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Mandrágoras: Mitos e aspectos da cultura de Israel a partir de Gênesis 25 a 36

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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANDRÁGORAS:

MITOS E ASPECTOS DA CULTURA DE ISRAEL

A PARTIR DE GÊNESIS 25 A 36

GLÓRIA MARIA DELLA LÍBERA PRATAS

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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANDRÁGORAS:

MITOS E ASPECTOS DA CULTURA DE ISRAEL

A PARTIR DE GÊNESIS 25 A 36

Por

GLÓRIA MARIA DELLA LÍBERA PRATAS

Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

para a obtenção do grau de mestre.

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foi apresentada e aprovada em 12 de março de 2010, perante banca examinadora composta pelos professores Doutores Milton Schwantes (Presidente/UMESP), Tércio Machado Siqueira (Titular/UMESP) e Renatus Porath (Titular/EDT).

__________________________________________

Prof. Dr. M ilton Schw antes

Orientador/ a e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Jung M o Sung

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Literatura e Religião no M undo Bíblico

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Há sempre uma porta aberta para cada um de nós! Ao adentrarmos por ela encontraremos oportunidades que nem sequer um dia almejamos. Eu adentrei e vivi esse desafio! E nesse caminho encontrei pessoas que , sem elas, seria mais um desafio e, talvez, impossível de ser concluído. Assim, a essas pessoas que me auxiliaram nessa trajetória dedico esse espaço que não ficará somente em minha memória, ou na de cada uma delas, mas gravado na eternidade que o tempo a este papel proporcionará.

Primeiramente quero expressar a minha gratidão e o meu louvor a Deus que me possibilitou chegar até aqui, grau onde jamais sonhei, ou almejei, um dia chegar. Agradeço a sensação de paz e conforte que ele me proporcionou diante das dificuldades, do desânimo e das minhas fraquezas, me conduzindo com sua mão segura até o final dessa trajetória.

Uma pessoa a quem devo um eterno agradecimento e mérito por chegar a este grau é o é o professor Milton Schwantes, meu orientador, que ouso chamar de amigo. Seu incentivo, paciência, ensinamentos, orientação e investimento me conduziram ao fim desta jornada. Desde os tempos da Faculdade de Teologia ele acreditou no meu potencial e me levou a acreditar também.

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muito vocês. Outra pequena pessoinha da família a quem não posso deixar de dedicar algumas linhas é o meu grande amigo Fred do bem-me-quer, meu cãozinho, que não desgrudou de mim um só momento nas noites e madrugadas, que passei escrevendo. Sua companhia me animava e exalava alegria e carinho.

Outro espaço especial está reservado para minhas amigas e suas diferentes participações e incentivos. À Aline Oliveira, minha amiga de mestrado, e hoje mestre e amiga de coração, parceira de trabalhos, companheira, amiga e uma grande incentivadora deixo um carinhoso agradecimento. À Rute Storelli meio amiga/meio irmã o meu muito obrigado por estar sempre ao me u lado, pelo carinho e por ser tão presente, sempre. À Rita de Souza que com sua dedicação e carinho me auxiliou nessa difícil jornada. À Sirley Antoni pela pessoa maravilhosa que tanto me orientou nas tardes que passamos juntas dividindo o seu chimarrão... muito obrigada amiga! À Regiane e Ana Fonseca amigas que em seu trabalho na pós-graduação me auxiliaram e vibraram com a continuidade dos meus estudos e bolsa.

Quero, também, agradecer àqueles/as que não me deixaram abater pelos vários acontecimentos que dificultaram a minha jornada em 2009. O apoio, palavras de consolo e incentivo foram fatores decisivos. São pessoas importantes que não esquecerei e que acreditaram que eu era capaz de chegar até aqui.

Um agradecimento especial ao prof. Tércio Machado Siqueira e a todos os professores e professoras que permitiram que eu obtivesse uma Bolsa IEPG para terminar esta graduação e novamente ao meu orientador por contribuir com isso.

(8)

Metodista de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2010.

Sinopse

A sexualidade de Lea e Raquel, o útero, as mandrágoras e o corpo de Jacó são fatores que definem o alicerce do nosso texto como espaços de diálogo, mediação e estrutura do cenário. O destaque principal está sob o capítulo 30.14-16 que retrata a memória das mandrágoras. Como plantas místicas elas dominam o campo religioso e como plantas medicinais elas são utilizadas para solucionar problemas biológicos.

As instituições e sociedades detentoras de uma ideologia e de leis que regulamentam uma existência apresentam na narrativa, duas irmãs, mas também esposas de um mesmo homem que, manipuladas por essa instituição que minimiza e oprime a mulher, principalmente a estéril, confina-as como simples objeto de sexualidade e mantenedoras da descendência por meio da maternidade.

A memória das mandrágoras é sinal de que a prática existente circundava uma religião não monoteísta. Ela existia sociologicamente por meio de sincretismos, força e poderes sócio-culturais e religiosos. Era constituída das memórias de mulheres que manipulavam e dominavam o poder sagrado para controle de suas necessidades. O discurso dessas mulheres, em nossa unidade, prova que o discurso dessa narrativa não se encontra somente no plano individual, mas também se estende a nível comunitário, espaço que as define e lhes concede importância por meio do casamento e dádivas da maternidade como continuidade da descendência.

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bíblicas que estudamos no Gênesis. A conservação dessas narrativas, e do espaço teológico da época, definiu espaços, vidas, gerações e tribos que determinaram as gerações prometidas e fecharam um ciclo: o da promessa de Iahweh quanto à descendência desde Abraão.

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Universidade Metodista de São Paulo. Dissertation of Masters Degree, 2010.

Abstract

Rachel and Leah’s sexuality, the womb, the mandrakes and Jacob’s body are factors that define the foundation of our text as spaces of dialogues, mediation and structure of the scene. The prominence of this scene is under chapter 30.14-16 that it portrays the memory of the mandrakes. As mystics plants they dominate the field religious and as medicinal plants they are used to solve health problems biological.

The institutions and holders societies of an ideology and laws that regulate an existence present in the narrative, two sisters, but also wives of one exactly man, who manipulated for this institution that minimizes and oppresses the woman, mainly the barren one, confining them it simple object of sexuality and holders of a descent by means of the maternity.

The memory of the mandrakes is signal of that practical the existing one surrounded a religion not monotheist. It existed sociological by means of partner-cultural and religious syncretism, force and powers. She was constituted of the memories of women who manipulated and dominated the sacred power for control of its necessities. The speech of these women in our unit test that the speech of this narrative does not only meet in the individual plan, but also extends the communitarian level, space defines that them and it grants to importance by means of the marriage and gifts to them of the maternity and as continuity to them of the descent.

(11)

the masculine that goes beyond our current knowledge. The fights firmed in the faith and the ideology of these women had defined and accented its paper of protagonists in the Biblical narratives that we study in the Genesis. The conservation of these narratives, and the theological space of the time, defined spaces, lives, generations and tribes who had determined the engaged generations and had closed a cycle: of the promise of Iahweh how much to the descent since Abraham.

The myths and the beliefs had been extinct to give to space to a faith monotheist, but the religious experience of these women defined a space: of the sacred and mystic power that it corroborated with its necessities and they defined its theology.

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Introdução... 14

CAPÍTULO 1 História e tradições em Gênesis 25-36 ... 18

1 História das origens do povo de Israel... 21

1.1 Genealogias que irão compor a história ... 26

1.3 Substrato religioso... 35

1.4 Histórias das genealogias: migração, casamento e procriação ... 38

2. Tradições ... 53

2.1 Espaços histórico-sociais ... 54

2.2 Associação de Iahweh com seu povo ... 55

2.3 Casamentos ... 56

3 Conclusão ... 58

CAPÍTULO 2 ANÁLISEEXEGÉTICA DO GÊNESIS 30.14-16... 59

1 Tradução literal ... 61

1.1 Tradução... 61

1.2 A forma ... 61

1.3 Lugar, datação e autoria ... 71

1.4 Conteúdo ... 73

2 Conclusão ... 78

Capítulo 3 SÍMBOLOS, MITOS E RELIGIÃO: A RELIGIOSIDADE NO ANTIGO ISRAEL81 1 Mito ... 83

1.1 Mandrágoras: mito ou lenda?... 89

2. Religião ... 94

(13)

3 Mandrágora...106

3.1 Farmacopéia da Mandrágora: verdades e mitos ...109

3.2 Raquel e as Mandrágoras...112

CONCLUSÃO ...115

(14)

Esta pesquisa visa fazer um estudo do texto do Gênesis 25-36 no que tange ao

imaginário social, cultural e religioso das narrativas bíblicas. A unidade selecionada,

para análise exegética, encontra-se no capítulo 30.14-16 cujo tema é sexualidade,

esterilidade e fecundidade.

