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CAPÍTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.3. Práticas e eventos de letramento de Sofia

3.4.2 Materiais escritos e suas formas de acesso

Dados do INAF de 2005 apontam para os jovens como aqueles que, de alguma forma, estariam mais “cercados” pela cultura escrita. Segundo Galvão (2004) os mais jovens “são aqueles cujos pais possuíam um maior domínio da leitura e da escrita, tinham em casa uma maior quantidade e diversidade de materiais escritos e utilizavam com freqüência a leitura e a escrita em seu cotidiano.” (p.133). A autora destaca que além da ampliação da escolarização, fatores clássicos como a urbanização, a industrialização, a popularização do impresso e de instâncias carregadas pela sua distribuição têm contribuído para que as práticas letradas se inserissem cada vez mais nas novas gerações.

São as gerações mais novas as que conviveram com um maior número e uma maior diversidade de materiais de leitura: 97% dos jovens entre 15 e 24 anos tiveram contato com os materiais escritos citados na pesquisa. Entre os materiais escritos encontrados na residência dos entrevistados, os dados referentes aos jovens são os que apresentam um maior percentual em todos os itens em comparação com as outras faixas etárias, incluindo-se aí: calendários, álbum de família, livros religiosos, dicionários, livros didáticos, livros de literatura, livros infantis, entre outros materiais.

Em nossa pesquisa, entre os materiais escritos mapeados nas entrevistas com Sandokan percebemos a presença dos livros (acadêmicos, de literatura e de fotografia), apostilas (para o vestibular e para a faculdade), livros didáticos, revistas (de história e de fotografia), um dicionário de língua portuguesa, jornais (dois jornais tradicionais da cidade), contas referentes à casa e suas correspondências bancárias; com Sofia mapeamos a presença de livros (Bíblia, acadêmicos, romances, jornalísticos, didáticos de inglês), revistas (especializadas na área de turismo, promocionais, de passatempo e de fofocas da TV), jornal (jornal popular da cidade), dicionários, contas do cartão de crédito e correspondências bancárias; com Tyler, mapeamos a presença de livros (didáticos, romances, contos, filosóficos e acadêmicos), apostila (do colégio), fanzines, revistas (semanais de circulação nacional tal como a “Isto é” e uma revista produzida pelo Coque Vive) e contas da casa.

O acesso a estes materiais se dava de forma diferenciada. A partir do âmbito familiar, Sofia e Sandokan tinham o acesso a materiais escritos como

jornais e revistas, os quais, por sua vez, eram adquiridos por seu pai, no caso de Sandokan, e por sua avó, no caso de Sofia, através de doações, empréstimos, de direito adquirido (como é o caso da assinatura do jornal da avó de Sofia, uma vez que aquela é funcionária pública do Estado) ou de compra. É também através da rede de amizades que Tyler, em especial, como também Sofia citam situações de empréstimo de livros, revistas e fanzines.

É interessante perceber que, para os três jovens da pesquisa, a biblioteca surge como uma das formas de acesso aos materiais escritos, sobretudo aos livros. Sofia e Sandokan faziam uso de duas bibliotecas, a da faculdade e a biblioteca “Leitura nos Trilhos”, instalada até o ano de 2010 na estação central do metrô, mas que atualmente apresenta-se fechada. Já Tyler fazia uso principalmente da Biblioteca Popular do Coque.

Os usos da biblioteca eram motivados por razões tais como a busca por livros ligados às demandas da universidade ou, no caso de Tyler e Sandokan, relacionados ao vestibular, motivados por interesse pessoal em determinadas temáticas (fotografia, religião) ou, como acontecia com Tyler, por indicação de leitura de seus amigos.

Em suma, as motivações encontradas perpassavam pelo cumprimento das exigências acadêmicas, pela busca de momentos de lazer a partir da leitura e também pela busca por atualização/aprofundamento sobre assuntos de interesse dos jovens. A biblioteca restringia-se, sobretudo, a um espaço de empréstimo dos livros, pois a leitura destes era vivenciada em outros instâncias, fosse no ônibus, em casa, na escola ou na faculdade.

Segundo o INAF, apenas 13% dos jovens vão sempre às bibliotecas para retirar livros e 40% vão às vezes, 24% iam sempre para consultar livros e 37% iam às vezes e 20% iam sempre para ler e consultar revistas e jornais e 33% iam às vezes. A proporção de jovens que nunca realizavam essas três atividades eram, respectivamente, 47% que nunca retiravam livros, 39% que nunca consultavam livros e 47% que nunca liam ou consultavam jornais e revistas em bibliotecas. Embora alta a porcentagem de jovens que não faziam uso da biblioteca, a porcentagem sobre a freqüência com que fazem algum uso dessa instituição nessa faixa é a maior entre as outras faixas etárias, indicando que, no Brasil, são ainda os jovens que fazem um uso mais intenso das bibliotecas.

