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Os primeiros anos da República e a primeira Comissão de Saneamento

CAPÍTULO III AS COMISSÕES DE SANEAMENTO EM MANAUS:

3.1 Os primeiros anos da República e a primeira Comissão de Saneamento

urbes tropical; e estas também acompanhavam pari passu as medidas

aplicadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. As políticas de saúde pública estavam amparadas em experiências realizadas no Brasil e fora dele, portanto, podemos dizer as práticas médico-científicas realizadas no Amazonas estavam inseridas na agenda nacional e internacional de pesquisas, contando com a participação direta de cientistas nacionais e estrangeiros. Observaremos que as ações de saúde pública dos médicos locais seguiam padrões e procedimentos praticados no “centro”. No entanto, nem sempre as ações sanitárias coincidiam com os projetos de modernização da cidade, criando conflitos entre médicos e engenheiros.

3.1 Os primeiros anos da República e a primeira Comissão de Saneamento

A gestão do Governador Eduardo Ribeiro (1862 – 1900), entre 1892 e 1896, é considerada como a que mais trouxe mudanças na paisagem urbanística da cidade de Manaus: alguns igarapés foram aterrados, construção de pontes, calçamento das ruas, instalação de luz elétrica e bondes, sistema de distribuição de águas, esgoto, grandes prédios públicos. A cidade passava pelo próprio espírito da belle époque, embelezando a cidade e criando um clima de aparente riqueza, “eliminando o antigo e tímido traço provinciano” (Mesquita, 1999, p. 197). No entanto, a cidade tinha os seus fantasmas que

eram as doenças que tinham lançado suas raízes como a malária e a tuberculose e outras que a visitavam periodicamente como a varíola e a febre amarela.

O inspetor de higiene do Estado, Henrique Álvares Pereira, em 1893, solicitava que o Estado realizasse cinco medidas necessárias para o “bem- estar público no que diz respeito à saúde”:

1) Saneamento do solo, esgotos, águas pluviais, abastecimento de água; 2) Remoção e destruição do lixo e limpeza pública; 3) vacinação e revacinação; 4) habitações especialmente às classes proletárias; 5) remoção do Hospital de Caridade, arrasamento do cemitério de São José, construção de hospitais para loucos e leprosos (1893, p. 4).

Pereira cita o cientista Pettenkofer para justificar a aplicação destas medidas. Max von Pettenkofer, adversário de Koch na Alemanha, havia estudado o cólera e a febre tifóide. O pensamento higienista brasileiro, no final do século XIX e início do século XX, foi influenciado por suas teses. Ele defendia a “teoria do solo” que exigia a presença de quatro fatores: o germe em si, as condições relacionadas ao lugar, ao tempo e aos indivíduos. “As variáveis sazonais e locais agiam principalmente sobre o germe, que amadurecia e se transformava em matéria infectante”. O solo era importante para estas transformações do germe e precisava de matéria orgânica em decomposição para se desenvolver e infectar o corpo humano (Benchimol, 1999, p.280). Daí, a preocupação de Henrique Pereira com as questões do solo, do lixo e distribuição de água. O argumento do inspetor de higiene era que os “detritos orgânicos” produzem a “fermentação e podem fornecer o desenvolvimento de agentes patogênicos, que em nossa atmosfera quente e úmida muito concorrem para a manifestação de certas moléstias” (Pereira, 1893, p. 06).

Outros aspectos destas medidas podem ser destacados: o primeiro em relação à vacinação e revacinação da varíola, que representava a vitória da ciência médica sobre uma doença que fazia grandes estragos em tempos de epidemia, principalmente porque as vítimas eram de todas as classes sociais.

O inspetor de higiene defendia que fosse obrigatória a vacina a todos os habitantes e a todos que entravam no Estado, medida que já estava inserida no Regulamento Sanitário de 1893 e vai ser reforçada pelos subseqüentes (1897,1899, 1903, 1907). Apesar da “certeza” da imunidade que a vacina trazia, ela não era bem aceita pela população, pois nem sempre a “linfa vacínica” era de boa qualidade ou era modificada pelas “condições climáticas”, o que estimulava os higienistas a propor a criação de um Instituto Vacionogênico.78 A história da varíola no Estado é um capítulo à parte e que

mereceria um estudo particular.