Mais especificamente analisaremos a unidade questionando a sociedade e sua

construção de poder vigente, no qual o masculino sobrepõe ao feminino.

Analisaremos, conjuntamente, a religiosidade que constrói, reforça e reproduz esse

poder dominante sobre mulheres, casamentos e maternidade.

Desvendar o modo de vida e os costumes das pessoas da história dos primórdios,

uma sociedade extremamente distante, é árdua tarefa, pois a narrativa textual

encontra-se de forma parcial e não nos auxilia numa leitura precisa, ou mesmo correta,

dos fatos e modo de vida Por essa razão torna-se mais acentuada a complexidade de

(15)

uma frase da teóloga Elvira Moisés, em sua tese de doutorado,: “isso não impede que

o nosso olhar atual não auxilie na nova leitura”1

A unidade a ser estudada traça uma história de luta por um espaço social e pela

maternidade frente à esterilidade de Raquel. Para solucionar essa questão ela recorre

às mandrágoras, planta mística conhecida por seus poderes afrodisíacos e de

fertilidade. Como o papel da mulher na construção do tecido social está ligada à

sexualidade, ao corpo, a esterilidade e maternidade trabalharemos os conflitos que

envolvem as duas irmãs na construção de um espaço, dentro de um mesmo casamento,

com o personagem Jacó. As disputas pelo amor e pela maternidade delineiam o

quadro das irmãs Lea e Raquel. São histórias tecidas e constituídas em uma sociedade

clânica cuja atividade principal é o pastoreio e a agricultura. É nesse contexto que o

exercício de poder interage com as necessidades cotidianas do espaço doméstico.

O bloco 12-50 tece histórias de primogenitura, de aparições de Iahweh se

revelando a seu povo e conversando com ele, de bênçãos e maldições, de manipulação

e conflitos quanto a casamentos, maternidade, esterilidade e construção de relações de

poder do masculino sobre o feminino.

Quando defini o tema escolhi o livro do Gênesis , por ser o livro da história das

origens do universo, de um povo e de uma sociedade. Essas histórias, por vezes, estão

carregadas de lendas e mitos que circundam céus e terra, vida e morte e na herança

dos herdeiros da promessa dos patriarcas e matriarcas da época pré-monárquica.

1

(16)

Em um primeiro momento apresentarei uma síntese do bloco 25-36 do Gênesis

para situar o/a leitor/a, a respeito da história dos formadores de Israel, seu modo de

vida, constituição familiar e na aliança promessa que perpassa essas vidas no seu

espaço geográfico, social, cultural e religioso.

Em segundo a análise exegética será feita sob a unidade 30.14-16 abordando

especificamente o diálogo entre Lea e Raquel acerca das mandrágoras. Como esta

pesquisa está centralizada nas mandrágoras como detentora de poderes e mitos,

pertencente a uma cultura religiosa não monojavística, trabalharemos esse tema

valorizando a discussão e o acordo de Raquel com Lea sobre essa planta envolta em

misticismos, lendas e sincretismos cujo personagem, Raquel, acredita irá lhe conceder

a tão almejada maternidade.

Num terceiro momento discursaremos sobre os mitos – mito e religião e religião

e sociedade – numa abordagem antropológica e sociológica da unidade histórica.

Neste capítulo discursaremos, também, sobre os valores farmacológicos atribuídos à

mandrágora que, como planta medicinal detém o mito de planta afrodisíaca e de cura

da esterilidade. A Mandrágora, desde a Antiguidade, detinha a importância de ser uma

planta com poderes, cercada de mitos e lendas que circularam e atravessaram séculos

entre os povos. Assim, ela faz parte do universo mítico que expressa o mundo e a

realidade humana, numa representação e visão coletiva, vinda até nós, através de

várias gerações, seja pela representatividade do sagrado ou por intermédio dos

símbolos que ela detém.

Desse modo, como finalização, trabalharemos a conclusão em que abordaremos,

(17)
(18)

HISTÓRIA E TRADIÇÕES

EM GÊNESIS 25-36

O bloco do Gênesis 25-36 é um complexo literário de tradições locais, religiosas

e familiares de um povo de vida nômade que protagoniza a história ancestral do povo

de Israel. São histórias de vida, preservadas pela oralidade, que nos remetem a

fragmentos de memória de um povo de origem pré-tribal de viajantes, de tradição

clânica, que buscam a preservação da sua genealogia nos casamentos e na maternidade

como continuidade de sua descendência numa aliança-promessa, dada por Iahweh, de

que seriam formadores de nações.

Os textos bíblicos que compõem esse bloco do Gênesis, bem como o livro em

geral, contêm fatos complexos e de difícil compreensão por serem fatos ocorridos com

pessoas comuns numa sociedade muito distante. Portanto, árdua tarefa será estudá-los

à luz de uma visão atual, em nossa sociedade moderna, que nos auxilie na leitura e

(19)

Neste capítulo não analisaremos todo o bloco, mas algumas perícopes que nos

ajudarão a tecer e a compreender melhor a teia genealógica existente em seu conteúdo

histórico-social-religioso, na tríade Jacó-Lea-Raquel e, em especial, a unidade do

capítulo 30.14-16 que discursa a respeito das mandrágoras. O estudo dessa unidade

nos ajudará a compreender melhor o papel na negociação de Raquel e Lea acerca das

mandrágoras, planta conhecida e utilizada na época como afrodisíaca e cura para a

esterilidade.

Juntamos a esse conhecimento, a fé de Raquel, uma esposa estéril, na crença

popular que cercava essa planta para a cura do seu problema. Raquel pertencia à uma

sociedade clânica em que à mulher era fadado o papel de reprodutora, de geradora da

descendência. Esse fator antropológico e sócio-cultural, existente no contexto dessas

sociedades, gerava conflitos, abandonos e rejeição de seus esposos para as mulheres

estéreis como Raquel.

Dessa maneira, buscar a solução para a esterilidade era ponto primordial para

essas mulheres e a mandrágora era, ao menos, um caminho, um remédio que gerava

esperança e não uma solução concreta. O fato concreto é que a sociedade da época se

encarregou de manter o mito ao ponto de termos um relato sobre as mandrágoras em

duas passagens no livro sagrado: no Gênesis e no Cântico dos Cânticos.

Assim, nos passos do contexto histórico e religioso dessa sociedade a unidade a

ser analisada, terá o útero como a chave para o cumprimento da aliança-promessa de

Iahweh, iniciada em Abraão, perpassando por Isaac e chegar até Jacó. Portanto, sendo

o útero o realizador da promessa, encontraremos um fator interessante a ser

(20)

dessa promessa são estéreis. Uma das tentativas de Raquel para cura de sua

esterilidade foi as mandrágoras, mas como foi a esperança e o resultado final para as

outras “estéreis matriarcas”? Nosso estudo vai de encontro ao universo

sócio-cultural-religioso da época até chegarmos em nosso ponto crucial: a nossa personagem, Raquel

e as mandrágoras.

A crença nas mandrágoras não era considerada um fator idolátrico. Por ser

anterior ao surgimento do javismo situações e vivências míticas faziam parte da vida

sócio-cultural e da religiosidade da época. As aparições de Iahweh também são

cercadas de misticismo (hierofanias), afinal, ele se dirigia pessoalmente a esses

homens em palavras.

Portanto, não era somente a Moisés a quem Iahweh falava claramente “boca a

boca” (Nm 12.6-8), mas também a Abraão, Isaac e Jacó. Todos os três

experimentaram o impacto de Deus na sua vida.2 Kaiser menciona que:

Mais espantoso ainda era o fato de que o próprio Senhor aparecia (lit. “Se deixava ver” [wayyera’]) a esses homens,

naquilo que subseqüentemente tem sido chamado uma teofania (Gen 18.1). A realidade da presença do Deus vivo sublinhava a importância e a autenticidade das Suas palavras de promessa, conforto e orientação.3

Igualmente, veremos que Iahweh irá impactar a vida da esposa de cada um dos

“patriarcas”, pois todas eram estéreis e receberam a maternidade das bênçãos de

Iahweh. No bloco 12-50 do Gênesis temos enfáticas palavras de bênção e promessas

da parte de Iahweh para com eles. E sobre a promessa Dele os fatos ocorreram.

