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Capítulo 3 SÍMBOLOS, MITOS E RELIGIÃO: A RELIGIOSIDADE NO ANTIGO ISRAEL

2. Religião

2.1 Mito e religião

Aristóteles tem a seguinte expressão sobre o mito. Diz o filósofo: “também o amante do mito é de algum modo filósofico.” Eliade, aborda em seu livro “O Sagrado e o Profano”105, que embora seja um historiador das religiões, propõe-se a não escrever somente sob a perspecitiva da ciência que cultiva, defendendo que “o homem

105 Mircea Eliade. O sagrado e o profano. Tradução Rogério Fernander, São Paulo: Martins Fontes,

das sociedades tradicionais é, por assim dizer, um homo religiosus, mas seu comportamento enquadra-se no comportamento geral do homem e, por conseguinte, interessa à antropologia filosófica, à fenomenologia, à psicologia”106.

Eliade defende que a percepção do tempo como homogêneo, linear, e ir repetível é uma forma moderna de não-religião da humanidade. O homem arcaico, ou a humanidade religiosa (homo religiosus), em comparação, percebe o tempo como heterogênio, isto é, divide-o em tempo profano (linear), e tempo sagrado (ciclico e re- atualizável). Por meio de mitos e rituais que permitem o acesso a este tempo sagrado, a humanidade religiosa proteje-se contra o 'terror da historia' (uma condição de impotência diante dos dados historicos registrados no tempo, uma forma de existência aflitiva).

O mito está relacionado com questões de linguagem e também da vida social do homem, uma vez que a narração dos mitos é própria de uma comunidade e de uma tradição comum. Isso não significa que a religião, tampouco o mito, conte uma história falsa, mas que ambos descrevem uma realidade que transcende o senso comum e a razão humana e que, portanto, não cabe em meros conceitos analíticos.

Não importa do ponto de vista do estudo da mitologia e da religião que Deus não tenha criado o ser humano a partir do barro ou outras fontes históricas descritas pela mitologia, pois Religião e mito diferem, não quanto à verdade ou falsidade daquilo que narram, mas quanto ao tipo de mensagem que transmitem.

Seja rememorando os mitos, reatualizando-os, renovando-os por meio de certos rituais, o homem torna-se apto a repetir o que os deuses e os heróis fizeram “nas

origens”, porque conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. E o rito pelo qual se exprime (o mito) reatualiza àquilo que é ritualizado.

Essa reatualização ritualística dos mitos eternizou e elevou algumas fontes de origem mítica para algumas religiões mantendo-as como parte dela ou como fonte e instrumento ritualístico por intermédio da utilização ou cultuação a objetos considerados com poderes sobrenaturais. Para o homem religioso, das sociedades primitivas, os mitos constituíam sua “história sagrada”, ele não deve esquecê-los: reatualizando os mitos, o homem religioso aproximava-se de seus deuses e participava da santidade.

A religião dos primórdios mantém um sistema de crenças e de práticas cultuais e culturais que estabelece relação especial entre um indivíduo, ou um grupo de indivíduos e um animal, ou um vegetal, algum objeto material, um fenômeno natural e a eles rendiam algum tipo de culto, respeito e ligação transcendental. Há, também, o politeísmo, que para alguns é uma forma primitiva de religião107.

A religião dos tempos primevos não obedecia necessariamente a dois requisitos: “além de não dar, à adoração dos homens, um só Deus, os seus deuses não aceitavam indistintamente a adoração de todos e quaisquer homens”108. Assim, a religião, por vezes, era puramente familiar: cada um dos seus deuses não podia ser adorado por mais de uma família. Nesse espaço, a religião não se manifestava nos templos, mas em casa: “cada família possuía os seus deuses, cada deus protegia uma só casa e uma só família”.

107 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. 2001, p.13.

108 Fustel de Coulages, A Cidade Antiga. Tradução Jean Melville, São Paulo: Editora Martin Claret,

Essa particularidade é descrita no Gênesis 31.19 quando da saída de Jacó com sua família da casa de Labão e Raquel rouba o “terafim” (deuses do lar ou doméstico) de seu pai. A importância desse ato gera a ida de Labão ao encontro deles para recuperar o terafim, afinal ele é o guardião dessa família, de suas terras e nelas derrama a sua benevolência abençoando-a para uma boa produção e uma boa colheita. São os terafins que guardam a casa dos “maus espíritos” e guia na outra vida os mortos daquela família.

