FACULDADE BOA VIAGEM - FBV
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - CPPA CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO EMPRESARIAL
MARCELO HENRIQUE ESPÍNDOLA SANDES
TRAÇOS CULTURAIS NA POSTURA DE LIDERANÇA DOS
GESTORES REGIONAIS DE UMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
EM RECIFE-PE: UM ESTUDO DE CASO À LUZ DO MODELO
CONTEMPORÂNEO DA GESTÃO À BRASILEIRA
MARCELO HENRIQUE ESPÍNDOLA SANDES
TRAÇOS CULTURAIS NA POSTURA DE LIDERANÇA DOS
GESTORES REGIONAIS DE UMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
EM RECIFE-PE: UM ESTUDO DE CASO À LUZ DO MODELO
CONTEMPORÂNEO DA GESTÃO À BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Gestão Empresarial do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem, como requisito complementar para obtenção do título de Mestre em Administração.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Diniz de Sá
Faculdade Boa Viagem - FBV
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração - CPPA Curso de Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE
TRAÇOS CULTURAIS NA POSTURA DE LIDERANÇA DOS
GESTORES REGIONAIS DE UMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
EM RECIFE-PE: UM ESTUDO DE CASO À LUZ DO MODELO
CONTEMPORÂNEO DA GESTÃO À BRASILEIRA
MARCELO HENRIQUE ESPÍNDOLA SANDES
Dissertação submetida à Banca Examinadora do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem, como requisito complementar para obtenção do título de Mestre em Administração.
Banca examinadora:
Maria Auxiliadora Diniz de Sá, Doutora, Faculdade Boa Viagem-FBV (Orientadora)
Sérgio Alves de Sousa, Doutor, Universidade Federal de Pernambuco-UFPE (Examinador Externo)
AGRADECIMENTOS
A Deus: pela vida.
Aos meus pais José e Luzineide, às minhas tias-mães Lusinete e Luzimere e aos meus
irmãos Júnior e Adrianno: pela formação, pelos exemplos e por todos os apoios
durante minha vida;
Aos queridos Adblando, Ivanilda e Diego: pelo acolhimento e encorajamento diante
de vários desafios;
Aos amigos, em especial, a Renato Lima, Michelle Pádua, Eduardo Maia, Marcelo
Correia, Ketinaldo José, Carlos Xavier e Rafael Ferreira: pela colaboração no Café,
estímulo intelectual e incentivo acadêmico;
Aos colegas da Turma 05: pelas calorosas discussões durante a jornada de estudos;
Aos colegas de trabalho, em especial, a Pedro Santiago, Paulo Nery, Bartira Araújo,
Sérgio Barreto, Manuel Neves, Mércia Alencastro, Ricardo Tabatchnik e Bruno
Montanha: pela compreensão desta iniciativa e apoio nas atividades profissionais;
Aos professores Luiz Antônio Mariz e James Falk: pelas primeiras orientações no
mundo acadêmico;
Aos professores Lúcia Barbosa e Sérgio Sousa: pelos valiosos apontamentos críticos
para a melhoria deste trabalho;
À minha orientadora e querida amiga Maria Auxiliadora Diniz de Sá (Dorinha): pela
crença no autor, pelos gestos permanentes de encorajamento e conforto e pelo
compartilhamento intenso de conhecimento e sabedoria (as virtudes deste estudo são
em grande parte dela; as falhas, todas minhas);
RESUMO
Este trabalho discute até que ponto traços culturais brasileiros estão presentes na postura de liderança do grupo de gestores regionais, de uma instituição financeira, em Recife-PE, tendo como principal referência teórica o Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB (CHU, 2010). O método qualitativo foi adotado para realização da pesquisa, tendo como instrumentos de coleta de dados, entrevistas por pautas e observações diretas. Os dados foram analisados a partir da técnica de análise de conteúdo, numa abordagem categorial temática, levando em consideração o que diz Bardin (1977). Nos resultados, foi identificado que traços culturais brasileiros estão presentes na postura de liderança dos gestores regionais da instituição financeira pesquisada, mas não inteiramente conforme aponta o Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB,. Conclui-se, portanto, que as explicações para tanto residem nas próprias considerações do MCGB sobre a característica glocal da gestão no Brasil.
ABSTRACT
This paper discusses, with the main theoretical reference in the “Contemporary Model of Brazilian-style Management-MCGB" (CHU, 2010), to what extent these cultural traits are present in the posture of the leadership group of regional managers, in Recife-PE, a financial institution, which are the subject of research. The qualitative method was adopted to conduct the survey, with the instruments of data collection guidelines for interviews and participant observations. The data were analyzed using the technique of content analysis, in a thematic categorical analysis, taking into account what it says Bardin (1977). In the results, it was identified that Brazilian cultural traits are present in the posture of leadership of the regional managers of financial institutions surveyed, but not quite as pointed “Contemporary Model of
Brazilian-style Management-MCGB". We conclude, however, that the explanations for this question are in the MCGB own considerations on the glocal feature of management in Brazil.
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1: Características gerais do conceito de cultura
Quadro 2: Características gerais do conceito de cultura organizacional
Quadro 3: Proposições sobre o contexto cultural brasileiro
Quadro 4: Impacto do MCGB na liderança
Quadro 5: Definição conceitual dos traços culturais
Quadro 6: Categorias temáticas
Figura 1 – Modelo conceitual dos perfis culturais múltiplos e fluídos brasileiros
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 9
1.1 Problema de pesquisa ... 9
1.2 Objetivos de pesquisa ...14
1.3 Justificativas ...14
1.3.1 Justificativas teóricas ...15
1.3.2 Justificativas práticas ...17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...19
2.1 Cultura e organizações ...19
2.2 Elementos da Cultura Organizacional ...28
2.3 Cultura nacional, identidade cultural, estudos organizacionais e gestão à brasileira. ...31
2.4 Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira ...41
2.5 Liderança: evolução teórica e o papel da cultura ...46
2.5.1 MCGB e liderança ...52
3 MÉTODO DA PESQUISA ...58
3.1 Caracterização da pesquisa ...58
3.2 Desenho da Pesquisa ...59
3.3 Locus da pesquisa...61
3.4 Sujeitos da pesquisa ...61
3.5 Instrumentos de coleta dos dados e Pré-teste ...62
3.6 Técnica de análise e tratamento dos dados ...64
3.7.1 Limites da pesquisa ...66
3.7.2 Limitações da pesquisa ...67
4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...68
4.1 Relações de (des)igualdade de poder ...69
4.2 Postura de espectador ...73
4.3 Gestão do tempo ...77
4.4 Aspectos de personalismo ...79
4.5 Aversão a conflitos ...82
5 CONCLUSÃO ...85
5.1 Sugestões Teóricas e Práticas ...90
5.2 Sugestões para estudos futuros ...90
6 REFERÊNCIAS ...92
1
INTRODUÇÃO
Neste capítulo é apresentado, inicialmente, o problema de pesquisa, que é
finalizado em formato de pergunta. Em seguida, são detalhados os objetivos do
presente estudo, divididos entre geral e específicos, bem como as justificativas
teóricas e práticas que sustentam a relevância deste trabalho.
1.1
Problema de pesquisa
Ainda que a antropologia cultural abarque diversos conceitos para o termo
cultura, há uma aproximação de definições no sentido que ela é uma realidade abstrata
responsável por diferenças dos ‘modos de vida’ entre os agrupamentos humanos. Uma lente pela qual os indivíduos enxergam o mundo ou ainda a programação coletiva da
mente que distingue, no seio de grupos ou categorias, uns membros dos outros
(BENEDICT, 1967; HOFSTEDE, 2003 [1991]).
Dada a força do conceito, a cultura tem sido objeto de investigação por parte de
pesquisadores de diversas áreas que têm interesse em compreender as diferenças entre
os aglomerados humanos, alastrando-se o termo desde o âmbito das nações até o
campo de estudo das organizações. Fala-se, assim, em cultura nacional, aquela que
Nação é uma consciência moral. Uma idéia que está além dos aspectos racial,
lingüístico, religioso ou de fronteiras geográficas e que reside na percepção dos
indivíduos sobre glórias comuns no passado, nas aproximações de interesses no
presente e no desejo de perpetuar uma herança. Também pode ser compreendida
como uma “comunidade imaginada”, ou algo que opera como um sistema de representação e que tem na cultura uma fonte de alimentação para a construção de sua
identidade (RENAN, 1882; HALL, 2006; ANDERSON, 2008 [1991]).
As organizações, por sua vez, são donas de importância peculiar no mundo atual
e, também por este motivo, diversas são suas perspectivas conceituais. Podem ser
definidas como unidades sociais ligadas ao ambiente, compostas por pessoas que
interagem entre si, coordenadas e estruturadas por sistemas de atividades e orientadas
ao alcance de metas (DAFT, 2008).
No início dos anos 80, os teóricos organizacionais aproximaram o conceito de
cultura ao mundo das organizações, sobretudo no tocante à investigação dos impactos
da cultura nacional sobre a realidade organizacional. É também nessa época que livros
“gerencialistas” como Theory Z1, The Art of Japonese Management2, Corporate Cultures3 e In Search of Excellence4, que de alguma forma tratam dessa questão,
tornam-se sucesso na comunidade empresarial (SÁ, 1998; WALLACE, HUNT e
RICHARDS, 1999; HOFSTEDE, 2003 [1991]).
1 OUCHI, W. Theory Z: How American management can meet the Japanese Challenge. Reading, MA: Addison-Wesley, 1981.
2 PASCALE, R. T.; ATHOS, A. G. The art of Japanese management: applications for American executives. New York: Simon and Shuster, 1981.
3 DEAL, T. E.; KENNEDY, A.A. Corporate Cultures: the rites and rituals of corporate life. Reading, MA: Addison-Wesley, 1982.
4
Na segunda metade da década de 80 e durante todos os anos 90, a temática da
cultura organizacional foi tratada consideravelmente pela literatura de estudos
organizacionais. No Brasil, com a convicção que para pesquisar a cultura das
empresas seria necessário antes entender a cultura nacional, Barros e Prates (1996)
bem como Prestes Motta e Caldas (1997) são exemplos marcantes de trabalhos que
investigam a definição de um jeito brasileiro de fazer negócios e, sobretudo, de
análise da cultura organizacional a partir da compreensão dos traços da cultura
brasileira.
Um pouco antes, é bem verdade, no final da década de 80, Bethlem (1989) já
apresentava literatura sobre a gerência à brasileira, mas a veia principal do trabalho
desse autor foi a comparação entre a realidade das empresas no Brasil e nos Estados
Unidos, para fundamentar seu questionamento sobre o ensino brasileiro de
management.
Na virada do século, surgiram avaliações críticas sobre a produção acadêmica
nacional na área de cultura e organizações, pelo fato, entre outros, dos estudos
anteriores adotarem, como apontam Alcadipani e Crubelate (2003), uma “falaciosa identidade nacional única”, parecendo esquecer a heterogeneidade da cultura brasileira, bem como pela fundamentação teórica baseada na perspectiva de tratar o
sujeito como “prisioneiro dentro dos limites da cultura”.
Em que pesem esses apontamentos críticos, a investigação sobre um modo
específico da gestão praticado pelo brasileiro permaneceu na segunda metade da
a ampliação dos horizontes do seu Modelo de Ação Cultural Brasileiro, abordando se
o Brasil tem um jeito diferente ou não na gestão.
Um passo adiante nas discussões sobre a “gestão à brasileira” pode ser
percebido, não obstante, com o trabalho de Chu (2006). Embora essa autora ressalte
que seu estudo não permitiu concluir se os traços culturais brasileiros que impactam a
gestão são “fortes o suficiente para constituírem um modelo distinto, singular ou peculiar”, ela caracteriza o estilo brasileiro de gestão como glocal, apontando ressignificações dos traços culturais brasileiros e da forma de gerir a partir da
internacionalização da gestão, das mudanças no ambiente institucional e do perfil do
gestor que ocorreram, sobretudo, na década de 1990. E é do amadurecimento do seu
trabalho de 2006, que Rebeca Chu apresenta o Modelo Contemporâneo da Gestão à
Brasileira-MCGB (CHU, 2010), com o qual este estudo irá trabalhar.
O Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB está organizado em
quatro dimensões fundamentais: relações interpessoais, organização e planejamento
do trabalho, relação com o poder e relação com o ambiente. Em cada uma dessas, um
conjunto de traços da cultural nacional se articula, delineando um modo de gerir nas
organizações brasileiras e produzindo diferentes impactos nas dimensões
organizacionais: estratégia, estrutura, liderança, processos e gestão de pessoas. Para
cada dimensão organizacional, há traços culturais específicos que vão impactá-la.
No tocante à liderança, Chu (2010) afirma, no que pode ser considerada uma
simplicidade conceitual passível de críticas e que mais adiante é ressalvada neste
trabalho, que coexistem dois perfis de líderes no Brasil: um mais tradicional,
(centrado) na relação pessoal” - produzido principalmente pelo impacto direto dos traços culturais mapeados em seu estudo - e outro, que desabrocha a partir da abertura
econômica e da incorporação de referenciais estrangeiros, apresentando-se mais
moderno, “orientado às dimensões objetivas dos negócios”.
Uma vez que os líderes, de sua parte, possuem uma condição diferenciada de
disseminação de suas suposições, crenças e valores que podem delinear, por meio de
experiências compartilhadas, a cultura do grupo, conforme afirma Schein (2009
[2004]), entre as dimensões impactadas por traços culturais nos termos do MCGB,
esta pesquisa colocou-se de maneira a observá-los na postura de liderança.
Tendo como local de estudo o escritório-superintendência regional em Recife de
uma instituição financeira brasileira, com atuação nacional, que convive em um
mercado considerado dinâmico, marcado pela integração das economias e pautado por
uma forte concorrência com presença de organizações globais, este trabalho percebeu
necessidade de investigar o entrelaçamento entre traços da cultura brasileira e a
postura de liderança dos gestores regionais dessa instituição financeira, dando
continuidade ao relevante esforço que é entender aspectos culturais da gestão
praticada no país.
Nesse contexto, tem-se como norte a válida pergunta: Até que ponto traços
culturais estão presentes na postura de liderança dos gestores regionais de uma
instituição financeira em Recife-PE, à luz do Modelo Contemporâneo da Gestão à
1.2
Objetivos de pesquisa
Tendo por base a pergunta fundamental de pesquisa formulada, este estudo
apresenta-se com o seguinte objetivo geral:
Investigar até que ponto traços culturais estão presentes na postura de liderança
dos gestores regionais de uma instituição financeira em Recife-PE, à luz do
Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira - MCGB.
O objetivo acima envolve os seguintes objetivos específicos, que tomam por base
os traços culturais brasileiros que produzem impacto no processo de liderança de
acordo o Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira (CHU, 2010) :
Averiguar relações de (des)igualdade de poder;
Pesquisar sinais de postura de espectador;
Identificar a gestão do tempo;
Verificar aspectos de personalismo;
Investigar a aversão a conflitos.
1.3
Justificativas
O presente trabalho mostra-se relevante tantos por aspectos teóricos quanto
1.3.1
Justificativas teóricas
A discussão sobre o impacto da cultura nacional nas organizações, conforme
observa Tanure (2005), evoluiu por diferentes percepções do entrelaçamento entre o
universal e o regional, ou melhor, entre o global e o local. Segundo essa autora, há a
teoria convergente – baseada na idéia de um modelo gerencial universal que seria o melhor modelo de administrar; a divergente – que acentua como as diferenças culturais afetam os modelos de gestão entre os países; e ainda uma terceira corrente –
que opera com a lógica da harmonização entre o global e o local, absorvendo as
dimensões de convergência e divergência.
Segundo o MCGB (CHU, 2010), a gestão à brasileira caracteriza-se como
glocal, isto é, incorpora elementos da cultura tanto global, quanto local. De acordo
com essa autora, o estilo nacional de gestão vem passando por um constante processo
de transformação (embora mantenha a sua significação própria), desde já algum
tempo, como fica claro no questionamento que ela mesma fez, anteriormente: “O que acontecerá com os traços culturais tidos como tradicionais da cultura organizacional
brasileira?” (CHU, 2006, p. 147).
Nesse sentido, partindo da revisão dos traços nacionais realizados pelo MCGB
(CHU, 2010) e da percepção de estilo glocal¸ é relevante dar continuidade às
investigações sobre a presença e a atuação dos traços brasileiros nas organizações (ou
ainda, quem sabe, confrontos ou harmonias entre o local e os referenciais
estrangeiros), especialmente em dimensões caras ao comportamento organizacional,
Ressalte-se ainda a relevância deste estudo propagar as idéias do MGCB
(CHU, 2010) para a realidade em uma organização pública e com gestores sem
experiência internacional, diferentemente da pesquisa que serviu de base para
construção do modelo, que entrevistou apenas executivos de empresas privadas e com
executivos estrangeiros e brasileiros, estes com algum período de atuação no exterior
(CHU, 2006).
Além disso, vale destacar que, seguindo as considerações de Caldas (2009)
sobre a heterogeneidade cultural brasileira, a pesquisa de Chu (2006) foi empreendida
em uma região (Sudeste Urbano) culturalmente distante da que se pretende aplicar
esta pesquisa (Nordeste Costeiro Urbano).
O Nordeste Costeiro Urbano é uma das cinco regiões culturais mapeadas por
Caldas (2009), que apresenta em seu trabalho forças, no Brasil, que pressionam para a
homogeneidade cultural, sugerindo que o Sudeste Urbano serve como “alter-cultura”
no país. Ao mesmo tempo, esse autor apresenta outras forças que direcionam para a
heterogeneidade cultural, as quais fundamentam diferenças entre as regiões culturais.
O modelo conceitual apresentado por Caldas (2009) surge em atenção aos
múltiplos e fluidos perfis culturais brasileiros e, até mesmo em razão disso, valeria
salientar que é possível se perceber diferenças culturais internas às próprias regiões
culturais sugeridas por esse autor, uma vez que salta aos olhos do habitante de uma
cidade como Recife-PE, por exemplo, divergências comportamentais perante aos
Neste sentido, o presente estudo é relevante por considerar um contexto
específico, atento às transformações dos traços e com o cuidado de não cair nas
armadilhas “das generalizações improváveis e das conceituações imprecisas”
alertadas por Alcadipani e Crubellate (2003) e já avaliadas pelo próprio Caldas
(2009).
1.3.2
Justificativas práticas
Do ponto de vista prático, o presente estudo é relevante por averiguar a
questão na realidade de uma instituição financeira que convive com o desafio de ser
um banco comercial que enfrenta concorrentes internacionais e, ao mesmo tempo, ser
uma organização propulsora de diversos programas governamentais que, nos últimos
anos, utilizou simbolicamente um discurso de fortalecimento da identidade nacional.
Outro aspecto relevante é que o pesquisador tem freqüente acesso à instituição
pesquisada e, por diversas vezes, ouviu a expressão “nossa cultura” ser utilizada como justificativa para determinado comportamento, tanto em aspectos positivos quanto
negativos, o que aguçou o interesse por compreender até que ponto traços da cultura
brasileira se manifestam na postura de liderança dos gestores e como isto pode
caracterizar o estilo de liderança adotado.
Além disso, é fundamental ressaltar que os resultados serão apresentados à
instituição para utilização das constatações na melhoria da compreensão das medidas
administrativas cotidianas. Como diz Schein (2009[1994]) ao tentar resumir a
-lhe o seu devido valor e pergunte a si mesmo quão bem pode começar a entender a
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo são apresentados os referenciais teóricos que norteiam o presente
estudo. A fundamentação está dividida em cinco seções: cultura e organizações;
elementos da cultura organizacional; cultura nacional, identidade cultural, estudos
organizacionais e gestão à brasileira; Modelo Contemporâneo da Gestão à
Brasileira-MCGB; liderança e cultura.
2.1
Cultura e organizações
A raiz etimológica da palavra cultura reside no verbo latino colere que, na
Roma antiga, esteve associado ao trabalho agrícola de cultivar a terra, de semear a
natureza. O uso desse termo evoluiu, na própria Roma, para a idéia de refinamento e
sofisticação pessoal, de cultivo da natureza humana (SANTOS, 1983).
Laraia (2009) aponta que no final do século XVIII os germânicos utilizavam o
termo Kultur para se referir aos aspectos espirituais de uma comunidade. Barrio
(2005), por sua vez, registra que o vocábulo cultura passou a ser associado, por volta
É tratando de cultura ou civilização que o britânico Edward Tylor em 1871, na
obra Primitive Culture, oferece, na consideração de Castro (2005) e outros autores, o
primeiro conceito formal ou científico de cultura:
“Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da
sociedade” (In Castro, 2005, p. XX).
Do conceito de Tylor aos dias atuais, o que aparentemente mostra-se mais
consensual é que a noção de cultura passou a ser uma preocupação central da
antropologia, ainda que não exista acordo entre os antropólogos, sobre a definição de
cultura, mais de um século depois (LARAIA, 2009).
Neste sentido, é a antropologia social ou cultural, a partir do estudo do
sociocultural-simbólico, o ramo da antropologia que manifesta interesse pela cultura e
que, constantemente, tem suas definições transplantadas para os estudos
organizacionais.
Entre as escolas antropológicas que manifestam diferentes interpretações sobre
a cultura, Carvalho e Ronchi (2005), a partir do trabalho de Adam Kuper, apontam:
evolucionismo, difusionismo, funcionalismo, configuracionismo e estruturalismo. As
diferenças entre essas abordagens antropológicas, bem como entre as evidenciadas
por outras ciências sociais a partir de bases epistemológicas diversas, são relatadas
por Pegino (2006). Esse autor investigou de forma mais densa 254 produções
periódicos e eventos brasileiros, no período de 1985 até 2005, para avaliar a idéia
conceitual e o tratamento metodológico sobre a noção de cultura na área de
Administração, chegando ao referencial de análise presente no quadro-síntese, a
seguir (cf. Quadro 1).
Como se perceberá no Quadro 01, as variações de compreensão da cultura são
extensas e reforçam o que diz Santos (1983): “Por cultura se entende muita coisa”. A
partir das definições apresentadas em Kluckhohn5 e Hoebel6; Barrio (2005) chega à
seguinte definição antropológica que considera muito generalizada: “um sistema
integrado de padrões de conduta apreendidos e transmitidos de uma geração a outra,
característicos de um grupo humano ou sociedade” (p. 29).
Importante registrar, embora o efeito didático seja surpreende e teoricamente
válido para demonstrar a pluralidade de entendimentos sobre o constructo,
fragilidades que o Quadro 01 pode apresentar no sentido de limitar determinados
conceitos a abordagens específicas ou ainda pelo fato de não abordar outras
perspectivas.
5 KLUCKHOHN, C. Antropología. México: FCE, 1974.
Quadro 1: Características gerais do conceito de cultura
Abordagem Características gerais do conceito
De base positivista Positivista Cultura entendida como uma variável
quantificável; como uma resposta comportamental; expressa por elementos observáveis
Evolucionista Cultura entendida como um processo de evolução mensurável em termos comparativos Difusionista Cultura entendida como um processo de difusão identificável em semelhanças entre sociedades distintas
De base funcional-sistêmica
Funcionalista Cultura entendida como um produto social secundário de função adaptativa-regulativa Sistêmica Cultura como um sistema cuja função é
fornecer padrões para a ação social
Estrutural-funcionalista Cultura entendida como parte de uma estrutura social desempenhando função adaptativa
De base estruturalista Culturalista Cultura entendida a partir de sua influência na estrutura psíquica, podendo se manifestar por padrões de ou configurações de comportamento
Estruturalista Cultura como uma diferença significativa entre sociedades distintas, compreendidas através da estrutura
De base fenomenológica Sociológica-interpretativa
Cultura entendida como uma mediação simbólica entre a realidade objetiva e interpretação subjetiva, cuja ênfase reside na interpretação da significação do produto social
Antropológica-interpretativa
Cultura como produto intersubjetivo de significações e significados compartilhados, cuja ênfase recai na explicação dessa 'teia' de significações
De base materialista
dialética Teoria crítica Cultura entendida como um processo histórico-dialético das relações sociais e de produção, não como seu produto direto, mas como parte em sua constituição
Fonte: PEGINO (2006, p. 67).
Se não há consenso entre os autores para definição de cultura, também não se
encontra total convergência sobre os motivos que impulsionaram esse termo para o
campo das organizações. A explicação inicial para aproximação dos universos foi o
produtividade das companhias norte-americanas durante o fim da década de setenta e
o início da década de oitenta (FREITAS, 2007; BARBOSA, 2009).
É ainda na primeira metade da década de 80, em 1983, que o periódico
Administrative Science Quarterly aprofunda a “relação acadêmica” entre cultura e estudos organizacionais. No especial volume 28 da publicação, Smircich (1983) fixou
diretrizes para compreensão de conceitos de cultura organizacional, entre elas a
distinção entre a idéia de cultura como variável independente, ou algo que a
organização tem, e a idéia de cultura como metáfora da realidade organizacional, ou
algo que a organização é. Vale salientar que três anos antes, no mesmo periódico,
Pettigrew (1979) definiu cultura organizacional como um sistema de significados
pública e coletivamente aceitos por um determinado grupo em um dado momento (p.
574).
Para quem se dedica mais propriamente ao campo do exercício da gestão nas
organizações, como é o caso deste trabalho, a questão apontada por Smircich (1983)
parece resolvida, uma vez que o entendimento da “cultura como algo que a
organizações é” apresenta-se mais próximo do ambiente da antropologia em si, restando, portanto, a compreensão da cultura como algo que a organização tem, que
engloba, naturalmente, aspectos antropológicos, mas que funciona como variável
independente .
Há, evidentemente, registros anteriores da presença do termo “cultura” no
um conceito para cultura de empresa com a publicação do livro “The Changing
Culture of a Factory” (HATCH, 2006).
Pela compreensão da impossibilidade do afastamento das organizações do
ambiente cultural em que existem, Carvalho e Ronchi (2005) apontam o trabalho de
Pfiffner e Sherwood7 como pioneiro na incorporação de conceitos da antropologia
para a realidade dos estudos organizacionais.
Nos últimos sessenta anos, novos conceitos foram apresentados a partir de
diversas raízes antropológicas e sociológicas sobre o que é cultura e de métodos
diversos para investigação do fenômeno no interior das organizações. Entre os de
maior presença na literatura especializada estão:
“cultura de um grupo pode ser definida como um padrão de
suposições básicas compartilhadas, que foi aprendido por um grupo à medida que solucionava seus problemas de adaptação externa e de integração interna. Esse padrão tem funcionado bem o suficiente para ser considerado válido e, por conseguinte, para ser ensinado aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir-se em relação a esses problemas” (SCHEIN, 2009 [2004], p.16).
e
“programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização dos de outra” (HOFSTEDE, 2003 [1991], p. 210).
Para Schein (2009 [2004]), a cultura se manifesta em três níveis: artefatos,
crenças e valores expostos e suposições básicas. Pode-se dizer que há, entre eles, uma
gradação de visibilidade e de profundidade para conhecimento da cultura.
7
Os artefatos, mais visíveis, incluem as maneiras de comunicar, os mitos e
histórias contadas, a relação explícita dos valores, o vestuário incorporado, o espaço
físico e outros “fenômenos que alguém vê, ouve e sente quando encontra um novo
grupo com uma cultura não familiar” (p. 24). Embora fáceis de observação, os artefatos nem sempre são decifrados com a mesma tranqüilidade. É preciso ter tempo
maior de contato com o grupo para absorver, instantaneamente, os significados dos
artefatos ou investigar os outros níveis da cultura para melhor compreensão.
Na seqüência, valores e crenças expostos é o próximo degrau, pois funcionam
como guia na orientação do grupo diante de situações de incerteza ou quando do
treinamento de novos membros. São regras operacionais de comportamento validadas
pela experiência compartilhada do grupo. Para êxito na construção da identidade, os
valores e crenças precisam estar em sintonia com as suposições básicas, nível mais
profundo da cultura.
As suposições básicas resultam do grau de consenso em torno do sucesso da
implementação das crenças e valores, mas estão além disso. Elas refletem
“pressupostos mais profundos sobre as questões gerais mais abstratas”: a natureza da realidade e da verdade, do tempo, do espaço, da natureza humana, da atividade
humana e dos relacionamentos humanos (SCHEIN, 2009 [2004], p. 127 e 128).
Assim como Schein (2009 [2004]), Hofstede (2003 [1991]) aponta níveis
diferentes de manifestação da cultura. Para este, como se fosse várias camadas de uma
camadas intermediárias os heróis e rituais. Símbolos, heróis e rituais dizem respeito
às manifestações práticas da cultura, e os valores à orientação de sentido.
Para Hofstede (2003 [1991]), os valores, muitos deles adquiridos ainda na
infância de forma inconsciente, não são diretamente perceptíveis do exterior e se
manifestam nas orientações entre o lado positivo e o negativo. Os rituais, próxima
camada do centro para a superfície da cebola, são essenciais para cumprir fins
determinados, como a integração do grupo, enquanto os heróis funcionam como
modelos de comportamento. Os símbolos, camada superficial, permitem o
reconhecimento direto de um significado particular entre os membros da mesma
cultura (HOFSTEDE, 2003 [1991], p. 22 e 23).
Na diferenciação entre os níveis de manifestação da cultura percebe-se uma
aproximação entre os dois autores mencionados anteriormente. Se fosse possível
estabelecer um paralelo entre eles, os símbolos de Hofstede se aproximariam do
conceito de artefatos de Schein, enquanto os valores estariam próximos da idéia das
suposições básicos e os rituais e heróis dialogariam com a idéia dos valores e crenças
expostos.
Não obstante a força dos dois conceitos anteriores, é importante registrar a
vastidão de definições para cultura organizacional, no que parece válido recorrer,
Quadro 2: Características gerais do conceito de cultura organizacional Abordagem Características gerais do conceito
De base positivista Cultura organizacional entendida como uma variável quantificável; como uma resposta comportamental; expressa por elementos observáveis.
De base funcional-sistêmica Cultura organizacional entendida como sendo, primordialmente, um mecanismo de intermediação entre o indivíduo ou a organização e o ambiente externo, com função regulatório adaptativa; é exterior ao indivíduo, encerrando nesse, determinações da organização, como estratégias, ou sistemas de valores que guiam, moldam e determinam o comportamento individual.
De base estruturalista
Cultura organizacional entendida como um padrão de crenças ou pressupostos básicos, encerrados no indivíduo, expressos em formas observáveis ou não que podem dar forma a uma determinada estrutura organizacional. É gerenciável na medida em que mudanças estruturais na organização atinjam os valores individuais (inclusive àqueles inconscientes). Pode ser identificada mediante comparação com
padrões culturais ideais, como “cultura operária”, “cultura dionísica”,
por exemplo.
De base fenomenológica-interpretativa Cultura organizacional entendida como produto intersubjetivo de significações e significados compartilhados dentro da organização ou como uma mediação simbólica entre o sistema de símbolos da organização e a interpretação (ou leitura) subjetiva desses símbolos.
De base materialista dialética Cultura organizacional entendida como um sistema fornecedor de símbolos, normas e valores que, atingindo inclusive a estrutura psíquica dos indivíduos, orientam suas ações em termos de comportamentos desejáveis à consecução dos objetivos
organizacionais e de forma a ‘maquiar’ os conflitos de classe, as
relações de poder e a exploração no interior da organização.
Fonte: PEGINO (2006, p. 77).
Neste trabalho, parte-se da idéia de cultura organizacional nos termos da
definição apontada por Schein (2009 [2004]). A adoção desse autor deve-se,
sobretudo, a importantes considerações presentes em seu conceito, sobretudo, pelas
apontadas por Freitas (2007) e corroboradas por Chu (2010): percebem-se na cultura,
finalidades específicas (lidar com problemas de adaptação externa e de integração
interna), vai além da mera observação de comportamentos (pois sinaliza a
necessidade de investigação dos pressupostos básicos) e privilegia a aprendizagem do
Na seção seguinte serão apresentados os elementos que compõem a cultura
das organizações e que são, de forma recorrente, as chaves utilizadas por
pesquisadores para abrir ao público as portas que revelam a cultura que a organização
ou um grupo de gestores tem.
2.2
Elementos da Cultura Organizacional
Ao se observar perspectivas teóricas sobre os diferentes níveis de
manifestação da cultura, é possível perceber que, em que pesem as diferenças do
próprio conceito, há maior aproximação sobre os elementos que compõem a cultura,
sobretudo quando se trata do ambiente organizacional.
Pode-se, por exemplo, dizer que crenças/pressupostos, valores, normas,
sanções, símbolos, ritos/rituais, entre outros, são partes integrantes da cultura
organizacional e fornecem, nos dizeres de Carvalho e Ronchi (2005), “pistas sólidas”
para uma interpretação do conteúdo cultural dos indivíduos e das organizações. Neste
sentido, no intuito de evitar conceituações imprecisas, vale rapidamente resgatar na
literatura algumas definições sobre os elementos da cultura organizacional.
As crenças, na perspectiva de Dias (2003, p. 20), dizem respeito ao
compartilhamento de idéias sobre a natureza da vida. De acordo com Freitas (1991, p.
19), a palavra crença e o termo pressuposto, são utilizados “quase como sinônimos”
de algo que é tido como verdade na organização. Segundo essa autora, cabe aos
Ainda segundo Dias (2003, p. 20), os valores são concepções coletivas do que
é considerado bom ou ruim, desejável ou indesejável, certo ou errado, bonito ou feio,
em uma determinada cultura. A religiosidade, por exemplo, é um valor encontrado, de
acordo com esse autor, na cultura brasileira, enquanto a lealdade familiar está presente
como valor na cultura japonesa. Na concepção da realidade organizacional, Freitas
(2007) afirma que “valores são aquilo que é importante para o sucesso da organização
e devem ser considerados guias para o comportamento organizacional no dia-a-dia”
(p. 16).
Carvalho e Ronchi (2005, p. 50) entendem que as normas e regras são
elementos prescritivos do comportamento dos indivíduos na sociedade e no
desempenho de funções no mundo organizacional. Freitas (2007) diz que a norma é
um “comportamento sancionado pelo grupo e repassado pelos outros elementos
culturais” (p. 29), enquanto Dias (2003) afirma que as normas compreendem o que
pode ser realizado e aquilo que não deve ser feito. São “regras específicas para o comportamento” (p. 20).
Normas podem ser formais ou informais. Dias (2003) classifica como formais
as normas que estão “codificadas no direito”. As informais, por sua vez, estão “ritualizadas nos costumes”. Além do quesito formalidade, Freitas (2007, p. 29)
lembra que as normas podem ser explícitas ou tácitas.
As sanções servem como balizadores do cumprimento das normas. Podem
servir como punições ou recompensas, pois são utilizadas como instrumento de
Trice e Beyer (1987) afirmam que símbolo pode ser um objeto, um ato, um
acontecimento, uma qualidade ou relação que funciona como “um veículo para transmitir significado”. Esse significado, acrescenta Dias (2003), é “reconhecido pelas pessoas que compartilham uma determinada cultura”, ainda que um mesmo objeto possa “simbolizar sentimentos diferentes em culturas diferentes” (p. 21).
Thévenet (1990) considera que, ao lado dos símbolos, os sinais representam
lógicas de funcionamento e um “certo número de valores” presentes na parte emersa
da organização (p. 90).
Carvalho e Ronchi (2005, p. 45) percebem os ritos, rituais e as cerimônias
como atividades elaboradas e planejadas que ajudam a expressar os valores das
organizações. Trice e Beyer (1987) apresentam uma classificação dos ritos
organizacionais, a partir de diferentes finalidades e tendo como foco de análise a
questão de mudança cultural, em: ritos de passagem, ritos de degradação, ritos de
reforço, ritos de renovação, ritos de redução de conflitos e ritos de integração.
Ritos de passagem são utilizados quando da mudança de papéis sociais ou
alteração na maneira das relações sociais. Os ritos de degradação são adotados nos
momentos de retirada de poder ou para dissolver identidades sociais. Ritos de reforço
são oportunos nos momentos de celebração pública e de ênfase das identidades
sociais. Ritos de renovação são usados como instrumentos de reafirmação de
estruturas sociais ou aperfeiçoamento. Ritos de redução de conflitos servem para
sentimentos comuns e encorajam a manutenção de comprometimento com o sistema
social (TRICE e BEYER, 1987; FREITAS, 1991).
Realizadas as considerações sobre os elementos da cultura, na próxima seção
este estudo abordará os fundamentos conceituais sobre nação, cultura e identidade
nacional e os reflexos nos estudos organizacionais que culminam com a busca pela
definição de uma gestão ou modelo de gestão à brasileira.
2.3
Cultura nacional, identidade cultural, estudos organizacionais e
gestão à brasileira.
De acordo com o histórico pronunciamento de Ernest Renan (1882), a nação é
uma consciência moral, onde o essencial é que os indivíduos tenham muitas coisas em
comum e que também tenham praticado o esquecimento. Um século após, Anderson
(2008 [1991]), que revisita a definição de Renan, cunhou uma acurada definição:
nação é uma “comunidade imaginada”, limitada e soberana. De acordo com esse autor, imaginada porque os membros da nação têm em mente um espírito de
comunhão, embora – mesmo na mais minúscula delas – “jamais se conhecerão, se encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros indivíduos (p.
32)”. Comunidade porque “sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal” (p. 34).
instituições, símbolos e representações - são fontes de identidade cultural, uma vez
que produzem sentidos sobre a nação e servem como discurso.
Não interessa a este trabalho se aprofundar nas origens e transformações do
conceito de nação e nacionalismo, o que importa é estar teoricamente sedimentando a
idéia que, no ritmo da industrialização e como dispositivo da modernidade, as culturas
nacionais funcionam como sistemas de representação e, neste sentido, buscam
costurar as diferenças numa única identidade (HALL, 2006, p. 65).
No entanto, com a globalização e a compressão da relação espaço-tempo, Hall
(2006) percebe um deslocamento “das identidades centradas e fechadas de uma
cultura nacional”, considerando três conseqüências possíveis da globalização para as
culturas nacionais e as identidades produzidas por elas: 1) a homogeneização das
identidades globais - sobre este aspecto, esse autor sugere três qualificações: a) a
tensão entre o global e o local, pois a globalização caminha em paralelo com a
exploração das diferenças locais; b) a desigualdade da distribuição da globalização ao
redor do mundo; c) a ocidentalização do fenômeno globalização, uma vez que as
redes globais ainda são dominadas pelas indústrias culturais ocidentais; 2)
possibilidade de fortalecimento de identidades locais, possivelmente baseadas na
afirmação de grupos étnicos que se sentem ameaçados pela presença de outras
culturas; 3) produção de novas identidades, pois há um entrelaçamento entre
identidades diferentes.
A perspectiva de Hall (2006) é compreender a identidade cultural na
das perspectivas intelectuais pós-modernas - que alardeiam a fluidez de tudo e certa
impossibilidade de se falar em homogeneidade – há uma sinalização de alguns antropólogos para o abandono da idéia de cultura nacional (BARBOSA, 2009).
D´Iribarne (2009) defende que, servindo-se da mesma abordagem interpretativa
nas investigações sobre como as culturas nacionais influenciam o funcionamento das
organizações, não encontrou incompatibilidade entre a unidade presente no âmago de
uma cultura e a modificação de práticas com o decorrer do tempo. Esse autor
considera que um medo fundamental e as representações desse medo e das vias de
salvação no imaginário social são as chaves que sugerem formas de encontro entre o
que permanece e o que muda “quando os membros de uma sociedade evocam seu
funcionamento coletivo” (p. 27).
Utilizando esta intersecção com o contexto das organizações, o conceito de
cultura nacional tem sido continuadamente aplicado nos estudos organizacionais por
meio da análise de traços da cultura brasileira que podem ser identificados no
cotidiano das organizações e que influenciam o comportamento dos agentes.
O ponto de partida é, em grande parte, a idéia que a cultura nacional é um
componente importante na formação da cultura organizacional e que, desta maneira,
não pode ser desprezado, pois serve como fonte de influência para ações
administrativas (LAURENT, 1989, citado por BARROS E PRATES, 1996).
Foi desta maneira que a partir de pesquisa quantitativa com 2.500 executivos,
o pessoal (ou informal), o dos líderes e o dos liderados. Para esses autores, traços
culturais exercitam a intersecção entre os subsistemas, modelando o jeito de ser
brasileiro, “uma construção nacional que a distingue de outras nações” (TANURE,
2009, p. 44). A pesquisa de Barros e Prates (1996) foi posteriormente estendida a
mais 1.732 executivos no segundo momento e trabalhada de maneira individual por
Btânia Tanure nos últimos anos, que vem apresentando suas considerações sobre as
singularidades da gestão à brasileira.
Mas ainda na primeira metade da década deste novo milênio, surgiram críticas
sobre a produção acadêmica brasileira da década de noventa na área de cultura
organizacional - incluindo-se no caso o trabalho de Barros e Prates (1996); entre as
principais, pode-se citar Alcadipani e Crubellate (2003). Esses autores apontam, a
partir de uma perspectiva teórica pós-moderna, ressalvas, entre outros aspectos, à
generalização das conclusões sobre a cultura brasileira e a adoção de uma estabilidade
dos chamados traços culturais nacionais, nos estudos organizacionais, ao longo dos
tempos.
Em reflexão sobre as críticas, Caldas (2009) faz primeiro uma divisão entre as
principais correntes de pesquisa na produção acadêmica nacional, na área de
organizações. Para esse autor, três correntes se sobressaem: a empirista quantitativa,
inspirada em Geert Hofstede; a empirista qualitativa, que faz análise empírica de
estudos de caso aprofundados, focando-se em traços culturais; e a
antropológico-histórica, “que parece derivar generalizações conceituais da cultura brasileira de
Quanto às duas primeiras correntes, Caldas (2009) reconhece o potencial das
críticas sobre a tradição quantitativa (variáveis padronizadas, representação da cultura
como estável ao longo do tempo etc) e ressalta que a reflexão sobre a crítica permite
alternativas de pesquisas de natureza qualitativa. Estas, que compõem a segunda
corrente, acreditam que o estudo aprofundado permite revelar traços culturais que não
aparecem por meio de questionários e que não são derivados “necessariamente da
história do país como um todo”, mas também são objeto de criticas pela tendência que apresentam nas generalizações sobre a cultura brasileira.
Sobre as críticas à terceira linha de pesquisa, a de base
antropológico-histórica, notadamente sobre as considerações de Alcadipani e Crubellate (2003),
Caldas (2009) faz ainda reflexão mais aprofundada, até pelo fato de nela se inserir, e
rejeita o argumento dos críticos sobre a influência das premissas de Hofstede de
forma generalizada nos estudos culturais brasileiros, pois, segundo ele, nesta linha
antropológico-histórica muitos até discordam da quantificação de perfis culturais e de
estudos interculturais. Caldas (2009), não obstante, acolhe dois outros argumentos da
crítica: o fato dessa linha ter como base relatos históricos sobre o Brasil que podem já
não ser válidos para compreensão da contemporaneidade, diante da possível mutação
de traços culturais ao longo do tempo, e a generalização dos traços culturais “para
chegar a uma cultura organizacional brasileira”, ignorando a multiplicidade cultural brasileira.
