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Malha Rodoviária Estado de São Paulo, 2008

Estado de São Paulo, 2008

Essa rede urbana ampliada, conferiu vantagens competitivas ao parque industrial paulista, permitindo a “São Paulo dar o passo para industrialização como processo nacional” (GONÇALVES, 1998, p.171). Ao representar uma integração por dentro, o sistema rodoviário desmanchou o

[…] duplo caráter de correia de transmissão que a atividade agroexportadora atribuía à rede urbana, criando em seu lugar um circuito internalizado de circulação e acumulação capitalista, que tendeu a se expandir para a rede urbana externa ao Estado de São Paulo, ampliando cada vez mais no território (agora brasileiro) o processo de integração da rede urbana como integração de um processo produtivo internalizado (GONÇALVES, 1998, p.271).

Sob esse ambiente construído, formou-se um espaço privilegiado para a acumulação de capital. As relações campo-cidade ganharam outra escala: enquanto “outras regiões do Brasil faziam o papel de campo, no sentido de fornecer alimento (por exemplo o Sul) e matéria-prima (por exemplo o algodão do Nordeste) ” São Paulo desempenhava “o papel de cidade, no sentido de consumir um excedente agrícola produzido alhures” (GONÇALVES, 1998, p.177). Por

[…] concentrar dentro de si mesmo a divisão de trabalho entre cidade e campo necessária para manter em marcha o desenvolvimento do processo de acumulação, São Paulo conquistou papel dominante na divisão nacional do trabalho, que com isto se redefiniu – tanto porque outras regiões perderam o mercado paulista para seus produtos e foram obrigadas a rearticular-se na nova situação, como porque o processo de desenvolvimento paulista desaguou num intenso desenvolvimento industrial que fez novas demandas às outras regiões do país […] A constituição de um sistema urbano articulado permitiu não só a mudança da base produtiva do sistema – da dispersão do agrário para a concentração urbano-industrial – mas também carrear para a Capital recursos de todo o sistema, que alimentaram a formação e a consolidação da metrópole paulista (GONÇALVES, 1988, p.177-178).

A indústria, mais que um setor de atividade, representa uma metamorfose quanto à fonte direta e principal de riqueza, agora baseado na transformação de commodities em bens industrializados, “acrescentando-lhes valor pelo trabalho” (GONÇALVES, 1998, p.36). A emergência de um novo regime de acumulação (HARVEY, 1992) compreende uma mudança ampla, que abrange desde a reconfiguração da atuação do Estado, “que de liberal-ortodoxo passava a ser francamente intervencionista” (GONÇALVES, 1998, p.267), à alteração da dinâmica da distribuição da população, de seu padrão de residência, assalariamento crescente, concentração de capitais (em especial a fusão entre capitais agrários e industriais) e reforço à especialização

produtiva. Como processo de transformação social, o fortalecimento da indústria não pode ser entendido somente

[…] em seu sentido estrito, isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua ampla significação, como processo social complexo, que tanto inclui a formação de um mercado nacional, quanto os esforços de equipamento do território para torna-lo integrado, como a expansão do consumo em formas diversas (SANTOS, 1993, p.27).

Se no período mercantil cafeeiro, o processo de urbanização desenvolveu-se às custas do reforço à ramificação e do adensamento das pontas da rede urbana, na industrialização, predominou a lógica da concentração (GONÇALVES, 1998). Por um lado, a maior facilidade de circulação levou a um paulatino movimento de redefinição funcional dos pequenos municípios, conformando um “processo dentro do qual os centros urbanos maiores, mais distantes, são beneficiados por tornarem-se mais acessíveis” (CORRÊA, 2006, p.264). Por outro, a modernização agrícola dos anos 1960/70, ao reduzir drasticamente a quantidade de força-de-trabalho empregada na agricultura e pecuária, fortalece os fatores de expulsão da população rural (SINGER, 1980). Desse processo emerge ainda fatores de estagnação que, mesmo sem refletir os efeitos propulsores da modernização agrícola, também engrossa o caldo da migração campo-cidade. (SINGER, 1980).

