• Nenhum resultado encontrado

Fonte: captura de tela do documentário Bolívia Siglo XX (MESA GISBERT e OSORIO, 2009).

No documentário televisivo Bolívia Siglo XX, com 24 capítulos, de 2009, mais especificamente no capítulo Dictador Banzer - Las Paradojas de la

Historia, um dos entrevistados é o comandante das Forças Armadas sob o regime

militar de Banzer, Remberto Iriarte, que afirma que procurou duas vezes o presidente Torres para alertá-lo sobre o golpe.

Pensamos que o caos e a anarquia estavam muito próximos e, por esta razão, havíamos decidido terminar com o governo Juan Jose Torres. O fizemos da maneira mais nobre, advertimos o General Juan Jose Torres. Eu o visitei duas vezes e lhe disse que nós não estávamos dispostos, indubitavelmente, a deixar que as coisas ocorressem como estavam ocorrendo (IRIARTE apud MESA GISBERT e OSORIO, 2009, 10 min e 20 segundos, transcrição e

tradução nossa).

No dia 19 de agosto de 1971, 80 mil pessoas atenderam ao chamado do Comando Político em La Paz para resistir ao golpe. Torres temia armar as massas. Atacou a esquerda, acusando-a de ter recusado uma aliança anteriormente e permitiu que o alto comando militar conspirasse sem bloqueios. Depois de o povo

exigir por 12 horas que o governo entregasse armas, o presidente entregou 400 velhos fuzis aos dirigentes da COB. A resistência ao golpe esteve nas mãos das forças sociais organizadas em torno da Assembleia Popular. Foram cinco dias de combate. Sem divisão do exército ou acesso às armas, a vitória militar era praticamente impossível, o que levou a um recuo dos trabalhadores (o que conseguiu impedir a destruição física do proletariado), muitos dos militantes de esquerda conseguiram se exilar. A ditadura de Banzer dissolveu a Assembleia Popular e fechou as universidades. No mesmo documentário citado anteriormente, o ex-ditador e ex-presidente Hugo Banzer apresenta sua versão sobre o motivo do golpe:

No momento, o problema mais sério era a Assembleia do Povo [...]. Apareceu o Exército de Libertação Nacional atuando em um e outro lado. Dizia-se que o Poder Judiciário seria substituído pelos Tribunais Populares de bairro. Toda essa informação me chegava e me dava muita pena pela situação do país (BANZER

apud MESA GISBERT e OSORIO, 2009, 11 min e 15

segundos).

Acabar com a Assembleia Popular estava entre as prioridades norte- americanas, junto com a destruição do governo de Salvador Allende no Chile e de Juan Velasco no Peru. Segundo o jornalista norte-americano Robert Baird, Banzer foi treinado na Escola das Américas, no Panamá e na Escola de Cavalaria Blindada no Texas, nos finais dos anos 1960 atuou como adido militar em Washington. Após derrubar Torres, Banzer foi recompensado com subvenções e ajuda da administração de Nixon. Inicialmente o Departamento de estado norte americano negou que tenha participado da derrubada de Torres, porém a divulgação em 2009 de documentos outrora sigilosos revelou que o Departamento de Estado liberou cerca de U$ 500 milhões para garantir a adesão de políticos e oficiais das Forças Armadas ao golpe. A CIA transferiu o dinheiro aos membros do alto escalão no dia em que o golpe começou em Santa Cruz.

Aldo Durán Gil complementa que a participação dos Estados Unidos doi aberta e ostensiva, oferecendo apoio logístico, econômico por meio da

embaixada, da CIA e da base aérea em La Paz, apelidada de “guantanamito”. Os grupos paramilitares atuaram por meio do Exército Cristão Nacionalista e a “guarda pretoriana” do grupo de Banzer. O segundo grupo era comandado por Klaus Barbie, recrutado pela CIA, nazista conhecido como “o carniceiro de Lyon” (o governo Banzer recusou o pedido de extradição do governo francês), além de nazistas, o bando militar era composto também por neofascistas e terroristas italianos, subficiais criminosos e anticomunistas e indivíduos recrutados no lumpesinato. Conforme expõe Aldo “Ao mesmo tempo, tal grupo constituiu-se em braço armado de um setor da máfia do narcotráfico, controlado por Roberto Suáres, primo de Banzer” (2003, p.64).

