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MARXISMO E A EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

CAPÍTULO II – A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA PERSPECTIVA

2.5 MARXISMO E A EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A interpretação do movimento da epistemologia da prática sobre a cisão entre teoria e prática nos lembra a analogia de Marx (2010, p. 80) de que: “[...] o teólogo explica a origem do mal pelo pecado original (Sündenfall), isto é, supõe como um fato dado e acabado, na forma da história, o que deve explicar”. Consideramos que o movimento da epistemologia da prática compreende a dicotomia teoria e prática não em seu contexto sócio-histórico. Sendo assim, não compreende que a perspectiva de formação da racionalidade técnica não é a causa, e sim mais uma forma de manifestação e de reprodução do problema.

No início do seu livro Educando o profissional reflexivo (2000), Schön faz a seguinte menção à racionalidade técnica dos cursos de formação profissionalizante, utilizando o pensamento de Shils:

A racionalidade técnica é uma epistemologia da prática derivada da filosofia positivista, construída nas próprias fundações da universidade moderna, dedicada a pesquisa (Shils, 1978). A racionalidade técnica diz que os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrucionais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos. Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico (SCHÖN, 2000, p. 15).

Parafraseando Schön, poderíamos também dizer que a racionalidade “intuitiva” (do conhecimento tático) é uma nova epistemologia da prática derivada da filosofia pragmática, construída nas próprias fundações da universidade moderna e reafirmada pelo pensamento pós-moderno da universidade contemporânea. A racionalidade intuitiva diz que os professores são aqueles que solucionam problemas da prática pedagógica cotidiana, criando os meios mais apropriados para propósitos específicos. Professores reflexivos solucionam problemas da prática imediata, por meio da aplicação do seu conhecimento tácito, derivado do seu repertório de experiência.

Vale lembrar que, na discussão contemporânea sobre os saberes docentes, apesar de realçar a existência de saberes plurais que viriam de fontes variadas, tais saberes não são colocados em pé de igualdade, mas hierarquizados segundo o critério de utilidade no ensino (TARDIF, 2008).

Na crítica à formação de profissionais sob a orientação da pedagogia tecnicista, o movimento da epistemologia da prática acaba defendendo, também, uma formação pautada na mesma lógica: a da instrumentalidade e da utilidade. Só que os meios e os procedimentos, agora, são elaborados de forma mais singular, pelo próprio professor. Não pretendemos aqui desconsiderar que os professores criam estratégias de organização singulares, baseadas em suas experiências e intuição, a partir de contextos específicos de trabalhos e que precisam se esforçar e intervir, de modo emergencial, em sua prática pedagógica. Discordamos que essa autoria do professor seja baseada apenas em conhecimentos intuitivos originários do senso comum e orientados para prática pedagógica imediata. A formação docente não pode ficar refém de conhecimentos utilizados em seu contexto de trabalho. Tanto a formação baseada na racionalidade técnica clássica (para cada problema, uma única solução) quanto a formação pautada na “nova” epistemologia da prática não vêem o professor da educação básica como um profissional que necessite de uma formação ampla. Ambas as perspectivas de formação reduzem a atividade do professor ao saber fazer. A reflexão requerida na ação do professor é aquela que está diretamente relacionada com sua prática pedagógica imediata.

Marx (2010) nos auxilia a pensar sobre a necessidade de uma formação docente mais ampla, mais rica, que não fique presa à reflexão de situações-problema de uma prática imediata; empobrecendo uma formação que a cada dia se afasta da dimensão do humano para se prender às necessidades do mercado.

O homem carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar do mineral; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural (MARX, 2010, p. 110).

Conforme definição da Anfope26 e do Forumdir27 (2001, s/p), a epistemologia da prática prepara o profissional para ser

[...] aquele que faz, mas não conhece os fundamentos do fazer, que se restringe ao microuniverso escolar, esquecendo toda a relação com a realidade macro, que em última instância influencia a escola, e é por ela influenciada. Aquele profissional que fica centrado só no universo escolar, no projeto pedagógico, nas metodologias, no processo de aprendizagem, sem fazer relação dessa realidade escolar com suas raízes históricas e sociais.

Isso fica evidente ao analisarmos a metáfora elaborada por Schön que, ao fazer a crítica à pesquisa da ciência positivista e à racionalidade que a constitui, esclarece a concepção do que seria o profissional reflexivo e qual a concepção de pesquisa preconizada em sua proposta da epistemologia da prática:

Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisas. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam as soluções técnicas. A ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da sociedade, ainda que seu interesse técnico possa ser muito grande, enquanto no pântano estão os problemas de interesse humano. O profissional deve fazer suas escolhas. Ele permanecerá no alto, onde pode resolver problemas relativamente pouco importantes, de acordo com padrões de rigor estabelecidos, ou descerá ao pântano dos problemas importantes e da investigação não-rigorosa? (SCHÖN, 2000, p. 15).