2 Walter C. Kaiser Jr.

Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Gordon Chown, 2ª. Edição, São Paulo: Editora Vida Nova, 2008, 312p. p.88.

3

(21)

Assim, estudaremos nesse capítulo conjunturas cruciais na história desses

homens e mulheres que tiveram uma experiência além da compreensão humana e

mítica com Iahweh.

1 História das origens do povo de Israel

É uma tarefa difícil esclarecer as origens de Israel e sua história primitiva.

Segundo Donner os povos civilizados do Antigo Oriente estiveram longe de responder

sobre as suas origens, pois dificilmente se pode esperar documentos históricos,

sobretudo, quando os envolvidos no processo viviam como nômades4.

A história das origens é um complexo narrativo, que aborda as tradições

sócio-culturais e religiosas, dos tempos pré-tribais, contendo registros da vida de um povo

nômade, marcado por lutas, fugas, maternidade, esterilidade, enriquecimento, acordos,

casamentos e poligamia.

Nas sociedades clânicas, típicas dos tempos pré-tribais, o direito e a posição de

cada pessoa na família eram indicados pela religião. A família era composta de um

pai, de uma mãe, de filhos e de escravos e a cada indivíduo competia uma disciplina.

Todos obedeciam à religião doméstica, mas tinham no pai o detentor das funções mais

elevadas, fosse no culto ou na autoridade do lar.

Segundo Fustel de Coualges a lei que permite ao pai comercializar bens ou até

mesmo matar o seu filho – como no caso de Abraão e Isaac – não foi criada pela

cidade. Ela é muito mais antiga. Quando a cidade começou a escrever suas leis ela

(22)

encontrou direitos já estabelecidos, enraizados nos costumes. Esse antigo direito não é

obra de um legislador: ao contrário, impôs-se ao legislador. Seu berço está na família5.

Dessa maneira podemos compreender, um pouco melhor, o porquê de toda a

trama encontrada nas narrativas bíblicas incompreensíveis e inadmissíveis, em alguns

momentos, para a nossa atualidade. Elas estão centradas na família, mas é a religião

que determina a ordem dos acontecimentos. Está acima das leis e detém costumes que

legalizam a poligamia e o concubinato para que teçam a descendência.

A maternidade é o que dá poder e status à mulher da sociedade clânica. A

promessa para Abraão, Isaac e Jacó, estende-se para a esterilidade de suas esposas:

Sara, Rebeca e Raquel. Estas foram eleitas para gerar a primogenitura que, por sua

vez, será a descendência dos ancestrais do povo de Israel. A luta pela maternidade

dessas mulheres estéreis, vinculada a uma mesma promessa dada por Iahweh aos seus

esposos, é o que torna emocionante a composição histórica de todo o bloco 25-36.

Essas histórias narram não somente a luta pela maternidade, mas outras lutas de

igual importância como a de Jacó e Esaú pela primogenitura; o trabalho de Jacó para

conseguir casar-se com Raquel, a mulher que amou desde o primeiro momento e por

ela trabalhou anos. Outro momento difícil para Jacó foi o de desvencilhar-se de seu

sogro Labão e adquirir os seus direitos de liberdade junto à família que ali compôs e

com ela partir. Outros fios tecem, não com menor importância, essa história, mas em

Jacó termina a aliança-promessa, iniciada em Abraão, sendo uma das histórias mais

intrigantes do complexo da descendência histórica de Israel.

5

(23)

As dificuldades e lutas desse povo têm como pano de fundo o poder da religião,

que reveste e domina a sociedade, principalmente a clânica. A mulher não tem uma

posição tão elevada e de igualdade para com a dos homens. Dentre essas

desigualdades, encontramos o fato de que só aos homens era dado o direito de

representar os antepassados e lhes prestar culto. Ela não representava os antepassados,

pois não descende deles (esse é um direito apenas dos homens e primogênitos), mas a

ela se dá um importante papel: a maternidade, a continuidade da genealogia. Esse

papel não lhes dá notoriedade na sociedade, pois elas nasceram para a “função” de

reproduzir. Fica evidente, então, que quando ela é estéril, “incapaz” para essa função,

pode ter a rejeição de seu esposo e seu casamento desfeito.

Portanto, se a mulher está predestinada ao casamento e a maternidade, a

esterilidade será a sua decadência. O seu reconhecimento e valor social estão num

útero fértil, como o de Lea. Assim, é nesse contexto que se desenvolve a base do

nosso estudo adentrando nesse terreno da mulher-mãe/mulher-estéril. Ele nos levará

ao nosso texto: o das mandrágoras (30.14-16). Essa unidade será estudada sob um

ponto de vista antropológico-cultural juntamente com o seu valor histórico-religioso.

Decerto é uma tarefa difícil abordarmos o que concerne à sociedade nômade ou

o que é prioritário nela. É certo que a vida nômade, nos clãs do qual pertenciam os

ancestrais de Israel, produziram certas formas de sociedades, comportamentos e

peculiaridades religiosas. Na narrativa bíblica percebemos que o ponto central e

inicial da história está no poder e na sucessão advinda de uma aliança-promessa de

Iahweh para com Abraão e sua descendência, ou seja, uma aliança que perpetuaria

(24)

Esse direito de primogenitura era o que conservava a unidade durante a série de

gerações impedindo-a de se fragmentar. Ela conservava, também, o patrimônio,

considerado bem comum que ficavam sob a autoridade do primogênito tendo este o

poder de pater. A autoridade principal não estava no pai, mas acima dele, ou seja, na

religião doméstica. Nela residia a autoridade indiscutível, pois cada família prestava

culto a uma divindade e esta detinha o seu deus doméstico (terafins).

Os antigos israelitas foram caracterizados, não como beduínos ou condutores de

caravanas, mas ‘ibrî “termo hebraico que se relaciona com este vocábulo e caracteriza

os antigos israelitas como grupos estrangeiros, de status inferior legal.”6 Eles foram

assim caracterizados por serem nômades errantes que permaneciam em um ou outro

estado, temporariamente. Eles trilhavam grandes distâncias, juntamente com a família,

seu gado maior e menor (constituído geralmente por ovelhas e cabras) e fincavam suas

tendas em semi-desertos e estepes7, ocupando áreas próximas a pastagens adequadas e

poços de água8.

Uma peculiaridade que Donner9 apresenta a respeito desses dois grupos é que os

agricultores vivem na aldeia ou na cidade, em moradias fixas de tijolos dedicando-se

preponderantemente ao cultivo da lavoura e horta (cereais, vinho, verduras e frutas) e

à criação de gado, principalmente o bovino e em menor escala às ovelhas e cabras.

Eles viveram quase que exclusivamente da agricultura e da pecuária até meio século

atrás

6 Herbert Donner.

História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.35.

7 Tipo de formação campestre que se caracteriza pela pouca densidade da vegetação herbácea, xerófila, rasteira e com predominância de gramíneas, que ocorre em tufos afastados, deixando o solo descoberto. É uma formação vegetal de planície sem árvores, comp osta basicamente por herbáceas. É uma zona de transição vegetativa e climática entre a área de savana e o deserto.

8

Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.36. 9

(25)

A respeito dos nômades, Donner10 esclarece que, devido à constante mudança de

localidade para atender as necessidades de seu rebanho, eles desenvolveram uma

agricultura modesta. Alguns nômades procuraram integrar-se a povoações rurais, já

existentes, e outros foram atraídos e absorvidos pelas cidades. É nesse ambiente que o

nosso protagonista, Jacó, vai trabalhar para Labão por catorze anos para ter Raquel

como esposa. Isso denota que Labão está arraigado a uma terra adquirida e preservada

por gerações (lei da primogenitura). Ele também está ligado a religião doméstica, pois

tem um terafim que é roubado por Raquel quando estes deixam as terras de seu pai

(31.19). Na unidade que analisaremos percebemos que as mandrágoras nasceram nas

terras de Labão cultivadas por Jacó (30.14-16).

