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O CONTEXTO COMUNICACIONAL de organizações não-governamentais e de empresas que

trabalham com projetos de responsabilidade social tem sido referido por um termo muito utilizado e pouco esclarecido em seu significado: marketing social. Há uma confusão conceitual e não é para menos. Primeiro, entre os autores que tratam do assunto, há perspectivas bem diversas sobre o seu significado; segundo e talvez principalmente, porque há um certo “prurido” em misturar projetos sociais com uma palavra tão relacionada ao universo mercantil como “marketing”.

Embora trabalhar com marketing seja considerado algo moderno, há também uma segunda acepção simbólica que aproxima o conceito a um jogo estratégico de aparências para a venda de algo. Nesse jogo, parece possível maquiar o produto dentro de uma

estratégia de marketing visando à venda e, portanto, ao lucro.

Historicamente, o termo foi cunhado pela primeira vez na década de 50, nos Estados Unidos15. No contexto mais local, é comum que autores brasileiros (Schiavo,

15 Segundo Silva (1997, p. 21-22): “Até a década de 50, nos Estados Unidos, as empresas geravam

um produto e o vendiam aos consumidores mediante um esforço de vendas. Ou seja, quem definia o que seria oferecido ao mercado era o vendedor. Para o marketing, ao contrário, quem define o que

1999; Mendonça e Schommer, 2000) citem a definição da American Marketing Association (AMA):

Desempenho das atividades de negócios que dirigem o fluxo de bens e serviços do portador ao consumidor. É o processo de planejamento e execução da criação, estabelecimento de preço, promoção e distribuição de idéias, produtos e/ou serviços com vistas a criar intercâmbios que irão satisfazer as necessidades dos indivíduos e organizações.

Modo geral, há troca com o objetivo de continuidade do processo – intencional, sistemática e voltada a uma expectativa de resultados previsíveis. Tais resultados, na perspectiva tradicional do marketing, sempre envolveriam lucro financeiro e muita atenção às demandas do cliente. Essa forte relação com o lucro coloca o marketing como um conceito alinhado a valores capitalistas. Segundo Araújo (2004, p. 3), “sob uma primeira impressão nos parece que o termo marketing está associado diretamente a empresas com valores competitivos, onde a lógica mercantilista do lucro pelo lucro é imperativa”.

O termo “marketing” foi transposto para o campo social pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 60, com a necessidade de aplicar conceitos da área na tentativa de resolver problemáticas que surgiam junto com a complexificação da sociedade, profundamente fragmentada. O nascimento dos mais diversos tipos de organizações e, com elas, as mais diversas demandas, trouxe à luz do dia problemas sociais. Esse contexto tornou necessária a criação de formas de intervenção social capazes de influenciar públicos diversos. O marketing surgiu como uma ferramenta potente para isso, visto que investiria em uma atuação planejada que enfatiza o aspecto da comunicação enquanto visibilidade amplificada.

Segundo Mendonça e Schommer (2000), Kotler e Zaltman, em 1971, foram os responsáveis por cunhar pela primeira vez o termo “marketing social”, associando-o ao

será oferecido ao mercado é o próprio mercado. O vendedor ausculta o comprador previamente, analisa suas necessidades e desejos e gera um produto de tal forma adequado à demanda que do esforço de vendas restam apenas as vendas - o esforço torna-se desnecessário.”

processo de criação, implementação e controle de programas para influenciar a aceitabilidade de idéias sociais. Mais tarde, Kotler (1992) construiu novas reflexões a respeito do termo enfatizando seu papel em ações que visem à mudança de comportamento como estratégia para a transformação social.

Outro momento relevante no desenvolvimento do conceito foi a publicação do livro “Social marketing: new imperative for public health”, escrito em 1985 por Richard Manoff, que relaciona o conceito de marketing ao de saúde pública. Segundo Fontes apud Araújo (2001), Kotler via sua idéia como a possibilidade de transferir as ferramentas de marketing para a área social; já Manoff focava o uso dos meios de comunicação de massa para orientar sobre a saúde.

No Brasil, o marketing social passou a ser trabalhado principalmente a partir da década de 90, atrelado ao contexto empresarial privado e se justificando enquanto uma contribuição das empresas na luta pela redução dos problemas sociais do país. Entretanto, é equivocado associar marketing social com responsabilidade social, como se um não existisse sem o outro. Em verdade, são conceitos diferentes e independentes. É possível que dentre as ações de responsabilidade social de uma empresa sejam realizados projetos de marketing social. Mas a divulgação das ações de responsabilidade social diz respeito a outras estratégias de comunicação e nunca ao marketing social.