O autor refere-se à dimensão cotidiana da prática pedagógica como se fosse a região pantanosa, uma região marcada por imprevisibilidades, incertezas e singularidades. Schön critica a produção de conhecimento científico relacionada com a educação, como interessada apenas em resolver problemas fúteis, pois os problemas realmente importantes da prática pedagógica estariam concentrados numa área pouco explorada. Ao pôr em xeque certo tipo de formação e pesquisa, ao mesmo tempo, o autor explicita os fundamentos teórico-filosóficos de sua proposta, desvalorizando o conhecimento científico e o não rigor da pesquisa na prática cotidiana.

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Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação.

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Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centro de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras.

Equivoca-se o movimento da epistemologia da prática ao situar ou creditar o problema da relação teoria e prática ao positivismo. Como entende Silva (2011, p. 131),

[...] não apenas é uma simplificação e uma redução dessa problemática, mas também revela uma falsa compreensão do desenvolvimento histórico, filosófico e social dos homens. Com efeito, a história social do pensamento humano conta que a separação entre teoria e prática é anterior ao positivismo e que há séculos o homem se depara com essa questão, a qual, por sua vez, não se resolve, mas vem sendo desenvolvida historicamente.

A metáfora de Schön expõe as contradições que são o cerne do debate de suas proposições. O grande perigo dessa proposta, como já pontuamos, está na defesa de uma formação profissional pautada não em conhecimentos mais desenvolvidos, mas em conhecimentos presos à esfera da vida cotidiana. A utilidade seria o critério de verdade. Assim nos questionamos: será que uma formação de professores pautada numa sólida formação teórica, tendo como base os conhecimentos produzidos na esfera da vida não cotidiana, não permitiria ao professor maior autonomia para intervir sobre a sua realidade? Uma formação tendo como base os conhecimentos decorrentes da produção científica, artística e filosófica imobilizaria os professores? Ao professor só caberia o saber fazer? Mas isso não aumentaria ainda mais a cisão entre teoria e prática? Conhecimentos que venham explicar ou pôr em xeque o vivido são prejudiciais à formação do professor na nossa sociedade?

Em geral, essa propositura (epistemologia da prática) parte de uma crítica necessária à pesquisa de cunho positivista, mas dá a entender que só existe esse tipo de investigação no âmbito acadêmico. Ela também insinua que ao professor da educação básica caberia, por exemplo, eleger o interior da sua aula como objeto de pesquisa, isto é, pesquisar sua própria prática (autoestudo),28 enfoques determinados (como a pesquisa-ação),29 horizontes epistemológicos específicos (que valorizam o senso comum) ou uma finalidade definida voltada para a intervenção profissional direta e a produção de tecnologias.

Como já mencionado, independentemente do grau de elaboração e complexidade, produzimos conhecimentos em todas as esferas do viver humano; o conhecimento cotidiano, espontâneo e tácito é tão conhecimento como o não cotidiano. Contudo, a pesquisa se situa no âmbito do conhecimento sistematizado e, nesse sentido, não diz respeito à produção de qualquer conhecimento. Seu ponto de partida são os dilemas e desafios do viver cotidiano. Nesse caso, dilemas e desafios oriundos do modo de viver de uma época, de um determinado grupo ou

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Conferir o texto de Cruz (2003) como exemplo.

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contexto. Pode também envolver os dilemas e desafios de um sujeito empírico específico em uma situação também particular, mas não se resume a essa dimensão. Desse modo, o viver cotidiano que fomenta a construção do conhecimento sistematizado pode ser peculiar de um sujeito ou pode ser compartilhado por vários sujeitos como uma questão comum àquele momento histórico.

A pesquisa é um empreendimento teórico cuja fonte está na vida cotidiana, mas, ao mesmo tempo, precisa se distanciar desse cotidiano, suspender-se dele e de sua imediaticidade. Se permanecer atado às demandas emergenciais, o pesquisador não consegue colocar em xeque e sob suspeita o vivido imediato, seja para afirmá-lo, seja para contestá-lo. Nesse sentido, por exemplo, é importante distinguir o momento de ensino da ocasião pesquisa sobre uma situação de ensino,30 assim como se torna inapropriado falar de pesquisa no cotidiano ou sustentar, como faz Betti (2005, s/p), baseado em Elliot, que “[...] a pesquisa não deve separar-se da prática; a prática mesma é a forma de investigação”.

A concepção de pesquisa aqui sugerida é ampla e não busca definir a priori o objeto da pesquisa e o sujeito pesquisador, por exemplo. Sob essa ótica, não nos parece um bom caminho distinguir a pesquisa que realiza o acadêmico e o professor da educação básica, como sugere a proposta de uma pesquisa “híbrida” ou de uma colaboração entre acadêmicos e professores (cf. LÜDKE; CRUZ, 2005).

