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A Malária e a febre amarela como questões locais – a ciência nos trópicos

CAPÍTULO I A AMAZÔNIA: PAISAGEM E DOENÇA NOS TRÓPICOS A EMERGÊNCIA DA MEDICINA TROPICAL

1.6 A Malária e a febre amarela como questões locais – a ciência nos trópicos

O lago seco, uma curiosidade hidrográfica, é o laboratório alquímico

da micro fauna e micro flora palúdicos. E tão quieto na fossa! Ninguém diria. Só mercúrio, ao fundo de uma cuba, seria tão tranqüilo e espelhento.”

Alberto Rangel

Emílio Goeldi motivado pela importância que os insetos tomaram para a questão sanitária, realizou estudos sobre os mosquitos na Amazônia. Em texto datado de 1904, publicado em coletânea do Boletim do Museu Goeldi, em 1906, relata as suas experiências com insetos de relevância para a saúde pública. Um dos argumentos dados por Goeldi para estudar os insetos foi a ausência dos “costumes e o modo de vida dos nossos mais vulgares Mosquitos” na Monographia dos Culicidios de Frederick Vincent Theobald,47 do

Museu Britânico de Londres. Segundo o cientista do Museu, a outra motivação foi que os mosquitos se tornaram importantes no combate às doenças endêmicas na região amazônica. Sendo assim, passou a colaborar com Theobald, enviando mostras dos mosquitos encontrados no Pará e no baixo Amazonas. Goeldi destacou que os trabalhos, sobre os mosquitos, de Adolpho Lutz eram originais e pioneiros no Brasil.

47

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O naturalista, em publicação anterior sobre “Os mosquitos no Pará como uma Calamidade publica”, de setembro de 1902, afirmara que o interesse por mosquitos vinham desde 1895 quando em expedição no Amapá coletava os insetos para a coleção do Museu do Pará. Segundo ele, nessa época já observava a relação entre a espécie Anopheles e a malária (Goeldi, 1905). Esta espécie também foi colecionada nos arredores de Belém pelos integrantes da Expedição da Liverpool School, Durham e Myers, assim como pelo dipterologista E. Austen, do British Museum, da Faraday Expedicion. Isto demonstra a relação de troca de conhecimentos que havia entre os cientistas da Amazônia e do velho mundo.

Goeldi toma as palavras do estudioso italiano Grassi para justificar a inclusão de um zoologista no campo da entomologia médica. “O médico por si só não resolverá a questão: terá forçosamente que recorrer ao naturalista, para dele obter o substrato necessário de conhecimento de história natural” (1906, p. 131). Entende também que um estabelecimento científico como o Museu e na qualidade de zoólogo, não poderia deixar de contribuir com a temática que tem aspectos graves na região. Por outro lado, Goeldi entendia que os médicos de Belém esperavam pelo estudo, do ponto de vista biológico, das questões relacionadas aos mosquitos (1905, p. 40).

O naturalista fez experimentos mais detalhados com dois mosquitos que tinham interesse sanitário, ou seja, “a diurna Stegomyia fasciata48 e o noturno Culex fatigans”, o transmissor da febre amarela e da filariose respectivamente.

A espécie Anopheles também era de seu interesse por sua importância nos subúrbios da cidade e no interior da Amazônia, porém este não faz parte destas experiências. 48 S 2 @ F* , +* ' 2 ; $ " # ) ' - *' 2 7 $ ) - 3 H 3 6 ' * ' *L:

O naturalista faz uma especulação sobre a introdução destes mosquitos, partindo das suas observações laboratoriais. Elabora a tese de que a

Stegomya foi introduzida em Manaus e rio acima através da navegação:

O grande rio-mar, com a sua direção quase paralela ao equador, navegável para navios transatlânticos de alto bordo, e com as suas condições climatéricas ótimas justamente para este mosquito eminentemente tropical, devia ser um excelente vetor na marcha conquistadora da Stegomya.” Com isto conclui que a febre amarela é “novíssima” na região Amazônica, promovida pela formação e manutenção de grandes cidades, desenvolvidas pela navegação (Goeldi, 1906, p.176).49

Goeldi dramatiza a situação de quem morava em uma cidade tropical como Belém, onde abundavam os mosquitos, especialmente o Stegomyia

fascitata:

“Não há um minuto de trégua desde o clarear do dia ao cair da noite: ao escrever, ao comer, ao dormir, o inimigo nos flagela e num o esperado moto contínuo de debater-nos seria capaz de salvar-nos, que não ficasse logo com o rosto, pescoço, orelhas, mãos e pés cobertos de ardentes pontos intumescidos, cujo centro indica, apenas visível, o lugar onde o veneno foi inoculado”.