A mandrágora que Ruben traz para sua mãe Lea, faz com que Raquel a negocie

para obter a sua tão desejada maternidade. A leitura dessa unidade nos aproxima, um

pouco mais, das esferas do social e do religioso, na cultura de Lea e Raquel, e cuja

razão principal da história é a reprodução humana, a continuidade da família que lhes

garante a descendência, culto aos antepassados e reconhecimento social.

Esses grupos, de agricultores seminômades, de sociedade e organização clânica,

irão compor o cenário da nossa pesquisa numa recontagem da cultura, dos mitos e

símbolos atuantes na religiosidade tribal. O destaque deste cenário está sob o capítulo

30.14-16 que retrata a memória das mandrágoras. Como plantas elas dominam o

campo religioso e como produtos medicinais elas são utilizadas para solucionar

problemas biológicos. Esse período não era considerado idolátrico pois as

mandrágoras existem sociologicamente antes do javismo.11

10

(26)

1.1 Genealogias que irão compor a história

Todo o bloco 25-36 é composto por genealogias. É uma novela composta de três

gerações de primogenituras, composta por Abraão, Isaac e Jacó, geradoras da

ancestralidade de Israel, sendo que o primeiro e o último deles têm maior destaque,

pois o conjunto literário sobre Abraão e Jacó é mais complexo e cheio de narrativas,

ao passo que há poucas narrativas sobre Isaac.

Uma característica dessas narrativas é o fato delas terem sido construídas quase

que unicamente sobre fatores humanos, sendo que em determinados momentos

Iahweh comparecia de forma ativa e sobrenatural, dirigindo os acontecimentos;

declarando suas escolhas; fazendo alianças e determinando as genealogias. Schwantes

explica que a genealogia é “um gênero literário que, junto com o itinerário, perpassa

todo o Pentateuco e lhe vai dando estrutura e configurando seu esqueleto”12.

Ao abordarmos a origem, a genealogia, o elemento humano e também

sobrenatural que permeia todo o nascimento de Israel, não podemos deixar de narrar,

conjuntamente, que essa nação nasceu, não somente de uma terra seca, mas, também,

do ventre seco de suas mulheres que pela ação de Iahweh, tiveram aberta a sua madre

e geraram nações. Em nossa unidade (30.14-16) encontramos Raquel buscando nas

mandrágoras a solução para a sua esterilidade, mas a sua maternidade é narrada,

alguns versos à frente, como sendo ação de Iahweh.

Iahweh agia de forma ativa, presente, e lhes falava como a um humano e Dele

recebiam a fala profética e a promessa das gerações que viriam. Apesar de Iahweh

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. 2002, p.5. 12

(27)

com eles dialogar, como seres humanos, ouviram e desacreditaram (17.12-14) que de

suas esposas estéreis se cumpriria a promessa de gerarem as nações.

No capítulo 17 vemos que Iahweh inicia sua ação para compor as nações. Ele

apresenta-se de forma “humana” a Abraão (17.1), e promete que ele será o pai de uma

multidão de povos (17.5) por intermédio de Sara, sua esposa, e ele se chamará Isaac

(17.19). Sara está com 90 anos e até o momento não havia dado nenhum filho a

Abraão. Apesar dos momentos de incredulidade, Sara concebe e dá a luz a Isaac

(21.2-3).

Iahweh havia prometido a Abraão uma descendência numerosa, mas ele tinha

apenas o filho da promessa, Isaac. Ismael, filho de Abraão com a escrava Agar, fora

expulso das tendas por Sara e já havia partido com sua mãe abrindo, nesse momento,

um novo círculo narrativo na história, longe de Abraão.

A preocupação, de Abraão, agora, é encontrar uma esposa para Isaac, para que

se cumpra a aliança-promessa das nações. O servo de Abraão é enviado a outra terra

para escolher uma noiva para Isaac. Ali ele encontra Rebeca, prima de Isaac e a

escolhe para com ele se casar. Esse é um casamento endogâmico, (casamento com

membros de sua própria classe ou tribo, com a finalidade de conservar sua nobreza ou

sua raça), típico entre os padrões clânicos. Para Abraão a esposa de Isaac era a

esperança para o cumprimento da promessa de Iahweh de conceber muitos filhos e

deles gerar as nações. Isaac tinha a idade de quarenta anos quando se casou com

Rebeca, filha de Batuel, o arameu, de Padã-Arã e irmã de Labão, o arameu (25.20).

Protagonizando novo momento da história dos ancestrais temos Rebeca como

(28)

para que concebesse filhos (25,21) e o Senhor ouviu a oração, e Rebeca, concebeu a

gêmeos. Havia duas nações no seu ventre. Nasce Esaú e Jacó. O texto fala da oração

de Isaac mas não fala da oração de Rebeca13, apenas que “ela foi consultar o Senhor,

pois as crianças lutavam no seu ventre” (25,21).

Esaú era forte e caçador enquanto Jacó era astuto e gostava de viver na tenda.

Enquanto Isaac apreciava Esaú, Rebeca preferia a Jacó. A partir desse momento as

narrativas detalham os momentos conturbados da história entre os irmãos: Jacó se

utiliza da fraqueza de Esaú para obter a primogenitura que é trocada por um prato de

lentilhas.

Outro momento conturbado entre os irmãos é tecido pela ardilosa trama armada

por Rebeca para que Jacó tome a bênção de Isaac, antes de ele morrer, em lugar de seu

irmão, Esaú. Com a ajuda de Rebeca, sua mãe, Jacó faz um cozido e ela reveste seus

braços e pescoço para que ele se pareça com Esaú e receba a bênção de Isaac.

Isaac já velho de dias, e cego, tateia o corpo de Jacó para aperceber-se se era o

corpo peludo de Esaú e abençoa Jacó. Quando Esaú descobre o ocorrido fica

inconformado e se revolta dizendo: “É a segunda vez que me enganou. Ele tomou o

meu direito de primogenitura e eis que agora tomou a minha bênção” (27.36). As

bênçãos, uma vez proferida, são irrevogáveis. Esaú passa a odiar Jacó e promete

matá-lo após a morte de seu pai.

No capítulo 29 do Gênesis, Jacó, temendo que seu irmão Esaú o matasse, foge

da casa do pai, em Canaã, e vai para Haran, na Mesopotâmia. Ele é enviado para a

13 Elvira Moisés da SILVA.

(29)

casa de seu tio, Labão, irmão de Rebeca. Ele aproveitou a viagem para, também,

atender a um pedido de seu pai, que queria que ele se casasse com uma das filhas de

seu tio, Labão, já que seu irmão Esaú, aos quarenta anos, se casa de maneira

exogâmica (não aparentados ou com grau de parentesco distante). Sociologicamente

falando, as leis e os casamentos dentro do clã, conservavam a linhagem, garantiam a

preservação da identidade e impediam a dispersão dos bens familiares, especialmente

no casamento com a prima (casamento entre os filhos de uma irmã ou irmão,

matrilateral). Dessa maneira o filho recuperava, mesmo que em parte, os bens saídos

do patrimônio por ocasião do casamento do pai.

Chegando a Haran, Jacó vai à fonte na qual sabia que, no passado, Eliezer –

servo de Isaac – havia encontrado sua mãe, Rebeca. No local, encontra alguns pastores

e entre eles vê a bela Raquel, uma das filhas do tio, apaixonando-se imediatamente por

ela: “E beijou Jacó a Raquel e ergueu sua voz e chorou” (29.11).

Jacó trabalha para Labão para poder se casar com Raquel. Ele é enganado pelo

sogro e toma Lea em casamento pensando ser Raquel. Labão alega ser costume

desposar primeiramente a mais velha, mas vemos que houve astúcia da parte dele

(“qualidade” familiar como vimos em Rebeca, também, anteriormente). Jacó firma

novo contrato com Labão por mais sete anos para casar-se com Raquel. Como Sara e

Rebeca, Raquel também é estéril. Enquanto Lea, sua irmã, gera filhos a Jacó, Raquel

permanece com a madre fechada.

No caso de Raquel, não vemos Jacó orar, mas a encontramos questionando Jacó

por ele não lhe dar filhos, ao que ele lhe responde: “Acaso estou eu em lugar de Deus

(30)

nas mandrágoras (30.14) um meio de fertilidade e cura para a sua esterilidade, tema

este da nossa pesquisa. Raquel concebe, não com a utilização das mandrágoras, mas

no momento em que “Iahweh lembrou-se dela” (30.22). Lea e Raquel (e Bila e Zila

suas servas) cumprem a aliança-promessa de Iahweh de uma grandiosa descendência

dando doze filhos e uma filha a Jacó, sendo apenas dois de Raquel. Nascem as doze

tribos.

