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Territórios Rurais e da Cidadania Estado de São Paulo, 2012

Território Rurais e da Cidadania Estado de São Paulo, 2012

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário. Programa Territórios Rurais e da Cidadania.

Disponível em: www.territoriosdacidadania.gov.br; OLIVEIRA et al, 2012.

Uma vez criados esses territórios, são articulados os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (CODETER): “conselhos constituídos por instâncias paritárias participativas que reúnem diversas instituições e organizações públicas e da sociedade civil, além dos segmentos sociais e produtivos existentes no território” (TEIXEIRA; CANIELLO, 2016, p.263). A fim de fornecer suporte técnico aos CODETER, a SDT firmou um acordo com o Instituto Interamericano do Cooperação

para Agricultura (IICA)10, além de contratar inúmeros consultores cujas propostas influenciaram sobremaneira os rumos da política11.

Segundo Schneider (2010), embora as demandas dos movimentos sociais tenham tido efeitos práticos na construção dessa política, o papel exercido por estudiosos, pesquisadores e acadêmicos é preponderante. “Por esta razão, torna-se fundamental conhecer quem são os principais interlocutores do Estado, quais são as bases teóricas de seu pensamento e qual é seu entendimento sobre o desenvolvimento rural” (SCHNEIDER, 2010, p.518).

Dentre os trabalhos que mais influenciaram a concepção de desenvolvimento rural implícita no programa Territórios Rurais, Schneider (2010) cita o grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (com destaque aos Professores José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay) e da Universidade Estadual de Campinas, no âmbito do Projeto Rurbano, coordenado pelo Professor José Graziano da Silva. No conjunto, essas pesquisas enfatizam a subenumeração da população e dos espaços rurais em decorrência das definições oficiais (VEIGA, 2003), a questão do desenvolvimento sustentável e da inovação (VEIGA, 2006), a centralidade do capital social na dinamização dos territórios rurais (ABRAMOVAY, 2007) e o surgimento de um novo rural brasileiro, marcado sobretudo pelo crescimento das atividades não-agrícolas (SILVA, 1999).

3.1.2. O projeto “Repensando o Conceito de Ruralidade no Brasil”

Esse projeto decorre de parcerias entre o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IIAC) e diversos órgãos e agência do governo brasileiro, com participação inclusive de universidades. Seus produtos compreendem mais de vinte publicações nos Cadernos do Fórum de Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS)12. Em linhas gerais, a pesquisa abrangeu três fases distintas. Na primeira, realizou-se um estudo comparativo das abordagens sobre desenvolvimento rural em organismos e agências multilaterais: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União Europeia, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), o Centro Latino-Americano para o Desenvolvimento Rural (RIMISP) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO)

10 Dessa parceria nasceu a coletânea “Série Desenvolvimento Rural Sustentável”. O volume 21 reúne as

principais contribuições da pesquisa, com um denso resgate da bibliografia nacional e internacional sobre ruralidades contemporâneas. Esse trabalho será melhor analisado no subitem a seguir.

11 A partir de 2013, o modelo de assessoramento aos colegiados foi alterado, sendo executado por meio de

parcerias com instituições públicas de ensino superior (TEIXEIRA; CANIELLO, 2016).

12

(DELGADO et al, 2013a). Junto a essa investigação, é estabelecido uma periodização do processo de desenvolvimento rural na América Latina e Europa, contrapondo os efeitos diferenciados da globalização nessas duas regiões (DELGADO et al, 2013a).

Em um segundo momento, a análise debruçou-se no conceito de ruralidade e seus desdobramentos para as políticas públicas, com destaque para o caso de sete países latino-americanos (Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, México e Uruguai) e três europeus (Espanha, França e Holanda) (DELGADO et al, 2013b). Por fim, o projeto ressaltou as singularidades do rural brasileiro, com proposições diretas para as políticas públicas (WANDERLEY; FAVARETO, 2013). Além de uma densa discussão teórica, essa etapa do trabalho abrangeu uma proposta de redimensionamento da ruralidade no país, por meio da qual seja possível oferecer aos gestores públicos uma compartimentação do território nacional mais próxima à diversidade de situações empíricas (BITOUN; MIRANDA, 2014).