O universo “evolui”. À medida que o homem passa a organizar sua existência numa base racional a religião primitiva dá espaço para novas expressões religiosas: politeístas, panteístas, deístas e monoteístas. Passa da religião dos antepassados, da religiosidade individual e familial, para uma religiosidade universal. O monoteísmo desagrega, ou ao menos tenta desarraigar-se do primitivo animismo, mas toda religião pressupõe alguma crença básica, seja ela relacionada com a sobrevivência depois da morte ou com o mundo sobrenatural que a mantém segura no mundo natural.

Essas crenças podem ser de tipo mitológico – relatos simbólicos sobre a origem dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmática – conceitos transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também conceituais109.

A religião e o mito se mantém interligados, seja por intermédio do sobrenatural, da hierofania, de símbolos ou dos ritos. Mitos, cerimônias, ritos e superstições foram preservados em escritos. Estes foram repassados por gerações e deram continuidade às cerimônias religiosas, moldaram a concepção e mantiveram a sua continuidade de sua crença em determinadas culturas. A crença nos poderes que circundam céus e terra

elevou o ser humano ao reconhecimento e temor dos poderes da natureza, ventos, chuvas, tormentas e tempestades. Os mistérios da vida e da morte levam-no a se ligar e respeitar cada vez mais ao sobrenatural para sua sobrevivência no mundo natural. Dessa forma a religião se mantém ligada ao mito, às hierofanias, como garantia de sobrevivência seja na vida ou pós-morte.

2.1 Mito, religião e sociedade

Como forma de comunicação humana, o mito está relacionado com questões de linguagem e também com a vida social do homem, uma vez que a narração dos mitos é própria de uma comunidade e de uma tradição comum.

Essas informações, provenientes de tempos antigos, têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos. Eles relatam os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios e limiares da nossa travessia pela vida.

A diversidade de fenômenos religiosos, com o qual nos deparamos hoje, nos coloca diante de vários questionamentos, e dificuldades, para a análise desses fenômenos. Ela exige conhecimento e busca de seus fundamentos com o passado. Hoje, cientistas sociais, debatem se o pluralismo de crenças e ritos desgasta a religião, ou destroem a fé nos deuses, semeando ceticismo e dúvida.

Os primórdios através dos mitos, da superstição e da magia foram a matriz do

homo religiosus. Com o tempo, os relatos míticos passaram a fazer parte das crenças e

religiões, influenciando, ainda hoje, o modo como os povos vivem e compreendem o mundo, a vida, a procriação e a morte.

Em geral, as sociedades antigas dispunham de uma quantidade significativa de mitos que, em diferentes graus, influenciavam a realidade cultural dos povos e de uma sociedade. Esses mitos, segundo Eliade, narravam uma criação, descrevendo como algo foi produzido ou quando começou a existir. Esse mistério associa-se ao do nascimento, da procriação, da continuidade e preservação da família (essencial na maioria das culturas).

Durante décadas, Joseph Campbell pesquisou os motivos comuns de inúmeras lendas e religiões de sociedades antigas e modernas, incluindo gregos, romanos, egípcios, asiáticos e nórdicos. Campbell apontou a existência de dois atributos: em primeiro lugar, o mito envolve uma questão existencial sobre a morte, o nascimento ou criação do mundo; em segundo lugar, o mito contém enigmas suscitados por contradições insuperáveis: criação e destruição, vida e morte, deuses e homens110.

Uma característica importante dos mitos é que, além de ser um relato simbólico ligado à dimensão do pensamento humano, que transcende a esfera da vida cotidiana na busca de uma explicação sobre o significado da vida, são as diferenças entre eles. Cada povo constrói seus mitos a partir de sua visão de mundo. Um povo agrícola, por exemplo, terá suas divindades ligadas às forças da natureza e às etapas do processo produtivo. Esta mitologia procura estabelecer uma ligação entre o homem e o mundo natural, reforçando oconceito interativo, onde o homem é visto como parte desse mundo, ao qual deve respeito e um certo grau de submissão para garantir a própria sobrevivência.

