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Capítulo V – O VIH em mulheres infectadas pela via sexual: os relatos de vida de Marta e Andreia

1. O caso de Marta : “Hum, mas eu tento sempre seguir o meu lema Eu hei-de vencer este vírus Ele não vai dar cabo de mim Eu é que hei-de dar cabo dele (…)

Mas, continuo a fazer a minha vida como fazia anteriormente… Apenas, com outras regras, não é?…”

Marta, uma ajudante familiar e utente da Abraço/Delegação Norte, nasceu em Vila Nova de Gaia, no dia 8 de Setembro de 1967, no seio de uma família pequeno burguesa técnica e de enquadramento intermédio. O pai desta mulher era encarregado geral de uma fábrica de metalurgia (era oriundo de uma família pequeno burguesa intelectual e científica) e a mãe, actualmente reformada, era embaladora numa fábrica de sabonetes (descende de uma família pequeno burguesa técnica e de enquadramento intermédio).

No período inicial da sua vida, o agregado familiar de Marta era composto pelos pais e pelos avós maternos, que viviam, em conjunto, numa moradia em Vila Nova de Gaia. Mesmo em frente à sua habitação, residia uma tia paterna. As relações familiares foram sempre harmoniosas nesta fase da vida. Com efeito, as melhores recordações da infância de Marta são os momentos de recreação em família:

“As brincadeiras que fazíamos todos juntos… Acho que é isso… (…) Jogávamos Monopoly (risos), aos Domingos à tarde… Íamos fazer piqueniques… O meu pai e o meu avô jogavam à malha e os vizinhos e os putos, não é, reuniam-se a ver e a bater palmas… Essas coisinhas assim, pronto…”

Esta mulher foi educada com base em preceitos conservadores, sobretudo por influência do seu pai, que foi lembrado como uma pessoa “muito austera” e com uma mão pesada. Filha de católicos afeiçoados, frequentou a catequese desde cedo e cumpriu os sacramentos do Baptismo, Comunhão e Crisma. Aos Domingos de manhã, Marta e a família iam à missa, usualmente.

A passagem da actual utente da Abraço/Delegação Norte pelo sistema educativo começou aos 6 anos de idade, com a entrada no Colégio do Trancoso, em Vila Nova de Gaia.

Dois anos depois, nasceram os irmãos gémeos de Marta (um irmão e uma irmã). Dada a falta de espaço para albergar os recém-nascidos na moradia da família em Vila Nova de Gaia, o seu avô materno comprou uma habitação nova no Castêlo da Maia, junto ao actual ISMAI. Com a transferência para uma escola primária do Castêlo da Maia, foi obrigada a repetir a 2ª Classe. Marta completou o 9º Ano de escolaridade em 1985, registando mais duas reprovações, uma no 7º Ano, outra no 8º. A desistência da escola, depois de concluir o 9º Ano, foi atribuída a um amadurecimento precoce após se ter fixado no Castêlo da Maia e à influência de colegas mais velhos que optaram pela entrada prematura no mundo laboral ao invés de prosseguirem os estudos:

“Eu acho que cresci depressa demais na Maia… Analisando, eu acho que foi isso… Quer dizer, eram todos muito adultos em relação a mim… Eu tinha que me juntar a alguém que sabia sempre mais do que eu, supostamente, não é?… Portanto, foi sempre (pensativa)… Quer dizer, como cresci depressa demais e, depois, comecei a ver uns a irem trabalhar, outros a irem, pronto (hesitante)… E, se calhar, foi isso que me levou… Foi isso um bocado…”

Todavia, a família de Marta sempre conjecturou o seu ingresso no ensino superior:

“Queriam que eu me vestisse com a capa preta… Queriam que eu fosse para Coimbra… Mas, olha, não deu… Todos que queriam que eu fosse médica (risos)…”

Na adolescência, esta ajudante familiar fez parte do grupo coral da Igreja que frequentava no Castêlo da Maia. O grupo coral ensaiava duas vezes por semana e actuava aos Sábados, na missa das 19 horas, e aos Domingos, na missa das 7 horas e na missa das 10. Marta foi, também, atleta federada de voleibol pelo Castêlo da Maia, chegando a sagrar-se campeã nacional de seniores.

