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Maior empecilho para que o homem reconheça a dignidade intrínseca dos

O Homo sapiens criou um sistema de crenças que o colocou no centro de todas as atenções e relativizou todos os demais seres, com o desígnio de utilizar em seu favor todos os demais seres vivos do planeta ou ignorar seus interesses, sem maiores questionamentos éticos. O sistema de crenças, conforme se verá adiante, consiste no antropocentrismo, a irradiar efeitos em todos os campos do conhecimento humano.

A propósito, Alfredo Domingos Barbosa Migliore entende que131:

O maior desafio da extensão de direitos para outros seres viventes não está na afirmação de que pode haver traço de moralidade, dignidade e até mesmo humanidade neles, mas na negação do sempre incontestável e inabalável antropocentrismo, sobre o qual se erigiu todo o sistema jurídico vigente no mundo moderno. Afinal de contas, o direito é, para tantos, fenômeno exclusi- vamente humano.

Na esfera religiosa, tem-se que as três grandes religiões monoteístas possuem como fonte escritos bíblicos, mormente o judaísmo e o cristianismo que aceitam como verdade aquilo que está inserido no Antigo Testamento. O Islamismo, criado 600 anos depois de Cristo, a despeito de possuir outro livro sagrado, tem como verdades inter- pretações dos escritos judaicos e cristãos e novas revelações que teriam sido dadas a Maomé por Allah132.

Na bíblia, são encontradas passagens que sustentam o antropocentrismo133,

pois nada mais superior a todas as demais formas de vida, do que um ser criado a imagem e semelhança de Deus. E a tal ser, Deus permitiu a dominação de todos os demais animais. Confira-se:

131MIGLIORE, Alfredo Domingues Barbosa. Personalidade Jurídica dos Grandes Primatas. Belo Hori-

zonte: Del Rey, 2012, p. 22.

132 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. Tradução: Isa Mara

Lando. Revisão Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 135.

133 Para Danielle Tetü Rodrigues: Indene de dúvidas, as crenças religiosas judaicas, cristãs, e o isla-

mismo contribuíram para a justificativa ética a destruição da Natureza, ao afirmar a necessidade de prevalecer a economia dos povos. Com distorção dos valores, pregaram que a única ideia e possibili- dade de o dinheiro ser gerado, a possibilitar o instituto da propriedade, seria mediante a apropriação da Natureza (Danielle Tetü Rodrigues. O Direito e os animais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 41).

26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine134 ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.

28 Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.

29. Disse-lhes mais: Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento Lado outro, também encontramos em outras passagens bíblicas argumentos favoráveis a enxergamos os animais não como seres inferiores, mas sim, na essência, em posição de igualdade com os humanos. Veja-se, a propósito, Eclesiastes 3:18-21: Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam que são em si mesmos como os animais. Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra

No mesmo sentido, Isaías 66:3:

134 A despeito dessa passagem bíblica ser utilizada como fundamento de nossa permissão divina para

dominar, ou seja, utilizar os animais para as nossas finalidades, o biólogo Sergio Greif oferece outra intepretação do mencionado texto. No hebraico original, Tem-se traduzido “ter domínio” utilizando-se a palavra “yardu”. Ocorre, no entanto, que “yardu” poderia ser mais bem traduzida para “descerão”. Caso fosse a intenção do autor, utilizador do original hebraico, de fato transmitir a ideia de domínio da criação, a palavra que deveria ser empregada seria "shalthanhon”. Já a ideia de governo do homem sobre as demais criaturas, que não parece ser passada neste versículo, tendo em vista que a Bíblia usa quando se refere ao domínio ainda que pacífico usa a palavra “mashel”. Foi empregada, no entanto, a palavra ‘yardu’, que permite uma outra tradução do versículo: “Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança; e descerão para os peixes do mar, e para as aves dos céus, para os rebanhos e para toda a terra e para todo réptil que rasteja sobre a terra”. Caso seguíssemos esta tradução, mais fiel ao original, poderia ser interpretado que a intenção da Bíblia teria sido mostrar que Deus criou o homem de uma maneira especial, mas que o homem desceria (ou seja, seria igualado) para a condição de um animal. Em outras passagens bíblicas essa ideia parece ser reforçada. Em Gênesis 1:28 observa-se ter sido o versículo traduzido desta forma: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multipli- cai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. Mais uma vez, a palavra “desça” aparece traduzida como “domine”. Utiliza-se, no entanto, neste versículo como “sujeitai-a” a palavra “kibshah”, que significa preservar. Caso a intenção do autor fosse deveras transmitir a ideia de “sujeitar”, deveria ter sido empregada a palavra "hichriach”. Assim, a tradução literal deste versículo seria: “E abençoou-os Deus e lhes disse Deus: Fecundem-se, tornem-se muitos, encham a terra e preservem-na; e desçam para (a condição dos) peixes do mar, e para as aves dos céus e para todo animal que rasteja sobre a terra”. A propósito, essa ideia de igualdade entre homens e animais é encontrada em Eclesiastes 3:18-21 (GREIF, Sérgio. A Bíblia preconiza o vegetarianismo. Disponível em: <http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/in- dex.php?option=com_content&task=view&id=1123&Itemid=40>. Acessado em 07/01/2016.