Entre os jovens da pesquisa, o acesso através das bibliotecas aos materiais escritos relativos ao domínio da educação reforça a relação entre o uso da biblioteca entre os jovens e as práticas de letramento nele vivenciada. Esta relação vem sendo reafirmada em dados do INAF e do Retratos da Leitura no Brasil

[Sobre os resultados do Retratos da Leitura no Brasil] O uso da biblioteca pública parece também feito em função da escola: sua freqüência é maior nas faixas etárias de 5 a 17 anos, e tem como objetivos principais pesquisar e estudar. E com relação à freqüência da leitura de diferentes tipos de livros, os didáticos e universitários são os únicos lidos mais freqüentemente (68%) do que ocasionalmente (32%). (CUNHA, 2008, p.55 )

[Sobre os resultados do INAF] A freqüência a bibliotecas é maior entre jovens de quinze e vinte e cinco anos, e entre os mais escolarizados, o que sugere que essa seja uma prática essencialmente escolar. (BRITTO, 2004, p. 57)

É importante enfatizar, no entanto, que a biblioteca surge entre os jovens como uma das principais formas de acesso aos materiais escritos cuja natureza extrapolava o escopo da educação formal. Assim, é a partir da biblioteca que Sandokan tem acesso ao livro sobre a história da fotografia, onde Sofia faz empréstimo dos livros de literatura e onde Tyler busca por livros que permitam a ele refletir sobre as suas experiências. Ao lado das redes sociais em que os jovens estão envolvidos, que também dão suporte ao acesso a materiais escritos, as bibliotecas cumprem um papel bastante relevante já que a compra de materiais entre os jovens é bastante limitada.

Isto reforça a importância da criação e, principalmente, da manutenção de um acervo diversificado das bibliotecas públicas e\ou comunitárias para que os jovens de meios populares que tenham a leitura e a escrita como parte de suas ações, possam ter acesso aos materiais escritos, sejam livros, revistas ou jornais, entre outros impressos de seu interesse.

Notamos ainda que a internet tem sido utilizada como estratégia de acesso a textos de interesse dos jovens, de divulgação de conteúdos produzidos por eles (como é o caso de Sandokan, ao publicar as suas fotos no Flickr, e Sofia ao divulgar textos que lhe chamam a atenção) e de interação, quando participam de redes sociais e usam ferramentas como o email. Isto se revela principalmente nos

dados de Sofia e Sandokan, os quais já utilizam a internet como parte do seu cotidiano há mais de três anos: Sofia, em sua própria residência ou na casa de sua tia, e Sandokan através das lan houses encontradas na comunidade. Já Tyler fazia uso de forma indireta, quando ia à casa de Procópio e, com ele, acessava a internet, ou quando ia ao NEIMFA, utilizando-a, sobretudo, para ter acesso a conteúdos de seu interesse: vídeos, textos e músicas.

Pesquisas como a de Di Nucci (2002), sobre as práticas de letramento de jovens do ensino médio de uma escola pública de Campinas, como também a de Aurora Neta (2008) sobre a relação dos jovens com a leitura, trazem dados similares quando indicam que a internet tem sido utilizada pelos jovens na busca por assuntos de interesse pessoal, para a realização dos trabalhos escolares e para a interação através da troca de emails e dos canais de bate papo.

Segundo os dados do Retratos da Leitura no Brasil, são os jovens de 14 e 25 anos os que mais fazem uso da internet para ter acesso a livros digitais, o que aponta como a juventude tem se apropriado da internet como forma de ter acesso aos textos. É importante ressaltar, no entanto, que se por um lado os jovens se identificam com as (novas) tecnologias e ao acesso a esse tipo letramento, ter um computador em casa e o acesso à internet é ainda um privilégio de poucos.

Como sabemos, fazer uso da internet requer um investimento financeiro para tê-la na própria residência (o que implica também a posse de um computador), ou requer investimentos esporádicos para o seu uso em lan houses, o que indica como questões socioeconômicas influenciam fortemente no acesso a essa tecnologia. Esse dado é agravado especificamente pelo fato de que espaços públicos, como escolas e bibliotecas, ofereçam um acesso precário a computadores e à internet. De acordo com os dados do Retratos da Leitura no Brasil é raro o uso da internet em espaços como as bibliotecas (1%), escolas (3%) como também no ambiente de trabalho (5%).

Soares (2002), citando Chartier, destaca que o texto em uma tela pode ser visto como uma revolução do espaço da escrita, o qual condiciona e altera a relação que o leitor tem com o texto, com as formas de ler e escrever e até mesmo os processos cognitivos envolvidos nesse processo. Nesse sentido, ressaltamos também que ter o acesso à internet não é garantia de uso, pois participar do letramento digital implica se familiarizar com o computador como também novas

formas de acessar, transformar e se relacionar com as informações. Faz-se necessário ampliar os espaços de acesso bem como incentivar e promover a familiarização com esse tipo de letramento.