Há certos fundamentos religiosos preservados que regem um povo, uma comunidade ou uma sociedade. Em nossa unidade de pesquisa vemos que a comunidade era formada por famílias clânicas. A religião não se manifestava nos

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templos, mas em casa: “cada família possuía os seus deuses, cada deus protegia uma só casa e uma só família”. Cada família possuía os seus deuses, conhecidos como deuses domésticos ou terafins (Gn 31.19).

A religião determinava os comportamentos sociais e familiares. Uma delas dizia que a família não deveria extinguir-se111. Nela eram prescritas as leis para o casamento, a esterilidade, a viuvez (com ou sem filhos), os filhos (do concubinato, os legítimos e os primogênitos), o direito de propriedade, o direito ao culto, etc.112 O papel do pai era o de pontífice, do primeiro junto ao lar, executor dos atos religiosos113. Às mulheres, um dos fatores que determinavam o seu espaço junto à sociedade e à vida social era medido pela quantidade de filhos.

Aqui chegamos num ponto crucial da nossa unidade em que o mito, a religião e a sociedade se encontram num mesmo caminho: a história de Raquel e as mandrágoras. Nossa unidade está concentrada na rivalidade das irmãs na questão de maternidade, que leva Raquel a negociar as mandrágo ras de Ruben pelo poder que elas detêm para que fosse dado um fim à esterilidade de Raquel.

Esse é o fator que leva Raquel a questionar Jacó da atitude de Iahweh para com ela, o de manter a sua madre fechada. Raquel diz: “Dá-me filhos senão eu morrerei” (30.1). Segundo a Torá, o sofrimento de uma mulher estéril é o de como se ela não existisse dentro de uma sociedade.114 A esterilidade de Raquel a leva a negociar com Lea, em troca das mandrágoras de Rúben, uma noite com Jacó. Raquel, de

111 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.56.

112

Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.92.

113

Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.93.

temperamento hábil e raciocínio rápido, investe tempo e fé numa planta: a mandrágora para ser curada de sua esterilidade.

Hoje, a medicina e a ciência evoluíram quanto a esse problema que abrange certa quantia de mulheres. Ainda nos é valido, nos tempos atuais, a utilização da medicina natural, advinda do conhecimento e utilização das plantas e de sua aplicação para cada tipo de caso. Em nossa pesquisa vemos que Raquel busca a cura para sua esterilidade na mandrágora, mas não a obtém.

Podemos ligar a mandrágora ao mito e poder que ela exerce, como veremos a seguir, mas não à um fa tor religioso, pois havia deuses da fertilidade como a deusa Inana (deusa da Suméria e da Babilônia) e Anahita (deusa persa). Raquel questionou Jacó sobre o porquê de não ter sua madre aberta pelo Deus de Jacó. Em seu desespero vemos uma mulher que lamenta sua condição: tem o amor de Jacó, mas não consegue lhe dar filhos. Aquém, temos sua irmã Lea que é também esposa de Jacó e lhe agracia com filhos.

A sociedade da época é cruel para com as esposas estéreis. As leis agraciam o homem contemplado com a esterilidade de sua esposa – ele pode rejeitá-la –, afinal a religião doméstica era fundamentada e transmitida de varão em varão. Só a descendência em linha masculina estabelecia a ligação religiosa. Esta passava de pai para filho para dar continuidade ao culto.

O grande interesse da vida humana está em continuar a descendência para com esta continuar o culto. Cada família possui uma religião e seus deuses valioso repositório pelo qual deve olhar. A maior desgraça seria a interrupção de sua

linhagem115. Coulages menciona que o celibato deveria ser considerado como impiedade grave e desgraça: impiedade porque o solteiro põe em risco a felicidade de sua família quanto à linhagem. A família cairia em desgraça caso ele se mantivesse solteiro porque sem filhos ele não receberia nenhum culto depois de sua morte. Seria para si e para os seus antepassados uma espécie de maldição.