Quem mata um boi é como o que tira a vida a um homem; quem sacrifica um cordeiro é como o que degola um cão; quem oferece uma oblação é como o que oferece sangue de porco; quem queima incenso em memorial é como o que bendiz a um ídolo; também estes escolhem os seus próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações.

Também há passagens bíblica (Gênesis I, 29 e Romanos XIV, 20, 21) nas quais a mensagem divina parece recomendar uma dieta vegetariana135:

29. Disse-lhes mais: Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento. 20 Não destruas por causa da comida a obra de Deus. Na verdade, tudo é limpo, mas é um mal para o homem dar motivo de tropeço pelo comer. 21 Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outra coisa em que teu irmão tropece.

É verdade, também, que em outras passagens, a bíblia permite o consumo da carne, desde que sejam seguidas diversas regras (regras, a propósito, que inexistem para o consumo de vegetais), tais como: quando a carne é consumida, deve ela está

135Embora não tenha sido adotado pela Igreja Apostólica Romana, o Evangelho Essênio da Paz, con-

forme nos conta Edna Cardozo Dias, foi um livro escrito por Edmond Bordeux Szekely, em 1928, que consistiu na tradução de alguns manuscritos, datados do século III d.C., encontrados nos arquivos secretos do Vaticano, em aramaico e esloveno, contendo ensinamentos dos essênios. Vários trechos dos manuscritos têm relação direta com os animais: e a carne de animais mortos em seu corpo trans- formar-se-á em seu próprio túmulo. Pois em verdade vos digo, quem mata, mata a si e quem come carne de animais mortos come o corpo da morte. Pois no seu cada gota do sangue deles se converte em peçonha; no seu hálito deles tresandará; na sua carne ferverá a carne deles; em seus ossos os ossos deles alvejarão; em seus intestinos os intestinos deles apodrecerão; em seus olhos os olhos deles se escamarão; em seus ouvidos os ouvidos deles se encherão de cera. E morte deles será a sua morte. (...) Não mateis, nem comais a carne de vossa presa inocente, para não vos tornardes escravos de Satanás. (...) Mas não comereis a carne, nem o sangue que a vivifica. Pedirei contas, por certo do vosso sangue que esguicha, o sangue em que está a vossa alma; pedirei contas de todos os animais assassinados, e das almas de todos os homens assassinados. (...) E Jesus respondeu: ‘Foi dito outrora: todos os animais que se movem sobre a terra, todos os peixes do mar e todas os peixes do mar e todas as aves do ar são entregues ao teu poder, Em verdade vos digo, de todas as criaturas que vivem sobre a terra, Deus criou apenas o homem à sua imagem. Por conseguinte, os animais para o homem, e não o homem para os animais. Não estarás transgredindo a lei se matares um animal feroz para salvar a vida de teu irmão. Pois em verdade vos digo, o homem é mais que o animal, mas quem mata um animal sem motivo, embora o animal não tenha atacado, apenas por desejo de matar, ou por sua carne, ou por sua pele, ou mesmo por suas presas, está praticando um malfeito, pois ele mesmo se terá conver- tido em animal feroz. Por isso mesmo o seu fim será igual ao fim dos animais ferozes (DIAS, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, pp.141/145). Segundo Tom Regan, a “carne” que recebemos de Deus para nosso alimento não é a carne dos animais. Eis o que ela é: “E Deus disse ‘Vejam, eu lhes dei todas as ervas com sementes sobre a terra, e todas as árvores, nas quais estão os frutos com sementes; para vocês, isso será a carne” (Gênesis 1: 20). A mensagem não podia ser mais clara. Não há caçadores no Éden, mas só coletores, No mais perfeito estado da criação, os seres humanos são veganos; não comemos carne de animais nem qualquer produto de origem animal, como leite ou ovos (REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Tradução: Regina Rheda. Revisão técnica: Sônia Felipe e Rita Paixão. Porto Alegre: Lugano, 2006, p. 85).

totalmente livre de sangue (Levítico 17:10-14, 19:26; e Deuteronômio 12:16, 12:23, 15:23), apenas podem ser destinados à alimentação os animais considerados puros (Levítico 11), e o abate deles passa por uma determinada liturgia (Levítico 17:4).

Em razão dos escritos considerados por muitos sagrados, os judeus e os mu- çulmanos possuem diversas regras para o consumo da carne de animais, que, aliás, são bem parecidas.

