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Marcha em apoio a Evo e à Constituinte, em La Paz e, ao lado, manifestantes queimam bonecos representando a direita autonomista

Fonte: elmundo.es

Mesmo com a ausência física dos partidos de direita, na votação, sua política foi encampada pelos próprios masistas, com a justificativa de evitar futuras impugnações (SCHALVEZON, 2012, pp. 329-340). Linera indica claramente que esta era uma das opções oferecidas pela conjuntura:

Era possível outra rota de aprovação da Constituição pela via da força de mobilização? Obviamente!!! Mas requeria uma sublevação, uma insurreição que passasse por cima de todos os outros contrapoderes do velho Estado ainda presentes (2011, p.141, tradução nossa).

Em meio aos confrontos com o governo, os departamentos da

medialuna foram convulsionados com bloqueios de estrada, ocupação de prédios

públicos, saques, mortes, tortura de indígenas que se manifestassem favoráveis ao governo. A direita autonomista justificava suas ações e métodos com a denúncia de

que o projeto de Constituição do governo era “ditatorial”, por conta de sua aprovação no Liceu militar. Criticava a lei que limitava o tamanho dos latifúndios. Reivindicava a manutenção das receitas do petróleo para os departamentos produtores e exigia autonomia para controlar o lucro com as exportações das riquezas minerais, concentradas em seus territórios. Além disso, propagandeava que a Constituição instauraria o “socialismo indigenista” que afrontaria a propriedade privada22. Tratava-se de uma ação de propaganda que não correspondia ao texto constitucional que iniciava defendendo justamente todas as formas e tamanhos de propriedade. E, não havia nenhum artigo ou lei que impusesse a expropriação da propriedade privada ou dos latifúndios. Porém, as oligarquias do Oriente voltadas à atividade agropecuária não aceitavam nenhum limite a sua ação. Ainda mais que a consolidação do latifúndio se dá justamente com a destruição da propriedade comunal e das pequenas propriedades. São interesses inconciliáveis que o governo prometia preservar.

Um referendo sobre os estatutos autonômicos foi convocado, o “não”, defendido pelo governo venceu com 57,5% dos votos. Mas o “sim” venceu nos departamentos da medialuna, que com base nisso queria defender a separação. Em Santa Cruz, obtiveram 85% dos votos pela separação. Na sequência, o Senado controlado pela direita desengavetou um projeto de lei apresentado por Evo no ano anterior, aprovando a realização de um referendo revogatório dos mandatos do presidente, do vice e dos governadores. Foi uma medida do Podemos que surpreendeu até os governadores. Evo Morales se comprometeu a promulgar a lei e realizar o referendo em 90 dias e afirmou: “Assim, a crise será resolvida pelas urnas e não pelas armas” (MORALES apud STEFANONI, 2008). Em 10 de agosto de 2008, o referendo foi realizado e Evo e Linera conquistaram 67% dos votos. As disputas entre o MAS e a oposição, porém, continuavam a se agravar. Os governadores de Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chiquisaca exigiam o cancelamento da Lei de Hidrocarbonetos, que mudava a distribuição dos royalties

22 Nas ruas de La Paz, em 2009, na propaganda governista pela aprovação do novo texto

constitucional, era possível ver murais enormes com a consigna: O SIM respeita a propriedade privada.

do petróleo e do gás. Sobre esta disputa econômica, ergueu-se o movimento separatista, marcado pelo racismo, sabotagem econômica e pelo ataque às organizações de massas. Um dos episódios mais violentos foi o massacre em Pando em que 18 camponeses indígenas foram assassinados, em uma ação da oposição em 11 de setembro. Os grupos racistas também atuavam nas favelas, como em Plán

3000, em Santa Cruz, para atear fogo nas moradias e exterminar moradores. Na

apresentação de um folheto do POR de 2008, intitulado A crise política na Bolívia, há uma análise sobre a forma de arregimentação dos destes grupos por parte das oligarquias e os métodos fascistas adotados.

Os bandos armados e pagos constituídos de jovens e pobres expressam tais métodos. A oligarquia instrumentaliza e financia os bandos para praticarem a violência reacionária contra a população indígena e demais miseráveis que apoiam o governo Evo. Nada têm a ver com a luta de classe, que é a materialização da violência revolucionária da maioria oprimida contra a minoria exploradora e tem como essência a tarefa de transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade coletiva (POR, 2008, p. 21).

Diante da manifestação de apoio do embaixador dos Estados Unidos à oposição, Evo o expulsou do país (VACA, 2008) e foi apoiado por Chávez que fez o mesmo com o embaixador norteamericano na Venezuela e prometeu proteção militar à governabilidade de Morales. Inicialmente, Evo recusou a interferência de outros países, decretou estado de sítio em Pando, tentou reunir os governadores oposicionistas chamando-os ao diálogo, afirmou que tinha autorização dos movimentos sociais para modificar o texto resultante da Assembleia Constituinte, em relação às autonomias e impostos sobre os hidrocarbonetos. Porém, a crise continuava se agravando. A recém criada União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) passou a mediar o conflito. Dentre os presidentes latino-americanos estava Álvaro Uribe, da Colômbia, que expressava as exigências norte-americanas. A Organização das Nações Unidas (ONU) também atuou na crise por meio de sua representação na Bolívia, presidida por Yoriko Yasukawa. O destaque maior, porém, não foi nem da presidente da UNASUL, Michele Bachelet e nem da representação da ONU. O presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva esteve em

primeiro plano na celebração do acordo entre Evo e a oposição Em matéria publicada no jornal espanhol El País, intitulada, Lula toma as rédeas da crise

boliviana, afirma-se que:

Lula impôs condições para viajar a Santiago e as conseguiu. Pediu uma trégua prévia entre (o presidente boliviano Evo) Morales e a oposição, o que foi feito. Exigiu a aceitação expressa de La Paz para que ele intercedesse na crise, e a obteve. Mais, os rivais de Morales comemoraram a mediação brasileira, apesar de Lula os ter repreendido por usar a violência para desafiar o governo (El País, 16/09/2008).

Na matéria, a atuação de Lula foi elogiada enquanto o discurso anti- imperialista de Chávez foi condenado. Em um recado a Evo, mas também ao presidente Venezuelano, Lula exigiu que não houvesse “ingerência externa” e que os EUA não fossem atacados. O presidente brasileiro defendeu que para solucionar a crise era necessário consolidar a democracia e respeitar a Constituição. O Jornal

Washington Post também condenou a ação de Chávez e ostentou a influência que

os Estados Unidos ainda detinham, mesmo com a expulsão do embaixador:

A Bolívia recebe mais de US$ 100 milhões em ajuda americana por ano, e cerca de 30 mil empregos no país mais pobre da América do Sul dependem da renovação das preferências comerciais que expiram em dezembro (Washington Post, 16/09/2008).

Após quase dois meses, o acordo se materializou com a modificação de 100 dos 411 artigos do projeto de Constituição. Segundo o jesuíta e antropólogo espanhol Xavier Albó, nesta fase final, os movimentos sociais e até mesmo os constituintes, sobretudo os de extração social mais popular, estiveram praticamente ausentes. Albó afirma que em alguns casos foram apenas questões formais. “Porém, em outros, foram feitas concessões que, se os setores populares tivessem participado, seguramente não teriam aceitado” (ALBÓ, 2012, p. 228, tradução

nossa). Para que esta profunda crise política não tenha conseguido afetar a

com uma crise econômica. A alta dos preços das commodities sustentada, principalmente, pelas elevadas taxas de crescimento da economia chinesa favoreceu que a Bolívia, no momento, contasse com resultados positivos em sua balança comercial.