Gerar um filho não era o bastante. Nascia-se para dar continuidade à linhagem e à religião. Uma vez que o casamento era apenas para perpetuar a família, no caso de esterilidade da mulher ele poderia ser anulado. Esse era feito no culto doméstico116. A religião comandava os direitos de cada indivíduo e de cada família particularmente. Em caso de esterilidade masculina sua esposa era obrigada a entregar-se a um irmão ou parente para substituí-lo. Quanto poder existia nessa religião.

Segundo Coulages, o mito reinava sobre as almas. As crenças relativas aos mortos, assim como o culto que lhes era devido constituíram para a família antiga a maior parte das regras religiosas. O mito era o de que o homem era tido como um ser feliz e divino, desde que cumprida à condição de os vivos lhe oferecerem sempre a refeição fúnebre. Se isso não ocorresse ele sairia dessa condição para infeliz e passaria à categoria de demônio e desgraçado. Por isso cada pai esperava pela sua descendência.

Esse culto fúnebre era passado de varão para varão. A filha não poderia cumprir o dever de continuar os sacrifícios fúnebres, pois casando ofereceria os sacrifícios só aos antepassados de seu marido. A religião lhe proibe de herdar de seu pai.

115 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.54. 116 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.55.

Dessa forma, temos Raquel em uma situação delicada. Seu deus é agora o de seu marido. À esse deus ela deve prestar culto. Segundo a religião a esterilidade pode fazer com que seu casamento seja anulado, mas isso não ocorre porque Jacó a ama, e Raquel, por sua vez, não desiste de tentar a maternidade. Sua busca e tentativa pela mandrágora, suas lamúrias diante do Deus de Jacó, faz com que ela alcance o seu objetivo: “E lembrou-se Iahweh de Raque l e escutou-a117, e abriu a sua madre”. (30.22)

Afinal, não foi a mandrágora a detentora de sua gravidez, mas Iahweh. Será que a mandrágora detém realmente esses poderes ou substâncias para atuar contra a esterilidade? Esse é o nosso próximo ponto a ser estudado.

3 Mandrágora

O termo “mandrágora”,

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(dûdä´îm), em hebraico, deriva da mesma raiz de “amor” o que reforça a crença de que era uma planta conhecida pelos seus poderes férteis e afrodisíacos, reforçada pelo formato de sua raiz. Conhecida, também, como “Maçã do amor”, devido ao formato de seus frutos. Esta é a razão que faz com que em algumas partes do Oriente Médio, esta planta ainda seja considerada como afrodisíaco capaz de excitar o amor e aumentar a fertilidade humana.

Figura 3: Raiz de uma mandrágora

Figura 4: Frutos da mandrágora

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Figura 5: Flores da mandrágora

Planta da família das solanáceas, a Mandragora officinarum é nativa do Mediterrâneo. É uma planta perene, com raízes tuberosas espessadas que podem chegar a sessenta centímetros de comprimento. Suas flores vão da coloração entre o violeta e o amarelo-esverdeado. Os frutos redondos são inicialmente verdes e depois amarelos. A raiz, freqüentemente bífida, possui contornos de uma forma humana — mais especificamente, as de uma mulher — e, sendo grossa e carnuda, assemelha-se a um par de pernas. Sua ocorrência se dá no Vale do Jordão e nas planícies de Moabe, em Gileade e na Galiléia118. Os antigos germanos veneravam ídolos fabricados com a raiz de mandrágora. Aqueles que os possuía em sua casa, acreditavam-se felizes, pois elas velavam por ela e por seus moradores, guardando-os de todo mal. Diziam que

118 Angelo C. Pinto. Alcalóides: da morte de Sócrates aos inibidores de acetilcolinesterase. Trabalho

estes prediziam o futuro, emitindo certos sons ou vozes. O possuidor de uma mandrágora, além disso, obtinha bens e riquezas, através de sua influência119.

O Glossário Teosófico fornece uma interpretação metafísica politicamente correta onde “em linguagem cabalística”, “dudaim” corresponde à união do “manas superior e inferior” ou da “Alma e do Espírito”, duas coisas “unidas em amor e amizade (dodim)”.120

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