Muitas diferenças de estilo e tema distinguem as histórias desses ancestrais.

Todas, no entanto, se movem na mesma esfera social e política “aquela da família,

onde tantas coisas espantosas acontecem que suporta tão severas tensões”14, como

ressalta Gerhard Von Rad.

São narrativas de homens como Abraão, Isaac, Jacó, Esaú e José e de mulheres

como Sara, Hagar, Rebeca, Lia e Raquel que dentre tantas outras seguem compondo

essa história. Cada um/a desses/as personage ns teve papel marcante e fundamental,

pois sem eles não haveria história.

Molina fala das narrativas da seguinte forma: “El narrador en efecto es una

artesano, utiliza la experiência humana como suerte de argamasa con la que se

construye, uniendo las palabras como si fuesen ladrillos, el edifício de la memória.”15

1.2 A história das origens pré-tribais

No relato do Gênesis 25-36, em sua complexa história das origens pré-tribais,

encontramos nas tradições Abraão/Sara e Jacó/Raquel/Lia, diferenças, tanto na

14 Gerhard Von Rad,.

Genesis: A Commentary. Philadelphia: Westminster Press, 1972, p. 34. 15

(31)

construção literária como nos conteúdos abordados.16 A teóloga Heide Jarschel, em

sua dissertação de mestrado, sobre o bloco do Gênesis 25-36, fala dessas diferenças

como sendo três: “promessas da terra e descendência; contrato de trabalho e

casamento e luga res santos e primogenitura de herança; grupos de famílias e das

relações de parentesco dos clãs”17 Ela complementa essa análise dizendo que o que há

em comum entre essas três tradições narrativas e o restante do Pentateuco, ao qual

pertence o livro do Gênesis, é uma estrutura literária composta por perícopes de

origem familial-popular.

Encontramos essa origem familial nas informações históricas iniciadas nos

primeiros grupos que originaram o povo de Israel: as tribos ou clãs. Essas tribos eram

uma organização social elaborada por camponeses e pastores, das estepes e das

montanhas, com a finalidade de experimentar um novo modelo de acesso a terra.

Segundo Schwantes as narrativas mais antigas em Gênesis 12-25 e 25-36 não

incluem nem a tribo e nem o estado. Para ele a instituição básica daquele s tempos era

a família ou o clã como vemos a seguir:

A instituição básica daqueles tempos é a família ou o clã. Esta família não aparece como elo de um conjunto social maior, seja ele uma tribo ou um estado. A família das origens aparece como grandeza social auto-suficiente e autárquica. Os laços que mantém com outros grupos familiais não interferem no próprio grupo, mas existem com vistas ao matrimônio, à preservação das respectivas famílias.18

16 Heidi Jarchel.

Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. Dissertação de mestrado. Umesp, 1994. p18. 17 Ibidem, p.18

(32)

Tal organização se constituía em um grupo de pessoas, unidas por parentesco e

linhagem, definidas pela descendência de um ancestral comum. Mesmo se os reais

padrões de consangüinidade forem desconhecidos, não obstante os membros do clã

reconhecem um membro fundador ou ancestral maior. Como o parentesco, baseado

em laços, pode ser de natureza meramente simbólica, alguns clãs compartilham um

ancestral comum estipulado, o qual é um símbolo da unidade do clã.

Ao estudarmos a formação dessa organização social vemos que elas privilegiam

questões familiares clânicas: nascimento, casamento, vida e morte. As diversas

relações e os problemas familiares são tematizados nas histórias do Gênesis 12-25 e

35-36. Schwantes as relaciona da seguinte forma:

Relação marido-esposa (Abraão/Sara, Isaque/Rebeca, Jacó/Raquel) relação entre as esposas na poligamia (Sara-Agar Lia-Raquel); relação mulher-filho (Sara, Rebeca e Raquel são estéreis durante certo período de suas vidas), relação entre irmãos (Jacó-Esaú, José-irmãos); relação entre sogro e genro (Labão-Jacó); etc. Todas essas tensões são estritamente familiares clânicas. Tensões e intrigas, amor e ternura variam no cenário19.

O que era designado para um, era também para os outros. Schwantes relata que

quando havia fome, todos os integrantes da família eram igualmente atingidos pela

escassez. A miséria da fome não estava reservada para alguns (veja 47.13-26). Para

Schwantes existe uma diferença significativa entre as condições de vida da mulher e

da criança entre os círculos abraâmicos e as cidades-estado. Nas cidades, crianças

eram sacrificadas. Entre os nômades, a criança é a grande esperança de sobrevivência

[...] Nas cidades a mulher destina-se ao harém (12.10-20; 20; 26). Entre os nômades a

19

(33)

mulher chega a desempenhar papel de relativa autonomia, como podemos ver nas

narrativas sobre Sara (cap. 18) e Rebeca (caps. 24 e 27).20

Sociologicamente falando, as leis e os casamentos dentro do clã, não somente

conservavam a linhagem, mas também garantiam a preservação da identidade e

impediam a dispersão dos bens familiares. Essas leis mantinham fundamentos que

operavam a favor da dignidade e do respeito para com a vida humana. Um dos

“mandamentos clânicos” em relação ao casamento, que não somente resguardava a

linhagem, a identidade e os bens, mas a segurança da mulher quando viúva, é a Lei do

levirato (Deuteronômio 25.5-7) .

O levirato era uma instituição que existia entre os israelitas, e outros povos do

Oriente Médio Antigo (como os assírios e os hititas), e consistia na obrigação imposta

às mulheres de se casarem com o irmão mais novo do falecido marido. Assim, o

cunhado tinha a responsabilidade de, através desse casamento com a viúva de seu

irmão, dar um herdeiro do sexo masculino ao falecido, de modo que o nome deste não

desaparecesse em Israel e mantivesse a propriedade em seu nome.

Desta forma, o primogênito, levava o nome do pai “legítimo” (ou seja, o

primeiro marido falecido), sendo o tio (pai biológico) o representante do pai. A

importância dessa lei, que já é consuetudinária (direito que surge dos costumes de

certa sociedade antes de Dt 25:5-10), foram constituídas não só para manter o nome

da família, já que proibia o casamento da viúva fora da família do marido, mas,

sobretudo, para a manutenção das propriedades dentro do clã.

(34)

Assumir a responsabilidade de cumprir esse dever para com o falecido irmão é a

essência do significado do levirato, como vemos no Gênesis 38 (episódio de Tamar e

Onã) e também na história de Rute (onde na falta de um cunhado, um parente mais

próximo assume esta responsabilidade).

Diante desse conjunto de leis clânicas de proteção e preservação, notamos que a

organização familial-clânica não era somente auto-suficiente, e autárquica, mas era,

também, juridicamente autônoma e religiosamente autárquica.21 Por serem nômades, e

em boa parte pastores, sua auto-suficiência econômica vinha da terra, do plantio de

cereais e pequenas plantações e trocavam seus produtos com os camponeses da vila.

Esses pastores se esquivavam dos tributos, mais uma razão para sua vida nômade.22

As famílias eram juridicamente autônomas23. As questões eram resolvidas

dentro da própria organização clânica, na família. Eles somente se utilizavam dos

portões das cidades para questões especiais, como no caso da Lei do levirato, por

exemplo, do qual poderiam fazer parte os anciãos, as pessoas em causa (acusado e

acusador), as testemunhas e as pessoas que quisessem assistir.

Outro fator de autonomia era a religiosidade. A organização clânica era

religiosamente autárquica24: elas não dependiam dos santuários nas cidades-estado.

Suas práticas religiosas eram familiares e ocorriam dentro do lar ou nos carvalhais e

colunas. O próprio ancião da família fazia às vezes de sacerdote valendo-se para tanto

dos instrumentos caseiros: circuncisão (17.23-27) e oferta de holocausto(22.1-19)25

21

Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74. 22

Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008, p.74. 23

Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008, p.74. 24

Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74. 25

(35)

As questões quanto à religião, leis e os ritos religiosos têm suas peculiaridades,

mas sua diretriz é para beneficiar e preservar a família. A preocupação com a família,

a preservação da terra, dos seus costumes, bens e religiosidade fez com que a

organização social clânica gerasse leis e rituais para que as gerações futuras

beneficiassem sua descendência como a preservação dos costumes, da família e da

herança. Não podemos esquecer que a religião era a base para a constituição dessas

leis.

