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O valor e o exercício da escrita: escrever para a universidade

CAPÍTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.3. Práticas e eventos de letramento de Sofia

3.3.2 O valor e o exercício da escrita: escrever para a universidade

No período das entrevistas, entre os meses de março e começo de maio, Sofia cursava o quinto período do curso de Turismo. Nos dois meses que a acompanhamos, mapeamos que, nesse domínio, Sofia produziu resumos, relatórios, provas, resenhas, projetos, fez a leitura de textos para as aulas, realizou anotações, entre outros eventos típicos do espaço acadêmico. Dentre os eventos mapeados, percebemos a produção intensa de resumos e resenhas, principalmente para as disciplinas Técnicas de Comunicação Publicitária e Seminários Avançados 1: Filosofia e Antropologia. Para a primeira disciplina, Sofia

produzia uma resenha para cada capítulo do livro trabalhado, o que resultou em 10 resenhas. Para a segunda, produzia resumos dos assuntos trabalhados nos seminários semanais, com temáticas tais como “O que é ciência”, “Aspectos da filosofia contemporânea”, “Períodos da filosofia grega”, “O surgimento da Filosofia”, “Linguagem”, resultando em 20 resumos. A imagem abaixo ilustra um dos resumos produzidos por Sofia. Estes possuíam de uma a duas páginas, e eram normalmente produzidos no ambiente doméstico, em seu computador.

A produção dos resumos e das resenhas eram precedidas da leitura de trechos de dois livros indicados pela professora (os quais foram emprestados por jovens universitários do NEIMFA), como também de anotações que costumava fazer durante as aulas. As anotações eram utilizadas principalmente para direcionar a consulta que fazia aos livros indicados pela professora: algumas vezes consultava apenas os tópicos trazidos na aula, fazendo uma leitura mais direcionada; já outras, lia os textos por inteiro, para depois pensar em como relacioná-lo com as anotações.

Figura. 14 : Resenha produzida por Sofia

As atividades de produção de resenha e resumos eram vistas por Sofia de forma positiva, como meio de aperfeiçoamento dos seus conhecimentos, bem como da própria atividade de escrita. O trecho abaixo ilustra como ela se relacionava com a produção desses textos:

É como se eu tivesse me renovando, adquirindo mais conhecimento, porque às vezes certas disciplinas na universidade não exigem, não exigem escrita, entendeu? Tipo, estatística não exige que você leia, e eu gosto de ler, gosto de escrever. Nesse período tem sido muito significante a escrita pra mim porque..., justamente por isso, eu tava sentindo falta disso, acho que no período passado eu não me dediquei tanto a essa questão da escrita e agora eu to vendo que tô tendo algumas dificuldades pra escrever justamente por conta do tempo que eu passei sem escrever, sem fazer resenha, sem fazer resumo.

As dificuldades mencionadas por Sofia diziam respeito, normalmente, aos cuidados necessários de adequação às características dos gêneros textuais, em especial, à resenha e ao resumo, como também a aspectos gramaticais. Ela atribui essa dificuldade ao tempo que passou sem produzir textos desse tipo e ressalta que aprendeu a redigí-los no início do curso.

Dentre outros eventos de letramento gerados a partir desse domínio, podemos citar também aqueles motivados por uma viagem à cidade de Penedo, em Alagoas. Pretendia-se com a viagem conhecer a relação das pessoas com o patrimônio cultural e histórico, o que deveria ser analisado a partir da construção de um projeto de pesquisa e seu relatório final. Para isso, Sofia, junto ao seu grupo, elaborou um pré-projeto e questionários a serem aplicados junto à população.

Dessa forma, a viagem mobilizou não só leituras, individuais e em grupo, de textos para a produção do pré-projeto, como também a elaboração de um questionário, anotações durante a viagem e, por fim, a escrita final do relatório da pesquisa, com base na leitura dos materiais escritos citados acima, como também em livros e textos encontrados na internet.

Ao comentar sobre a viagem, Sofia ressalta como era importante, para ela, poder conhecer e conversar com pessoas de outros lugares. Lembra-se, assim, que quando elaborou o questionário com o seu grupo, fez questão, por exemplo, de priorizar perguntas abertas para permitir que as pessoas falassem mais; e que, durante as entrevistas, gostava de anotar em seu caderno tudo aquilo que considerava interessante, independente de fazer parte da pesquisa.

Segundo ela, a prática de fazer anotações é muito recorrente e surge, principalmente, como auxílio à memória, como registro e como estratégia de aprendizagem. À exemplo desta última função, relata, por exemplo, que nas disciplinas da faculdade nas quais não se considera “autodidata”, a escrita reforça

a importância de estar atenta às informações da aula. O trecho abaixo ilustra as funções atribuídas a esta prática na vida de Sofia:

Sei lá, é como se eu tivesse escrevendo, aquilo vai marcar, porque quando eu escrevo, eu vou repassando. Às vezes eu tenho um caderno antigo, aí eu pego e tem umas coisas legais que tão escritas, aí eu não jogo fora, e seu quiser jogar fora eu vou passar pra outro caderno, pra outro lugar, sei lá, eu vou procurar alguma forma de guardar. E eu acho que quando eu escrevo eu sinto isso... que é também como se eu tivesse deixando registrado, entendeu?

Ainda quando fala sobre os eventos de letramento em que esteve envolvida diante da demanda proposta pela viagem à Penedo, Sofia fala da importância, para ela, de voltar a exercitar a escrita

Essa disciplina tá exigindo bastante isso, esse pré-projeto por exemplo, que eu tô fazendo pra fazer esse trabalho lá em PENEDO tá exigindo bastante a escrita, aí a gente fez esse pré-projeto e a professora corrigiu e quando a gente foi ver tinha muito muito... não erro gramatical, mas tinhas coisas que não... concordância, tipo, pensamentos que não tavam de acordo e a gente teve que refazer tudo, antes de vir pra casa eu tava reescrevendo o pré-projeto, aí tem sido bastante interessante, e eu tô sentindo que eu tô me reaproximando da escrita.

No que se refere ao âmbito da universidade, mapeamos ainda que o interesse de Sofia pelo seu curso motivou o empréstimo de uma revista no curso de inglês com uma matéria sobre o tema (imagem abaixo). Na entrevista, Sofia relata que as revistas publicadas na sua área são normalmente caras, e ao ser questionada sobre como fazia para ter acesso a materiais escritos que versavam sobre o turismo, afirma que costumava ir aos eventos da área, pois dessa forma conseguia revistas gratuitamente: “Eu gosto de ir pros eventos porque a gente ganha de graça, né. Ano passado eu ganhava muito, pô, esse ano eu não fui pra nada ainda, mas tem um congresso pra turismo especial, eu tô pensando em ir”.

Figura 15: Revista emprestada no curso de inglês

Por fim, no que se refere às formas de acesso a materiais escritos relativos ao universo da faculdade, percebemos que Sofia fazia empréstimos de livros na biblioteca, xerocava textos, chegou a comprar um dos livros trabalhados durante o semestre e utilizou a internet para buscar textos complementares. Mais uma vez a internet surge como parte das estratégias de acesso a materiais escritos de interesse dos jovens.