O trabalho intelectual também ficava prejudicado porque cada pessoa era picada entre 50 a 100 vezes por dia: “Não conheço nesta cidade, fator e elemento algum tão nocivo e pernicioso atualmente ao trabalho intelectual, ao estudo científico e à investigação no silêncio do gabinete e laboratório como esta exacrenda criatura que se chama Stegomyia fasciata” (1905, p. 14).

O cientista do Museu Paraense defendia a tese de que a propaganda50

era importante para o combate de doenças como a malária: “Estou firmemente 49 3 Y ' *' $ -' $ 3 < # 7 ' 2 " "#' ' >9 ' $ . $ S 6 +9' + : ? # . ' 2 H. "# 7 ' S $ - >9* 2 "# 2 6 +*' F : 50 3 Y ' 0 ' - 2 - @ 0 1 % " ' 2 3 @ $ " 1' "# # $ - ' ' ' - "# 2 " 6 +9' >:

convencido, que o público nas regiões perseguidas por sezões, orientado sobre o nexo causal entre a malária e o Anopheles, e conhecedor das soberanas armas que se possui tanto numa inteligente profilaxia como numa adequada e criteriosa terapia com a quinina, com mais calma poderá enfrentar as investidas e tentativas deste morbo polimorfo”. Ainda sugere que deve haver uma “ação oficial” por parte do Estado: a) organizar as “mosquito-brigadas”, como realizado em outros países; b) reformar os hospitais segundo o atual estado da ciência em relação aos mosquitos; c) fornecer gratuitamente aos necessitados mosquiteiros em casos de febre amarela e em tratamento em domicílio; d) projetar obras de saneamento, visando a eliminação dos lugares de criação de mosquitos (1905, p. 39).

A outra atividade científica realizada na Amazônia foi da Liverpool

School of Tropical Medicine, em duas expedições: a terceira e a décima quinta.

A primeira viagem aconteceu em 1900 e seu destino foi Belém; a outra ocorreu em 1905 que permaneceu em Manaus. As duas expedições tiveram como objetivo estudar a febre amarela, aproveitando as condições sanitárias e os índices da doença nas duas cidades. Outro fator importante para escolher a região foi pelo fato da doença atingir prioritariamente os estrangeiros, constituindo-se em campo importante de pesquisa aplicada. A expedição de Belém foi curta devido ao desfecho trágico que foi a morte de um dos pesquisadores; por outro lado, a de Manaus gerou uma relação mais duradoura com a Escola de Liverpool, com a permanência do médico Wolferstan Thomas na cidade.

A terceira viagem foi denominada de Yellow Fever Expedicion Liverpool

School of Tropical Medicine e foi chefiada por Herbert Durham e Walter Myers.

Os cientistas saíram de Liverpool em 26 de julho de 1900 rumo aos Estados Unidos e posteriormente a Cuba51 (Brito, 1973), onde as pesquisas sobre febre

amarela podem ser atribuídas a Carlos Juan Finlay, que em 1881, já havia formulado a hipótese do mosquito como transmissor da febre amarela

51

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(Durham, 1902; Benchimol, 2001; Franco, 1976). Os cientistas tiveram contato com Finlay que mostrou as suas experiências com o Stegomyia fasciata, justificando que escolhera este mosquito porque se encontrava nas cidades (Guiteras, 1959). A expedição chegou no dia 24 de agosto do mesmo ano a Belém, onde teve franco apoio do governador que colocou o Laboratório de Analises Químicas e de Bacteriologia do Serviço Sanitário e o hospital Domingos Freire (especialmente dedicado à internação dos pacientes de febre amarela) à disposição da comissão inglesa (Durham, 1902). Depois de cinco meses na cidade, os pesquisadores contraíram a doença que estudavam, sendo que Myers, com 28 anos, faleceu depois de cinco dias de internação no hospital Domingos Freire. O enterro foi no dia 21 de janeiro de 1901 (Pará Médico, 1901a). Durham permaneceu até o mês de maio do mesmo ano, ainda abalado pela morte do colega e sem conseguir muitos avanços no estudo da febre amarela, retornou para Cuba a fim de continuar os estudos (Pará Médico, 1901b). A justificativa de Durham era que não havia material suficiente para o trabalho de campo, principalmente no que se referia ao número de vítimas da febre amarela, impossibilitando a realização de necropsias. Outro problema apontado pelo pesquisador foi que não havia um sistema de controle ou notificação e isolamento, o que também dificultava a coleta de material para pesquisa (1902, p. 2). Goeldi, no entanto, revela em publicação posterior, que o pesquisador não suportou a “incessante perseguição sofrida pelo homem por parte do feroz e famigerado díptero (Setegomyia fasciata)” (1905, p. 15).