Os seus pais nunca abordaram questões relacionadas com a sexualidade junto de si, excepto a obrigação de conservar a pureza até ao casamento. Como é lógico, a problemática do VIH/Sida também nunca foi trazida para debate familiar, uma vez que, na adolescência desta mulher, a referida patologia estava ainda longe de representar um motivo de efectivo alarme na sociedade portuguesa.

Capítulo V – O VIH em mulheres infectadas pela via sexual

Aos 17 anos, Marta teve o seu primeiro namoro com um rapaz que conheceu através de um familiar afastado, numa festa. O namoro terminou ao fim de seis meses, sem se ter registado qualquer troca sexual. Ainda com 17 anos, iniciou o segundo namoro, desta vez com um vizinho do Castêlo da Maia. Foi nesta relação que encetou a sua vida sexual, tendo completado já os 18 anos (com isto, vilipendiou as advertências dos pais para a manutenção da castidade). Este namoro teve a duração de quatro anos. Nos dois primeiros anos da relação, o método contraceptivo utilizado pelo par de namorados foi o coito interrompido. Depois, esta mulher recorreu à pílula anticoncepcional. O preservativo foi ignorado pelo casal no decurso dos quatro anos de namoro porque, alega a protagonista da presente história de vida, constituía um assunto tabu. Conforme foi visto no Capítulo II, em Portugal, durante os anos 80 do século XX, a questão do VIH/Sida foi ponderada com desmazelo pelo poder político e pelas organizações especializadas para lutar contra a doença (Teles e Amaro, 2006). Sobre esta matéria, as palavras de Marta são sobremodo esclarecedoras:

“Naquela altura falava-se muito da sífilis… E mais não digo, porque não se falava de mais nada, não é?... Naquela altura o que se falava muito era da sífilis… Era a doença da moda… Portanto, como ele era limpinho e eu também era limpinha, supostamente… Não é?... Era assim que pensávamos…”

Logo após a desistência da escola, aconteceu a primeira experiência profissional desta mulher. Com 17 anos, assumiu as funções de telefonista na fábrica de metalurgia em que o pai e o avô trabalhavam, na Trofa. Nesta altura, laborava de 2ª a 6ª Feira, entrando às 8 horas e saindo às 18 (tinha uma hora de pausa para o almoço). O seu salário inicial foi de 3.650 Escudos por mês.

Em paralelo à primeira ocupação profissional, Marta inscreveu-se num curso de dactilografia, em regime nocturno, na Escola “A Maratona”, no Porto. Este curso durou um ano.

Na fábrica de metalurgia da Trofa, o seu salário sofreu um aumento por cada semestre. Quando abdicou do emprego como telefonista, ao fim de três anos, esta mulher auferia um ordenado de cerca de 40 contos por mês.

No ano de 1988, imediatamente depois do abandono da actividade como telefonista, iniciou actividades como secretária de administração numa empresa de construção civil, na Maia. Ao mesmo tempo, de forma ilícita, Marta acedeu ao subsídio

de desemprego, que tinha um valor de 32 contos (esta situação manteve-se por um período de dezoito meses). Como secretária de administração, trabalhava de 2ª a 6ª feira, das 9 horas às 18 (usufruía de uma hora de pausa para almoço), pelo que recebia um salário de 90 contos.

Em 1989, após ter terminado a relação com o segundo namorado, Marta conheceu o irmão da sua melhor amiga da altura, por quem veio a apaixonar-se e a envolver-se emocionalmente. No mês de Fevereiro de 1990, casaram-se, contra a vontade da sua família:

“Eu só casei pelo registo… Toda a gente foi contra o meu casamento… Primeiro porque não gostavam da família, depois porque não gostavam dele… Só que eu caí para aquele lado, e pronto… O que é que se há-de fazer, não é?… Portanto, mantive o pé firme e casei pelo registo, ainda em 1990… E os meus padrinhos de casamento, pelo registo, foram a irmã dele, do pai da minha filha… E as únicas pessoas que foram ao meu casamento foram a minha mãe e a minha avó… E, mesmo assim, quando o juiz perguntou se havia alguém contra, a minha mãe falou… Eu só olhei assim (expressão de pasmo) para ela… Pronto…”

Marta e o marido alugaram uma casa no Castêlo da Maia, próxima da dos pais da primeira, para fazerem vida de casal. Esta ajudante familiar recorda o seu marido como um homem boémio, em toda a acepção da palavra:

“Pronto, o pai da minha filha era emigrante… (em jeito de desabafo) Tinha muitas mulheres… Muitas mulheres, muito álcool… Jogo… E não dava…”

O casal nunca utilizou preservativo nas trocas sexuais, porque o marido se opunha categoricamente ao uso desse método contraceptivo. Não obstante, Marta tinha o desejo de engravidar.