O segundo aspecto a observar é a criação de casas para os proletários. O argumento do médico é que os cortiços que se proliferavam no centro da cidade deveriam ser destruídos a exemplo do famoso cortiço Cabeça de Porco no Rio de Janeiro, citado pelo higienista como exemplo. No entanto, “alguns capitalistas com seu gênio comercial têm conseguido saltar por cima do mais comedido princípio higiênico e iludir a suprema administração do município tão somente visando o interesse da bolsa”. O médico afirma que “as classe pobres, o mundo dos proletários, são, por força de circunstância obrigados a vegetar encovados nesses lugares úmidos e lôbregos, em ar, sem luz e abandonados a

uma especulação torpe” (Pereira, 1893, p.7).A imagem dos cortiços como um

espaço insalubre e “perigoso” para a saúde pública estava presente no pensamento médico da época, sendo que a demolição destes eram consideradas necessárias para uma cidade moderna e salubre.

O terceiro ponto a ser destacado é sobre a remoção do cemitério São José que ficava na atual Praça da Saudade, ou seja, próximo ao centro da cidade. O cemitério, segundo o médico, estava fechado havia mais de dois anos, talvez devido á falta de espaço e também porque estava “à vista do

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público”. Os restos mortais seriam transferidos para o cemitério São João Batista, no Mocó, mas somente os que tiveram direito por “motivo de compra”. Outra solicitação de mudança, mas que não se efetivou, referia-se à Santa Casa de Misericórdia, também localizada no centro da cidade.79 Segundo o inspetor sanitário Alvares Pereira, ela se fazia necessária por serem os “loucos” e “leprosos” internados no mesmo espaço que os “variolosos” e outros doentes, representando um “perigo” de contágio dos habitantes da cidade. Em 1894 foi

inaugurado o hospício80 que continuou sob a administração da Santa Casa; e

os leprosos foram transferidos para o isolamento do Umirisal no início do século XX.

As medidas propostas por Henrique Pereira fundamentavam-se na tese infeccionista, aceita pelos médicos do período, segundo a qual o calor e a umidade contribuíam para a decomposição de detritos, produzindo os “miasmas”. Além disto, os “problemas” sociais estavam inseridos nas questões de higiene, e que estavam associados ao modo de vida nas cidades como: a colocação do lixo, o esgoto, o sistema de água, moradia dos pobres, hábitos de higiene, ambiente de trabalho, dieta dos pobres e migração. Todos estes elementos faziam parte da agenda dos higienistas do final do século XIX e início do século XX, quando os parâmetros da bacteriologia estavam se impondo (Armus, 2003, p. 7).

Em 1897, o Governador Fileto Pires Ferreira pede ao engenheiro Aarão Reis81 que organizasse no Rio de Janeiro uma comissão de técnicos para “confeccionar um plano geral de saneamento” da capital do Amazonas. A Comissão teve como objetivos estudar as condições sanitárias da cidade e implementar as medidas de saneamento propostas pelo diretor de higiene (Ferreira, 1897, p. 14). A “comissão” foi chefiada pelo engenheiro Samuel

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Gomes Pereira,82 mas contava também com a colaboração dos médicos locais. A complementação da rede de esgoto parece ter sido o principal foco da comissão, trabalho que já tinha sido iniciado pelo governador Eduardo Ribeiro nas vias centrais da cidade.

Na Mensagem de 1898, o governador informa que a “Comissão de Saneamento” estava trabalhando no projeto da rede de esgoto para Manaus, tendo já realizado a “carta da cidade” e o “nivelamento” para que o plano fosse executado (Ferreira, 1898, p. 26). Sobre esta comissão encontramos ainda referência em relatório manuscrito enviado ao governador pelo engenheiro Samuel Gomes Pereira, chefe da comissão, com cópia à Diretoria de Higiene. O Relatório descreve as condições do esgoto e banheiros da Santa Casa de Misericórdia e das habitações vizinhas. O engenheiro conclui que os detritos jogados nas galerias de esgoto da Av. do Palácio (depois Eduardo Ribeiro) não eram totalmente levadas pelas águas porque as galerias foram construídas para as águas pluviais e por isto sugere que se lave, uma vez por semana, as galerias de esgoto.83 Segundo a mensagem do governador e relatório supra podemos concluir que esta “primeira” comissão estava envolvida principalmente com a situação do esgoto que ainda era parcial na capital. Não encontramos um relatório desta comissão, sendo, portanto restritas as informações sobre as suas atividades.