Resumidamente, para os muçulmanos, para ser consumida a carne deve ser halal, que significa permitida. São haram (proibida) as carnes de suínos, répteis e corpos de animais mortos, assim como insetos. A carne deve ser ingerida sem que contenha sangue, devendo, por isso, no abate dos animais, o sangue deles ser todo drenado. É haram a carne de aves de rapina. É permitido o consumo de peixes. Ani- mais que escavam a terra e vivem embaixo dela, tais como ratos e toupeiras não podem ter a carne consumida, a exceção do coelho que é halal. No momento do abate deve ser pronunciado o nome de Allah. Por fim, no momento do abate deve ser utili- zada uma afiada faca para romper as veias jugulares e as artérias carótidas de ambos os lados, mas deixando a medula espinhal intacta136. Nessa forma de abate não há

prévia insensibilização do animal, conforme é recomendado pela Instrução Normativa n. 3 de 17/01/2000 que, não obstante, permite, em seu item 11.3, o abate para fins religiosos.

Em relação aos judeus, o termo kasher, ou kosher, se refere aos alimentos pre- parados de acordo com as leis judaicas de alimentação. De mamíferos, apenas po- dem ser consideradas kosher as carnes de ruminantes com casco totalmente fendido. O porco, malgrado tenha o casco fendido, não é ruminante. Entre as aves, não são kosher as de rapina. Já os peixes, somente são kosher os de barbatanas e escamas. Assim, estão proibidos os frutos do mar (camarão, lagosta, ostra, mexilhão, caran- guejo, lula, etc). Répteis também não são kosher. Assim como a carne halal, no abate judeu também deve ser utilizada uma faca afiada para cortar a garganta do animal, não havendo a prévia insensibilização do animal. A carne deve ser consumida sem que esteja com sangue. Carnes, seja de mamíferos ou aves, não podem ser consu- midas com ovos ou leite e seus derivados137.

136 Disponível em: <http://www.abiec.com.br/3_hek.asp>. Acessado em 01/01/2016.

137 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. Tradução: Isa Mara

Vê-se, assim, que ao fim e ao cabo, a religião138, no caso as grandes crenças

monoteístas, podem fundamentar tanto um comportamento de sujeição dos animais aos nossos interesses como outro, completamente oposto139, de respeito e conside-

ração por suas vidas140.

138Apenas foram citadas as três grandes religiões monoteístas em virtude do alto grau de seguidores e

da influência que possuem. As religiões orientais, tais como o xamanismo, hinduísmo (que sacraliza a vaca e outros animais) e o budismo (há quem diga ser uma filosofia), demonstram uma relação de maior respeito com os animais. A propósito: De modo geral, eles (adeptos do hinduísmo) não gostam de tirar a vida. Isso transformou muitos hinduístas em vegetarianos e também abriu caminho para o ideal da não violência, que ficou conhecido no Ocidente com a luta de Gandhi para tornar a Índia inde- pendente do colonialismo britânico (...) Para a vida diária o budismo tem cinco regras de conduta: 1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva. (...) Essa é considerada a mais importante das cinco virtudes. Nem outro ser humano nem os animais devem ser prejudicados. (GAARDER, Jostein; HELLERN, Vic- tor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. Tradução: Isa Mara Lando. Revisão Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pp. 48 e 67). No xamanismo, é fundamental reter que o animal é percebido segundo o mesmo modelo do homem, e em pé de igualdade com ele: é dotado de uma alma imortal e de uma força vital homólogas. Para distingui-las os especialistas falam convencional- mente de “espírito” no caso dos animais e de “alma” no caso dos humanos. A alma (ou o espírito) se reencarna em um descendente da mesma linhagem humana (ou da mesma espécie animal), mas a força vital é trocada entre humanos e animais (LAMBERT, Yves. O Nascimento das Religiões: da pré- história às religiões universalistas. Tradução: Maria Paolozzi Sérvulo da Cunha. São Paulo: Loyola, 2011, p. 48). Não se olvide, ainda, do espiritismo, que vê os animais como nossos irmãos e também possuidores de alma. Segundo a crença, os espíritos que habitam o corpo humano já estiveram em corpos de animais. O espiritismo reconhece, ainda, que os animais podem sofrer e isso deve ser con- siderado pelos humanos, que são mais evoluídos que os animais. Marcel Benedeti, adepto da crença e vegetariano, recomendava a diminuição do consumo de carne até se chegar ao vegetarianismo (BE- NEDETI, Marcel. Qual a sua dúvida para o tema: A Espiritualidade dos animais. 6ª ed. São Paulo: Mundo Maior, 2012, pp. 47/63).