A revista “Pará Médico”52 de novembro de 1900 publicou um artigo de Durhem chamado “Contra os mosquitos”. As observações já era produto das pesquisas no Pará, mas também fazia referência às experiências nos Estados Unidos e em Cuba. Nesse texto, o cientista destaca o papel do mosquito na transmissão da malária e da filaria, não mencionando ainda o seu lugar na transmissão da febre amarela. Ele sugere medidas de combate contra o inseto através de dois meios: defesa contra o seu ataque como mosquiteiros e “tornar

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a superfície do corpo desagradável aos insetos”. O autor é cético em relação ao extermínio total dos mosquitos, e acreditava mais nas técnicas de prevenção contra o ataque dos insetos. Recomenda que as casas fossem devidamente teladas para elas se transformem em verdadeiros mosquiteiros. Para uso individual recomenda para quem for viajar aos trópicos que use a “rede brasileira e um espaçoso mosquiteiro” (1900, p.7-9). Durham e Myers fizeram coleta de mosquitos em Belém, os quais foram enviados a Theobald para fazer a identificação das espécies (1902, p. 02).

O mesmo número do Pará Médico trouxe informações sobre a Yellow

Fever Expedition Liverpool School of Tropical Medicine no Estado e informava

sobre as duas expedições anteriores: a primeira sobre a “Malaria” na África, em 1899; e a segunda na bacia do Niger. O periódico ainda fez um pequeno histórico da criação da Escola de Medicina Tropical, explicitando que Liverpool foi a cidade escolhida porque era o “ponto onde concorrem, em grande escala, os navios procedentes dos trópicos”. O periódico destacou os estudos da Escola sobre a “patogenia das moléstias parasitárias”, principalmente os “germes do paludismo” que somente eram transmitidos pelos mosquitos. A comprovação da teoria do mosquito na transmissão da malária era recente, o que motivava a analogia com as pesquisas com febre amarela. A revista ainda chamou a atenção sobre os pântanos, pois criavam as condições ideais para o desenvolvimento dos Anopheles que transmitem a malária, mas nega que essas lugares fossem a causa da doença: “as emanações dos pântanos são incapazes de produzir a malária”. A afirmação se fazia necessária porque nesse período ainda havia dúvidas sobre a doutrina conhecida como

Mosquitismo (Pará Médico, 1900a, p 19-21).

A 15ª expedição da Liverpool School of Tropical Medicine se deslocou para Manaus em 190553, e teve como pesquisador responsável Wolferstan

53 = H 9 2 ; ' % S ' > ' - W $ (3 ' 7 3 $ ( $ = B $ S 0$

Thomas54, o qual permaneceu ligado à história da cidade de Manaus, onde prestou serviços até a morte, em 1931. O relatório desta expedição que compreende o período de 1905 a 1909 traz importantes informações sobre as características físicas da cidade, as condições sanitárias, as doenças e os costumes da população que tinham interesse sanitário (Thomas, 1909).55

O Relatório primeiramente descreve as características da cidade, como população, topografia, clima, hidrografia. Os igarapés da cidade são descritos de modo detalhado, pois são fatores importantes para a determinação da epidemiologia local. Outro fenômeno descrito como relevante é o nível das águas56 do rio Negro que chega variar entre 4,5 a 5,5 metros, contribuindo para que as águas dos igarapés, que cortam toda a cidade de Manaus, fiquem represadas, criando as condições ideais para a reprodução dos mosquitos. Assim, “the propagation of mosquitos and disease is favoured by these colletions of stagment water” (Thomas, 1909, p. 6). Outro fator que também contribuía para a criação de poças e alagações foram as obras realizadas pelo Estado, aterrando igarapés e abrindo ruas, sendo assim “mosquitos bred in their thousandes, and fevers reigned supreme” (idem, p.12). Thomas elogia as autoridades sanitárias que procuravam eliminar os focos de larvas através de brigadas de mosquitos. Estas palavras são importantes porque, posteriormente servirão de argumento para médicos locais para valorizar os trabalhos do Serviço Sanitário do Estado.