Marketing social não significa atuação empresarial no campo social e nem mesmo a divulgação sobre isso. Nos dias de hoje, é comum que empresas façam promoções que relacionem sua imagem a causas sociais. Nesse caso, o que estaria sendo trabalhado seria o marketing institucional, como explicam Mendonça e Schommer (2000, p. 5): “No marketing institucional, o objetivo é a imagem da empresa e no marketing social os objetivos referem-se a questões de interesse público, ou de impacto social”.

Isso não significa, entretanto, que uma coisa não venha a gerar outra. Uma empresa que realize uma campanha sobre o perigo no uso de drogas estará realizando marketing social, pois objetiva modificar o comportamento do público. Mas, em

conseqüência, certamente vai angariar a simpatia popular por estar fazendo algo que vise o “bem” da sociedade. E aí vem um ganho sob o aspecto do marketing institucional, visto que ganha a imagem da empresa.

Autores como Fontes (2004), Araújo (2004) e Schiavo (2005) evidenciam a preocupação de que o marketing social não seja confundido com o marketing relacionado a uma causa, quando uma organização agrega uma causa aos processos de produção, promoção e vendas de seus produtos e serviços. Adulis (2004) exemplifica essa situação com as empresas de cartões de crédito que possibilitam ao cliente escolher cartões vinculados a questões ambientais (caso da a ONG ambientalista Greenpeace) ou a entidades que ajudam crianças em situação de vulnerabilidade social.

Entretanto, na prática, nem sempre é fácil discernir onde começa uma ação e termina outra. Fontes (2004) tenta estabelecer essa diferença tratando dos resultados de cada iniciativa. Ele afirma que no caso do marketing social, o impacto estará na transformação da sociedade onde a campanha está inserida. Quando se trata de marketing relacionado a uma causa, o retorno principal será para a empresa ou organização envolvida, com retornos financeiros ou de imagem. O que não será possível negar é que na segunda iniciativa a probabilidade de transformação do cenário social também existe, mesmo que este não seja o foco principal. E que no meio de tudo isso, ocorre também uma ação de marketing institucional, visto que a imagem da empresa ou da organização sai ganhando.

Araújo (2004) aponta uma questão específica do cenário brasileiro em relação ao marketing social, o que contribuiria com as confusões conceituais: ele é aplicado principalmente no setor empresarial. O poder público (de onde surgiram, nos Estados Unidos, as primeiras iniciativas na área da saúde) e o terceiro setor trabalham com menos freqüência com essa ferramenta. E no caso desse último, o marketing social vem designando as estratégias de comunicação e divulgação da própria entidade.

Em resumo, toda essa discussão sobre o marketing e a suposição de que ele pode ter uma feição social acaba por mostrar que em grande parte dos casos a maior preocupação é a de divulgar as ações das organizações (sejam elas empresas, instituições públicas ou ONGs) e fortalecer sua imagem pública, o que caracteriza um reforço na sua auto-referenciação simbólica. A boa idéia de utilizar as ferramentas do marketing para propor mudança de comportamento aos indivíduos fica latente, mas ainda sem uma grande história própria a contar, visto que tantas vezes se vê atropelada pela priorização da imagem da organização. Enfim, o que se percebe é que a título de intervir em problemáticas sociais, considerável parte das empresas brasileiras realiza, na verdade, uma estratégia de auto-promoção.

Segundo Kunsch, uma organização contemporânea possui uma identidade corporativa e uma imagem corporativa. A primeira diz respeito àquilo que uma organização é e como deseja ser percebida (a natureza própria, dos negócios, o perfil técnico e cultural da organização); a segunda é como “essa mesma organização é percebida por todos os públicos de interesse. É a impressão que todo um público tem em relação a uma organização. Aquilo que passa, que se transfere, simbolicamente, para a opinião pública” (Kunsch, 2003, p. 168).

O que se percebe é que o conceito de marketing social por vezes confunde-se com esforços de marketing direcionados à construção da imagem corporativa das empresas. Antes de analisar mais detidamente as ações da Globo relacionadas às questões sociais que tematiza, não é possível afirmar até que ponto essa situação se repete no contexto dessa emissora. O capítulo que se segue, tratando da constituição da emissora enquanto um expressivo referencial midiático no país, e mostrando como se dá internamente o processo das tematizações sobre o social, consiste no primeiro momento dessa análise.