O diálogo entre Henry Kissinger, assistente da Presidência para Assuntos de Segurança Nacional, e o presidente Richard Nixon, em 11 de junho de 1971, demonstra o envolvimento direto dos EUA na preparação golpe:

Kissinger: Estamos tendo, também, um grande problema na Bolivia. E...

Nixon: Já sei, Connally [Ministro da Fazenda] mencionou. Que pensas fazer, acerca disto?

Kissinger: Já disse a Karamessines para arrancar com uma operação, o mais rapidamente o possível. Inclusive o Embaixador ali, que é muito brando, agora está dizendo que devemos começar ali a jogar com os militares, ou as coisas irão por água abaixo. Nixon: Sim.

Kissinger: Isto sucederá na segunda.

Nixon: De que precisamos, Karamessines? Um golpe de estado? Kissinger: Veremos o que podemos, dependendo - do contexto. Eles vão nos tirar em mais dois meses. Eles se desfizeram dos corpos de Paz, o que é uma vantagem mas agora se quiserem se desfazer de USIA [Agência de Informação dos Estados Unidos] e dos militares. E, eu não sei o que podemos fazer, até pensar em retaliar com um golpe, mas devemos averiguar qual é a situação. Estou pensando, antes que eles dêem o golpe, nós devemos... Nixon: Lembre-se, nós demos a estes malditos bolivianos o estanho.

Nixon: Retrocedamos.

(FOREIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES, tradução

nossa)

Robert Baird (2010) contabiliza que o golpe de Banzer deixou como saldo imediato 110 mortos e 600 feridos. O regime que se estabeleceu nos sete anos seguintes foi marcado pela repressão. Mais de 14 mil pessoas foram presas sem ordem judicial, mais de 8 mil foram torturadas e mais de 2 mil foram executadas ou desaparecidas. O golpe também teve apoio da ditadura brasileira, como parte do que depois, em 1975, seria oficializado como o Plano Condor12.

Mesmo com todas as evidências da articulação internacional do golpe correspondente a um movimento do imperialismo norte-americano cujo objetivo, em todo o continente, foi bloquear a organização independente dos trabalhadores e garantir a hegemonia da fração do capital financeiro em cada um destes países, é frequente a responsabilização pelos golpes justamente daqueles que lutavam por sua emancipação. Este é o conteúdo da fala de Oscar Eid Franco, dirigente do MIR, que atribui a uma incompreensão de universitários radicais o fato de sua organização não ter apoiado o governo de Juan Jose Torres, deixando-o sem margem de ação.

12 O Plano (ou Operação) Condor é o nome dado a uma ação conjunta das ditaduras do Brasil,

Bolívia, Paraguai, Uruguai, Argentina e Chile para reprimir grupos de esquerda que contestavam os regimes no Cone Sul. A fundação oficial foi feita em 1975, em uma reunião realizada na Diretoria de Inteligência Nacional do Chile (DINA). O Brasil compareceu como obervador, somando-se oficialmente apenas em 1976. Os serviços de inteligência dos países do Cone Sul trocavam informações sobre militantes “subversivos”e “insurgentes”. Havia uma intercâmbio com base nas embaixadas e nos serviços de inteligência. Eram coordenadas operações de infiltração, prisão, tortura e também assassinatos. Não existiam fronteiras ou limites institucionais. O número de executados ou desaparecidos na América Latina superaria os 50.000. Seus antecedentes foram a Doutrina de Segurança Nacional, adotada pelos EUA nos marcos da chamada Guerra Fria, que deu origem à Escola das Américas, em 1946 no Panamá, um dos centros de treinamento de oficiais latino-americanos em técnicas de tortura, guerra e contra-insurgência. A ação do imperialismo norte-americano se intensificou após a Revolução Cubana, em 1959. Houve várias reuniões anteriores ao Plano Condor, como as Conferências dos Exércitos Americanos (CEA, desde 1965) (IPPDH/MERCOSUL, 2015).