Em Janeiro do 1991, o casal entrou em ruptura, em razão de uma agressão física do marido contra Marta. Já grávida, esta mulher abandonou a habitação que compartilhava com o marido e regressou a casa dos pais. No mês de Abril desse mesmo ano, nasceu a sua filha.

Foi também em 1991 que a empresa de construção civil em que trabalhava como secretária de administração faliu. Prontamente, Marta logrou nova ocupação

Capítulo V – O VIH em mulheres infectadas pela via sexual

profissional, em concreto, como promotora da empresa de sabonetes Ach Brito em que trabalhava a sua mãe. Mais uma vez, de forma ilícita, teve acesso ao subsídio de desemprego por um período de dezoito meses. Enquanto promotora da empresa de sabonetes Ach Brito, trabalhava de 2ª a 6ª Feira, cerca de 8 horas por dia (entrava às 8 horas e saía às 17, dispondo de uma hora de pausa para almoçar). O seu salário mensal era de 115 contos. Quatro meses depois de se ter estreado como promotora na Ach Brito, a actual utente da Abraço/Delegação Norte mudou de cargo por opção do seu chefe, assumindo as funções de repositora. Apesar da mudança de cargo (que a obrigava a deslocações contínuas por vários armazéns da Área Metropolitana do Porto), manteve as mesmas horas de trabalho semanais (embora pudesse ter que trabalhar ao fim-de-semana, rotativamente) e o mesmo salário. Volvidos quatro meses, foi promovida a vendedora da empresa Ach Brito. Como vendedora, trabalhava de 2ª a 6ª Feira com um horário flexível (contudo, podia acumular até 12 horas de trabalho por dia) e ganhava um salário de 155 contos, mais as comissões. Num primeiro momento, os dois primeiros dias de trabalho eram consagrados a visitar os clientes que a Ach Brito tinha na Área Metropolitana do Porto e os três dias que restavam destinavam-se a abordar os clientes da cidade de Lisboa. Depois, Marta passou a viajar por períodos de cinco dias, também, para o Algarve e para a Madeira como vendedora da empresa. Foi justamente numa viagem feita à ilha da Madeira que obteve a sua maior taxa de lucro através das comissões:

“Olhe, eu posso-lhe dizer que numa viagem que fiz à Madeira, que essa é a que está mais presente, eu tirei o ordenado de 155 (contos), mais as despesas todas, mais 678 contos de venda de sabonetes…”

Após o nascimento da filha, em Abril de 1991, esta mulher adoptou um estilo de vida muito ponderado, de modo a garantir a tutela da criança:

“Até aos 2 anos da minha filha, eu mal saí de casa… Só saía para tirar e arrumar o carro… E se saía para ir ao café da esquina, só ia com os meus irmãos, ou com um ou com outro… Mesmo com os colegas de trabalho, eu não saía… Porquê? Porque tinha divórcio à perna e tinha a paternidade da minha filha, não é?... E o meu medo foi sempre perder a única coisa que me dava alento, que era a minha filha…”

Em Abril de 1993, Marta encontrou-se, por acaso, com um antigo colega de escola do Castêlo da Maia com quem havia mantido sempre o contacto. Poucos meses depois assumiram um namoro e arrendaram um apartamento T-0 na Maia para viverem em conjunto. No decorrer de um ano de namoro, o método contraceptivo utilizado pelo casal foi a pílula feminina. Em certo momento do namoro, esta ajudante familiar começou a desconfiar da conduta invulgar do seu companheiro:

“Hum, ele tinha um comportamento estranho… Porque, é assim, ele bebia, mas, não bebia muito… E eu achava muito estranho os olhos tão vermelhos… Pronto, mas nunca o vi fazer nada, percebe?... Portanto, para mim, era muito estranho… (…) Porque eu olhava para ele e, para mim, era muito estranho que ele com uma cerveja ou duas e com um brandy, ou lá o que é que era aquilo, ficasse tão acelerado… Acelerado, quer dizer, não era acelerado na questão de correr… Era acelerado no olhar e nos repentes… Na violência… Eu achava muito estranho… E eu achava que não era normal aquelas saídas repentinas… E quando ele voltava, vinha (leva o dedo indicador da mão direita aos lábios) pastoso, não é?... E aquele olhar muito fixo, muito parado… E, de repente, fechava o olho e tal… Bem, eu confrontava-o, mas ele dizia: “Fui tomar um café com este ou com aquele”… E não sei quê, e não sei que mais… Pronto, e um dia (hesitante)… Eu não tinha cama, tinha um colchão no chão… E um dia ao fazer a cama, quando levanto o colchão para meter os lençóis, quer dizer, caiu o mundo… Tinha seringas…”

O namorado da protagonista desta história de vida argumentou que as seringas não eram propriedade sua. Algum tempo depois, Marta encontrou mais seringas escondidas num dos inúmeros pares de botas que tinha. Pela segunda vez, o seu namorado alegou que tais seringas não lhe pertenciam. Seria, finalmente, depois de um regresso antecipado de uma viagem de trabalho ao Algarve pela empresa Ach Brito, que esta mulher constatou “in loco” que o seu namorado era heroinómano:

“Há uma parte em que a empresa me passa para as vendas, mas no Algarve… E eu passava uma semana inteira fora de casa… E eu nunca deixei a minha filha sozinha com ele, depois de ver o que vi, não é?... E, depois, como eu não estava em casa, também não fazia sentido a minha filha ficar com ele sozinha, não é?... A miúda tinha 3 anos, 3 anos e pico… A minha filha ficava

Capítulo V – O VIH em mulheres infectadas pela via sexual

sempre na minha mãe e só vinha comigo ao fim-de-semana, mas eu estava presente… Portanto, eu nunca vi nada, nunca suspeitei de nada e sou confrontada assim de repente, não é?... Hum, um dia quando cheguei a casa do trabalho (hesitante)… Faço uma viagem ao Algarve e chego mais cedo do que era costume… E quando meto a chave à porta estavam na minha sala quatro gajos a espetar… Escusado será dizer que levei um arraial de porrada que até andei de lado, não é?... Levei porque a minha reacção foi quando vi que estavam todos a (hesitante)… Eu agora sei esses termos todos, não é, mas, na altura, não sabia, não é?... Se estavam todos a “caldar” ali, eu entro e sou confrontada com quatro gajos que eu não conheço, mais o meu, não é?... Tudo ali na mesma tampinha, não é?... Eu só tive uma reacção, foi espetar um pontapé à mesa… E voou tudo…”

Nesse mesmo dia, Marta abandonou o apartamento T-0 que partilhava com o namorado heroinómano e regressou, provisoriamente, a casa dos pais.

Esta mulher está plenamente convicta de que foi o seu namorado heroinómano que lhe transmitiu o VIH. De facto, até iniciar a relação com o mencionado indivíduo no ano de 1993, tivera apenas dois parceiros sexuais, o segundo namorado e o seu marido, sendo que a filha que teve com este último nasceu absolutamente saudável. Porém, foi só em meados de 2000, momento em que foi internada com uma pneumonia por

“Pneumocystis carinii”, que tomou conhecimento do contágio pelo VIH. No período

compreendido entre meados de 1993, provavelmente, e meados de 2000, não patenteou qualquer indício clínico:

“Nunca tive sintomas de nada e sempre que fazia análises estava sempre tudo muito bem… Portanto, à partida…”

Após romper a relação com o namorado heroinómano, Marta alugou um apartamento T-0 na Prelada, na cidade do Porto. Dadas as deslocações que tinha que realizar em trabalho pela Ach Brito, a sua filha ficava com os pais e a avó materna (o avô materno faleceu em 1991) durante a semana e passava o fim-de-semana consigo.

No ano de 1995, houve uma reestruturação nos recursos humanos da empresa Ach Brito. Marta e muitos colegas foram despedidos, nessa altura. No departamento de vendas da Ach Brito ficaram, apenas, um indivíduo que trabalhava há mais de cinquenta anos na empresa e um jovem de 23 anos.