139 Dentro da Igreja Católica é possível observar diferentes comportamentos em relação aos animais.

Desmond Morris, biólogo inglês, nos informa, por exemplo, que mudanças não aconteceram até o sé- culo XIX, quando organizações protetoras dos animais começaram a ser organizadas e a lançar as sementes de um novo relacionamento com a vida animal. O clero estava dividido. Alguns pediam o retorno à afabilidade com todas as criaturas vivas, enquanto outros persistiam na antiga postura de manter a superioridade do homem. A Igreja Católica opunha-se ferrenhamente a essa nova abertura e o papa Pio IX chegou a recusar permissão para a inauguração de um organismo de proteção aos animais em Roma. A razão apresentada por ele foi a de que, ao dedicarmos tempo e pensamento aos animais, as considerações sobre a raça humana sofreriam diminuição nas atenções a ela atribuídas. No final do século XIX, o Dicionário Católico pôde afirmar categoricamente que os animais “não pos- suem direitos. Os brutos são feitos para o homem, que tem sobre eles os mesmos direitos que tem em relação às plantas e às pedras”. Surpreendentemente, a afirmação continua com um máximo de insen- sibilidade, declarando que é “legal matá-los, ou infligir dor a eles, por qualquer fim bom e razoável (...) até com o objetivo de recreação”. (MORRIS, Desmond. O Contrato Animal. Tradução: Lucia Simonini. Rio de Janeiro: Record, 1990, pp. 38/39). Lado outro, São Francisco de Assis é mundialmente conhe- cido como santo protetor dos animais. O Papa Francisco demonstra maior sensibilidade em relação aos animais. Malgrado não haja certeza do conteúdo exato de sua afirmação, sendo possível que se- quer tenha assim se pronunciado, teria ele dito algo no sentido de que os animais iriam para o céu (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/12/1561466-papa-diz-que-cachorros-vao- para-o-ceu-e-cria-polemica-com-teologos.shtml>. Acessado em 18/11/2015). Além disso, embora o Catecismo da Igreja Católica permita o uso humano dos demais animais para fins de pesquisas, ali- mentação e vestimentas (§ 2417), também orienta que (§2416) os animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude providencial. Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória. Também os homens lhes devem carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como S. Francisco de Assis ou S. Filipe de Neri, tratavam os animais.

140Enquanto muitos compreendem a dominação sobre os demais animais concedida, segundo a Bíblia,

Mesmo havendo passagens bíblicas que aparentemente permitem a utilização de animais pelos seres humanos, também encontramos nos textos bíblicos diversas passagens que indicam a utilização de escravos141 e que fundamentam uma socie-

dade patriarcal142. No entanto, mesmo assim, a sociedade contemporânea não admite

tais práticas.

No campo filosófico, diversos pensadores, ao longo dos séculos, desde a anti- guidade até a contemporaneidade, vêm buscando encontrar elementos que nos dife- rencie dos demais animais e, assim, possamos utilizá-los como instrumentos para a satisfação dos nossos mais diversos desejos.

Desse modo, diversos critérios já foram utilizados para buscar fundamentar a existência de uma intransponível barreira entre os humanos e não-humanos, tais como racionalidade, linguagem, vontade, autonomia moral, inteligência, alma e etc. Assim, como apenas o homem seria dotado de tais atributos, somente ele pode ser sujeito de direitos, podendo subjugar todos os demais seres sencientes.

Na seara econômica, os animais, vistos como meros objetos passíveis de apro- priação, são comercializados, possuindo valores monetários estipulados pelos huma- nos, para as nossas mais diversas finalidades, tais como vestuário, experimentação, alimentação, entretenimento, companhia e etc. Por possuírem valor econômico, assim como o próprio ser humano um dia também possuiu, existe toda uma ideologia a sus- tentar a exploração dos animais sem maiores questionamentos éticos e que impede a consideração dos interesses deles pelos humanos. Afinal, caso houvesse a consi- deração, maiores cuidados ensejariam maiores custos e em um mundo no qual tudo é pensado em termos financeiros, é mais barato ignorar o sofrimento animal. O reco- nhecimento de direitos aos animais, então, resultaria em uma abstenção dos humanos

que eu leio a Bíblia. Ser contemplado por Deus com o domínio sobre tudo não significa receber uma carta branca para atender às nossas necessidades ou saciar nossos desejos. Pelo contrário, significa ser incumbido da imensa responsabilidade de ser chamados por Deus para sermos tão cheios de amor e de zelo por aquilo que Deus criou quanto o próprio Deus foi cheio de amor e zelo ao criar tudo. De fato, conforme meu modo de entender a ideia, é isso o que significa ser “criado à imagem e semelhança de Deus”. (REGAN, Tom. Jaulas Vazias. Tradução: Regina Rheda. Revisão técnica: Sônia Felipe e Rita Paixão. Porto Alegre: Lugano, 2006, p. 85).

141Ver, entre outros: Levítico 25:44: E quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, serão das

nações que estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas.