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2.5 Liderança: evolução teórica e o papel da cultura

2.5.1 MCGB e liderança

A partir das considerações de Barros e Prates (1996) sobre o impacto do modelo de ação cultural brasileiro nas organizações e dos apontamentos de Susan Schneider e Jean-Louis Barsoux sobre o impacto da cultura de uma nação sobre as organizações, Chu (2006) apresenta suas próprias considerações nesse sentido, ressaltando as seguintes dimensões organizacionais: estratégia, estrutura organizacional, processos, processo de liderança e gestão de pessoas. Dessa perspectiva, nasce a apresentação de Chu (2010) sobre o impacto do MCGB e os traços culturais brasileiros que modelam a gestão. No caso do processo de liderança, tem-se o seguinte:

Quadro 4: Impacto do MCGB na liderança Traços culturais brasileiros que impactam a

dimensão liderança

Efeito produzido pelos traços culturais Desigualdade de poder, hierarquia

Personalismo Centrado no líder, no poder, nas relações e no status Pouco orientado ao liderado

Postura de espetador Paternalista

Evitar conflitos

Gestão Ineficiente do tempo Liderados com medo de tomar decisão, submissos, sem iniciativa e autonomia; dependentes Equipes mal geridas

Sujeito à "modernização do gestor"

Tendência à orientação para dimensões mais objetivas da gestão

Fonte: Adaptado de Chu (2010).

O que Chu (2010) aponta e está registrado no Quadro 4 é que os traços brasileiros que impactam o processo liderança são a desigualdade de poder, o

personalismo, a postura de espectador, a aversão a conflitos e a má gestão do tempo.

Os reflexos desses traços produzem, de um lado, um líder paternalista, pouco orientado ao liderado, centrado no poder, com baixa qualidade de gestão e, por outro, liderados dependentes, sem iniciativa e com receio de questionar o líder.

O estilo paternalista, na concepção de Chu (2010) – que busca fundamentação principalmente no que diz Davel e Vasconcelos (1997) – , é um modo de gerenciar construído a partir de uma estratégia efetiva que une a autoridade e a firmeza com a cordialidade e a generosidade, baseando-se na troca de favores e, com isso, na conquista da lealdade e gratidão dos subordinados.

Todavia, Chu (2010) constata que, diante da internacionalização da gestão e das mudanças no ambiente institucional, coexistem dois perfis de liderança no Brasil: o tradicional e o moderno. O estilo “tradicional”, para essa autora, é o que está mais impactado pelos traços culturais brasileiros pré-abertura econômica e globalização, enquanto o “moderno” é o estilo que surge após esses eventos e que incorporou mais referenciais estrangeiros.

Conforme apontado no Quadro 4, vale destacar que Chu (2010) percebe, considerado o novo contexto empresarial, que o gestor brasileiro está “sujeito à modernização”, o que significa a adoção de um estilo “mais moderno, cosmopolita, conectado às transformações da gestão no mundo e orientado às dimensões objetivas dos negócios” (p. 91).

É possível dizer que essa perspectiva conceitual de Chu (2010) sugere uma gradação de valor entre o “tradicional” e o “moderno”, onde este é “melhor” por estar mais próximo do modelo estrangeiro, enquanto a liderança praticada de acordo com traços brasileiros mais genuínos é “pior”. Seria o caso de o traço cultural fortemente arraigado de “culto ao estrangeiro”, como diz Caldas (1997), presente na concepção da autora do MCGB? É de se pensar que não, uma vez que tal gradação qualitativa não está abertamente registrada pela autora.

A dualidade tradicional/moderno também pode ser questionada no sentido de suscitar dúvidas conceituais sobre “o que é o moderno?” e “o que e o tradicional?”. Mas considerando que Chu (2006; 2010) não se propôs a debater questões como essas, para essa autora os termos “moderno” e “tradicional” sugerem uma postura de liderança por parte do gestor brasileiro antes e pós incorporação de elementos valorizados numa gestão global.

No intuito de reduzir ambigüidades e estabelecer o marco teórico que sedimenta este trabalho, é importante trazer à tona a definição conceitual apresentada por Chu (2006) e mantida por Chu (2010) para cada traço que impacta a dimensão liderança, a partir da extensa revisão teórica realizada por essa autora sobre os principais trabalhos brasileiros referentes à cultura e organizações (cf. Quadro 5).

Quadro 5: Definição conceitual dos traços culturais

Traço Conceito

Desigualdade de poder

Noção de grande desigualdade existente entre as pessoas revelada por meio do elevado grau de concentração de poder nas estruturas sociais e organizacionais que se desmembra (i) na força da hierarquia nas relações entre as pessoas e (ii) na grande importância dada ao status individual e à autoridade dos superiores. Traduz a noção de que indivíduos em posições de menor poder aceitam as desigualdades entre as pessoas e possuem comportamento passivo diante dessa situação. Aversão ao conflito

Comportamento que resulta da conjunção da lealdade dos indivíduos à figura do líder e aos integrantes do grupo e da constante tentativa de harmonização do grupo pelo líder. Visa manter a harmonia do grupo e o bom relacionamento entre os indivíduos e evitar constrangimentos decorrentes de divergências.

Personalismo

Postura que reflete a importância atribuída às pessoas e aos interesses pessoais. Na rede de amigos e parentes é depositada grande confiança principalmente para resolução de problemas ou obtenção de privilégios pessoais. Há intensa busca por proximidade e afeto nos relacionamentos de forma que as conexões pessoais se assemelham às conexões familiares. O grupo se torna extensão da família para garantia de segurança nas ações.

Postura de espectador Postura que reflete a falta de diálogo na sociedade e nas organizações brasileiras. Caracteriza-se pela falta de respostas, argumentações e senso crítico nas relações o que leva ao mutismo. Essa postura seria função do gosto pelo mandonismo, pelo protecionismo e pela dependência entre as pessoas que levaria ainda a baixos graus de iniciativa, auto-determinação para realização de tarefas e capacidade crítica. Como conseqüência há grande transferência de responsabilidade para autoridades (superiores e líderes).

A Gestão do Tempo é mais uma categoria de análise do perfil cultural. No Brasil, de acordo com Chu (2010), há uma gestão ineficiente do tempo, pois este é visto como ilimitado e permite a execução de diversas tarefas imediatamente. No entanto, essa autora percebe, no cenário pós-globalização, uma ressignificação dessa categoria no tocante à crescente orientação para o médio e longo prazos, uma vez que a preocupação com o curto prazo preponderava.

Ao término dessa secção, é importante registrar que Chu (2006; 2010) não explicita seu conceito para o termo liderança. Considerando que entre as referências dessa autora está Barros e Prates (1996), vale ressaltar o que diz esses autores quando tratam do impacto do sistema cultura brasileiro no processo de liderança:

“Neste tópico, iremos abordar o processo de ‘comando’ que ocorre nas empresas. Apesar de o significado da palavra comando ser ‘mandar junto com’, semanticamente parece estar associado a ‘ter poder de mando’. Para eliminar este possível preconceito, tomamos a palavra liderança, que sugere a pessoa aceita pelo grupo para dirigi-lo. Isto é, o poder de mando existe, mas é legitimado pelo grupo e não, necessariamente, pela hierarquia” (p. 85).

Talvez por este motivo não se pretende no trabalho de Barros e Prates (1996), nem tampouco nos de Chu (2006; 2010), um modelo de líder à brasileira, até mesmo pela razão desses trabalhos terem como foco algo maior, que é a gestão. É como se o o constructo liderança fosse a relação líder-liderado e a liderança apresentada como um processo dentro do ato de gerir, uma dimensão dentro das organizações. Barros e Prates (1996) alertam que a análise é sobre o “papel do líder em seu relacionamento com os liderados” (p. 85).

Interessante registrar que quando Carvalho Neto (2010), por exemplo, em recente publicação do prestigiado núcleo de estudos sobre liderança da Fundação

Dom Cabral, aponta um perfil brasileiro de liderança, esse autor recorre aos mesmos caminhos de outros autores que buscaram desenhar um estilo brasileiro de

administrar, ou seja, primeiro ele busca uma interpretação sobre o que seria o Brasil

na ótica de antropólogos, economistas e sociólogos (principalmente dos autores Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Roberto D´aMatta), depois compara com o que diz a literatura de administração sobre o assunto de seu interesse, no caso, liderança transformacional. Enfim, sobre o “líder brasileiro” diz Carvalho Neto (2010):

“Assim, o que se pode depreender desse complexo exercício que me propus a fazer é que, se nós, brasileiros, ainda somos “crus”, pré-modernos em nossos autoritarismo escravocrata, para ficar só nesse exemplo, somos também, ao mesmo tempo, “cozidos”, já pós-modernos em nossa flexibilidade, criativdade e adaptabilidade, entre outras tantas características” (p. 92)

No caminho de sua investigação, Carvalho Neto (2010) em grande parte destaca os mesmos traços culturais observados por Chu (2010) que impactam a dimensão liderança.

Assim, quando este trabalho utiliza “postura de liderança” o que se tem em mente não é a busca de um estilo, mas sim o comportamento do gestor diante de aspectos da relação líder-liderado. A definição de liderança tomada como base é a de Yukl (2010): processo de influenciar os outros a entender e concordar com que precisa ser feito e como fazê-lo, e o processo de facilitar os esforços coletivos e individuais para alcançar os objetivos compartilhados (p. 26).

É necessário acrescentar, portanto, que neste estudo a liderança é um papel dentro das atribuições do gestor, não havendo incoerência, como querem alguns teóricos, entre ser líder e ser gestor. Sobre esta questão, o mesmo Yukl (2010) faz um excelente relato, concluindo que muitos acadêmicos concordam que o sucesso de um gerente ou administrador dentro das organizações modernas envolve também a liderança.

Finalizados os apontamentos teóricos, no próximo capítulo será apresentado o método do estudo.

3 MÉTODO DA PESQUISA

Neste capítulo, serão apresentados os procedimentos metodológicos utilizados pelo pesquisador para responder à pergunta de pesquisa, que questiona até que ponto traços culturais estão presentes na postura de liderança dos gestores regionais de uma instituição financeira em Recife-PE, à luz do Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB (CHU, 2010).

Inicialmente, apresenta-se a caracterização e o desenho da pesquisa, para em seguida se detalhar informações sobre o locus da investigação, os sujeitos da pesquisa, o processo de coleta de dados, que incluiu pré-teste do instrumento, e, por fim, sobre a técnica de análise dos dados.

3.1 Caracterização da pesquisa

Para responder à pergunta de pesquisa e às demais questões específicas, esta pesquisa adotou, no tocante à forma de investigação, o método qualitativo. Ressalta Vieira (2006) que esse método permite a riqueza dos dados, a exploração de contradições e paradoxos e costuma ser utilizado para “análise de fenômenos vinculados à cultura organizacional” (p. 15). Trata-se de um método que busca não a regularidade, mas compreender o que levou os agentes a agir como agiram, conforme alertam Godoi e Balsini (2010, p. 91).

No tocante ao nível, esta pesquisa pode ser tipificada como exploratória e descritiva. Exploratória por ter chance de proporcionar uma visão geral sobre esse tema no ambiente da instituição financeira, em especial na dimensão dos gestores regionais. Descritiva pela possibilidade de identificar e descrever atitudes, opiniões e crenças que permitem descobrir relação entre as variáveis (GIL, 2008), além de ter como base uma delimitação teórica de modelo e método que orientou a coleta e a interpretação dos dados (TRIVIÑOS, 1987).

O tipo ou procedimento técnico desta pesquisa científica será o estudo de caso. Triviños (1987) define este tipo como uma “categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente” (p. 133). Yin (2005) afirma que o estudo de caso “investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real”, o que sugere extrema pertinência ao tema deste estudo. Trata-se, na qualificação de Gil (2009), de um estudo de caso único.

Ainda na concepção de Yin (2005), o estudo de caso possibilita o uso de diversas fontes de dados (entrevistas, observações documentos, registros escritos, testemunhos...); abordagem adequada quando o pesquisador se depara com questões que buscam responder o “como?” e o “por quê?”.

3.2 Desenho da Pesquisa

Este trabalho adotou a orientação de Gil (2008) sobre as etapas de uma pesquisa social, compreendendo a seqüência de passos apresentados na Figura 03.

Em que pese o próprio Gil (2008) afirmar que ainda não foi possível estabelecer um esquema que compreenda, “de forma absolutamente precisa e sistemática, os passos a serem observados no processo de pesquisa” (p. 31), o mesmo autor apresenta o roteiro dele, no qual se baseou este estudo.

Figura 3 – Desenho da Pesquisa

3.3 Locus da pesquisa

O locus da pesquisa foi o escritório-superintendência regional de uma instituição financeira que possui presença em todo o território brasileiro. O alcance de gestão dessa superintendência é a Região Metropolitana do Recife, composta por 14 municípios, onde a instituição possui 37 agências bancárias, além de postos de atendimento e correspondentes não-bancários.

Esse escritório funciona desde a segunda metade do século XX, passando por diversos formatos de atuação e com alterações também em seu campo de abrangência. Atualmente é composto por 32 pessoas, entre superintendente, gerentes regionais, gerente administrativo, supervisores, assistentes, secretários e estagiários. Em grande parte, atuam em regime de horário integral. O colegiado da gestão é formado pelo Superintendente, Gerentes Regionais e Gerente Administrativo.

3.4 Sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa foram os gestores regionais da instituição financeira que estão sediados em Recife, no total de 08 participantes. Estes gestores estão escalonados em três níveis hierárquicos, mas juntos compõem o colegiado de gestão dos pontos de atendimento vinculados/subordinados à superintendência regional. O grupo é composto por seis homens e duas mulheres.