Ainda no mesmo texto, Caldas (2009), que se diz motivado por essas críticas à
terceira linha de pesquisa e pelo o que ela deixou de produzir (a pesquisa de base
nunca estabeleceu análise do presente para fazer reflexões sobre o futuro), apresenta
quinze proposições e um modelo conceitual para uma “cultura nacional múltipla e fluida”, conforme Quadro 03.
Quadro 3: Proposições sobre o contexto cultural brasileiro PROPOSIÇÕES DECORRENTES DAS PRESSÕES
PELA HETEROGENEIDADE
PROPOSIÇÕES DECORRENTES DAS PRESSÕE PELA HOMOGENEIDADE
P1: no Brasil, devem ser observáveis pelo menos cinco regiões culturais distintas, provavelmente compostas de muitas outras subdivisões internas: (1) Sudeste Urbano, (2) Sul Urbano, (3) Norte e Nordeste Costeiros Urbanos, (4) cultura Amazônica e (5) cultura Rural Brasileira
P2: o Sudeste brasileiro constitui um agrupamento cultural distinto no Brasil e seus padrões culturais devem ser os
mais próximos daqueles da “alter-cultura” hoje projetada
na maior parte do país.
P3: em áreas com fortes diferenciais históricos, como o Sul Rural do Brasil, deve haver uma maior dispersão em
relação à “alter-cultura” do país do que em centros urbanos maiores e de mistura étnica mais intensa
P4: áreas com fortes padrões históricos de migração, como o Sul Rural do Brasil, devem fortemente afetadas por resíduos de cultura européias ocidentais e centrais e/ou subculturas originárias de seus fluxos migratórios;
P5: também devem ser perceptíveis subconjuntos culturais transregionais que diferenciem entre subculturas de desenvolvimento econômico distinto: por exemplo, a dispersão cultural ou as diferenças entre as populações pobres de cidades tão diversas quanto São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador devem ser
significativamente menores que a dispersão cultural ou as diferenças culturais entre os grupos mais abastados das mesmas cidades.
P6: quanto maior for o acúmulos de bolsões de
desenvolvimento fora do Sudeste, mais esses novos centros irão desenvolver culturas distintas de suas origens e/ou criar híbridos culturais extraídos de seus padrões culturais originais e dos padrões do Sudeste.
P7: quanto maior o nível de dependência (econômica, cultural) do Brasil, maior será a tendência à homogeneização cultural, atualmente em direção a padrões culturais anglo-saxônicos.
P8: quanto maior o foco e os resultados do Brasil em desenvolvimento institucional, maior será a tendência à homogeneização cultural, provavelmente em direção aos padrões anglo-saxônicos que definiram e defenderam essas tendências institucionais adotadas.
P9: a homogeneização e a anglo-saxonização do Brasil, derivadas do desenvolvimento institucional, devem ser observadas primeiros na “alter-cultura” (cultura como deveria
ser) e apenas posteriormente em representações culturais correntes (cultura como é).
P10: quanto maior a concentração de riqueza e do desenvolvimento brasileiro no eixo Rio-São Paulo, maior será a tendência à homogeneização cultural em direção aos padrões do Sudeste e , por extensão, aos anglo-saxônicos.
P11: quanto maior o crescimento econômico do Brasil e/ou menor sua desigualdade de renda, maior a tendência para a homogeneização cultural, principalmente em direção a padrões
do Sudeste, uma vez que essa região vem representando a “alter
-cultura” hegemônica (P2).
P12: quanto maior a proporção de trabalho assalariado em relação ao trabalho autônomo ou de subsistência rural, maior deverá ser a tendência à homogeneização cultural, provavelmente em direção aos padrões da região Sudeste, uma
vez que tem ela sido a campeã da “alter-cultura” hegemônica
centrada na vida de trabalho (P2).
P13: graças à maior permeabilidade à anglo-saxonização, a região cultural do Sudeste Urbano deve apresentar menor coletivismo, maior universalismos, menor hierarquia, menor aversão ao risco e maior padrão cultural de realização do que as demais regiões, seguida da região cultural do Sul Urbano.
P14: graças ao seu conservadorismo histórico e às suas raízes tradicionais, o Norte e o Nordeste Urbanos e a região Rural Brasileira devem apresentar masculinidade e hierarquia maior do que o Sudeste Urbano e um pouco maior do que o Sul Urbano.
P15: quanto maior a homogeneização cultural brasileira, menor deverá ser a relevância do coletivismo, menor a aversão ao risco e a maior a orientação para o padrão cultural de realização em seus perfis culturais.
Na visão desse mesmo autor, as proposições – na condição de generalizações cautelosas - podem servir como ponto de partida para o debate e para pesquisa em
torno da percepção de uma cultura em constante mutação e “sujeita a pressões internas e externas por homogeneização ou heterogeneização” (p. 79).
O que Caldas (2009) demonstra, dessa maneira, é ser seu ponto de vista “de orientação pragmática”, baseado na dinâmica heterogeineidade/homogeneidade, atento ao contexto histórico, mas aberta para a compreensão de uma cultura nacional
múltipla e fluida, conforme modelo da Figura 1 (p. 36).
Percebe-se que o reconhecimento de Caldas (2009) sobre uma cultura
brasileira múltipla e fluida é sinal de atenção às críticas dos últimos anos, em especial,
sobre a necessidade de se considerar a mutação dos traços culturais ao longo do tempo
e o cuidado exigido com a caracterização de “uma” cultura brasileira, até mesmo pelas considerações de Hall (2006) apresentadas no início desta seção.
Em relação a esse aspecto, é pertinente lembrar uma diferenciação entre
identidade cultural e cultura ressaltada por Cuche (2002 [1996]). Segundo esse autor,
a cultura pode existir sem uma consciência de identidade, mas esta pode manipular e
modificar o conteúdo cultural. O que diz Cuche (2002 [1996]) entra em sintonia com
a passagem de Hall (2006) citada anteriormente e com a fundamentação pós-moderna
utilizada por Alcadipani e Crubelate (2003) quando lembram que “ela (a perspectiva pós-moderna) não apresenta o sujeito como possuidor de uma identidade fornecida
Figura 1: Modelo conceitual dos perfis culturais múltiplos e fluidos brasileiros
Com efeito, Cuche (2002 [1996]), ao lembrar que a identidade cultural é uma
categoria da identidade social, ressalta a imperícia em se tentar reduzir a identidade
cultural sem levar em consideração à heterogeneidade do grupo social. Nesse
caminho, o autor evidencia a necessidade de se observar a identidade de forma
multidimensional e propõe que a análise científica não deva pretender achar a
verdadeira definição das identidades particulares que estuda, mas os significados que
levam os indivíduos a recorrer a elas (p.202). A conclusão de Cuche (2002 [1996])
fundamenta-se, em parte, nas considerações de Frederik Barth sobre a manifestação
relacional da identidade, para quem o importante não é inventariar os traços culturais
distintivos para definir sua identidade, mas localizar os que são utilizados pelos
membros do grupo para afirmar e manter uma distinção cultural (BARTH, 1969,
citado por CUCHE, 2002 [1996], p. 182).
