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CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SALA DE LEITURA E SUAS

3.2 A Sala de Leitura: aspectos gerais e a rotina de funcionamento

3.2.1 O mapeamento dos eventos da dinâmica discursiva das aulas de SL

Durante o ano letivo de 2014, que compreendeu o período da geração dos dados da pesquisa, vivenciamos uma heterogeneidade de situações no espaço da Sala de Leitura. Considerando a opção por uma pesquisa qualitativa de caráter situado, com base teórica nos Estudos do letramento, acabamos por orientar nosso olhar para questões mais relacionadas aos eventos de letramentos.

A partir do diário de pesquisa, que continha o registro escrito e fotográfico das aulas ocorridas durante o ano letivo, além das reflexões e indagações do pesquisador; identificamos uma série de situações que expressavam a imensa variedade de interações que tinham como base artefatos da cultura escrita, propiciadas pelo contexto da SL. A partir do painel multifacetado de situações que pudemos identificar, foi necessário recorrer a uma forma de

61 Adiante aprofundaremos a discussão sobre a prática de empréstimos e devolução de suportes de leitura nas aulas da SL.

organização dos dados com o objetivo de nos aprofundarmos na investigação dos eventos e das práticas de letramento ocorridos.

Evidenciou-se assim a necessidade de mapear os eventos de letramento que caracterizaram a dinâmica discursiva das aulas de SL. Fundamentando se no conceito de letramento escolar, tal como especificou Bunzen (2009), entendemos que a dinâmica discursiva das aulas se deu a partir da intercalação dos eventos de letramento que foram criados pelo pesquisador, na condição de POSL, e os eventos criados pelos alunos. Nesse processo se destacou a coexistência do meu projeto didático autoral no papel social de docente e as demandas dos alunos e alunas do 4° ano que buscavam atender expectativas particulares de acesso ao acervo da SL. Deste modo, destacaremos em nossa análise a tematização do diálogo e tensão que constituíram a dinâmica discursiva das aulas.

Os eventos de letramento, tanto aqueles que tiveram influência do meu status de POSL, como aqueles provenientes do interesse dos alunos, foram o ponto de partida para a compreensão das práticas de letramento na SL. Dessa forma, durante o processo de análise dos dados da pesquisa, optamos por organizar os eventos para aprofundar a nossa análise interpretativa das práticas de letramento do 4° ano na SL.

A partir da compreensão da dinâmica discursiva nas aulas estabelecemos dois níveis de

categorias. Em primeiro lugar nosso intuito foi focalizar os eventos criados pelo docente, ou seja, dar ênfase nas situações de interação em que eu escolhia os objetos de leitura, controlava o tempo e os arranjos espaciais. Assim, constituímos a categoria de eventos de letramento

criados pelo POSL, a qual tinha a intenção de contemplar o projeto didático autoral docente

para as aulas na SL com uma turma de 4° ano, levando em consideração as normatizações e prescrições do trabalho do POSL.

Por sua vez, haviam também os eventos dos alunos, os quais tinham bastante influência das condições existentes na SL, como a disponibilidade de materiais existentes na SL. De tal modo, compusemos a categoria de eventos de letramento criados pelos alunos que visava abarcar uma série de situações relacionadas à leitura e a seus suportes, que não eram pré- determinadas, seja pelo COL, pela portaria da SL, ou mesmo pelo meu planejamento docente. A dinâmica discursiva nas aulas de SL com a turma do 4º ano investigada foi construída a partir dessas duas categorias ‘eventos de letramento criados pelo POSL’ e ‘eventos de letramento criados pelos alunos’ que têm como finalidade a delimitação de dois modos de funcionamento da cultura escrita em contexto escolar, escolhidos como foco de análise da dissertação.

O engajamento dos sujeitos na escola em diferentes eventos tem sido discutido em algumas pesquisas sobre interação e letramento. No âmbito da análise de eventos de letramento de uma turma do 3° ano do ensino fundamental, Gomes e Castanheira (2007a), por exemplo, constatam que foram criados espaços interacionais nos eventos planejados pelos professores nas diferentes disciplinas, mas também em práticas sociais organizadas informalmente pelos alunos, seja na chegada à escola, no recreio ou nos intervalos de aulas. A partir da análise de um evento de letramento de uma aula de ciências desta turma de alunos, as autoras afirmam que a construção do conhecimento na sala de aula é dinâmica “ [...] e reflete a natureza complexa e multifacetada das decisões e processos articulados pelos professores e alunos situados no contexto social, cultural e histórico (GOMES; CASTANHEIRA, 2007a, p. 04). No caso da SL, está posto a delimitação de um espaço e de um tempo destinado a ampliação das práticas de leituras dos alunos. Portanto, temos a ocorrência de eventos variados, a partir das atividades que permearam o meu projeto didático autoral, e os eventos criados pelos alunos, tais como: interação com livros e textos, interação dos alunos entre si, interações dos alunos comigo. Há de se levar em conta também que no espaço da escola, existe o privilégio do saber livresco. “Em tais condições, a interação é difícil, resultando, muitas vezes, na resistência e no conflito” (KLEIMAN, 2006, p. 178)

Mediante a identificação de dois modos de funcionamento da cultura escrita em coexistência, foi necessário o estabelecimento das categorias62, ‘eventos de letramento criados

pelo POSL’ e ‘eventos de letramento criados pelos alunos’, que permitiram o mapeamento dos eventos da dinâmica discursiva das aulas de SL (ver Apêndice B)63.

O mapeamento permite inúmeras considerações, mas intencionamos destacar duas questões mais proeminentes. A primeira diz respeito ao fato de que vários eventos de letramento, criados por alguns alunos (as), fazem parte da constituição de várias aulas, mesmo que ocorressem a minha revelia. Além disso, ficou evidenciado que há uma gama variada de eventos que transcendem o COL, as prescrições referentes aos gêneros do 4° ano e o

62 Temos compreensão da limitação dessa categorização, seja pela dificuldade de se estabelecer uma distinção

precisa entre os dois tipos de situações, ou então pela ciência de que as escolhas do pesquisador não são neutras. É importante destacar que tais categorias tem a intenção de apreender como são construídos os eventos no processo de interação entre professor e aluno; como eles são percebidos pelos participantes e quais são os pontos em comum ou não, entre os eventos criados pelo POSL e aqueles criados pelos alunos.

63 A construção desse mapeamento foi feita com base nos elementos visíveis dos eventos de letramento, tal como proposto por Barton e Hamilton (2003 apud VIEIRA, 2007, p. 128): participantes (POSL e alunos), ambientes (a SL, com seus arranjos espaciais), artefatos (livros, revistas, mangás, HQ) e atividades (leituras individuais, leituras compartilhadas etc.). A reconstituição dos elementos visíveis nos eventos de letramento foi possível através dos registros no diário de pesquisa, das fotografias e das gravações em áudio das aulas.

planejamento das aulas. Nesse sentido, na construção do mapeamento se evidenciamos alguns eventos de maior ocorrência, e que serviram de substrato para nossa análise das práticas de letramento na SL: as leituras voluntárias dos alunos; os eventos de letramento e a sexualidade; e o empréstimo e devolução de livros e revistas do acervo da SL.