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Os tempos da expansão cafeeira Estado de São Paulo, séculos 18 a 20

Os tempos da expansão cafeeira Estado de São Paulo, séculos 18 a 20

Fonte: Elaborado a partir das informações contidas em Gonçalves (1998).

Desse modo, ao entrar no século 20,

[…] enquanto na metade Leste da província se expandia o café – e junto com ele o desenvolvimento urbano e uma rede viária que articulava o território – na metade Oeste desenvolvia-se uma ocupação rarefeita, de urbanização incipiente, mas desempenhando um papel efetivo na divisão de trabalho na província: o abastecimento de carne para a área mais densamente ocupada do Leste, seja através da criação de porcos, seja através da pecuária – de engorda ou criação, própria ou originária das áreas de criação dos estados vizinhos (GONÇALVES, 1998, p.109)

Do empreendimento canavieiro, o café herdou uma capitalização prévia, “expressa não só em recursos monetários, mas em toda a infra-estrutura e força-de-

trabalho previamente organizadas nas fazendas” (GONÇALVES, 1998, p.84). Inclusive, foi “graças às necessidades de comercialização do açúcar que o porto de Santos começou a desenvolver o papel de canal de exportação da produção agrícola paulista – o calçamento da descida da serra, em 1791/92, foi um passo fundamental nessa direção” (GONÇALVES, 1998, p.84-85). Outro aspecto comum ao complexo cafeeiro e à exploração açucareira foi o “tipo de unidade produtora auto-suficiente – o latifúndio que se bastava a si próprio”, com a produção hegemônica do café combinada à lavoura de subsistência (GONÇALVES, 1998, p.64). Quanto ao trato da fertilidade do solo, não houve grande evolução: manteve-se a característica de mobilidade da cultura “conforme a terra esgotava seus recursos” (GONÇALVES, 1998, p.93).

Diferente dos demais complexos agroexportadores, o café inovou por incorporar relações de trabalho mais capitalizadas, processo no qual vale destacar: (1) os efeitos da Lei de Terras de 1850 (SILVA, 1999b); (2) a articulação de uma rede bancária pulverizada por todo o interior do Estado (GONÇALVES, 1998); (3) a formação de uma força-de-trabalho assalariada a partir da imigração internacional (SEYFERTH, 2002; BALÁN, 1973; HALL, 2003); e (4) a expansão urbana provocada pelo binômio café-ferrovias (GONÇALVES, 1998).

Com relação a primeira dessas inovações – a Lei de Terras de 1850 – tanto a especulação imobiliária trazida pelo café, como a ascensão do movimento abolicionista, concorreu para a outorga dessa legislação, através do qual o acesso à terra passou a ser restrito pela compra (SILVA, 1999b). Desde então, essa lei tem sido reforçada e ratificada por um sistema cartorial que torna “quase impraticável ao lavrador a legalização de sua possessão” (GALEANO, 2015, p.177). Esse marco legal impediu o acesso à terra aos escravos libertos, legalizou a expulsão de milhares de camponeses (SILVA, 1999b) e fez da grilagem fenômeno recorrente nas fronteiras agrícolas (CHAIA, 1980).

Quanto à criação de uma rede bancária embrionária, a proliferação de inúmeras casas comissárias de café foi fundamental não apenas na concessão de crédito, essencial para dar início à lavoura, como também no oferecimento de extensão rural (GONÇALVES, 1998). Não fossem esses pequenos bancos locais, a expansão da fronteira agrícola no bojo do complexo cafeeiro não teria assumido caráter sistemático e empresarial, fomentando a ocupação do Oeste Pioneiro mesmo com a crise de 1929. Enquanto as ferrovias representaram a base material para a circulação do capital, o sistema bancário providenciou a circulação financeira. Juntos, ligaram municípios,

atando “as duas pontas da produção cafeeira – a faixa litorânea e a faixa decadente – entre si e à Capital de São Paulo” (GONÇALVES, 1998, p.168).

A apropriação e transformação de terras virgens em terras produtivas nas zonas pioneiras, o parcelamento e transformação de terras gastas para o café em pequenas lavouras produtivas nas zonas antigas, a transferência de produtores das zonas decadentes para as zonas pioneiras, a transferência de capitais de um setor da economia para outro – tudo isso (além, é claro, da própria política de defesa da cafeicultura) requeria empréstimos, financiamentos e operações do setor bancário (GONÇALVES, 1998, p.168).