Dois meses depois do despedimento, esta mulher empregou-se no Feira Nova da Póvoa do Varzim, como repositora. Nesta ocupação, trabalhava seis dias por semana (tinha uma folga rotativa) das 7 horas até às 22 (dispunha de meia hora de pausa para o pequeno almoço, duas horas para o almoço, meia hora para descanso cerca das 15 horas, e uma hora para o jantar). O salário mensal rondava os 200 contos.

Marta permaneceu seis meses no Feira Nova da Póvoa do Varzim, porque, entretanto, havia pedido transferência para o Carrefour de Vila Nova de Gaia. Por esta altura, voltou a viver com os pais e a avó materna no Castêlo da Maia, na medida em que deixara de suportar a despesa do aluguer do T-0 da Prelada. No Carrefour, conservou as funções de repositora, mantendo um horário de 11 horas diárias, mas gozando mais uma folga por semana. O salário mensal continuou a cifrar-se nos 200 contos.

Neste hipermercado, estabeleceu amizade com um colega de trabalho, chamado André, com quem começou a ir tomar café regularmente. No início de 1997, iniciaram um namoro e, pouco tempo depois, passaram a viver juntos num apartamento que adquiriram em Vila Nova de Gaia.

Entre o fim do namoro com o indivíduo heroinómano, em 1994, e o princípio do namoro com André, em 1997, Marta absteve-se sexualmente. No decorrer dos três anos iniciais do namoro com André, as relações sexuais ocorreram de forma desprotegida, dado que a seropositividade de Marta era ignorada à data. O método contraceptivo utilizado pelo casal foi o coito interrompido.

No início do ano de 2000, esta mulher abandonou o grupo Carrefour. O motivo da saída prendeu-se com a obrigatoriedade de assinar um contrato de trabalho e realizar descontos para a Segurança Social, algo que não lhe interessava, de todo. Frise-se que até ao princípio do ano de 2000, ainda que sempre ligada ao grupo Carrefour, Marta cobriu algumas ausências de colegas grávidas ou doentes em estabelecimentos como o Jumbo do Arrábida Shopping, em Vila Nova de Gaia (cerca de quatro meses), ou o Feira Nova, em Aveiro (cerca de um mês).

Também no começo do ano de 2000, a actual utente da Abraço/Delegação Norte foi internada de urgência para uma operação ao apêndice. Regressada a casa depois da intervenção cirúrgica, teve febre prolongada e começou a revelar dificuldade em respirar e mover-se dia após dia. Quando a situação se tornou insustentável, André, o seu companheiro, levou-a ao Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, a conselho dos seus pais, os sogros de Marta. O internamento teve lugar a 5 de Março de 2000:

Capítulo V – O VIH em mulheres infectadas pela via sexual

“E nessa altura, eu estive dezanove dias a oxigénio… Foi uma “Pneumocystis carinii”… Chamaram os meus sogros… Não lhes disseram o que era, porque eu (hesitante)… Na altura, também não se sabia ainda… Perguntaram-me sempre se eu tinha tido comportamentos de risco, se eu tinha partilha de agulhas, se eu não sei quê… Mas, quer dizer, para mim, na altura, os comportamento de risco… Eu não associei ao risco que eu podia ter corrido com a outra pessoa, não é?… Portanto, quando me perguntaram se eu me prostituía, se eu tinha tido comportamentos de risco com partilha de seringas e não sei quê, portanto, eu disse que não… No meu relatório médico, diz que eu fui mentirosa, que eu menti… Eu não menti… Eu entendi foi a pergunta ao contrário, não é?… Porquê? Porque não me foi posta a pergunta (eleva o tom de voz e exprime-se com alguma aspereza): “Olha, tu tiveste algum relacionamento com uma pessoa que se drogava?”… Aí, era ao contrário… Agora (eleva o tom de voz, de novo, e exprime-se com alguma aspereza): “Tiveste algum comportamento de risco? Olha, foste prostituta? Olha, partilhaste seringas?”… Quer dizer, na altura, não foi isso que eu entendi, percebe?… Portanto, foi isso que aconteceu… E eu só soube (hesitante)… (…) Depois, quando me fizeram uma broncoscopia (hesitante)… Fizeram-me análises e testes a tudo e mais alguma coisa e não se sabia o que é que era… E, depois , a última análise que faltava era a do HIV… Pronto… E aí sou confrontada com médica a dizer-me: “Já sei o que é que tu tens… Vamos falar?”… (reproduzindo a sua resposta à medica) “Vamos”…