Conforme nos relata Schwantes, a família-clânica, esboçada em Gênesis 12-25 e

25-36 (e também nos caps. 37-50), não há de ter sido a sociedade ideal, pois se

diferenciava em alguns momentos das cidades-estado que a circundavam26. Contudo,

pudemos constatar que para o clã e a tribo, as relações entre pais e filhos e a família

são de significado fundamental.

1.3 Substrato religioso

O material primitivo cerca os eventos cruciais da vida humana. Os antigos

israelitas tinham práticas e concepções, como outro povo ou sociedade, que se

conservaram até os tempos atuais. Segundo Fohrer, embora a preservação memorial

nos tempos subseqüentes tenha preservado o substrato religioso, outras informações

comuns, desapareceram com a mudança da vida nômade para a sedentária27.

Alguns elementos conhecidos, hoje, na comunidade judaica atual, vêm desse

material primitivo e das informações que sobreviveram a períodos posteriores. Elas

preservaram alguns substratos da vida e dos costumes desse povo nômade. Mas o

26

(36)

substrato religioso foi preservado, seja por estar integrado à fé, à adoração, aos atos

ritualísticos ou por sobreviver, separadamente, como superstição, mas freqüentemente

atacados pela religião oficial.28

Dentre esses substratos ou “essência das memórias religiosas” uma das práticas

mais comuns, conservadas e vivas dentro da comunidade e da religiosidade israelita, é

a “circuncisão”29, a remoção cirúrgica do prepúcio. Segundo os escritos da Torá, a

circuncisão é de extrema importância religiosa e consideravelmente saudável para o

judeu:

Se bem que atenda a uma necessidade de higiene, segundo afirmam os mais eminentes médicos do mundo, têm para o judeu um sentido religioso muito elevado. Ela é o símbolo, a prova e a condição para entrar na aliança que o Eterno estabeleceu com o patriarca Abraão. Pela circuncisão o israelita está realmente comprometido num pacto indissolúvel com Deus, a virtude e o dever. [...] Esta aliança não é uma idéia, uma palavra30.

Essa era uma prática encontrada entre os povos que se relacionavam com os

israelitas, como os amonitas, moabitas e edomitas. No Egito a circuncisão era apenas

exigida para os sacerdotes. Fohrer relata que a circuncisão, pode ter sido,

originalmente, um rito de maioridade ou até uma iniciação para o matrimônio (cf. Gn

34.14ss). Porém, a breve narrativa da circuncisão do filho de Moisés, por sua mãe

Zípora (Ex 4.24-26), confirma ou legitima a mudança para a circuncisão de infantes.

28

Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39 29

Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39 30

(37)

Em todo caso, permanece em aberto a questão se a narrativa vê a circuncisão como

proteção contra os demônios31.

Os costumes relacionados a uma tradição, como relatos sobre luto, são também

primitivos. Segundo Fohrer,

não é mais possível determinar quais dentre os costumes que aparecem no Antigo Testamento já eram praticados pelos antigos israelitas. Para Fohrer o propósito quanto ao repasse fúnebre era duplo: prover força vital para o morto (por exemplo, por meio de lágrimas, que fornecem umidade criadora e vital); ou desviar o mal que ameaçava o defunto (por exemplo, com a mudança de roupar como meio de disfarce). O lamento pode ter um dos dois propósitos seguintes: fazer o morto reviver ou expulsar o espírito desencarnado32.

Algumas práticas como sexo e alimentos puros e impuros são parte de outro

traço primitivo que é a proibição religiosamente motivada designada pelo termo

“tabu”. Os alimentos considerados impuros, um antigo tabu alimentar, proibia comer

animais impuros (porco), certas partes dos animais puros (sangue e gordura) e animais

não caçados ou abatidos pelo ser humano. Quanto ao abate, um animal só é

considerado morto se todo o seu sangue se esgotou. Enquanto houver sangue, ainda há

vida (Lv 17.14). Outra gama de tabu é encontrada na esfera sexual, como: copular,

ejacular, menstruar e a liberação de psus na região genital fazem que a referida pessoa

se torne tabu. Segundo Fohrer, até o sagrado pode ser considerado tabu quando em

contato com o profano.33

31

Idem, p. 39. 32

(38)

Esses substratos ainda são elementos fundamentais dentro da esfera religiosa

israelita. Cabe, aqui, esclarecer que a vida nômade, ainda que não o elemento

fundamental da religião israelita34, pode ter sido o elemento constitutivo da formação

de Israel por conduzir a certas formas de sociedade, de comportamento e de

peculiaridades religiosas.

As memórias trazem e preservam histórias, em seu conjunto das práticas e

concepções humanas, perpetuadas na vida de homens, mulheres, crianças e anciãos.

Enfim, os antigos israelitas mantiveram o seu legado até os dias atuais e dele se

revestem como purificadores e mantenedores de sua fé e cultura.

1.4 Histórias das genealogias: migração, casamento e procriação

Gênesis 25-36 é uma composição de blocos e relatos sobre a esfera familiar. Em

nenhuma outra tradição, os relatos de casamento ocupam lugar tão especial como na

construção desse bloco literário35. Não são somente histórias sobre casamentos que

encontramos nesse bloco, mas de alianças de Iahweh com os personagens principais

dessa novela, iniciando na pessoa de Abraão e continuando na sua descendência, ou

seja, em Isaac e Jacó. Essa aliança promessa é a fonte propulsora das migrações, lutas,

fugas, procriação, disputas e poligamia, entre outras. Segundo Jarschel, é uma tarefa

complexa compreender tantas memórias, de tanta gente e em tantos lugares

diferentes.36

Essas memórias de migrações, nascimentos, descendências, conflitos entre

irmãos e irmãs, casamentos, trabalho, engodo, fuga, temor, artimanhas e

34

Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39. 35

Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. p.33. 36

(39)

enriquecimento são relatos, narrativas, que compõe a história dos principais

personagens da história ancestral do povo de Israel: Abraão, Sara, Rebeca, Isaac, Jacó,

Esaú, Labão, Lia, Raquel, Bila e Zilpa.

As ações de Iahweh na vida e destino desses personagens se fazem sempre no

tempo presente para inclinar os corações a uma ação específica e fazê-las cumpridas.

Um exemplo dessas ações nas narrativas é a de ordenação de migração dada a Abraão:

“Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que Eu te

mostrarei” (12.1). É Iahweh agindo na vida dos seres humanos e das nações, cujo

destino ele governa e determina.37 Ele é o protagonista dessa novela e outorga ou nega

as dádivas da natureza, a pessoas específicas, e em momentos específicos, como no

caso da esterilidade de Sara, Rebeca e Raquel: de três mulheres estéreis nascem as

nações que formaram Israel.

Para compreendermos melhor essas histórias vamos dividi-las em três blocos:

Abraão/Sara (12-25); Isaac/Rebeca (24-28); Jacó/Esaú/Raquel/Lia (25-36). Para cada

um desses blocos temos como acontecimentos em comum a migração, o casamento e a

procriação. O elemento fundante é a promessa que deles as nações surgirão. Esses

personagens são conhecidos, historicamente, como “patriarcais”. Mas, conforme

esclarece Jarschel,

Devemos abandonar essa definição porque as memórias trazem histórias de muitas mulheres também. As histórias dessas famílias são histórias de andanças, de conflitos com o povo da cidade, de casamentos e de reproduções, onde estas mulheres têm papel fundamental.38

37

(40)

Um novo estágio na revelação divina iniciou-se em Gênesis 12. Nessa nova era,

houve uma sucessão de escolhidos por Iahweh para estender a Sua palavra de bênção

para toda a humanidade. Abraão, Isaac e Jacó recebem essa eleição divina e marcaram

uma nova fase na bênção divina acumulada.

A tradição que compõe o quadro do Gênesis 25-36 não é formada apenas pelas

relações e conflitos de parentesco ou de casamentos, mas de conflitos econômicos

também. A interligação existente entre os três blocos é uma estrutura literária

composta por perícopes de origem familial-clânica. Suas histórias são recheadas de

questões comuns. Segundo Schwantes, “entre blocos e perícopes há uma relação

direta. Um não existe sem o outro. Os blocos existem como junção de perícopes e

estas constituem blocos”.39

Esses blocos são um relato das muitas memórias autônomas e das tradições

históricas de Abraão/Sara; Isaac/Rebeca; Jacó/Esaú/Raquel/Lia que têm suas histórias

entrelaçadas por questões comuns, marcadas por diferenças em seus enfoques e

conflitos e, também, em sua teologia.