A revisão das categorias de classificação dos espaços rurais e urbanos é acompanhada por uma perspectiva crítica das políticas públicas orientadas pelos princípios oficiais, eminentemente setoriais, que acabaram por reforçar uma visão do rural como resíduo urbano vinculado à pobreza e à sobreposição de carências (ABRAMOVAY, 2000). À luz de uma abordagem territorial de desenvolvimento, é apresentado “uma outra leitura das semelhanças e aproximações entre o meio rural e o meio urbano”, que supere as formas tradicionais da dicotomia campo/cidade (WANDERLEY, 2000, p.128).

Com base nessa discussão, é construído uma tipologia do rural brasileiro na qual é incorporada “as distintas formas de relacionamento das áreas rurais com os centros urbanos […], entendendo-as a partir de seus dinâmicas regionais de desenvolvimento” (BEZERRA; BACELAR, 2013, p.35-36). “Para além do rural agrícola, ‘produtivista’, setorial”, destaca-se “o rural percebido como espaço de consumo e preservação do ambiente e das paisagens; o rural mais ou menos conectado ou similar ao urbano (acessível ou remoto; demograficamente vazio ou mais densamente povoado)” (DELGADO et al, 2013b, p.152); e o rural segundo suas formas de inserção no espaço extralocal, conforme as relações estabelecidas “com as cidades ou com outras partes do mundo” (WANDERLEY; FAVARETO, 2013, p.452).

De acordo com os autores responsáveis pela pesquisa, a delimitação de diferentes ruralidades deveria abranger, também, as dinâmicas de representação de “um rural heterogêneo, inscrito nas práticas espaciais das distintas localidades, e também

vivido, incorporado através de imagens e símbolos” (DELGALDO et al, 2013b, p.153). Embora essa dimensão seja de difícil operacionalização, é importante tê-la em vista na análise dos conflitos e negociações que permeiam a relação entre a percepção dos sujeitos envolvidos e àquela contida nos marcos regulatórios e instrumentos de políticas públicas (DELGALDO et al, 2013b). Nesse sentido, investigar a “representação social do imaginário construído historicamente pelos próprios atores locais sobre sua ruralidade” daria mais vida e “musculatura” às tipologias criadas (BITOUN; MIRANDA, 2014, p.12).

O trabalho sublinha, ainda, a não neutralidade da tipologia apresentada, suas limitações e necessidade de abordá-la enquanto expressão de “diferentes configurações do rural, em sua singularidade e em sua relação com o urbano” (WANDERLEY; FAVARETO, 2013, p.455).

A redefinição do que é rural e a sua expressão em tipologias comporta, assim, dois cortes fundamentais. Primeiro, é preciso separar, conceitualmente, o que é o rural e o que é o urbano, para em seguida pensar suas relações e interdependências. E isso é importante por duas razões: para delimitar quais são os espaços essencialmente rurais e que, no caso do Estado, demandam estratégias e investimentos especificamente voltados e orientados à suas características rurais. Segundo é preciso pensar em como classificar as diferenças dentro deste universo de áreas rurais de forma a expressar essa sua heterogeneidade (WANDERLEY; FAVARETO, 2013, p.455).

Reitera-se, portanto, as

“[…] áreas rurais como unidades de planejamento […], visando promover sinergias entre ‘demandas urbanas’ e ‘demandas rurais’, o desenvolvimento de atividades produtivas e a conservação dos recursos naturais, das paisagens e do patrimônio cultural existentes nas áreas rurais” (DELGADO et al, 2013, p.154).

A construção da tipologia partiu das pesquisas realizadas por José Eli da Veiga (1998, 2001, 2004 apud WANDERLEY; FAVARETO, 2013), as quais combinaram critérios como população, densidade demográfica e localização. Na composição de localidades variadas, foram considerados “eminentemente urbanos os residentes nas 12 aglomerações metropolitanas, nas 27 aglomerações urbanas não metropolitanas e nos 77 centros urbanos regionais” identificados pelo projeto IPEA/IBGE/Unicamp-Nesur (1999/2002) (VEIGA, 2004 apud WANDERLEY; FAVARETO, 2013, p.450). Essa categoria comportou 455 dos 5.507 municípios existentes à época do censo demográfico de 2000.

As municipalidades restantes foram agrupadas em dois subgrupos: (1) municípios de pequeno porte (essencialmente rurais), com, simultaneamente, menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab./km²; e (2) municípios de médio porte (relativamente rurais): os que tivessem população no intervalo de 50 a 100 mil habitantes ou cuja densidade superasse 80 hab./km². Por meio dessa classificação, 80% dos municípios brasileiros e 30% da população recenseada em 2000 foram classificados como essencialmente rurais (VEIGA, 2004 apud WANDERLEY; FAVARETO, 2013).

