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CAPÍTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.3. Práticas e eventos de letramento de Sofia

3.4.1 Os eventos de letramento vivenciados e seus domínios

3.4.1.1 Sobre o domínio educativo

Como já explicitado, no período da coleta de dados, Sandokan cursava a faculdade e um cursinho pré-vestibular; Sofia cursava a faculdade e um curso de Inglês e Tyler cursava o segundo ano do ensino médio e participava de formações de caráter educativo esporádicas com os seus amigos. Ao olharmos os dados apresentados na seção anterior sobre os eventos de letramento referentes a este domínio, algumas questões nos chamam a atenção.

A primeira delas é a percepção de que o universo acadêmico é aquele que insere os jovens, Sandokan e Sofia, em eventos de letramento de forma mais sistemática, e que estes acabavam também por gerar outras participações no mundo da escrita, tais como o uso da internet e idas à livraria, à banca de revistas e às bibliotecas.

Estes eventos apresentavam diferentes funções, tais como obter informações para a realização das atividades (envio de emails, principalmente), auxílio à memória (uso da agenda) e obtenção de conhecimentos complementares (busca de textos em livros da biblioteca, retirada de Xerox, buscas de textos na internet). Ao lado da escola que tradicionalmente tem sido referenciada como uma forte agência de letramento, a faculdade, pertencente à mesma esfera de atividade, também revela esse mesmo status.

Não nos parece precipitado afirmar que as instituições educativas tenham a leitura e a escrita como práticas essenciais à natureza dos seus objetivos, o que explica a forma como essas atividades são promotoras de eventos de letramento. O relatório de 2009 do INAF ressalta, por exemplo, que desde sua primeira edição, em 2001, existia uma correlação confirmada nos dados da pesquisa de que “a escolarização seria, de fato, o principal fator de promoção das habilidades de alfabetismo da população. Isto sugere o papel das instituições educacionais enquanto fortes agências de letramento.

Batista e Ribeiro (2004), em uma análise exploratória da distribuição do acesso à cultura escrita no Brasil e de seus principais condicionantes, destacam

como o acesso mais prolongado à educação básica se apresenta como um fator importante na diminuição das desigualdades no acesso à escrita. Como demonstram os autores, à medida que são comparados os grupos com níveis de escolaridade semelhante, as diferenças entre áreas geográficas e subgrupos sociais acaba por ser atenuada. Os autores demonstram, inclusive, que quando comparados os grupos com níveis de escolaridade semelhantes em IDH distintos, o percentual permanece dentro do mesmo patamar, como podemos ver no trecho a seguir: “[...] tomando apenas a população com oito a dez anos de estudo, o percentual dos que atingem o nível 3 se situa em torno de 40%, seja qual for o IDH [...]” (BATISTA; RIBEIRO, 2005, p. 103).

Os autores ressalvam, no entanto, que a relação positiva entre escolaridade e nível de alfabetismo tende a se mostrar limitada uma vez que há uma quantidade significativamente grande de indivíduos que finalizam o ensino médio e não atinge o nível de letramento esperado para esta série. Os autores destacam que fatores ligados à diferenciação da experiência escolar, ou seja, à forma como os alunos se relacionam com a instituição escolar e, por conseguinte, com os usos da leitura e escrita nela realizados, e à forma com que a instituição acaba lidando com esses modos diferenciados de engajamento são questões que podem ajudar na compreensão dessa relação não-linear entre escolarização e letramento.

O que podemos perceber a partir dos dados da pesquisa é a forma sistemática como as instituições trabalham com o saber escolarizado ou acadêmico por meio de um conjunto de eventos de letramento, os quais, por sua vez, acabam por promover outros eventos, ao ponto de entrecruzar práticas de letramento motivadas por domínios diversos. Mas para além de constatar a forma como a instituição engendra um conjunto de eventos de letramento de forma sistemática, é interessante também compreendermos o engajamento destes jovens para com essas práticas. Problematizar o engajamento dos jovens nos parece importante, principalmente, pois nos fala da relação que eles estabelecem com as instituições educativas e suas práticas. Era notável, por exemplo, o esforço de Sandokan para realizar todas as leituras e produções pedidas (as quais lhe pareciam intermináveis) de forma a manter sua participação nas aulas e garantir- lhe notas boas, prática esta sempre presente em sua trajetória de escolarização. Podemos dizer o mesmo de Sofia, a qual ressaltava ainda uma preocupação em

aproveitar as situações acadêmicas de uso da escrita para se apropriar melhor das formas lingüísticas ali vivenciadas.

Acreditamos que, à sua forma, a escola também proporcionava a Tyler um conjunto de eventos de letramento típicos dessa esfera. No entanto, como já apresentamos nos resultados da pesquisa, da mesma forma que Tyler resistia a participar da instituição escolar, resistia para se engajar em suas práticas de letramento.

É interessante notar, entretanto, que o engajamento de Tyler com o conhecimento escolarizado fora da escola bem como o seu interesse em realizar o vestibular, indica que embora não consiga permanecer na instituição, compartilha com ela de alguns de seus objetivos, os quais são vivenciados em outras instâncias, como acontecia ao estudar os conteúdos escolarizados nos encontros de estudo para o vestibular com os seus amigos.

Da mesma forma que percebemos que as demandas da faculdade direcionadas a Sofia e Sandokan eram promotoras de outros eventos de letramento, o engajamento de Tyler em práticas de letramento extra-escolar, mas em práticas escolarizadas, vivenciavam também um tipo de “efeito dominó”, ou seja, eventos de letramento que antecediam e sucediam os encontros. A exemplo disso, citamos a situação em que Tyler decide ir à BPC em busca de livros didáticos sobre os assuntos que seriam trabalhados por seus amigos, estudando- os em casa antes das aulas; ou quando aproveita a situação em que está usando o computador na casa de um amigo, para fazer uma pesquisa sobre a Televisão na internet, no intuito de produzir uma redação sobre o tema, a qual seria entregue a uma das amigas responsável pela aula de português.

Tanto o empenho quanto a resistência dos jovens em garantir a realização daquilo que era sugerido ou demandado pela universidade ou pela escola, são questões que falam da trajetória dos jovens e da relação estabelecida com as instituições educativas na infância; ou seja, de uma predisposição à obediência, à aceitação sem revolta às propostas educativas concretizadas nos ambientes escolares, ou o contrário, da dificuldade de incorporar o sistema de valores implícitos referentes ao mundo escolar (LAHIRE,1995) e de se envolver com as suas práticas de letramento.

O empenho de se inserir em práticas de letramento institucionalizadas pode ser analisado também a partir das aspirações lançadas a essas instituições, quando, por exemplo, Sandokan, ao falar das motivações para ter entrado na faculdade, lembra da importância de se inserir no mercado de trabalho, o qual, paulatinamente, pede qualificações mais altas, ou como diz o jovem: “se ontem era o ensino médio hoje é o ensino superior, se hoje é o ensino superior, amanhã é a pós-graduação”; ou quando os jovens falam do desejo em adquirirem saberes relativos às áreas de conhecimento de seu interesse: quando Sofia comenta sobre a importância do curso de Turismo enquanto uma forma de expandir seu lado comunicativo ou quando Tyler fala do interesse em aprender a trabalhar com o cinema em um curso universitário.