As pessoas que mais sofriam com a malária, segundo Thomas, eram os pobres dos subúrbios de Manaus, os trabalhadores dos seringais, os trabalhadores de obras como a Madeira-Mamoré, sendo que as suas

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condições de vida os colocam como hospedeiros ideais da doença. As moradias da população pobre e a abundância de locais naturais e artificiais criavam os focos para a reprodução dos mosquitos, tornando a malária uma enfermidade endêmica na região. No entanto, Thomas relata que havia lugares livres da doença, aqueles destinados à moradia dos comerciantes estrangeiros.57 Ele utiliza a sua própria experiência para dizer que não contraiu malaria no período de residência na cidade, e que somente usou quinina no trabalho de campo em regiões alagadas (Thomas, 1909, p. 35).

Um dos capítulos do relatório tem como o título The breeding places of

mosquitos. A Comissão inglesa faz uma intensa pesquisa sobre mosquitos,

tanto para a identificação das espécies, como para localizar os principais focos daquelas relevantes para a saúde pública.58 Segundo Thomas, 98% das

residências e dos estabelecimentos comerciais tinham focos de água e, consequentemente, tinham os ovos da stegomya calopus (Thomas, 1909, p. 18). Isto acontecia porque as pessoas tinham o costume de estocar garrafas vazias e outros objetos em depósitos abertos, além do uso de barris e cisternas para acúmulo de água. As casas, em geral, possuíam diversos lugares onde a água se acumulava: no porão, em calhas, no pátio ou em refugos abandonados. O cientista informa que as autoridades sanitárias orientavam e intimavam os moradores para utilizar telas de arame para cobrir estes depósitos, mas com o passar do tempo essa exigência era esquecida pelos moradores ou as telas ficam danificadas.

Os pântanos e os igarapés eram responsáveis pela presença da malária na periferia da cidade. Havia um extenso pântano no fundo das ruas Cearense, Ferreira Penna e Comendador Clementino, sendo o responsável pelo adoecimento dos moradores dos dois lados do vale por onde corria o igarapé do Aterro. Muitas mulheres, segundo Thomas, usavam o lugar para lavar roupas (p.21). O igarapé (Bequemôa) que cortava a Rua Ocidental, em frente à

57 ) 6 >: $ 2 - ' 2 % $ 0 58 (3 M D N 3 2 ' ' +" $ * . 6 3 I 7.' *' 99:

Monsenhor Coutinho, também era um profícuo lugar de procriação de mosquitos. O igarapé (da Bica) que passava por detrás da Rua Luiz Antony e se estendia pela rua 10 de Julho também era fonte da doença. As mulheres também lavavam roupa no local, mas também abriam buracos no chão para ter água limpa, criando as condições de ter a reprodução do mosquito durante o ano todo (ibidem). O igarapé de São Vicente tinha vasta vegetação nas suas margens, possibilitando a presença de larvas de stegomyia, culex e anofelinas. Thomas afirmava que ali “ano a ano ocorreram casos de malária e febre amarela entre os moradores das casas e hotéis próximos” (p.22). Outra área que propiciava a proliferação de stegomyias e anofelinas era a da Avenida Treze de Maio, próxima ao centro. Nestas duas regiões havia um encontro entre as duas doenças transmitidas por vetor, por esse motivo, as campanhas sistemáticas, colocadas em prática a partir de 1909, partiram desse local.

Nos igarapés de Manaos e Bittencourt foram encontradas larvas de Cellia argyrotarsis e Cellia albimana. Durante as chuvas achava-se também

Anophelinas, Culex fatigans e Mansonia titillans (p. 23). O número de mosquitos aumentavam também porque em muitos lugares se criavam porcos, formando vários buracos no chão com poças de água. Nos subúrbios de São Raimundo e Colônia Oliveira Machado também se encontravam as ravinas e as áreas pantanosas onde a maioria dos moradores vivem. Tratava-se de áreas consideradas como de focos permanentes de mosquitos. Thomas recomendava que uma brigada sanitária poderia limpar os igarapés, drenar os pântanos, cobrir os buracos ao longo dos igarapés e manter as margens limpas (p.27).