Essa análise foi refinada por Favareto & Barufi (2013 apud WANDERLEY; FAVARETO, 2013) a partir da incorporação de uma outra dimensão: se a microrregião definida pelo IBGE tem ou não centros urbanos em hierarquia superior da rede urbana, segundo a pesquisa IPEA/IBGE/Unicamp-Nesur. A partir desse critério, são construídas três categorias de microrregiões: com aglomeração (metropolitana ou não), significativamente urbanizadas (com centro urbano em hierarquia superior ou com alta densidade populacional) e microrregiões rurais (sem aglomeração, sem centro de região e com baixa densidade populacional) (WANDERLEY; FAVARETO, 2013). Essa classificação também corroborou “o peso do rural no Brasil contemporâneo”, que chegou a representar 25% da população total de 2010 (WANDERLEY; FAVARETO, 2013, p.451).

As discussões levadas a cabo no escopo do projeto suscitaram a necessidade de “encontrar uma escala geográfica intermediária para dar visibilidade a heterogeneidade do rural brasileiro”, que fosse maior que os municípios, menor que as grandes regiões e não subordinadas aos parâmetros oficias (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015, p.3). Nessa etapa do estudo, foram agregadas contribuições de outras equipes de pesquisas13 e elaborado uma tipologia-base com as seguintes variáveis:

i) tamanho populacional; ii) percentual de população residente em habitat rural14; iii) percentual do Valor Agregado da Produção Agropecuária no total do Valor Agregado em 2010; iv) e distância gráfica (reta) da sede para a sede mais próxima que apresentasse qualquer posição hierárquica superior15 (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015, p.6).

13

Bitoun, Miranda e Araújo (2015) citam o estudo Brasil Policentrado, elaborado pelo Centro de Estudos e Gestão Estratégica (CGEE) em parceria com o CEDEPLAR/UFMG, entre 2007-2008, e a pesquisa Tipologia das Cidades Brasileiras, elaborada pelo Observatório das Metrópoles, entre 2006-2008.

14

População em habitat rural é a soma da população residente em setores com códigos de situação 8 (Zona Rural exclusive Aglomerados Rurais) 7, 6, 5 (Aglomerados Rurais Isolados) e 1, 2 e 4 (Áreas Urbanas, Urbanizadas e não Urbanizadas, Aglomerados Rurais de Expansão Urbana) quando situados fora do Distrito Sede (as Vilas e suas expansões limítrofes fora do perímetro urbano) (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015, p.6).

15

Centro de zona, centro sub-regional, capital regional ou metrópole, conforme definido pela REGIC (Região de Influência de Cidades). Essa medida trata-se de uma proxy da acessibilidade aos centros urbanos de maior envergadura (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015).

Partindo desses parâmetros, conclui-se que 89% do território nacional é essencialmente ou relativamente rural, abrangendo 87% dos municípios e 37% da população (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015; Tabela 7). Em linhas gerais, esses resultados confirmam os “estudos anteriores de redimensionamento do rural no Brasil” (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015, p.10).

A espacialização dessas categorias está apresentada no Mapa 6. Em se tratando do Estado de São Paulo, a relativa dispersão dos municípios classificados em hierarquias superiores da rede urbana paulista condiciona a predominância das categorias ‘essencialmente rural e próximo’ (no Sudoeste, porções do Oeste e na faixa costeira do litoral norte) e ‘relativamente rural e próximo’ (nas porções nordeste e centro-oeste do Estado) (Mapa 6).

Tabela 7

Classificação de regiões e dimensionamento da população residente no meio rural Brasil, 2010

Classes Municípios Área (em Km²) População total

Percentual na população total do

Brasil

1A - Essencialmente rural 'isolado' 562 3.436.337 10.172.453 5,33

1B - Essencialmente rural 'próximo' 2.654 1.866.507 26.567.059 13,93

2A - Relativamente rural 'próximo' 276 1.578.631 8.658.211 4,54

2B - Relativamente rural 'isolado' 1.466 703.732 25.026.670 13,12

3A - Urbano exceto metrópoles e capitais regionais 232 592.383 19.764.106 10,36 3B - Urbano em métropoles e capitais regionais 375 325.137 100.567.300 52,72

Total 5.565 8.502.729 190.755.799 100,00