Embora estimulante, o modelo proposto por Caldas (2009) não teve por
objetivo centrar esforços na busca de traços culturais que impactam a gestão, e é
atento a essa necessidade de localizar traços culturais no ambiente de gestão e suas
transformações ao longo do tempo, que este trabalho fundamenta-se no Modelo
Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB (CHU, 2010).
A opção por Chu (2010) é motivada, entre outros aspectos, pelo fato desse
modelo considerar as transformações decorrentes no perfil do gestor com a
internacionalização dos negócios e os impactos decorrentes da globalização, situação
Há ainda uma perspectiva de ordem prática posta pelo MCGB, uma vez que o
modelo detalha quais traços culturais irão impactar determinada dimensão
organizacional, embora esta característica seja pertinente também ao modelo
apresentado por Barros e Prates (1996).
No entanto, o modelo de Chu (2010) foi construído a partir de pesquisa
empírica, de natureza qualitativa e, de certo modo, mais distante do simples
“replique” dos questionários e das categorias de Hofstede (2003 [1991]), cujos efeitos para a produção acadêmica nacional na área de cultura organizacional já foram
salientados pela crítica.
Além disso, ao perceber um sistema cultural em caráter transitório e que passa
por um processo de hibridização entre o local o global, o modelo admite caráter
dinâmico aos traços culturais e à gestão praticada no Brasil, de maneira até
semelhante com as tensões avaliadas por Caldas (2009) para caracterização dos perfis
culturais múltiplos e fluidos dentro do país, não caindo facilmente na armadilha das
generalizações improváveis.
Por fim, sobre esse aspecto, é válido dizer que a consideração sobre um
“Modelo da Gestão Brasileira” baseada em considerações culturais sugere simplificações e estereótipos. Mas, embora já antes ligeiramente registrado, vale
observar o mesmo Caldas (2009), até por ser um dos mais profícuos na área, ao fazer
a defesa dos autores que tratam das questões de cultura nacional e cultura
“tais representações culturais do Brasil têm seu valor, ainda que sejam (a) tomadas meramente como ´pontos de partida´, que levam a generalizações cautelosas feitas num primeiro contato, mas para s quais devem ser extraídos refinamentos a partir da experiência local afetiva; (b) tomadas com cuidado por causa de suas profundas limitações e, portanto, usadas como ‘fontes de insigths´ quando ao ambiente de negócios em terras desconhecidas e não como mapas topográficos exatos, detalhados e definitivos do terreno intercultural; (c) baseadas em casos reais e menos generalizantes, derivadas da experiência e enriquecidas com as nuances de cada caso específico” (CALDAS, 2009, p. 61).
Na próxima seção será apresentado, de forma mais detalhada, o Modelo
Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB (Chu, 2010). Antes, vale salientar que
esta seção poderia ter fundamentado, em diversas páginas, uma forma de
compreensão da cultura brasileira utilizando vasto referencial teórico já devidamente
explorado por diversos trabalhos que se encaixam em uma das três linhas apontadas
por Caldas (2009). Não o fez, principalmente, por dois motivos: a) pelo fato do
MCGB já contemplar reflexão sobre o assunto; b) por ter preferido fundamentar a
importância da cultura nacional como conceito e a necessidade de localizar os traços
culturais na compreensão da realidade social e, consequentemente, no ambiente das
organizações.
2.4
Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira
O Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira-MCGB (CHU, 2010) surgiu a
partir de uma pesquisa que buscou oferecer contribuições à compreensão sobre uma
semi-estruturadas e aplicou questionário a 25 executivos (16 brasileiros e 09 estrangeiros)
de empresas de grande porte internacional com atividades no Brasil.
A pergunta a partir da qual surge a pesquisa formulada por Chu (2006) “como se caracteriza o estilo brasileiro de gestão atualmente?” foi motivada, segundo ela mesma, pela sua percepção sobre um novo cenário de exposição do “estilo local de gestão” aos referenciais estrangeiros, em função de fatores que começaram a se desenhar, a partir das décadas de 80 e, sobretudo, de 90.
Quatro são os fatores evidenciados pela autora do estudo para caracterizar este
novo cenário: a difusão das práticas e modelos de gestão internacionais no Brasil; os
processos de fusão e aquisição de empresas – muitas desses envolvendo transações com organizações internacionais; a expatriação de executivos (brasileiros para
exterior; estrangeiros para o Brasil) e a criação de cursos de MBA.
Não obstante, sabe-se que o “estilo brasileiro de gestão” foi anteriormente caracterizado pela “fartura” de livros e artigos científicos produzidos durante as décadas passadas8. Estudos que em grande medida investigaram o impacto dos traços
culturais brasileiros no cotidiano das organizações, apoiando-se, conforme
posteriormente também apontaram os críticos e Caldas (2009), em especial, “nas formações histórica, cultural, social e econômica do Brasil” (CHU, 2010, p. 3).
Em um levantamento da produção acadêmica nacional sobre cultura e
organizações, os principais traços culturais brasileiros apontados pelos estudos e
ressaltados por Chu (2006) são: jeitinho, personalismo, coletivismo, feminilidade,
orientação à longo prazo, distância de poder, flexibilidade, lealdade às pessoas,
formalismo, autoritarismo, lealdade, malandragem, impunidade, aversão ao conflito,
fascínio pelo estrangeiro, paternalismo, cordialidade e postura de espectador.
Para Chu (2006), muitos desses traços listados continuam presentes, mesmo
após as mudanças na “internacionalização da gestão”, no “ambiente institucional” e “no perfil do gestor brasileiro”, no entanto, alguns desses com sinais de enfraquecimento, novas nuanças ou reinterpretação. Entre os traços identificados
diretamente no estudo dessa autora aparecem, com intensidade muito marcante e sem
sinais de alterações: desigualdade de poder, autoritarismo, postura de espectador,
flexibilidade e heterogeneidade cultural. Com novas nuanças e intensidade ainda
muito marcante, foram constatados: personalismo, evitar conflitos e gestão do tempo.
Embora também tenha surgido com novas nuanças, o traço jeitinho teve presença
pouco marcante, assim como os traços cordialidade e orientação a resultados, ainda
que estes tenham sido configurados como sem alterações em relação à conceituação.
Quanto aos traços orientação humana, formalismo, planejamento e admiração pelo
estrangeiro, estes foram identificados no estudo com presença muito marcante e
sinais de reinterpretação em relação à conceituação do referencial teórico dessa
autora. Finalmente, os traços coletivismo, paternalismo, feminilidade, lealdade às
pessoas, malandragem e impunidade não foram diretamente identificados nesse
estudo empírico, mas são comentados em termos de transformação conceitual e
presença no cotidiano.
Nesta nova configuração de traços, o MCGB apresentado por Chu (2010) está
brasileiras, e foi “construído e reconstruído em função do impacto da
internacionalização dos negócios” (p. 39).
Figura 2 – Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira
Fonte: Chu (2010), adaptado de Chu (2006).
Na Figura 2, percebe-se que cada dimensão agrupa traços culturais, uns na
condição de centrais e outros; periféricos; uns com ressignificações em relação a
percepções anteriores, enquanto outros mantêm a situação pré-globalização.
A gestão brasileira, à luz do MCGB, deve ser caracterizada como glocal, que
incorpora nas organizações elementos de outros contextos (aparentemente mais