No tocante à formação de uma força-de-trabalho assalariada, o apelo à migração internacional, além da dimensão étnica (SEYFERTH, 2002), também manifestou uma estratégia de rebaixamento dos salários que a migração interna, por si só, não daria conta de proporcionar (HALL, 2003; BALÁN, 1973). Hall (2003) recupera inúmeros documentos nos quais é evidente a preocupação do Império e da Província de São Paulo quanto a essa questão. Segundo o autor, no ano de 1884, 11% do orçamento da província de São Paulo foi usado para financiar os custos da importação de europeus. Em 1888, foi contratado um grande empréstimo com a Inglaterra (estimado em 7 mil contos: o dobro da receita anual de São Paulo) para cobrir os gastos com a imigração. Esse recurso “absorveu aproximadamente três quartos do orçamento da província durante os dois últimos anos do Império”, e custeou a chegada de 220 mil imigrantes para as lavouras de café (HALL, 2003, p.156). De acordo com Gonçalves (1998, p.130), “entre 1887 e 1900, período da alta do preço do café e de grande expansão da produção, entraram em São Paulo cerca de 863 mil imigrantes”.

Priorizou-se a vinda de famílias, para diminuir a incidência da reimigração, de trabalhadores agrícolas, “de modo a evitar a introdução de elementos cosmopolitas e perigosos”, e população de baixa renda: pobres que não pudessem comprar suas próprias terras, nem abrir pequenos negócios, sendo obrigados a trabalhar nas fazendas (HALL, 2003, p.157). Ao final do século 19, São Paulo estava tão abastecida de imigrantes que foi possível “a abolição da escravidão de forma relativamente pacífica” (HALL, 2003, p.153). Diferente do afirmado pela bibliografia conservadora, para a qual a abolição no Brasil viabilizou a imigração em massa, “a relação seria melhor compreendida ao contrário: a imigração em grande escala tornou possível a abolição” (HALL, 2003, p.153).

Em 1889, Campos Salles (então deputado geral do Império por São Paulo) destacou “uma certa dificuldade para colocação dos imigrantes que chegavam à

província” (HALL, 2003 p.159). Em 1897, o secretário da agricultura da província admitiu que os grandes lavradores tinham “braços de sobra” (HALL, 2003, p.159-160). Ainda assim, os programas de imigração subsidiada permaneceram até quase 1930. Segundo Balán (1973), a imigração maciça para o Estado de São Paulo permitiu o desenvolvimento da economia cafeeira, assim como potencializou os processos de urbanização e industrialização do século 20. Também para Gonçalves (1998, p.123), os efeitos da imigração subsidiada “ultrapassaram em muito o objetivo que lhe deu origem”.

Por essa razão, as raízes da industrialização paulista firmam-se numa política rural de colonização e expansão da fronteira agrícola que, embora originalmente dependente do café, consolidou-se autônoma em relação a ele (GONÇALVES, 1998).

Ao prover a força-de-trabalho necessária (sob o regime do colonato), os imigrantes de imediato povoaram o campo e demandaram às cidades serviços diversos necessários à sua reprodução social. O trabalho assalariado deu novo impulso às cidades que, numa economia crescentemente monetarizada, desenvolveram sua função de mercado. A imigração criou simultaneamente trabalhadores e consumidores, isto é: mercado de trabalho, mercado de bens e mercado de serviços (GONÇALVES, 1998, p.123-124).

Por fim, as ferrovias tiveram papel central na dinâmica da urbanização paulista, fortalecendo os vínculos e o processo de diferenciação entre as cidades (GONÇALVES, 1998) (Mapa 2). A necessidade de integração entre as regiões produtoras, cada vez mais distantes do porto de Santos, levava à formação de inúmeros nós urbanos, dotados sempre de serviços portuários, que “recolhiam e canalizavam a produção do interior para o mercado externo”, ao mesmo tempo em que “acolhiam e distribuíam para o mercado interno regional os bens importados que vinham do exterior” (GONÇALVES, 1998, p.2). Para onde a cafeicultura se expandia, a rede urbana era adensada. Nesse sentido,

As ferrovias fizeram muito mais do que solucionar a questão do transporte do café. Através da ampla rede viária que veio a ser construída articularam o crescimento da rede urbana e assim garantiram a sua integração; estabeleceram fluxos variados – de mercadorias, informações, passageiros etc. – entre as zonas cafeeiras, entre elas e a Capital, e entre a Capital e os estados vizinhos. Além disso, através de suas oficinas de reparação e manutenção vieram a formar uma força de trabalho urbano-industrial e originar dentro do complexo um ramo de atividade novo: a produção de máquinas e equipamentos de transporte (GONÇALVES, 1998, p.123).

Mapa 2