Por certo, o professor da educação básica pode optar por fazer uma pesquisa da prática pedagógica e, assim fazendo, terá que enfrentar, para além de um mero relato de experiência, o desafio de articular o estudo de seu contexto singular com a prática social – extrair da experiência docente pesquisada impactos teóricos e práticos mais amplos. Ele também pode optar por realizar uma pesquisa de cunho bibliográfico a partir de uma problematização não vivenciada diretamente por ele em seu ambiente de trabalho, mas que ele reconhece como uma questão posta por seu tempo para outros sujeitos ou gerações. Por sua vez, essa pesquisa pode não ter impacto imediato em sua prática pedagógica.

Tal situação nos remete, inclusive, à outra reflexão delicada: a relação entre pesquisa e impacto social. Se, por um lado, existem orientações de pesquisa que elegem uma intervenção que mude uma situação específica de pesquisa, por outro, não é possível considerar que só

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Por mais que se possa defender a pesquisa como uma das tarefas a serem incorporadas ao trabalho do professor, não é possível identificar ensino e pesquisa, assim como não coincidem, no trabalho docente, ensino e planejamento.

esse tipo de investigação tenha a preocupação com projetos de transformação. Esse é um dos caminhos possíveis de se olhar o retorno já indicado do não cotidiano para o cotidiano. Em todo caso, é importante considerar um duplo alerta feito por Gatti (2001).31 Por um lado, tem que se considerar a inevitável porosidade existente entre a pesquisa e o âmbito das gestões e ações no sistema de ensino, pois “[...] os caminhos que medeiam essa inter-relação não são simples nem imediatos” (GATTI, 2001, p. 77). É nesse horizonte que se pode pensar que uma pesquisa isolada pode não ter impacto social ou histórico direto. A sua relação com a realidade só pode ser desvendada quando se evidenciam múltiplas mediações. Ela pode, por exemplo, se somar ao esforço teórico de muitas gerações que estudam uma determinada realidade que, em um determinado período, é periférica no campo científico, mas, por razões variadas, torna-se hegemônica em outro momento. Desse ponto de vista, seu impacto pode acontecer para além da vida daquele pesquisador individual e somado aos esforços de outros pesquisadores. A própria disseminação e apropriação das conquistas dessas pesquisas também podem ganhar filtros que dependam também de uma infinidade de outros elementos a serem considerados.

Por outro, quando se perde de vista essa porosidade,

[...] a relação pesquisa-ação-mudança parece ser encarada de maneira um tanto simplista. Ainda que se reconheçam a necessária origem social dos temas e problemas da pesquisa em educação e a necessidade de trabalhos que estejam vinculados mais especificamente a questões que no imediato são carentes de análises e proposições, uma certa cautela quanto a essa tendência deveria ser tomada. Tal abordagem, na maioria das vezes, na medida em que facilita a prevalência do aparente e do excessivamente limitado, deixa de lado questões que são as realmente fundamentais. As perguntas mais de fundo e de espectro mais amplo não são trabalhadas. O imediatismo traz também consigo um grande empobrecimento teórico (GATTI, 2001, p. 70-71).

Desse modo, o suposto esforço para superar a dicotomia teoria e prática descamba na afirmação sutil dessa dicotomia.

Longe, portanto, de reafirmar o universitário como produtor de teoria e o professor da educação básica como aplicador, deslocamos o fogo de análise. A discussão precisa perpassar pela análise das condições objetivas e subjetivas de trabalho de um e de outro, não no sentido de rivalidade, mas no intuito de reivindicar a promoção de políticas que viabilizem

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Em vários momentos desta dissertação, recorremos às pesquisa de Gatti, apesar de reconhecer que o seu posicionamento quanto à formação inicial, por vezes, reforça um horizonte mais pragmático de instrumentalização da teoria.

possibilidades dignas de trabalho e, dessa forma, propiciar aos professores da educação básica a chance de apropriação e de produção do conhecimento científico.

Como trabalho é atividade vital humana que confere o ser ao humano, poderíamos pensar o trabalho docente como a forma de conferir ao professor o seu ser. Assim como Marx dialeticamente percebeu o lado negativo do trabalho na sociedade capitalista, podemos também relacionar o trabalho docente, em sua precarização, como um trabalho alienado, em que os professores, visto as suas condições materiais e imateriais de trabalho, não se reconhecem em suas atividades.