O fator teológico é o principal elemento que irá gerar os conflitos, a migração,

os casamentos e a procriação nos blocos a serem estudados e principia pela revelação

de Iahweh, em forma de uma promessa e de uma aliança a Abraão e a sua

descendência.

39 Milton Schwantes.

(41)

1.4.1 Primeiro bloco: Abraão e Sara

Abraão recebe a bênção e a promessa de que Iahweh “fará dele uma grande

nação [...] e nele serão benditas todas as famílias da terra” (12.1-3). Em 17.1-10

Iahweh cumpre a sua promessa fazendo uma aliança entre Ele e Abraão. Essa aliança

é firmada com a circuncisão de Abraão, como mandamento de Iahweh: “E

circuncidareis a carne do vosso prepúcio, e será por sinal de aliança entre Mim e vós”

(17.11). Como vimos anteriormente, no substrato religioso, a importância da

circuncisão foi, e ainda é, um mandamento de grande importância para o judaísmo no

qual só é reconhecido como verdadeiro descendente de Abraão aquele que está

circuncidado no corpo e no coração.40

A aliança-promessa está feita, mas Abraão questiona Iahweh de como isso

ocorrerá, afinal Sara é estéril: “E disse Abraão: Meu Senhor Iahweh, que me darás?

Continuo sem filho...” Abraão disse: “Eis que não me deste descendência e um dos

servos de minha casa será meu herdeiro.” (15.2-3). A resposta de Iahweh é a de que

aquele não será o seu herdeiro, mas alguém saído do sangue de Abraão (15.4). Desse

modo, a promessa é repassada a Sara, sua esposa (17.21).

Para o cumprimento dessa promessa Sara precisava gerar filhos a Abraão, mas

sua esterilidade faz com que ela entregue sua serva, Agar, para salvar a sua condição

de mulher estéril. Em sua condição de mulher serviçal e geradora, sem escolha para

tal, Agar tem a sua inserção na história e “gera por circunstâncias serviçais”41 com o

nascimento de Ismael (16.15). Ela dará o primeiro filho a Abraão. Mas a promessa é

40

Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. 2001, p. 39. 41

(42)

para o filho que brotará do ventre de Sara para Abraão: ele será o herdeiro da

promessa.

O papel de Sara não era apenas o de fazer cumprir, por meio da maternidade a

promessa feita a Abraão, mas o de fazer cumprir o seu papel diante de uma sociedade

na qual o “valor da mulher era justificado pela sua existência como filha pelo futuro

papel de gerar filhos para seu marido”42. Sara recebe a promessa de Iahweh de gerar a

Isaac (17.19) e assim ocorreu (22.2).

A promessa e a aliança, de Iahweh para com Abraão, continuarão na sua

descendência: “E estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência

depois de ti em suas gerações, por aliança perpétua, para te ser a ti por Iahweh, e à tua

descendência depois de ti.” (17.7). Iahweh fala a Abraão da continuidade de sua

aliança com Isaac e sua descendência: “E disse Iahweh: Na verdade, Sara, tua mulher,

te dará um filho, e chamarás o seu nome Isaac, e com ele estabelecerei a minha

aliança, por aliança perpétua para a sua descendência depois dele” (17.19).

Iahweh estabelece uma bênção para a descendência de Ismael: “E quanto a

Ismael, também te tenho ouvido; eis aqui o tenho abençoado, e lo-ei frutificar, e

fá-lo-ei multiplicar grandemente; doze príncipes gerarás, e dele farei uma grande nação”

(17.20), mas a sua aliança será para com Isaac: “A minha aliança, porém,

estabelecerei com Isaac, o qual Sara dará à luz neste tempo determinado, no ano

seguinte” (17.21).

42 Alice L. Laffey.

(43)

Com o nascimento de Isaac cessa, nos capítulos posteriores do Gênesis, a

citação do nome de Ismael. A partir da narrativa do banquete que Abraão dá no dia em

que Isaac é desmamado, Sara ordena a seu marido que expulse Agar e seu filho Isaac

e Abraão o faz com pesar. A partir desse ponto Ismael passa a ser citado apenas como

“o menino”, “o moço” e o “filho de Agar”, retornando ao complexo literário, como

“filho de Abraão”, no capítulo 25.12-18, após a morte do pai. A promessa de Iahweh

de abençoar a descendência de Ismael encontra-se em 25.16: “Estes são os filhos de

Ismael e estes são seus nomes, em suas vilas e em seus palácios; doze príncipes

segundo as suas nações”.

A genealogia presente em 25.19 “eis a história de Isaac, filho de Abraão. Abraão

gerou Isaac”, é prova de que estamos diante de um novo bloco literário. Esse tipo de

abertura é comum dentro dos textos do Antigo Testamento para introduzir uma nova

perícope ou um novo problema43. Nesse caso, 25.19-34, introduz a linhagem de Isaac

e sua descendência.

Após o nascimento de Isaac a alegria de Abraão se converte em tristeza. São

duas as razões: Sara exige a saída de Ismael, o que é doloroso para um pai expulsar

um filho de casa (21.11). A segunda é que Abraão sabia que Ismael optara por valores

e condutas morais diferentes e até contrárias às suas44.

No capítulo 22, uma nova prova marca a vida de Abraão e Isaac. Iahweh pede a

Abraão que lhe entregue o seu único filho, Isaac (22.1-2). A narrativa não aborda o

sentimento de Abraão, mas que ele não hesitou em cumprir a ordem, pois a fidelidade

43

Elvira Moisés da Silva,. Teologia, memória e poder das mulhers na tenda: uma leitura crítica à estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. Tese de Doutorado da Universidade Metodista de Ensino Superior, 2002, p.30.

(44)

dele a Iahweh estava à prova. Vimos, anteriormente, no substrato religioso, que havia

o sacrifício de crianças, mas que nas famílias clânicas não ocorria esse tipo de

sacrifício aos deuses. Ao contrário, a criança era a continuidade, a sobrevivência do

clã, a continuidade de sua genealogia.

A Torá chama a atenção para esse fato na história entre Abraão e Isaac como

sendo a mudança radical de Abraão como um desligamento definitivo e radical do seu

passado, rompendo com a maneira de pensar e de viver do seu ambiente, e coloca os

fundamentos para uma vida completamente diferente. O texto na Torá continua

dizendo que o amor paterno e a autoconservação são, sem dúvida alguma, atributos

inatos do homem e se a religiosidade não fosse um bem natural seu, ele nunca

sacrificaria o que é natural a favor de algo artificial.45

1.4.2 Segundo bloco: Isaac e Rebeca

Dos três ancestrais de Israel aquele cuja história ocupa o menor espaço na Torá é

Isaac e no pouco espaço relata-se uma miscelânea de outros acontecimentos, mas nada

mais detalhado sobre a vida de Isaac.

Não há muitos relatos dos acontecimentos da vida de Isaac. Logo após o seu

nascimento o narrador apresenta alguns fatos ocorridos como: a saída de Agar e

Ismael expulsos por Sara (21.10); a aliança entre Abimeleque e Abraão (21.32); o

jardim de árvores frutíferas que Abraão plantou no local do juramento e da aliança

com Abimeleque (21.33). A próxima narrativa é a da oferta de elevação, o sacrifício

de Isaac (22.1-2) que deverá ser feito por seu pai Abraão. Esta passagem é um

símbolo inspirado pelas manifestações religiosas primitivas.

45

(45)

O que sucede após esse ato de sacrifício é a intervenção do anjo de Iahweh para

o não-sacrifício do filho da promessa. Pela obediência e não questionamento de

Abraão vem o reforço da promessa: “abençoar-te-ei e multiplicarei tua semente, como

as estrelas dos céus” (22.17). Após essa bênção o narrador descreve a crescente

procriação na família-clânica de Abraão.

