam de existir ou algo desse tipo/ então se a mutação ocorreu que permitiu essa característica nas hienas é/ e ela continuou prevalecendo/ houve uma mudança adaptativa nesse sentido/ houve uma adaptação a funcionalidade daquilo entendeu? (turnos 10 e 21, episódio 5.1)

Na formulação dos enunciados acima, Larissa, para sustentar que a genitália externa masculinizada das hienas é uma adaptação, supõe que se esta característica está na população atualmente de certo que apresentou valor adaptativo e, por conta disso, foi selecionada, visto que a seleção natural é o principal, se não exclusivo, mecanismo evolutivo.

Na literatura em filosofia da Biologia encontramos o compartilhamento esse compromisso com o modo de investigar e explicar a origem das formas orgânicas do programa adaptacionista. Encontra-se que adeptos ao programa adaptacionista diante de qualquer característica aparentemente útil, assumiam sua funcionalidade e criavam uma hipótese acerca de seu significado adaptativo, explicando então a existência da característica a partir de um modelo seletivo (SEPULVEDA; MEYER; EL-HANI, 2010). Esse hábito de propor histórias adaptativas para explicar a existência de características funcionais, que são consideradas válidas apenas com base no critério de consistência com a seleção natural foi duramente atacado por Gould e Lewontin (1979) ao tecerem suas críticas ao programa adaptacionista. Para os autores, essa prática, entre outras coisas, tornaria o programa infalsificável (GOULD; LEWONTIN, 1979).

Abaixo reproduzimos, no quadro 37, a caracterização epistemológica do perfil conceitual de adaptação para o ensino superior com a incorporação dos compromissos identificados por nós, neste estudo. Os novos compromissos estão em destaque.

QUADRO 37 - Caracterização epistemológica do perfil conceitual de adaptação para o ensino superior de evolução

ZONAS Compromissos ontológicos e

epistemológicos distintos

Compromissos que compartilham com outras

zonas Funcionalismo

Intra-orgânico

- O fenômeno adaptação, enquanto adequação da forma ao entorno ecológico não é reconhecido como tal. - Teleologia intra-orgânica;

- Suficiência das causas próximas para explicar o fenômeno vivo.

- Economia natural

- Foco de investigação no nível do organismo;

- Emprega atribuição funcional como estratégia explicativa

Ajuste Providencial - A adaptação é concebida como um estado de ser, uma propriedade fixa do organismo ou grupo de

organismos.

- Teleologia intra-orgânica e teleologia externa;

- Agência de uma força sobrenatural ou de outro tipo de força ordenadora da Natureza;

- Harmonia e perfeição na relação estrutura orgânica e meio

- Economia natural

- Pensamento essencialista; - Emprega atribuição funcional como estratégia explicativa; - Perfeição na relação funcional entre estrutura orgânica e condições de vida;

- Otimização (design ótimo);

- Visão prospectiva da adaptação

Perspectiva Transformacional

- Acúmulo de processos ontogenéticos explica mudanças filogenéticas; - Tendência de transformação da essência da espécie para alcançar maior complexidade ou ajuste às condições ambientais (implicando na ideia de progresso e alguma forma de pensamento teleológico);

- Economia natural

- Pensamento essencialista; -Foco de investigação no nível do organismo;

- Perfeição na relação funcional entre estrutura orgânica e condições de vida;

- Otimização (aperfeiçoamento progressivo);

- Perspectiva evolutiva de explicar adaptação;

- Visão prospectiva da adaptação

Abordagem Adaptacio- nista da forma orgânica

- Primazia da adaptação em relação a outros fenômenos evolutivos;

- Exclusividade das Explicações adaptacionistas;

- Independência lógica entre seleção natural e adaptatividade;

- Supervalorização do poder causal e explicativo da seleção natural; - Alienação entre forças internas e externas ao organismo na causalidade da forma.

- Interdependência entre valor adaptativo e ser resultante da seleção natural Compromissos compartilhados entre as abordagens variacionais - Perfeição na relação funcional entre estrutura orgânica e condições de vida; - Otimização (design ótimo); Pensamento populacional;

P e rsp e ct iv a V ar ia ci on al

Abordagem pluralista da forma orgânica

- Compromisso em considerar hipóteses não adaptativas na explicação da forma;

- Pluralismo de processos;

- Relativização do poder explicativo da seleção natural;

- Simultaneidade e/ou interdependência entre forças externas e internas ao organismo na causalidade da forma

- Pensamento populacional;

Fonte: Adaptado de Sepulveda (2010)

Na próxima seção, destacaremos o padrão semântico dos enunciados típicos de cada uma das zonas do perfil conceitual (SEPULVEDA, 2010).

4.5.2. Caracterização das propriedades dos enunciados típicos de cada uma das zonas