A reorganização da população e da produção ocorreu, no entanto, desigualmente no território (CAIADO, 1995; BAENINGER, 2005). A partir da hierarquia urbana gestada no bojo do complexo cafeeiro, no tempo e no espaço de expansão da fronteira agrícola, apenas parte do território paulista é industrializado. Nas regiões de ocupação mais antiga (Vale do Paraíba, Baixada Santista e Grande São Paulo), o histórico de divisas geradas inicialmente pelo café, a concentração de população e de infraestrutura fomentaram uma indústria mais intensiva em ciência e tecnologia (NEGRI; GONÇALVES; CANO, 1988). Os altos níveis de urbanização e a baixa fertilidade do solo acabaram por reduzir atividade agrícola desta região à produção de frutas e hortaliças para abastecimento local e regional (TARTAGLIA; OLIVEIRA, 1988) (Figura 3).

Nas zonas de ocupação madura (eixo Campinas/Ribeirão Preto), também o processo de urbanização atingiu níveis significativos de diversificação das forças produtivas, com importante desenvolvimento da indústria, principalmente via complexo agroindustrial (CAI) (TARTAGLIA; OLIVEIRA, 1988). Em especial a partir dos anos

1970, com o movimento de desconcentração econômico-populacional à luz dos planos nacionais de desenvolvimento, o processo de urbanização nesse eixo passa a ser reconfigurado pela formação de importantes aglomerações urbanas (BAENINGER, 1997). Nesse contexto, Campinas consolida-se como importante polo tecnológico (BAENINGER, 1996), enquanto outros municípios reforçam suas atividades industriais centradas em commodities específicas (como o algodão em Americana, laranja em Limeira, São Carlos e Matão e cana-de-açúcar em Ribeirão Preto, Sertãozinho) (TARTAGLIA; OLIVEIRA, 1988) (ELIAS, 2003).

Figura 3

Regionalização do Estado de São Paulo com base na dinâmica de incorporação de terras do complexo cafeeiro

Fonte: Construído a partir das informações contidas em Negri, Gonçalves e Cano (1988).

Em contraposição, no Oeste Paulista, de ocupação tardia, não houvera “tempo e história” para a articulação de um mercado de trabalho diversificado, capaz de reter toda a população que já em 1950 começa a ser expulsa do campo (NEGRI; GONÇALVES; CANO, 1988, p.93). Sofrendo apenas os efeitos de estagnação da modernização agrícola no âmbito do CAI, as novas zonas passaram de alternativa econômica dos anos

1930 e 1940, para uma das áreas de maior evasão populacional dos anos 1960 e 1970 (NEGRI; GONÇALVES; CANO, 1988) (Figura 3). Por fim, no sudoeste do Estado,

[…] onde não se espraiaram nem café nem ferrovias, permaneceu uma área de ocupação rarefeita, cortada apenas pelo trecho da Sorocabana que refez a velha rota para o sul, passando por Itapetininga e Itapeva e atravessando a fronteira do Paraná na altura de Itararé [ver Figura 3] […]. Curiosamente, a ligação com Curitiba permaneceu até quase os dias de hoje uma rodovia simples e perigosa, a despeito de ser a principal via de ligação com os estados do sul (GONÇALVES, 1998, p.149).

À luz dessa bem estabelecida divisão sócioespacial do trabalho, verifica-se dinâmicas diferenciadas de redistribuição espacial da população. Na porção leste do Estado, industrializada (sobretudo o eixo Campinas/São Paulo/Baixada Santista/São José dos Campos), o processo de ‘periferização’ da população e de conurbação reforçaram uma rede de cidades policentrada, com interações espaciais e demográficas predominantemente do tipo complementaridade (CAIADO, 1995 e 2004; BAENINGER, 1997). Já na porção oeste, prevaleceu relações demográfico-espaciais do tipo ‘subordinação’, fenômeno típico de redes urbanas pouco adensadas (CAIADO; SANTOS, 2004), na qual os pequenos centros são sobremaneira dependentes da “estrutura urbana, dos serviços públicos e das oportunidades econômicas ofertadas pelos municípios-sedes” (RODRIGUES, 2006, p.88), cabeças da rede urbana que funcionam como catalisadores da migração intrarregional (BAENINGER, 2005). Menos em função do estabelecimento de atividades industriais, e mais como expressão da própria dinâmica de sua população, o Oeste Paulista assiste à formação de importantes capitais regionais, todas elas ponta de trilhos – ou boca de sertão – no período de expansão da fronteira agrícola do complexo cafeeiro (VASCONCELOS, 1992) (Mapa 4).