O professor, para suprir as necessidades materiais de sua existência, trabalha em duas, até três jornadas. Seu trabalho, ao invés de humanizá-lo pelo potencial de criação, desumaniza-o. Um quinto de sua jornada é destinado a planejar, elaborar suas futuras ações; quatro quintos são voltados à efetivação extenuante desse planejamento em forma de aula. Assim, é requerido do professor mais ações do que ele pode idealizar. Se o que caracteriza o trabalho como atividade do gênero humano, diferenciando-o das demais espécies animais, é a sua intencionalidade, a sua consciência e o fato de vivermos em uma realidade cada vez mais complexa, poderíamos, então, apontar que, quando não é oferecido ao professor o tempo de reflexão necessário para analisar sua prática, o tempo e as condições para que juntamente com outras apropriações ele possa idealizar a sua ação, ampliar a sua consciência, estaria aí, nas suas condições de trabalho,32 um dos obstáculos à articulação entre teoria e prática da atuação docente. O professor se empobrece em seu trabalho, é mutilado, é impossibilitado de se desenvolver, de apropriar-se da produção social historicamente acumulada pela humanidade para objetivar-se. A atividade que deveria ser criadora, consciente, torna-se mecanizada e repetitiva. O professor não se humaniza; ele se robotiza. Marx aborda a questão do sentido negativo do trabalho de uma forma bem subjetiva que contempla perfeitamente o sentimento do professor em relação à sua atuação, perante as suas condições de trabalho. Inúmeras são as pesquisas que vêm tratando a respeito do mal-estar docente que, dentre outras questões, aborda a repulsa, a fobia, o não prazer pelo exercício profissional:

[...] o trabalho é externo (äussserlich) ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física, e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína seu espírito. O trabalhador só sente, por conseguinte e

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A intenção não é atribuir a culpa apenas a essa questão, mas ilustrar as condições de trabalho em que atua o professor.

em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e quando trabalha não está em casa. O seu trabalho portanto não é voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso uma satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele [...]. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de autossacrifício, de mortificação (MARX, 2010, p. 83-84).

A não valorização material e imaterial do magistério na educação básica provoca um não apreço, uma não atratividade ao ingresso nessa profissão. O trabalho no magistério não se apresenta como uma atividade sedutora para um projeto de vida profissional (cf. GOIS, 2001; DINIZ-PEREIRA, 2011). Assim, passa a ser “a profissão escolhida” pelos indivíduos de renda mais baixa, acirrando ainda mais a cisão entre teoria e prática. A formação de professor tem a difícil tarefa de fornecer ao futuro docente, além dos conhecimentos associados à docência e uma formação mais ampla, a bagagem cultural que lhe foi cerceada socialmente. O conhecimento e a criatividade não são bens espontâneos que se ativam automaticamente quando o professor entra em contato com a realidade educacional. O professor não é um ser dotado de dons. Sua capacidade de atuação está diretamente relacionada com suas apropriações do acervo resultante da história humana objetivada. Por isso, a relação teoria e prática não pode ser vista como uma relação direta; ela precisa ser considerada como uma relação profundamente mediatizada.

O movimento da epistemologia da prática constrói um discurso que pretensamente tem o intuito de devolver o ser ao trabalho do professor. Porém, como devolver o ser (essência) ao trabalho do professor sem alterar as suas condições materiais e imateriais de trabalho? Contudo, fala-se em protagonismo docente, dar voz ao professor, valorizar as histórias de vida na tentativa de devolver o ser (essência) do trabalho docente, tendo em vista a reconciliação entre teoria e prática, mas limita-se o ser do indivíduo ao ser do professor alienado, e a reconciliação teoria e prática se dá na perspectiva de reduzi-la ao imediatismo da cotidianidade alienada. Equivocadamente polariza-se a discussão como se a raiz do problema estivesse no conflito entre conhecimento científico e senso comum, entre universidade e escola básica, entre professor acadêmico e professor da educação básica.

Podemos observar essa animosidade nos escritos de Tardif (2008, p. 258):

[...] se os pesquisadores universitários querem estudar os saberes profissionais da área do ensino, devem sair de seus laboratórios, sair de seus gabinetes na universidade, largar seus computadores, largar seus livros e os livros escritos por seus colegas que definem a natureza do ensino, os grandes valores educativos ou as leis da aprendizagem, e ir diretamente aos lugares onde os profissionais do ensino

trabalham, para ver como eles pensam e falam, como trabalham na sala de aula, como transformam programas escolares para torná-los efetivos, como interagem com os pais dos alunos, com seus colegas, etc.

Como na metáfora do pântano de Schön, esses autores querem chamar a atenção para o distanciamento entre as produções teóricas da universidade e as necessidades da prática cotidiana. Mas não residiria aí a possível convergência dessa perspectiva com o marxismo? A lembrança mais imediata remete à décima primeira tese marxiana sobre Feuerbach, “Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente: trata-se porém de modificá-lo”. Manacorda (2007, p. 127) nos alerta que, isoladas do contexto de pesquisa de Marx (da crítica ao idealismo hegeliano, crítica ao materialismo vulgar e o de Feuerbach), “[...] essas suas teses poderiam ser tomadas como uma definição que ficaria bem na boca de