Após o capítulo 22 a história de Isaac é retomada no capítulo 24, quando Abraão

convoca o seu fiel servo a encontrar uma esposa para Isaac. Ele o envia a

Aram-Naharáim (Mesopotâmia) à cidade de Nachor, para ali encontrá-la. Abraão mantinha

relações cordiais com os povos que o rodeavam, mas não a ponto de estabelecer com

eles ligações matrimoniais. Ele sabia que casamentos mistos abriam portas para a

assimilação de novos costumes, crenças e culturas. Isso era um sério problema comum

entre os povos antigos, evitar casamentos mistos, pois suas formas distintas de ser

dificultam uma harmonização.

Decerto, não é apenas a questão de linhagem que o fator importante que deveria

ser encontrado na futura esposa, mas, também, grandes qualidades morais como:

bondade, afeição, caridade, hospitalidade e a nobreza da família. Esse pensamento

ainda permanece entre os judaitas. O importante, agora, para Abraão, já que teve

apenas “um filho” (pois o outro lhe foi tirado por ordem de Sara), sendo o que lhe

restara o verdadeiro filho da promessa, é crer que a descendência prometida por

Iahweh virá por intermédio de Isaac e de sua futura esposa.

O servo de Abraão encontra Rebeca, filha de Betuel, irmã de Labão (24.22-23),

e Isaac a toma como esposa (25.20). E Rebeca, como Sara, era estéril também, Em

(46)

verbo empregado para a “oração” é ytr, “interceder” que, segundo Jarschel, é bastante

utilizado no relato das pragas em Êxodo 8-10.46

A intercessão de Isaac é atendida: “Iahweh atende e Rebeca, sua mulher,

concebeu” (25.21). A promessa-aliança que Iahweh faz a Isaac se cumprem na

continuidade da descendência. Para surpresa há, no ventre de Rebeca, duas nações

(25.23) marcadas, antecipadamente, por uma “divisão” e pelo “fortalecimento de uma

sobre a outra” (25.23).

“E houve fome na terra, além da fome” (26.1). Como nos tempos de seu pai

Abraão, a fome sobreveio. Isaac ia em direção ao Egito, mas Deus o impede e ele fica

na Filistéia. E foi Isaac a Guerar, a Abimeleque47, rei dos Filisteus, para pedir auxílio.

Iahweh lhe pede que não desça ao Egito e dessa forma confirmaria o juramento que

fez a Abraão seu pai (26.3). Isaac é acolhido por Abimeleque e neste ponto do

capítulo 26 encontramos uma narrativa que aborda um mesmo acontecimento,

ocorrido, com o seu pai, sua mãe e Abimeleque.

Não sabemos se Abraão contou esse fato para Isaac, mas é interessante ver que

um mesmo acontecimento se repete de pai para filho. O mesmo temor de Abraão de

ser morto ao declarar, Sara como esposa, diante de Abimeleque, por ser uma mulher

“formosa à vista”, ocorre com Isaac quando este é questionado por Abimeleque acerca

de Rebeca. Em vista da formosura de Rebeca Isaac age igualmente ao seu pai no

passado, declarando que ela é sua irmã.

46

Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. 1994. p15.

(47)

O temor de Abimeleque, pelo que poderia acontecer a ele e ao reino, é evidente

em ambas as situações caso outro homem tivesse se deitado com as esposas. A

questão dentro desse relato é a de que o narrador, de forma sutil, narra a covardia de

ambos quanto ao temor de serem mortos caso as declarasse como esposas. Vemos que

o mesmo temor pairava sobre os dois: Abraão e Isaac. Vale aqui ressaltar que o temor

de Abimeleque era quanto à culpa que recairia sobre eles como povo. A narrativa não

demonstra preocupação ou cuidado quanto ao que poderia ocorrer às mulheres,

vítimas de uma mentira que as expos a situações vexatórias e de perigo, tanto na

história com Abraão ou na história com Isaac.

1.4.3 Terceiro bloco: Jacó e Raquel

A narrativa dos fatos do nascimento de Jacó e Esaú é descrita nos mínimos

detalhes, como se o narrador tivesse acompanhado o fato bem de perto, ou mesmo

participado do nascimento das crianças48: “quando chegou o tempo de dar à luz, eis

que ela trazia gêmeos. Saiu o primeiro: era ruivo e peludo como um manto de pêlos;

foi chamado Esaú. Em seguida saiu seu irmão e sua mão segurava o calcanhar de

Esaú; foi chamado de Jacó” (25.24-26). Seria esta a preservação da memória de

mulheres que ajudaram no momento do parto, ou mesmo da parteira? Para relatar tão

detalhadamente seria necessário estar bem perto ou participando do acontecimento.

Talvez essa seja uma das perdas, como já citamos anteriormente, de substratos

históricos que relatariam como e quem participava do parto na tradição clânica. Ou,

quem sabe, não fosse importante para o narrador evidenciar ou expor os detalhes dessa

ocorrência.

(48)

A narrativa revela que a disputa já ocorria no útero, quando Jacó sai segurando o

calcanhar de Esaú. Essa disputa continua no âmbito familiar, teológico e social. Esaú

tem a preferência de seu pai e Jacó de sua mãe. “Esaú tornou-se um hábil caçador

enquanto Jacó era um homem tranqüilo, morando sob tendas” (25.27). Jacó era

ardiloso. A promessa de Iahweh de primogenitura já estava incorporada nele desde o

ventre. Ele sabia que a caça exigia esforço físico e, assim, prepara o alimento que fará

um Esaú, cansado e faminto, trocar a sua primogenitura pelo guisado que ele

preparou. Se não era uma artimanha da parte de Jacó, por que não foi Rebeca que

preparou o alimento?

Jacó não só toma a primogenitura de Esaú, mas a bênção também, que lhe foi

dada por seu pai Isaac, por meio do alimento. Em várias categorias a refeição surge

em todos os mitos como parte ritual de casamentos, sacrifícios fúnebres ou

propiciatórios, nos banquetes ou refeição comum. Nesse caso a fenomenologia nos

lança a um campo de investigação em relação aos rituais e simbologias que há no fator

alimento. A refeição é muito mais que uma necessidade fisiológica de sobrevivência,

mas é um momento social, uma realidade simbólica, é um campo religioso49. E, como

campo religioso é importante ressaltar a importância simbólica que a bênção, tanto

quanto a maldição, têm sobre a vida daquele que a recebe.

Rebeca assume o risco de ser amaldiçoada em favor da bênção de Isaac para

Jacó. A trama urdida por Rebeca coloca-a em posição de destaque e autoridade na

situação. Ela é a organizadora do que ocorre na narrativa do roubo da bênção de Esaú,

por Jacó (27.6-30), ao ouvir que Isaac pede a Esaú que lhe prepare uma caça para ele

49

(49)

se alimentar. Fica, mais uma vez, clara a predileção de Rebeca por Jacó: “caia sobre

mim tua maldição, meu filho!” (27.13).

O interessante é que as duas perdas ocorrem por um prato de comida: o guisado

para Esaú e a caça para Isaac. A intrincada narrativa de 27.38, em que Esaú pergunta

ao seu pai se não lhe sobrou uma única bênção e chora é, certamente, estarrecedora.

Nota-se que se Esaú não valorizava a primogenitura, valorizava a bênção! Mas, será

que Esaú não sabia que a bênção era dada ao primogênito? Isaac morreu sem saber

que Esaú a havia trocado por um prato de comida. De qualquer forma, Jacó a teria de

direito pela promessa.

Seguidamente vemos que Esaú se enfurece e jura Jacó de morte: “E guardou

Esaú rancor de Jacó pela bênção com que o bendisse seu pai, e disse Esaú em seu

coração: chegarão os dias de luto de meu pai, e matarei Jaco, meu irmão” (27.41). As

palavras de Esaú são denunciadas a Rebeca, e ela, mais uma vez, intervém a favor de

Jacó e o envia à casa de seu irmão Labão, por medo de perder os dois filhos. Esse eixo

conflituoso da história será solucionado em perfeita paz no encontro que ocorrerá,

muitos anos depois, entre os irmãos. Essa passagem será narrada em Gênesis 33.4.

Vimos que, por parte de Rebeca, Jacó é enviado a casa de seu tio Labão para

fugir de Esaú. Mas, após esse triste acontecimento, Jacó é enviado, também, por seu

pai para a casa de seu avô materno para buscar uma mulher (28.1-6). Isaac, além de

Imagem

Figura 2:  Medicina Antiqua: Libri Quattuor Medicinae, 13th Century.
Figura 3: Raiz de uma mandrágora
Figura 5: Flores da mandrágora

Referências

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