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Capítulo 3 SÍMBOLOS, MITOS E RELIGIÃO: A RELIGIOSIDADE NO ANTIGO ISRAEL

1.1 Mandrágoras: mito ou lenda?

Embora o mito e a lenda estejam relacionados a acontecimentos de um passado distante e fabuloso, ligados acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais encontradas em culturas com antigas tradições literárias como China, Japão, Índia, Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma, ambas tratam: uma de contar, a outra de explicar. Seu caráter fabuloso, folclórico e sensacionalista, com uma mistura de fatos reais com imaginários, dá-lhes o encantamento. Muitas delas foram traduzidas e incorporadas às culturas. Dentre elas podemos destacar “As lendas do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda” e “Robin Hood”.

Os mitos, por sua vez, como já estudamos, constituem uma realidade antropológica não limitada apenas a uma explicação sobre as origens do homem e do mundo, mas ele traduz, entende e interpreta, em símbolos, ricos de significados, a sua existência como um povo, ou civilização e a do cosmos. Todos estes componentes são misturados a fatos reais, características humanas e pessoas que realmente existiram. Alguns acontecimentos históricos podem se tornar mitos, desde que as pessoas de determinada cultura agreguem uma simbologia que tornem o fato relevante para as suas vidas.

A essência e a construção do mito jamais se perdem. Embora se modifique e desenvolva incessantemente, o mito de alguma forma jamais perde contato com suas raízes na experiência e nas interconexões entre todos os aspectos da vida, sejam elas visíveis ou invisíveis, terrestres ou celestiais, humanas ou animais, vegetais e minerais. Assim, o mito registra e transmite o significado que lhe é próprio e lhe coroa de um senso profundo.

Independente de sua posição na história o mito continua a exercer atração e ter um solo fértil entre os povos. Todas as culturas possuem seus mitos. Alguns assuntos, como a criação do mundo são bases para vários mitos diferentes aos povos. Existe em diversas culturas um conjunto de associações simbólicas em elementos da natureza e suas funcionalidades. O reino vegetal também inspirou mitos por ter suas raízes no mundo subterrâneo e suas hastes ou galhos elevando-se para o céu. Assim temos a mandrágora cercada por ambos: mitos e lendas.

Na área das lendas diz-se que a planta gritava ao ser arrancada da terra e seus gritos ensurdeciam os homens que a colhiam, daí se empregarem cães para arrancar a mandrágora. Por causa desses gritos ela é chamada na lenda inglesa de homem- plantado por sua raiz tuberosa e bífida lembrar a figura de um ser humano97.

Figura 1: Mandrágora: pintura do séc. XVII que retrata a lenda

97 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. São Paulo: Ateliê

Figura 2: Medicina Antiqua: Libri Quattuor Medicinae, 13th Century. Codex Vindobonensis 93. Facsimile. (Washington University, Becker Library)

Desde a antiguidade acreditava-se que o poder da raiz das plantas, principalmente a da mandrágora, era proveniente do poder divino. O aspecto de sua raiz antropomórfica, que se assemelha a um corpo humano, juntamente com um som parecido com um grito ao ser arrancada da terra, fazia com que as pessoas gerassem a crença de que sua constituição era da mesma terra com que Deus modelara o corpo de Adão.

Diz outra lenda que é difícil obter a mandrágora, pois ela se esconde das mãos e dos olhos da pessoa que tenta apanhá-la. Para que ela seja apanhada é preciso regá-la com urina de mulher que está menstruando. Mesmo assim ela não pode ser simplesmente arrancada. É preciso cavar o solo ao redor da planta e amarrar com uma corda a planta a um cachorro e deixar o local imediatamente. O cachorro tentando se libertar acaba por arrancar a raiz, mas morre imediatamente em lugar do seu dono98. Temos, assim, lendas de diferentes culturas com traços de uma mesma história.

O mito da mandrágora de ser uma planta afrodisíaca, parte do formato de sua raiz e da composição de suas substâncias existentes, principalmente nela. Amuletos de mandrágo ras eram usados nas casas para dar sorte e para curar esterilidade. Era conhecida dos caldeus e hebreus que usavam suas propriedades toxicas para fins criminosos.99 Os antigos hebreus acreditavam que o suco das raízes e dos frutos tinha o poder de provocar excitação sexual e facilitar a concepção.

As categorias – mito, conto popular e lenda – segundo os estudiosos se sobrepõem e se fundem. Embora o nosso estudo sobre a mandrágora se concentre em abordar a sua existência dentro da religiosidade de Raquel e Lea não podemos nos furtar de que ela tomou outros espaços dentro de cada cultura e religiosidade como planta mitológica, mas suas lendas correm o mundo e, talvez, à nossa época, por ser pouco conhecida, seja tida como conto popular.

Portanto, se a mandrágora entrou na história de Raquel e Lea como lenda ou como mito em nossa unidade histórica no Gênesis, ou mesmo em Cantares, o ponto

98 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230. 99 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230.

comum existente entre elas é que ela foi citada pelo seu poder afrodisíaco e estimulante:

Gênesis 30.14: “Foi Rúben nos dias da ceifa do trigo, e achou mandrágoras no campo, e trouxe-as a Lia, sua mãe. Então, disse Raquel a Lia: Dá-me das mandrágoras de teu filho.” Cântico dos Cânticos 7. 13: “As mandrágoras dão cheiro, e às nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e velhos; ó amado meu eu os guardarei para ti.”

Na antiguidade a educação e a religião eram corroboradas pela mitologia. O mito cresce e toma espaço fundamentando ou explicando, por vezes, a vida, o sobrenatural e o espiritual. Dessa maneira gerações beberam da fonte mítica, como é o caso de Raquel, Lea que a repassa a seu filho Ruben que, conforme consta em nossa unidade de estudo, detinha conhecimento dos mitos e dos poderes que cercavam as mandrágoras e as trouxe para sua mãe Léa. Talvez Lea fizesse uso constante das suas propriedades e o momento era oportuno para obtê-las já que Jacó estava passando todo o seu tempo com Raquel. O que nos leva a essa conclusão é a fala de Lea ao contestar com Raquel, quando esta lhe pede as mandrágoras, dizendo: “Ainda é pouco que me tomes o marido, queres agora tomar as mandrágoras de meu filho?” (30.15)

Assim, temos na família de Raquel e Lea o conhecimento das propriedades da mandrágora deixando-nos perceber que o mito que a cercava era conhecido das irmãs- esposas de Jacó. Num tempo em que a religião era familial e individual, e que o monoteísmo era ainda inexistente, temos uma riqueza de valores que compreendiam e tornava a religião uma cosmogonia100.

100 A palavra cosmogonia vem do grego ??sµ?????a; ??sµ?? “universo” e ????a “nascimento”. É o

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