Os pesquisadores da Comissão inglesa realizaram análises laboratoriais do sangue da população local para complementar as análises das condições sanitárias da cidade. Em relação aos tipos de malária observaram que eram: terçã maligna (Plasmodium praecox), terçã (Plasmodium vivax) e quartã benigna (Plasmodium malarie), sendo que este último tipo era sempre

importado dos rios Purus, Japurá e Madeira.59 Thomas apontava para o fenômeno da resistência do parasito à quinina, mas o autor não aprofunda a questão porque não poderia fazer experimentos nos hospitais da capital do Estado (p.38). Em relação à ancilostomose, a Comissão constata que 88% a 93% das crianças que viviam nos subúrbios eram infectadas pelo Necator

americanus, e praticamente todos os casos de malária exibiam os sintomas

desta doença (p.35).

A febre amarela, segundo Thomas, era a doença mais grave para os estrangeiros que viviam em Manaus. O número de estrangeiros na cidade era razoável, o que fazia da doença uma questão séria. Segundo os cientista, estes também eram culpados pela presença da doença porque em suas casas e no trabalho permitiam a existência de lugares para a reprodução do

Stegomyia calopus (p.40). Este mosquito chamava a atenção Thomas, pois era

essencialmente doméstico e a sua fêmea não tinha o hábito de voar muito longe, ficando próximo à sua fonte de alimento que era o sangue humano. As condições climáticas da cidade, além da grande quantidade de água disponível, eram ideais para a reprodução do inseto. Por isto, a febre amarela pode ocorrer em qualquer período do ano, sendo que entre os meses de junho e agosto o numero de casos é menor. O cientista diz que a fonte de infecção da fêmea de Stegomyia são os trabalhadores estrangeiros e as crianças nativas (p. 42).

O período em que a doença poderia infeccionar o mosquito era de poucos dias do contágio, sendo que os doentes somente chamavam o médico depois do terceiro ou quarto dia, quando já havia passado o período de infecção do mosquito e o apetite do Stegomyia já estava satisfeito.60 Esse

comportamento do doente, segundo Thomas, tinha influência direta na prevalência da doença. O médico sugere que a lei de notificação compulsória,

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como estava definida no Regulamento Sanitário, deveria constar a gravidade da doença para os estrangeiros recém-chegados na cidade em situação de febre inicial. Assim como “all foreign immigrants arriving in Manaos, should notify the sanitary department their place of residence, occupation or trade” (p.45). Porém, eram justamente os imigrantes estrangeiros que mais ignoravam o perigo da febre amarela, contribuindo com a continuidade da doença em Manaus. No entanto, declara Thomas que os brasileiros que chegavam de outros Estados sem febre amarela, portanto, não-imunes, também eram suscetíveis à doença.

Apesar de a febre amarela atingir prioritariamente os estrangeiros recém-chegados em Manaus, a doença também poderia afetar os nacionais. A comissão inglesa observou casos da doença em nativos e indígenas do Acre e do rio Purus, assim como em crianças e adultos vindos do sul do país (p.47). O diagnóstico da febre amarela em crianças era difícil de ser observado, pois os sintomas eram de manifestação diferente, não chamando atenção das mães. A irritabilidade, o choro, o vômito moderado associado com febre leve, na infância de poucos meses de idade, quase sempre era diagnosticado como distúrbio gástrico. A febre amarela não era observada porque a criança recuperava-se em poucos dias. O único sintoma que deixava os pais em alerta era em relação ao “vômito preto”, que era automaticamente associado à febre amarela (p.48). O cientista chamava a atenção para os casos mais leves da doença que eram muito parecidos com os sintomas da “influenza” e dos distúrbios gástricos associados com febre, esses casos também foram observados por pesquisadores do Instituto Pasteur.61 Thomas declara que foi atacado pela

doença, em 1905, mas foi muito leve, com sintomas parecidos com influenza e sem sinais de albumina na urina, sendo, com isto, ordinariamente um “imune” (p. 48). Ele pretendia publicar um trabalho sobre essas situações de apresentação branda da febre amarela em brasileiros e crianças, pois entendia que esses casos colaboravam para a manutenção da doença na cidade.

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Thomas pergunta se Manaus poderia ficar livre da febre amarela. A resposta foi afirmativa, desde que o número de Stegomyias chegasse a uma proporção mínima, the mosquito point”, como defendia Gorgas.62 As medidas anti-mosquitos, como foram aplicadas em Havana e no Panamá, eram suficientes para eliminar a febre amarela na cidade. O pesquisador destaca que o Serviço Sanitário do Estado promovia campanhas contra a malária e a febre amarela do mesmo modo como foram realizadas no Rio de Janeiro, Havana, Panamá e Nova Orleans. O problema não estava em relação ao conhecimento das técnicas profiláticas, e sim dos recursos que eram insuficientes para colocar em prática tais medidas. No entanto, Thomas