A Lei de n. 214 de 8 de março de 1898, assinada pelo Governador Fileto Pires Ferreira, criou a Diretoria Geral de Serviço Sanitário, substituindo a Repartição de Higiene Pública84, e tinha como objetivo “estudar todas as

questões que interessam diretamente ou indiretamente à saúde pública”.85 O

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objetivo de “estudar” as questões de saúde pública dá ao Serviço uma conotação científica, sugerindo que a saúde pública seria operada por especializações da ciência “moderna”, principalmente da bacteriologia. As seções que foram aprovadas por lei e depois organizadas por um Regulamento eram as seguintes: a) instituto vacinogênico e vacínico; b) laboratório químico e bromatológico; c) laboratório bacteriológico; d) desinfectório; e) serviço demógrafo-sanitário. O pessoal técnico previsto para esta estrutura era: um diretor geral, um diretor do instituto vacinogênico, um químico, um médico demografista, um médico bacteriologista, quatro inspetores (médicos) de higiene. O diretor do laboratório bacteriológico teria como função: “o exame de tudo que possa relacionar-se com a saúde pública, cultura de micro- organismos com a qual possa dizer respeito à profilaxia, etiologia, diagnose e terapêutica das diferentes moléstias” (1898, p. 72).

A nova estrutura do Serviço Sanitário refletia o pensamento dos médicos que atuavam na saúde pública e que acompanhavam as mudanças da capital federal e também em São Paulo. O Serviço Sanitário do Amazonas tinha uma estrutura semelhante ao de São Paulo, que passara por uma reforma em 1891: Laboratório Farmacêutico, Laboratório de Análises Químicas, Laboratório Bacteriológico, Instituto Vacinogênico, Desinfectório Geral, seção Demógrafo- Sanitária, Hospital de Isolamento e Instituto Butantã. O Instituto Bacteriológico sucedeu o Laboratório Bacteriológico, sendo criado em 1892 (Ribeiro, 1993;

Almeida, 2003, p. 59).86 A novidade no Amazonas, assim como o fora em São

Paulo e no Rio de Janeiro, era a inserção da bacteriologia que tinha claros objetivos de estudar as doenças e dar respostas para a sua profilaxia e terapia. A vacinação e a desinfecção já faziam parte da Higiene Pública, assim como a análise de alimentos. >* 3 3 "# ' 7 . D PJ' 3 " 2 $ " - - $ 2 ! M < 7 " 7 . S 7# H > + 2 3 "# - 7 " 7# ' $ ' 7 " 7 . ' . -

A Lei n. 286 de 30 de setembro de 1899, do Vice-Governador José Ramalho Júnior, acrescenta à estrutura do Serviço Sanitário do Estado do Amazonas “um hospital de isolamento” e “laboratório de toxicologia”.87 A lei também transfere o Serviço Meteorológico para a Seção de Demografia Sanitária.88 Esta lei aumenta ainda mais o número de profissionais e enfatiza o

caráter de estudo e controle das epidemias e endemias. O médico Alfredo da Matta, Astrolábio Passos, Hermenegildo Campos e Antonio Palhano assinam o Regulamento Sanitário que organiza o Serviço Sanitário de acordo com a lei. A proposta do novo Regulamento é entregue ao Secretário do Interior em dezembro de 1899, por Alfredo da Matta, que já respondia pela Direção do Serviço Sanitário.

O Laboratório de Bacteriologia tinha como função o “estudo da microscopia e microbiologia relativamente às epidemias, endemias, epizootias, particularmente do Estado do Amazonas”. O laboratório deveria também preparar os “seruns” que seriam aplicados no “tratamento e profilaxia das moléstias infecto-contagiosas”. O diretor do Laboratório deveria corresponder- se com outros laboratórios do país e de fora (Regulamento Sanitário, 1899). O laboratório de bacteriologia não passou de uma intenção dos médicos locais em acompanhar as inovações da pesquisa científica. O governo de Silvério Nery (1900 – 1903) não deu continuidade às propostas sugeridas pela comissão que elaborou o Regulamento Sanitário, e, em 1903, determinou que se fizesse um novo Regulamento. Este traz uma repartição com pessoal e estrutura reduzida, anexando a bacteriologia à seção de laboratórios de análises químicas e bacteriológicas. O Serviço Sanitário ficou dividido em quatro seções: secretaria; laboratórios de análises químicas e bacteriologia; desinfecção e remoção de enfermos; hospitais de isolamento (Regulamento Sanitário do Estado do Amazonas, 1903, p. 06).

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3.2 O início do século XX - o mosquito como problema de saúde